quinta-feira, dezembro 13, 2007

Tratado Europeu 3

Açores, São Miguel, Vila Franca do Campo, Ilhéu, 2006.
Açores, São Miguel, Vila Franca do Campo, Ilhéu, 2006.

Tratado de Lisboa

A diplomacia portuguesa está de parabéns. O governo de José Sócrates, Durão Barroso e Cavaco Silva remaram bem. Foi mais um pequeno passo para a Europa que talvez não faça mal à humanidade. Mas significa a assinatura do Tratado de Lisboa, no belíssimo claustro dos Jerónimos, num magnífico dia de Sol, e numa cidade falida mas bela que a todos oferece, ao menos hoje, museus e transportes à borla, um bom augúrio? Oxalá que sim! Haverá problemas pela frente, depois da festa de hoje? Infelizmente, sim.

A questão europeia é sobretudo uma questão de espaço e de transição civilizacional. Duas guerras mundiais e dezenas de milhões de mortos chegaram para a Europa perceber que tinha que se reorganizar e rumar noutra direcção. Por um lado, ficou demonstrado que nenhuma das velhas potências europeias, dos Habsburgos a Napoleão e deste a Bismarck e Hitler, seria capaz de dominar e muito menos unir, pela força, a Europa Ocidental. Por outro, o fim dos vários impérios coloniais europeus e a emergência paulatina dos grandes estados continentais e sub-continentais da América, de parte da Eurásia e da Ásia, colocou as mentes lúcidas da Europa num verdadeiro estado de emergência geo-estratégica. As guerras intra-europeias arruinaram por várias vezes uma Europa cuja consciência de si foi sendo adquirida, contraditória e tardiamente, por reacção ao protagonismo sucessivo e crescente de novos actores estratégicos com capacidade de influenciar de forma determinante a agenda política mundial: Estados Unidos, União Soviética, China...

As óbvias vantagens culturais, tecnológicas, organizativas e militares da Europa pós-Renascentista e Moderna estão prestes a terminar. Acumuladas ao longo de quinhentos anos, serviram-nos para aguentar, durante todo o século 20, o previsível embate da concorrência movida pelo Novo Mundo e pela subsequente ressurreição económica da Ásia (sobretudo Japão, China e India.) Esgotado o ciclo da exploração directa e colonial das matérias primas e dos mercados situados na América, em África e na Ásia, não restou à lógica do Capitalismo outra solução que não fosse auto-expatriar-se para os novos mercados, assentando aí as suas fundações e estratégias com o objectivo de contrariar a Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro, cada vez mais ameaçada numa Europa desfalcada de matérias primas, de capital humano barato e dócil, e de vontade.

As economias da Europa Ocidental, dos Estados Unidos e Canadá, sobretudo a partir da década de 70, foram-se transformando em economias virtuais de serviços, consumo e especulação financeira. O acesso negocial às fontes de energia, reservas de matérias primas, solos férteis e mão-de-obra barata levou os "países ricos" a exportarem cada vez mais indústrias, conhecimentos e fatias crescentes do capital acumulado para o chamado "terceiro mundo". Em troca foram recebendo um pouco de tudo: soja, madeiras nobres e corporate jets Embraer Legacy do Brasil, toda a espécie de electrónica, automóveis e motas do Japão, Coreia do Sul e Formosa, matemáticos, engenheiros e contabilistas da India, Barbies Mattel, sneaks Nike, jeans Armani e maçãs Fuji, da China e, claro está, muito petróleo e gás natural da Rússia, Médio Oriente, Magrebe, Golfo da Guiné, Venezuela, etc.

Esta transferência monumental de recursos financeiros, organizativos, tecnológicos e culturais teve um preço inesperado. Acelerada ao longo das décadas de 1980 e 1990, da Europa Ocidental, Estados Unidos-Canadá e Japão, para os países emergentes, nomeadamente os BRIC, tal transferência viria a traduzir-se num desequilíbrio comercial e financeiro crescente a favor destes últimos, colocando subitamente os EUA e a actual União Europeia (UE) perante desafios inimagináveis há uma ou duas décadas atrás (1). A demografia declinante e envelhecida da Europa, associada aos salários comparativamente elevados e aos níveis de bem estar social adquiridos pelos respectivos cidadãos depois da II Guerra Mundial, a que se vem somar uma indisfarçável penúria energética e de matérias primas industriais e, por fim, a deslocalização de boa parte da sua economia real para os paraísos da nova escravatura, tem vindo a conduzir os europeus para uma armadilha explosiva. Se forem incapazes de reagir a tamanha ameaça, Europa e Estados Unidos poderão caminhar para um longo período de decadência, à semelhança do que ocorreu à Dinastia Ming depois de um édito imperial ter determinado, em 1436, o fim da sua imensa frota naval de águas profundas, em nome da concentração dos esforços financeiros e militares na luta contra os Mongóis.

Depois da assinatura de hoje que podem desejar os europeus? O período que se segue à assinatura do Tratado de Lisboa, na espera ansiosa pela ratificação do mesmo por todos os 27 estados membros da União Europeia, será porventura um dos mais críticos do projecto lançado em Roma há precisamente meio século. Basta que a ratificação seja chumbada por um único dos seus membros para voltarmos à estaca anterior, ou mesmo a uma espécie de estaca zero! Esta possibilidade implica que um ou mais países optem por realizar referendos, em vez das ratificações parlamentares pré-acordadas, e que num desses referendos vença, outra vez, o NÃO! Vale a pena correr este risco? Não creio que haja razões suficientemente fortes para tal. Basta perguntar aos defensores do referendo, quantas das actuais constituições nacionais dos vários países europeus foram referendadas. Ou se uma maioria parlamentar qualificada é menos democrática do que um referendo? Ou ainda se já leram o Tratado?

A União Europeia está ainda longe de ter alcançado a dimensão territorial e a coerência cultural de que necessita para sobreviver aos desafios que se aproximam. Se bem que a ligação aos Estados Unidos seja ainda muito forte, como se viu na operação de salvamento lançada pelos bancos centrais norte-americanos e europeus, a propósito do buraco negro que suga catastroficamente a liquidez financeira especulativa de ambos os lados do Atlântico, é bem provável que a mesma se venha a romper num futuro próximo. Se tal ocorrer, teremos que pensar rapidamente em convidar a Turquia e a Rússia para darem o seu precioso contributo à construção de uma Grande Europa, capaz de promover o equilíbrio entre as principais placas tectónicas da política mundial, e sobretudo trabalhar na árdua transição energética, económica e social que a todos espera ao longo das próximas décadas. Se nada fizermos neste campo, 2030 marcará o incorrigível declínio de toda humanidade para formas de sobrevivência desesperada, da qual resultarão retrocessos civilizacionais inimagináveis.

As ameaças que temos pela frente podem ser arrumadas em dois apartados: o que se refere à Europa; e o que diz respeito ao mundo na sua globalidade.

No primeiro, há três ordens de problemas que merecem a maior das atenções:
  • olhar para a Europa como uma Grande Europa, cujo território vá de Lisboa (ou melhor do Ilhéu de Monchique, ao largo da Ilha das Flores, no arquipélago dos Açores) até Kiev, Istambul, Moscovo e Vladivostok!
  • olhar para as nações intra-europeias como unidades culturais solidárias do projecto europeu, acompanhando com especial cuidado os processos independentistas em curso no Kosovo, Escócia, Bélgica, País Basco, Catalunha e Galiza.
  • defender a democracia, a liberdade e a solidariedade nas suas dimensões jurídicas, éticas e sociais.
No segundo, sublinho estas três ordens de problemas:
  • o actual paradigma energético está esgotado e a sua substituição implicará uma revolução económica, tecnológica, social e cultural sem precedentes.
  • o aquecimento global e as alterações climáticas daí decorrentes, parcialmente causados pelas sociedades humanas, têm consequências catastróficas, agravadas à medida que emitimos gases com efeito de estufa para a atmosfera, e tornar-se-ão irreversíveis a partir do ponto em que as temperatura médias atmosféricas do globo subam mais de 2ºC acima da média registada na era pré-industrial.
  • a exaustão dos recursos energéticos, minerais e alimentares, bem como a exaustão dos solos orgânicos e a falta de água potável, são processos humanos aparentemente imparáveis, mas a que a humanidade sucumbirá, porventura subitamente, se não agir com determinação e inteligência desde já.


Notas
  1. Michel Rocard: "La crise mondiale est pour demain".

    "Il va falloir défendre tout ce qui produit contre tout ce qui spécule. C'est ça, la nouvelle lutte des classes".

    Pour l'ancien Premier ministre, tous les facteurs d'une crise économique d'une ampleur considérable sont réunis. Comment en est-on arrivé là? Que peut-on faire?

    Michel Rocard:

    "Avec une pauvreté de masse évaluée à 10 millions de personnes en Grande-Bretagne et entre 5 et 6 millions en France, la part des salaires dans le PIB a évidemment reculé par rapport au «profit» réinvesti de manière spéculative. D'où, faute d'une demande suffisante, une croissance anémiée, incapable de contenir l'hémorragie des déficits et une dette de plus en plus difficile à rembourser."

    "Par rapport à l'économie physique réelle, ces liquidités sont en effet sans précédent. Mais elles ne s'orientent pas vers l'investissement long. Elles préfèrent les investissements financiers spéculatifs. Tous les banquiers vous le diront, malgré leur affinement, les politiques économiques ne peuvent rien sur l'usage et l'évolution de ces liquidités. Ce dysfonctionnement, culturel dans sa nature, structurel dans son résultat, est terrible. Personne ne sait comment ça peut finir, et j'ai la conviction que ça va bientôt exploser".

    "C'est le capitalisme dans sa forme mondialisée et financiarisée non le marché dont je suis partisan - qui est en cause aujourd'hui." -- 13-12-2007, Le Nouvel Observateur.

Referências

Oil-Rich Nations Use More Energy, Cutting Exports

9-12-2007. The economies of many big oil-exporting countries are growing so fast that their need for energy within their borders is crimping how much they can sell abroad, adding new strains to the global oil market.
Experts say the sharp growth, if it continues, means several of the world's most important suppliers may need to start importing oil within a decade to power all the new cars, houses and businesses they are buying and creating with their oil wealth.

Internal oil consumption by the five biggest oil exporters -- Saudi Arabia, Russia, Norway, Iran and the United Arab Emirates -- grew 5.9 percent in 2006 over 2005, according to government data. Exports declined more than 3 percent. By contrast, oil demand is essentially flat in the United States. -- New York Times.


The Peak Oil Crisis: Decision at Abu Dhabi, by Tom Whipple

6-12-2007. "As the century turned, however, so did the fortunes of OPEC. Around the world, giant oil fields started to decline leaving only a few OPEC members with much or any spare production capacity or prospects for growing output. More importantly, the world's two most populous countries, China and India, which had been dormant for centuries, got their economic acts together and began to import ever increasing quantities of oil. The price of oil that in 1998 was $10 a barrel soared to nearly $100. OPEC members were not only getting rich, they were back at the center of world affairs.

"When OPEC gathers in a closed room to discuss a production increase, only one country (the Saudis) can do much about increasing production. Most of the rest just want to see higher and higher prices, in some stable currency, so as to get the most real return for their oil before it runs out. Thus, it is the Saudis who carry the trump card for only the Kingdom (or so they would like us to think) can increase production. The other 12 are really just there for window dressing that gives the appearance of a "group" decision.

In the build-up to this week's meeting the wire services were filled with speculation about what would happen. Each of the 13 oil ministers had his minute of fame on the world's stage. One of the services was told authoritatively that as oil was nearly at $100 a barrel, OPEC was studying a 750,000 barrel a day increase in production. Shortly after this story made the rounds, oil prices dropped by $10 a barrel on expectations of a big production increase and concerns about a really bad economic situation next year. By the end of last week a poll of financial analysts showed that most expected at least a 500,000 barrel a day increase.

As the meeting drew closer Iran and Venezuela (who can no longer increase production) were busy telling anybody who would listen that there was no need for a production increase. This time around Indonesia, who has 235 million increasingly hungry mouths to feed, called for a production increase in hopes that the Saudis would step up production and mitigate oil prices. The Saudis as usual kept their own counsel, saying they had to review the latest data.

During the meeting a highly placed, but anonymous, official spread the story that the Saudis were asking for a 500,000 barrel a day increase and were arguing with those who were opposed. This of course made the Saudis look like good guys to Washington and the OECD no matter what the 'decision'. When the doors opened, it was announced that production would stay the same and that the matter would be reviewed on February 1.

That should settle the matter for another couple of months. If it is a cold winter and demand really goes up than we could see our economy-damaging $100+ oil after all. If the credit crunch reaches the levels that some fear, then OPEC made a good decision, as demand will drop. -- Energy Bulletin.


Scientists in the US have presented one of the most dramatic forecasts yet for the disappearance of Arctic sea ice.

12-12-2007. Their latest modelling studies indicate northern polar waters could be ice-free in summers within just 5-6 years. -- BBC Online.


What Is Progress? The numbers show that this should be the real question at the Bali talks.

4-12-2007. "A paper in Geophysical Research Letters finds that even with a 90% global cut by 2050, the 2° threshold 'is eventually broken'. To stabilise temperatures at 1.5° above the pre-industrial level requires a global cut of 100%. The diplomats who started talks in Bali yesterday should be discussing the complete decarbonisation of the global economy.

"It is not impossible. In a previous article I showed how by switching the whole economy over to the use of electricity and by deploying the latest thinking on regional supergrids, grid balancing and energy storage, you could run almost the entire energy system on renewable power. The major exception is flying (don't expect to see battery-powered jetliners) which suggests that we should be closing rather than opening runways.

"The Kyoto Protocol, whose replacement the Bali meeting will discuss, has failed. Since it was signed, there has been an acceleration in global emissions: the rate of CO2 production exceeds the IPCC's worst case and is now growing faster than at any time since the beginning of the industrial revolution. It's not just the Chinese. A paper in the Proceedings of the National Academy of Sciences finds that 'no region is decarbonizing its energy supply'. Even the age-old trend of declining energy intensity as economies mature has gone into reverse. In the UK there is a stupefying gulf between the government's climate policy and the facts it is creating on the ground. How will we achieve even a 60% cut if we build new coal plants, new roads and a third runway at Heathrow?

Underlying the immediate problem is a much greater one. In a lecture to the Royal Academy of Engineering in May, Professor Rod Smith of Imperial College explained that a growth rate of 3% means economic activity doubles in 23 years. At 10% it takes just 7 years. This we knew. But Smith takes it further. With a series of equations he shows that 'each successive doubling period consumes as much resource as all the previous doubling periods combined.' In other words, if our economy grows at 3% between now and 2030, we will consume in that period economic resources equivalent to all those we have consumed since humans first stood on two legs. Then, between 2030 and 2053, we must double our total consumption again. Reading that paper I realised for the first time what we are up against. -- George Monbiot.


"Doomsday Seed Vault" in the Arctic, by F. William Engdahl

Bill Gates, Rockefeller and the GMO giants know something we don't

"We can legitimately ask why Bill Gates and the Rockefeller Foundation along with the major genetic engineering agribusiness giants such as DuPont and Syngenta, along with CGIAR are building the Doomsday Seed Vault in the Arctic.

"Who uses such a seed bank in the first place? Plant breeders and researchers are the major users of gene banks. Today's largest plant breeders are Monsanto, DuPont, Syngenta and Dow Chemical, the global plant-patenting GMO giants. Since early in 2007 Monsanto holds world patent rights together with the United States Government for plant so-called 'Terminator' or Genetic Use Restriction Technology (GURT). Terminator is an ominous technology by which a patented commercial seed commits 'suicide' after one harvest. Control by private seed companies is total. Such control and power over the food chain has never before in the history of mankind existed."

"Can the development of patented seeds for most of the world's major sustenance crops such as rice, corn, wheat, and feed grains such as soybeans ultimately be used in a horrible form of biological warfare?

"The explicit aim of the eugenics lobby funded by wealthy elite families such as Rockefeller, Carnegie, Harriman and others since the 1920's, has embodied what they termed 'negative eugenics,' the systematic killing off of undesired bloodlines. Margaret Sanger, a rapid eugenicist, the founder of Planned Parenthood International and an intimate of the Rockefeller family, created something called The Negro Project in 1939, based in Harlem, which as she confided in a letter to a friend, was all about the fact that, as she put it, ‘we want to exterminate the Negro population.''' -- Global Research, December 4, 2007.

OAM 293 13-12-2007, 17:45

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Europa-Africa

Mugabe, people power
"Mugabe, people power", in Zimbabwe Democracy Now - Lisbon Press Kit.

Diplomacia, ciência da hipocrisia

Sejamos claros: a cimeira Europa-África levada a cabo em Lisboa este fim-de-semana teria que ter lugar agora ou muito proximamente. Na realidade, para além das questões comerciais imediatas entre os dois continentes, como o acordo de parceria económica, APE, que falhou dramaticamente (ver notícia no Público de 9-12-2007), estamos perante o último voo de rapina em direcção a um dos mais ricos, menos explorados, desgovernados e corruptos continentes do planeta. O bando é formado, por um lado, pelas principais potências emergentes e re-emergentes (China, India, Rússia, Brasil e produtores de petróleo do Médio Oriente), e por outro, pelas envelhecidas e desfalcadas potências imperiais que dominaram o mundo nos últimos 500 anos: a Europa Ocidental e os Estados Unidos da América. A frase enigmática de José Sócrates --"O importante é que nos encontramos de igual para igual. Foi uma cúpula sem tabus."-- quis por isso dizer que embora se possa falar dos podres de cada continente, o essencial não é atirarmos pedras para os telhados uns dos outros, mas chegarmos ao grão do problema, isto é, aos novos termos de troca entre os dois lados do Mediterrâneo, no momento em que tantos e tão ricos candidatos se mostram ávidos de "cooperar" com África.

A Europa já perdeu tempo demais com tiques coloniais que teima em conservar e com discursos piedosos sobre a moral das nomenclaturas pós-coloniais. Ou muda de atitude e corre depressa, ou está condenada a perorar inutilmente sobre direitos humanos, na última posição da bicha de investidores na nova economia africana. Neste ponto, um país pequeno como Portugal, mas que foi o primeiro grande explorador e colonizador de um continente ainda largamente tribal, esteve bem no seu papel de mediador diplomático entre a União Europeia e a União Africana. A sintonia estratégica entre Durão Barroso, Cavaco Silva e José Sócrates, por uma vez, faz pleno sentido e pode ser muitíssimo útil ao país. Só mesmo os pessimistas congénitos, os vigários da Esquerda e um ou outro jornalista parvo não perceberam o alcance da cimeira de Lisboa independentemente do que foi concretamente alcançado.

Os direitos humanos são uma questão de princípio no plano moral, mas não passam de pormenor circunstancial na diplomacia internacional. Pensemos, por exemplo, no controlo exercido pela De Beers sobre a produção mundial de diamantes, ou no que apenas suspeitamos passar-se na China, ou ainda nalgumas estatísticas relativamente recentes: Guerra do Vietnam, 3 milhões de mortos; Invasão do Iraque (2003-2006), 655 mil mortos; Darfur, 200 mil mortos nos últimos dois anos e meio; Zimbabwe, 20 mil mortos entre 1983-85. Os protestos contra o assassino Mugabe são legítimos. Mas que dizer das acções promovidas por Bush e Blair no Iraque? A Cimeira Europa-África não visava este género de questões...

Até ao fim da década de 1970 as grandes preocupações do Ocidente andavam à volta dos acessos à energia barata (petróleo e gás natural) e às matérias primas. Durante as duas décadas que se seguiram, a tais prioridades estratégicas somou-se mais uma: a mão de obra barata, que foi desaparecendo no Ocidente à medida que foram emergindo as chamadas sociedades de consumo e do bem estar social. A extinção do trabalho barato nos países ricos acabaria rapidamente por levá-los à exportação literal das indústrias e dos conhecimentos para o chamado Terceiro Mundo, conduzindo paulatinamente, entre meados da década de 1970 e o fim do século 20, a uma drenagem sem precedentes de recursos industriais, tecnológicos e financeiros da Europa, e sobretudo dos Estados Unidos, para países como o México, o Brasil, a Formosa, a Coreia do Sul, a India e a China. A situação de enorme desequilíbrio das balanças comerciais e de pagamentos a favor dos novos países emergentes viria a traduzir-se, assim, numa ameaça potencialmente fatal para os Estados Unidos e a Europa. Nestas partes do mundo predominam sociedades hedonistas de consumidores envelhecidos e pouco reprodutivos, enquanto nos continentes que agora despertam para o crescimento económico, assiste-se a uma explosiva demografia do trabalho. Enquanto as sociedades ocidentais consomem cada vez mais bens de toda a espécie e produzem cada vez menos bens materiais, as economias emergentes consomem cada vez mais bens essenciais, para assim poderem produzir cada vez mais mais bens de toda a espécie, a começar pelos materiais. Resultado: o consumo mundial de energia e a exaustão de recursos não renováveis dispararam e crescem a um ritmo exponencial.

Neste jogo ocorreu um imprevisto: o dinheiro fugiu do Ocidente para o Oriente!

A causa é simples e chama-se, desde o início da década de 1980, outsourcing, ou seja, sub-contratação. Dada a abundância de energia barata e de forças humanas produtivas virtualmente inesgotáveis e a preço irrisório em todos os cantos da Terra excepto nos EUA, Canada e Europa Ocidental, o Capitalismo resolveu criar um sistema global de reprodução do valor, no qual os centros crescem com base na sua capacidade de consumo e as periferias, com base na sua capacidade de produção a baixo custo. Como é fácil perceber, este mecanismo iria levar à progressiva descapitalização das sociedades de consumo em benefício das sociedades de produção. Todos conhecem no Ocidente, pelo menos desde finais da década de 1960, este fenómeno: sai mais barato comprar, do que fazer, deitar fora e comprar novo, do que reparar, importar, do que produzir localmente, pedir dinheiro emprestado do que poupar. A gigantesca crise financeira que actualmente afecta tão seriamente os EUA e a Europa, chamada impropriamente subprime, não é mais do que a conclusão lógica de uma tendência para o endividamento cumulativo das antigas metrópoles do Capitalismo face às economias colonizadas. Enquanto as balanças comerciais e de pagamentos se desequilibram cada vez mais a favor destas últimas, cresce de forma imparável o endividamento do Ocidente. Este, que produz cada vez menos bens materiais, especializa-se na produção especulativa de dívidas, que empacota com bonitos nomes e embrulhos, e que reproduz numa escala sem precedentes, transformando a sua economia num verdadeiro casino de doidos. Em vez de dinheiro efectivo, fabrica fichas de plástico (o famoso "Leve Agora e Pague Depois"), pagando com estes títulos de dívida tudo o que importa e consome, e ainda os investimentos colossais que realiza em todo o mundo! Os fabricantes de guardas-chuvas, de chau-min, de computadores e de telemóveis, ficam com os cofres atulhados de fichas, pois não conseguem gastá-las até ao fim nas suas próprias economias, cujas moedas são muito baratinhas (pois se não fosse assim, não conseguiriam atrair os investimentos necessários à produção das coisas de que todo o mundo, para quem trabalham, necessita.) Como as economias viciadas na especulação e no consumo não param de produzir dívida, os países produtores de bens, a certa altura, descobrem que são donos dos países para onde enviam os seus barcos cheios de brinquedos. A este clube de países produtores de bens junta-se depois o clube dos países produtores de concentrados de energia barata (petróleo e gás natural), formando um consórcio que ameaça a sobrevivência dos antigos donos do mundo. É este o ponto onde estamos neste preciso momento!

Se a Rússia não tivesse recuperado económica e militarmente da catastrófica hemorragia que se seguiu à implosão da União Soviética, o problema económico que actualmente aflige o Ocidente seria resolvido por uma mão bem mais pesada e confiável do que a famosa "invisível mão do mercado". Em vez de comércio livre, haveria bombas e invasões militares! A seita dos Bush bem tentou atalhar o problema, invadindo duas vezes o Iraque e provocando o Irão até ao limite, esperando que daí resultasse uma III Guerra Mundial capaz de limpar todas as dívidas. Chegou, porém, tarde demais. E agora, bom agora temos que falar como Sócrates: "O importante é que nos encontramos de igual para igual... sem tabus!"

OAM 292 10-12-2007, 16:50

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Aeroportos 45

Camelo
Este camelo sabe nadar e não vai para a Ota!

Aeroporto: lóbi da Ota ainda mexe!

06-12-2007. "O movimento de defensores da Ota organiza hoje um seminário sobre as vantagens da construção do novo aeroporto naquela localidade, numa altura em que o LNEC adiou por um mês a apresentação do estudo comparativo.

"Organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (CES), em parceria com a Câmara Municipal do Cartaxo e a Câmara do Comércio e Indústria do Centro, o seminário «Um Aeroporto para um Portugal Euro-Atlântico», contará com as presenças do antigo ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território, João Cravinho, do presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro e do Vale do Tejo, Alfredo Marques, e do consultor em navegação aérea Paul Willis." -- Diário Digital / Lusa.

Comentário:
Eu só gostava de saber como é que um homem (João Cravinho) responsável por três dos maiores desastres em matéria de decisão política -- a implementação do Alfa Pendular na Linha do Norte, as SCUTs e o Metro do Terreiro do Paço -- continua a puxar por mais uma opção ruinosa e tecnicamente idiota, como é o embuste da Ota. Num país civilizado (por exemplo a Dinamarca) ele estaria provavelmente a responder judicialmente pelos tremendos erros cometidos e pelos prejuízos causados durante as suas funções governativas. Por cá, lugarejo rico e em óbvia expansão económica, continua alegremente envolvido em jogos baratos de estratégia peninsular. Será que esta mente preocupada ainda não teve tempo de meditar, no exílio dourado de que goza em Londres, nas asneiras que fez e nas baboseiras que tem dito sobre a Ota?


Lóbi da Ota: contra aeroportos baratinhos

06-12-2007. "Parece que se o aeroporto for construído a sul do Tejo não custa nada, que pode ser feito como a sopa de pedra", diz, irónico, João Cravinho. É necessário, alerta, "avaliar os custos integrais, os directos e os induzidos, para uma e outra localização".

..."Além do ordenamento, do desenvolvimento e da "barreira Tejo, que custa muito dinheiro a ultrapassar", o empresário Henrique Neto adianta mais um argumento a favor da Ota. "É um crime que o território nacional mais preservado seja destruído com uma estrutura deste tipo, tanto mais que há alternativa"." -- João Fonseca, Diário de Notícias.

Comentário:
Quem é João Cravinho para falar de "custos integrais"? Não foi ele o fautor das mais crassas decisões políticas tomadas neste país em matéria de descarrilamento de "custos integrais"?! Preocupado com a travessia do Tejo? Acha que a Sul do Tejo só existem mouros e camelos, como o dromedário que lhe sucedeu na pasta e no desperdício? Ora tenha juízo, senhor galeguista de meia tijela. Vá passar um ou dois anos à Galiza (como eu fui) e inteire-se como deve do debate galaico-português, em vez de andar com os slogans superficiais do senhor Beiras colados na testa!


Metro em Santa Apolónia (onde?) em 22 de Dezembro

08-10-2007. "O ministro justificou o atraso de dois anos e meio da obra do Terreiro do Paço [na realidade foram 10 anos!] com questões de segurança e a necessidade de reformular todo o projecto.

"O anterior túnel teve de ser abandonado para que fosse construído um novo, mudou-se o local da estação. Na prática foi todo um novo projecto", sublinhou.

Mário Lino falou ainda da derrapagem de preços da obra, que acabou por custar quase o dobro do inicialmente previsto.

A obra estava orçada em 165 milhões de euros (a preços de 97) e acabou por custar 299 milhões (preços de 2007) -- [ou seja, 150 milhões de euros por cada quilómetro!]." -- Expresso.

Comentário:
O ministro responsável pelo lançamento irresponsável deste empreendimento, tecnicamente desaconselhado à época por todos os especialistas com reais conhecimentos na matéria (passar uma linha de metro diante de um conjunto urbanístico e arquitectónico ímpar, a Baixa Pombalina, assente em estacas de madeira), foi o mesmo irresponsável que continua a teimar no embuste da Ota. Tudo porque o homem treslê o mapa estratégico do país e confunde a independência de Portugal com propaganda barata de alguns galeguistas lunáticos.

Post-scriptum
"A NAER já gastou 100 milhões de euros em estudos e a RAVE outros 50 milhões de euros e chegaram a uma situação surpreendente. Querem construir um novo aeroporto sem saber como efectuar as ligações de bitola europeia a Lisboa. Assim, os estudos vão ser perdidos e a Ota abandonada porque nenhum privado irá investir um euro neste projecto." -- Rui Rodrigues.
Mais um motivo para a indecisão do LNEC. Soube-se ontem que o famoso LNEC, que não tem nenhuma competência em aeroportos e é dirigido por um boy do PS, adiou a apresentação do seu aguardado relatório, aparentemente, por haver grandes divisões no interior das equipas que analisaram os problemas! Ahhaha... Deixa-me rir :-) Traduzido por miúdos, isto quer dizer o seguinte: o lóbi da Ota infiltrou-se na vetusta instituição e não pára de fazer pressões. O Socratintas anda com o rabo entre as pernas, esperando que não lhe caia o Carmo e a Trindade em cima da sopa!




ÚLTIMA HORA

Aeroporto na Ota sempre foi escolha secundária

2007-12-09. "O grupo de peritos que, nos anos 80, "descobriu" a Ota como possível localização do novo aeroporto de Lisboa já na altura preferia a zona de Alcochete, não tendo avançado com essa proposta porque as Forças Armadas se recusavam a desmantelar as instalações do Campo de Tiro.

"Segundo Luís Coimbra, actual administrador do Instituto Nacional da Aviação Civil (INAC) e que à época fazia parte do grupo de peritos, "as notícias [de que o LNEC terá escolhido Alcochete em detrimento da Ota] não surpreendem". "Se o LNEC decidiu Alcochete, decidiu muito bem", diz este especialista em planeamento aeroportuário, adiantando que, na sua opinião, a escolha era "óbvia". -- DN Online.

A escolha da Ota ficou então a dever-se à recusa dos militares? Mas desde quando os militares mandam na actual democracia?! Este esclarecimento tardio de Luís Coimbra parece-me frouxo. O verdadeiro motivo que conduziu à Ota, e que teria aproveitado a boleia dos generais com asas, foi a necessidade de libertar os terrenos da Portela para financiar parcialmente a construção do NAL e abrir o derradeiro capítulo da expansão de Lisboa no interior do seu apertado perímetro municipal. Como reconhece implicitamente Luís Coimbra, nenhum novo aeroporto na Margem Sul impediria a continuidade da Portela. Só mesmo a Ota tem essa virtualidade assassina!

A escolha de António Costa para a CML, e até o empréstimo de 400 milhões de euros (mais de 80 milhões de contos, com que garantias?) recém aprovado, reforçam esta convicção generalizada entre os bloguistas que há pelo menos dois anos vêm batalhando contra o erro da Ota. Em plena manobra de recuo, despachado João Cravinho para Londres, empandeirado Mário Lino para o Ambiente, restaria a quem desenhou a estratégia garantir que o novo lóbi, o do Campo de Tiro do Alcochete, iria mesmo defender o encerramento da Portela. É o que está a acontecer.

Mas haverá dinheiro privado que chegue no quadro da actual crise sistémica do sistema financeiro mundial, que ameaça prolongar-se pelos próximos anos, ou décadas? Haverá reais vantagens económicas no negócio assim configurado, tendo em conta que a TAP não tem quaisquer hipóteses de resistir ao ataque actual das Low Cost, e que daqui a 10 anos ninguém sabe como vai ser o paradigma dominante dos transportes aéreos?

A TAP vai passar por um mau bocado. Antevejo comandantes, comissários e hospedeiras a caminho de reformas antecipadas. Antevejo a frota da PGA a apodrecer no aeromoscas de Beja. Antevejo um crescendo nos actuais cancelamentos de voos da TAP em território nacional e para o resto da Europa (mais de 100 por mês nos últimos seis meses). Antevejo levantamentos populares a favor das Low Cost e contra a inexplicável protecção dada a uma empresa descapitalizada, ineficiente, ultrapassada e que pretende sobreviver com apenas 25% das suas efectivas perspectivas comerciais: os voos para África e Américas!

Os partidos parlamentares (todos eles) estão sem qualquer estratégia de transportes nas suas pobres e maniqueístas moleirinhas. Ainda não se lhes ouviu uma palavra sobre coisas tão óbvias como seja a necessidade de fazer renascer das cinzas o transporte ferroviário, remodelando completamente a actual rede em bitola ibérica e articulando a rede de Velocidade Elevada e Alta Velocidade com a rede espanhola. Ainda não se lhes ouviu uma palavra sequer sobre o futuro negro que espera o motor de explosão que há um século move a maioria esmagadora dos automóveis, e as consequências que daqui decorrerão no plano da inevitável re-concentração dos tecidos urbanos e relevância crescente do transporte colectivo, urbano, suburbano e interurbano, na profunda metamorfose social que se aproxima.

Enquanto o Bloco Central se entretém com jogos florais no parlamento, para o pobre contribuinte, a evaporação em curso da liquidez financeira virtual tem pelo menos uma virtude: impedir que o NAL venha a transformar-se em mais um oceano de dívidas, como aquele em que se tornaram as famosas SCUT: autoestradas Sem Custos para o UTilizador!



Montijo não serve para ser aeroporto civil (?!!)

2007-12-09 - 00:00:00. "Marques de Almeida, coronel, piloto aviador, ex-comandante da base aérea do Montijo, chumba liminarmente a hipótese de se construir no Montijo um aeroporto civil como complemento da Portela. Diz que a pista não tem consistência por estar assente num vasto lençol de águas e que a própria ondulação do rio Tejo parte todos os pavimentos. De resto, admite tanto a Ota como Alcochete." -- Correio da Manhã.
Pressing final interessante...

E agora, como ficamos a respeito do Montijo? Se as pistas não estão consolidadas, tal daria força a Alcochete, creio. Mas como é que a Base Aérea do Montijo, sendo uma base NATO, não suporta aviões pesados? Hummmmm...
Quanto à hipótese de o lóbi da Ota ter tanta força que consiga adiar a solução até 2009, para validá-la de novo em eleições legislativas, parece-me contra-informação pura. Nesta hipótese sibilina teríamos a próxima campanha eleitoral dominada pela Ota e por uma enorme discussão em rede sobre a política de transportes no nosso país. Cheira-me a manobra de diversão.

As declarações do coronel piloto aviador Marques de Almeida servem porventura uma missão específica: repor em moldes razoáveis ("técnicos") a hipótese de encerramento da Portela. Foi, ao que parece, esta intenção que esteve na origem da famigerada hipótese da Ota!

Uma futura urbanização dos terrenos do aeroporto da Portela serviria, ainda que parcialmente, para dar alguma sustentabilidade financeira ao município lisboeta e para financiar a construção do NAL. A escolha da Ota teria tido assim um propósito claro: garantir, por razões técnicas, o fecho da Portela, coisa que nenhuma solução na Margem Esquerda do Tejo, por si só, exige.

Faz sentido. Só não sei se perante a evolução dos quadros de referência energéticos e financeiros mundiais, que só agora começam a impor claramente as suas pesadíssimas restrições, não terá desactualizado este desígnio do Bloco Central.

Como venho defendendo desde Maio de 2005, a solução mais prudente é ampliar e remodelar a Portela, complementando este aeroporto com a Base Aérea do Montijo, devidamente adaptada, e o aeródromo de Tires. O Campo de Tiro de Alcochete deveria ser mantido sob reserva até que novos estudos aprofundados, a realizar depois de 2012 (data do amadurecimento do paradigma "Low Cost"), decidissem de uma vez por todas se precisamos ou não de um NAL. Em caso afirmativo, Alcochete seria então a escolha técnica e economicamente seguramente mais adequada.

Quanto ao problema da capital, só terá solução no quadro estruturalmente novo da criação da Região de Lisboa e Vale do Tejo. A economia de escala, as sinergias económico-sociais e os horizontes culturais daí resultantes, são a única solução para um problema crónico (o do envelhecimento e sub-urbanização intencionais de Lisboa) que se foi agravando por efeito da macrocefalia político-partidária e burocrática estimulada por um regime democrático demasiado irresponsável e oportunista -- que terá inevitavelmente que ser corrigido.

Seja como for, numa coisa o aviador tem razão: daqui a 50 anos, provavelmente, as actuais infraestruturas aeroportuárias serão apenas grandes desertos de sucata!

PS: Já agora uma pergunta: que garantias foram prometidas à CGD para segurar o empréstimo consertado entre os partidos que "governam" Lisboa?


LNEC aponta para Alcochete.

08-12-2007. "Os estudos que o LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) está a coordenar, com vista à localização do futuro aeroporto de Lisboa, são esmagadoramente favoráveis ao Campo de Tiro de Alcochete." -- Sol.
O único apartado onde Alcochete perde aparentemente para a Ota é o ambiental. Tudo por causa do aquífero subaquático da bacia do Tejo. O etéreo ministro do ambiente (que será provavelmente substituído na pasta que actualmente ocupa pelo famoso dromedário do MOPTC) antecipou-se, no fim da semana passada, a esta objecção, afirmando ao Diga lá, Excelência (Rádio Renascença/ RTP2) que a opção Alcochete "resolve muitos, mas muitos problemas" que outras opções na margem Sul tinham.

Sobre este tema já foi dito e re-dito que:
  1. aquele mesmo aquífero vai até à Ota;
  2. se algo teve grande impacto negativo no dito lençol freático, foi a sub-urbanização caótica da Margem Sul que se seguiu, nas décadas de 70, 80 e 90, à não menos nociva industrialização realizada por Salazar depois da II Guerra Mundial;
  3. quer se pense na alternativa Portela+Montijo, quer em Alcochete, os impactes ambientais negativos já lá estão e continuarão, com ou sem NAL, com ou sem Plataforma Logística do Poceirão...;
  4. idem para a Nova Travessia do Tejo Montijo-Beato, que deveria seguir junto à actual ponte Vasco da Gama. Esta solução permite construir uma plataforma multi-modal (aeroporto-AV-Metro) de transportes no Pinhal Novo; não agrava o impacte ambiental na zona (pois a Ponte Vasco da Gama e as auto-estradas já lá estão, tratando-se apenas de "alargar" o tabuleiro existente sobre o estuário); preserva a qualidade ímpar da paisagem estuarina entre Alcântara e Mar da Palha; e sobretudo evita destruir o estratégico porto de Lisboa, com a sua impressionante área de manobras, atracagem e estacionamento;
  5. se hoje abundam flamingos, garças e maçaricos de bico comprido nos sapais do Grande Estuário do Tejo, nada preocupados com os humanos, as pontes e os veículos que por ali se movem, isso deve-se apenas ao facto de o Tejo estar menos poluído hoje do que quando por lá se acumulavam siderurgias e estaleiros navais. Como me referiu há dias o Rui Manuel Vieira Santos, só não vemos golfinhos a saltar por aquelas bandas, porque são afugentados pelo ruído gerado pela circulação na Ponte 25 de Abril!

Cravinho não responde por Linha do Norte, nem Metro do Terreiro do Paço


07-12-2007.
João Cravinho esclareceu-me que não foi durante o seu ministério que foram lançadas as obras da Linha do Norte e do Metro do Terreiro do Paço.

Fica o esclarecimento e a resposta que lhe enviei. Nothing personal!
Estimável João Cravinho,

Se os projectos da Linha do Norte e do metro do Terreiro do Paço nasceram no governo anterior, quem os executou, sabendo das deficiência graves dos mesmos, deveria tê-los suspendido!

As SCUT são, sem dúvida alguma, obra sua, um desastre financeiro para o País e um encargo para as gerações futuras. Quem lhe vendeu a ideia (presumo que Carlos Fernandes) procura agora levar José Sócrates para novo desastre: uma linha de Alta Velocidade entre Lisboa e o Porto com apeadeiro na Gare do Oriente! Note-se que apesar dos milhões gastos em consultas, a luminária da RAVE (que confunde o seu estatuto entre ser eleito ou boy do PS) ainda não mostrou um único estudo demonstrativo da viabilidade física e económica da solução propagandeada. Sabe porquê, porque não existe nem pode existir, porque, sabe, é uma burrice!

Não leve a peito as críticas. Isto é só política. Talvez não convencional, mas política!

PS: comentando o mau gosto das suas comparações (na polémica sobre o NAL) com os tempos do Marcello Caetano, pergunto-lhe se já pensou na hipótese de um dia destes alguém dizer que o Senhor está agarrado à cadeira, como o Salazar, e que ainda acaba por cair ingloriamente no esquecimento?

Saudações socialistas!

a

Ota: burros velhos não tomam andadura ou a teimosia de um engenheiro sem projectos

06-12-2007. A operação de propaganda promovida esta tarde pelo lóbi da Ota, aprimorada pelas presenças de alguns engenheiros e autarcas do Oeste, correu manifestamente mal. Sem ideias e muita irritação, deixaram ao protagonista da sessão, o ex-ministro teimoso e despesista João Cravinho, a função de defender uma vez mais a dama da Ota. Foi uma cena vazia e triste .

Depois de subestimar o preço das coisas (ou não fosse o homem um típico burocrata bem pago pelos contribuintes nacionais e europeus), resolveu atirar poeira para o ar. Vociferou que os defensores de alternativas ao embuste da Ota eram especuladores da Margem Sul, ou saudosistas do antigo regime, ou putativos alunos indignos da sua sapiência. Quanto aos estudantes virtuais a que se referiu, se pensam, disse, que o futuro NAL deve durar mais do que a Portela, confundem a essência do seu professorado (em que disciplina, Cravinho?) com o circo. Com o circo?! Meu caro Cravinho, se me explicar de que curso é professor, ou que projecto de engenharia realizou em toda a sua carreira profissional, ainda perderei mais algumas linhas consigo. Se não, não voltarei a incomodá-lo. Recomendo-lhe apenas que dê lugar aos mais novos.

Por exemplo, de Miguel Faria, 27 anos, Engenheiro Civil (Bridge Designer na ARUP, Londres), que escreveu este excelente artigo sobre a polémica em volta da política aeroportuária portuguesa, de que destaco duas passagens:

Portela + 17!

6-12-2007. "Na minha opinião, como cidadão português a viver e a trabalhar em Londres, cidade que tem cinco aeroportos, apaixonado por viagens e tendo um dever cívico para com a meu país e, particularmente, para com a minha cidade natal (Lisboa), não poderia ficar indiferente a este tema.

"O debate tem sido centrado na localização desta infra-estrutura. E por que não colocar a decisão um pouco mais a montante e questionarmos os porquês de construir um 'mega' aeroporto ao invés de vários 'mini' aeroportos?

"Defendo, neste caso, a criação de estruturas descentralizadas (uso de bases militares, novas infra-estruturas) e especializadas (internacional, regional, carga)..."

(...)

"Reconheço que esta solução não se apresenta benéfica para todos os stakeholders. Na realidade, num mercado em que a maior barreira à entrada são os direitos de aterragem e descolagem (slots), a TAP perderia a sua quota de mercado no uso dos prime slots (horário nobre) de uma só infra-estrutura e teria que reequacionar a sua estratégia face a esta nova realidade. Uma solução seria operar somente num aeroporto fazendo desta infra-estrutura uma plataforma giratória (hub) Portugal-Africa e Portugal-America do Sul.

"Por outro lado, gostaria de perceber a necessidade de ligar o TGV a este tipo de infra-estruturas. Londres e Paris não tomaram tal decisão aquando do planeamento do Eurostar. Pelo contrário, usou-se a linha ferroviária convencional e surgiram no mercado operadores rodoviários que complementaram as necessidades de mercado.

"Por último, sempre se dirá que desactivar uma infra-estrutura como a Portela quando se procura aumentar a capacidade instalada será certamente um caso de estudo nas escolas de gestão num futuro próximo." -- Jornal de Negócios.

OAM 291 06-12-2007, 11:30

Crise Iraniana 3

President George W. Bush during a press conference at the White House
G.W. Bush anuncia que Irão não tem em curso nenhum programa nuclear militar.
Mandel Nagan/Agence France-Presse--Getty Images.

Dois Vietnames e meio

An Assessment Jars a Foreign Policy Debate About Iran
By STEVEN LEE MYERS
Published: December 4, 2007

"WASHINGTON, Dec. 3 -- Rarely, if ever, has a single intelligence report so completely, so suddenly, and so surprisingly altered a foreign policy debate here.

"An administration that had cited Iran's pursuit of nuclear weapons as the rationale for an aggressive foreign policy -- as an attempt to head off World War III, as President Bush himself put it only weeks ago -- now has in its hands a classified document that undercuts much of the foundation for that approach.

"The impact of the National Intelligence Estimate's conclusion -- that Iran had halted a military program in 2003, though it continues to enrich uranium, ostensibly for peaceful uses -- will be felt in endless ways at home and abroad.

... "There are still hawks in the administration, Vice President Dick Cheney chief among them, who view Iran with deep suspicion. But for now at least, the main argument for a military conflict with Iran -- widely rumored and feared, judging by antiwar protesters that often greet Mr. Bush during his travels -- is off the table for the foreseeable future." -- The New York Times.

Ao contrário do que se fartaram de escrever as araras que comentam as grandes questões internacionais, o Irão não está a desenvolver nenhum programa militar nuclear, pelo menos desde 2003. Reconheceram-no agora os serviços secretos que trabalham para G. W. Bush, mais de um mês depois de tal conclusão ter sido sublinhada por Mohamed ElBaradei, o Director-Geral da Agência Internacional de Energia Atómica.

O jogo do gato e do rato em que o cowboy do Texas caíu que nem um patinho, serviu às mil maravilhas a China, a Rússia, a Venezuela, os Emiratos Árabes, a Arábia Saudita e o próprio Irão. O petróleo disparou para além do que é devido ao Pico Petrolífero; a Rússia investiu no reforço do seu potencial militar (nuclear estratégico e convencional); a Arábia Saudita comprou dezenas de caças de última geração ao Sr. Blair (com luvas pelo meio e nada de investigações detalhadas sobre o assunto); o Iraque sabotou com sucesso a legislação que Bush queria fazer passar no parlamento do país ocupado, desenhada com o fito de hipotecar boa parte do petróleo iraquiano à sua própria família e amigos; a China acaba de emergir como actor estratégico de primeiro plano na diplomacia mundial; em suma, os Estados Unidos estão na mais completa falência, estourando mais de 50% das suas receitas fiscais numa cruzada para a qual já não têm, nem tomates, nem combustível. A Europa andou, como sempre, a pavonear a sua indigência estratégica. Quando é que o Solana se reforma?

E agora, em que ficamos? A China proibiu por duas vezes navios de guerra norte-americanos de visitarem os seus portos, ao mesmo tempo que aparece como pacificadora das grandes tensões diplomáticas mundiais (Coreia do Norte, Irão, ...). A Rússia voltou a patrulhar em força o Atlântico e o Mediterrâneo, tendo programado grandes exercícios aero-navais para o início de 2008. China e Japão acertam estratégias financeiras globais no que respeita ao lucrativo negócio do chamado carry trade. A Europa está borrada de medo com o que possa acontecer nos próximos dois anos em consequência do tsunami financeiro em curso.

Os Estados Unidos, único país que atacou (por duas vezes) um país com bombas atómicas, continua a investir milhares de milhões de dólares na sofisticação do seu arsenal nuclear, provocando assim a actual intensificação da corrida aos armamentos em todo o mundo, seja no sector das armas convencionais, das armas proibidas (nucleares, química e biológica), ou ainda do explosivo sector da guerra electrónica. Pela natureza do seu actual modelo económico especulativo e consumista, assente na expansão infinita de uma dívida que depois exporta para o resto do planeta, assim como pela ilusão imperial em que ainda vive, esta gigantesca e rica democracia tem vindo a transformar-se no mais perigoso perturbador da paz mundial. É um tigre ferido, e como tal muito perigoso. Precisa de ajuda e teremos que ajudá-la. Os tempos difíceis que aí vêm convidam, como nunca, à humildade, à inteligência e à cooperação.


OAM 290 06-12-2007, 01:54

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Overshooting

The Story of Stuff, with Annie Leonard



"The Story of Stuff will take you on a provocative tour of our consumer-driven culture -- from resource extraction to iPod incineration -- exposing the real costs of our use-it and lose-it approach to stuff."

A sugestão vem do MJA: que tal avançar para uma tradução colaborativa deste género de material tão excelentemente pedagógico? Seria boa ideia, por exemplo, criar um Wikiki destinado aos tradutores e mágicos do código, para este efeito. Objectivo: legendar e criar um add-on para o YouTube, etc... Aceitam-se contribuições para esta sugestão genial (que como disse, chegou-me à caixa de correio por iniciativa do MJA).

OAM 289 04-12-2007, 19:00

terça-feira, dezembro 04, 2007

Venezuela 2

Venezuela, Referendo Constitucional, 2007, Cartel, Foto AP
Venezuela, Referendo Constitucional, 2007, Cartel, Foto AP

Então não houve fraude eleitoral?!

"Habrá que madurar y seguir construyendo nuestro socialismo" -- Hugo Chávez.

Caracas, 03 de diciembre de 2007. "No hemos perdido nada (...) los programas de Gobierno continúan", expresó el presidente de la República, Hugo Chávez Frías, la tarde de este lunes, mediante un contacto telefónico en el programa "Dando y Dando", donde felicitó una vez más al pueblo venezolano por la conducta asumida este domingo durante las elecciones del referendo constitucional.

"La propuesta de reforma es mucho más que una propuesta de reforma, son unos lineamientos estratégicos, algunos de los cuales incluso, quizás con menor peso, con menor intensidad, caben dentro de la Constitución, es un programa social de avanzada", dijo.

"Los consejos comunales aún cuando no están en la Constitución son una realidad, la geometría del poder se ha despertado, vamos a buscar y seguir trabajando en ello, en cómo darle un giro en el marco de la Constitución hasta donde se pueda", agregó el primer mandatario.

Para el presidente Chávez, quizás, éste no era el momento de asumir el proyecto de reforma. "Habrá que madurar y seguir construyendo nuestro socialismo".

"Puede ser que aún no estamos maduros y preparados políticamente para asumir sin temores y sin dejarnos atemorizar por la propaganda adversaria, un proyecto abiertamente socialista. Eso habrá que discutirlo", dijo.

Indicó que uno de los retos que desde hoy en adelante tiene el pueblo venezolano es demostrar con hechos en qué consiste, (más allá de la teoría), el proyecto socialista. "Levantemos las banderas del socialismo, estudiemos y compactémonos mucho más", expresó el líder de la Revolución Bolivariana.

El Jefe de Estado señaló además que es necesario que los adversarios a la reforma evalúen su victoria. "Ni un paso atrás, yo llamo al pueblo a que levantemos la moral".

Sobre la actitud honesta y democrática que tomara, tras recibir los resultados del ente comicial en la madrugada de este lunes, Chávez indicó "actué en consecuencia con ustedes mismos y con la dignidad de este pueblo".

Reiteró su tesis, en cuanto a la excelencia de la propuesta del proyecto de reforma, y sobre este aspecto destacó "falta tiempo para ese salto, yo creo en el libro rojo, es una propuesta muy buena, es múltiple, compleja y habrá que seguir trabajando en el orden ético, social, económico, político y geográfico. No hay que decir que fracasamos en esta propuesta, ahí está y hay que seguir discutiendo sus bondades, porque esa propuesta es positiva hasta para los que no votaron por ella".

El mandatario nacional hizo un llamado una vez más a todos los venezolanos revolucionarios para que acepten dignamente los resultados de las elecciones.

"Hemos avanzado mucho, no estoy exagerando cuando digo que no hemos perdido nada, no significa ningún debilitamiento del gobierno. He escuchado algunas opiniones de personas que se han acercado gritado en el Palacio, alegando que si hubo fraude o que fue por los traidores. Yo llamé al Vicepresidente para que hable con ellos, es importante mantener la moral, hemos hecho lo que se debía, ahora la propuesta continua. Con esto hemos ganado en conocimiento y cultura, no empecemos a buscar culpable entre nosotros mismos".

Durante el programa "Dando y Dando" que transmite VTV, Chávez leyó un mensaje enviado por el presidente cubano Fidel Castro, quien lo felicitó por su discurso en la madrugada de este lunes, el cual calificó como digno y muy ético. -- FS/LD/Venezolana de Televisión.

A "esquerda" europeia, sobretudo portuguesa e espanhola, parecem sentir uma urticária danada sempre que ouvem a palavra "socialismo", ou têm diante de si um país em dificuldades passando por uma qualquer experiência de democracia mais popular, isto é, menos previsivelmente controlada pelas sofisticadas e corruptas plutocracias que hoje dominam as mitigadas democracias ocidentais.

Afinal o que estava em disputa, e acabou por derrotar Chávez, no referendo do passado dia 2 de Dezembro, era a possibilidade de o presidente da Venezuela deixar de estar sujeito a qualquer limite de mandatos. Quer dizer, não era um caso de entronização, como ocorre na monarquia aqui ao lado ou na corrupta Albion, mas de uma referendária modificação constitucional visando possibilitar o exercício sem limites temporais da presidência da república, desde que o pretendente conseguisse a maioria do voto popular. Nada, portanto, nesta fórmula de renovação dos mandatos democráticos, que não ocorra entre nós, portugueses e europeus, em variadíssimos processos de renovação dos mandatos executivos, quer na organização política do Estado, quer nas agremiações, por exemplo, sindicais! Basta olhar para os rebanhos lusitanos de deputados nacionais e autárquicos, ou para o caso de estudo da Madeira, para se perceber o ridículo da "nossa" indignação (mediaticamente induzida) face ao referendo promovido por Hugo Chávez.

Ao contrário de George W. Bush, que roubou as últimas eleições presidenciais americanas, para poder prosseguir a guerra de ocupação contra o Iraque e a promoção do inferno bélico no Médio Oriente, e que interferiu no referendo venezuelano ao ponto de ter autorizado o desenvolvimento de um plano de desestabilização do país, a cargo da CIA, o populista Hugo Chávez, depois de perder a consulta popular, reconheceu de imediato a derrota (por menos de 2 pontos percentuais), e pediu unidade ao país, ao mesmo tempo que reiterou a sua vontade de prosseguir com o projecto de instaurar na Venezuela um regime nacionalista, de inspiração socialista, adequado ao país, ao sub-continente e ao século 21. Compare-se isto com o último avatar do "socialismo" lusitano, José Sócrates, posto onde está para que o país se deixe vender sem dor ao mini-hegemonismo espanhol (via BBVA, Santander-Totta, Endesa, Iberdrola, CEPSA, Repsol, Somague-Grupo Sacyr Vallehermoso, Abertis, Telefónica, etc.) e ficaremos com um bom tema para meditar. Não foram o actual primeiro ministro português e o actual ministro dos negócios estrangeiros português quem, na Oposição, defenderam um referendo em Portugal sobre o novo Tratado Constitucional europeu (1), e agora pretendem evitar a consulta popular em nome de uma aprovação na alcova do parlamento viciado que temos? Em que ficamos? Onde fica a democracia? No "socialismo" populista de Chávez, ou na traição permanente do PS português?

Eu não tenho especial simpatia pelo ex-militar que governa a Venezuela, mas tão pouco nutro qualquer tolerância ideológica pelas eternamente corruptas elites latino-americanas (putas eternas dos imperialismos de turno e chulos criminosos do seu próprio povo.) Ao longo das décadas de 80 e 90, depois de se terem arruinado sob o império do vizinho rico e poderoso do norte, apanhando-o distraído com o desafio oriental e pós-soviético, resolveram perder-se de amores com a antiga potência colonial, até que a implosão económico-financeira da Argentina revelou algo que vem em todos os manuais: o imperialismo é todo igual e actua sempre da mesma maneira. Se perdermos a dignidade e vendermos o corpo ao primeiro que nos acene com um par de notas (ainda por cima virtuais!), acabamos doentes e na mais completa miséria material e ética. Foi o que aconteceu na Argentina, e é isso que a Venezuela, a Bolívia, o Equador e a Nicarágua, entre outros, não querem ver repetido nos seus países. Felizmente têm o petróleo venezuelano e o Brasil para alimentar tal sonho. Como poderia deixar de apoiá-los em tão justa aspiração? O que nós todos devíamos fazer era ir passar o Natal à Venezuela. Para ver, ouvir e conversar com as partes. Não há nada mais fascinante e divertido do que uma revolução. Lembram-se?



NOTAS
  1. Note-se que sou a favor da solução da aprovação parlamentar do Tratado, pois considero que um referendo, no caso em apreço -- isso sim--, seria uma farsa de democracia! A diferença da minha posição relativamente à do Socratintas, é que não mudei de avental por mero cálculo político.

OAM 288 04-12-2007, 23:27

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Por Lisboa 11

Rua Garrett, Agosto, 2007
Lisboa, Rua Garrett, Agosto, 2007.

Lisboa, dívida = 1,5 mil milhões de euros

Área: Lisboa (1) = 83,84 kmq; Madrid = 607 kmq
Residentes: Lisboa = 556 797 (INE 2001); Madrid = 3 128 600 (INE 2006)
Densidade populacional: Lisboa = 6 518,1 hab./km²; Madrid = 5 154,2 hab./km²
Nº Freguesias/ Distritos: Lisboa = 53; Madrid = 21
Pessoal contratado pelo município (2006): Lisboa = 12 000; Madrid = 26 416
Pessoal contratado pelo município p/ mil habitantes: Lisboa = 21,5; Madrid = 8,44
Pessoal contratado p/ Km2: Lisboa = 187,9; Madrid = 43,5
Dívida municipal (2007): Lisboa = 1 500 milhões de euros; Madrid = 6 039 milhões de euros
Dívida municipal per capita (2007): Lisboa = 2 694 euros; Madrid = 1 930 euros
PIB per capita (2007): Lisboa = 19 400 euros; Madrid (2006) = 27 279 euros

Se meditarmos um pouco na comparação que rapidamente fiz entre as duas capitais ibéricas, ficamos a perceber que algo vai mesmo muito mal na administração autárquica de Lisboa, e que tal não pode ser atribuído senão ao actual poder político e, claro está, à autarquia da capital, cujas vereações têm sido marcadas pelo predomínio de uma persistente União de Esquerda entre o PS, o PCP e (mais recentemente) o BE.

A dívida actual, que é astronómica, foi sendo acumulada ao longo de uma década (mais precisamente, desde a EXPO 98, passando pelo EURO 2004). Como nada foi feito durante a passagem do PSD pela cidade, e nada foi feito até agora por António Costa, no que é essencial mudar, isto é, a dimensão escandalosa da burocracia municipal, a dívida não pára de crescer e tende a agravar-se rapidamente por efeito das subidas dos custos da energia, da inflação e das taxas de juros bancários. Contrair mais um empréstimo (desta vez, de 500 milhões de euros!) para pagar a fornecedores, sem por outro lado, explicar à cidade quais são as garantias dadas à Caixa Geral de Depósitos para este efeito, nem, por outro lado, apresentar um plano sério de redução das despesas correntes da Câmara, não só contraria o espírito da lei existente sobre os limites de endividamento municipal, como revela a total falta de coragem do actual Presidente da Câmara, e da Frente Popular formada em seu redor, para atacar um problema estrutural criado exclusivamente pela partidocracia dominante (2). Sem reduzir para metade (ou mesmo um terço) o número de Freguesias actualmente existente; sem reduzir para menos de metade o actual número de funcionários (com a consequente eliminação de serviços inúteis); e sem introduzir um sistema de informação estatística e administrativa transparente e em tempo real da estrutura e acção municipais, nada de substancial mudará. A corrupção continuará a ter campo livre e a falência da cidade acabará por se revelar em toda a sua extensão e dramatismo.

O dilema de António Costa está pois à vista: se não conseguir que a CML pague pelo menos parte das dívidas no curto prazo, terá muitas dificuldades em realizar algumas das funções para que foi eleito e verá comprometida a sua popularidade eleitoral com vista às próximas eleições, já em 2009; se pretender seguir pela via das trocas e baldrocas com o lóbi dos betoneiros que esvoaçam à volta de Lisboa (como o PSD vinha fazendo e quer prosseguir), reduzindo substancialmente o montante do empréstimo a contrair, arrisca-se a entrar num campo densamente armadilhado e ver explodir ingloriamente o seu futuro político; se, finalmente, pretendesse simultaneamente pagar as dívidas e eliminar metade das despesas correntes do município (apresentando, por exemplo, um livro branco sobre a cidade e as medidas estruturais inadiáveis à sua sobrevivência) -- de facto, a única coisa decente a fazer --, acabaria envolvido numa polémica monumental com os fariseus à sua esquerda e com toda a gente porreira que paira a prazo sobre as divisões da CML, comprometendo irremediavelmente a sua reeleição. O ultimato que dirigiu à Assembleia Municipal parece-me pois um "acto falhado" cujo desejo secreto é levar o PSD a chumbar a sua proposta, libertando-o do verdadeiro pesadelo em que se está a transformar a sua passagem pela autarquia da capital. Costa não percebe nada de autarquias, a missão que o levou até este atoleiro (o embuste da Ota) morreu de morte natural e já não precisa dos seus serviços, e por conseguinte, o que o promissor dirigente do PS quer, e bem, é sair daquela imprestável novela.

Por outro lado, e ao contrário do que alvitrou o Professor Marcelo, o PSD não pode deixar de ir à luta e morder a provocação de António Costa. Se o não fizer, e deixar passar o empréstimo ruinoso, perde uma grande oportunidade de se preparar para o regresso ao poder municipal. A demissão eventual de António Costa não conduz necessariamente a novas eleições antecipadas, e se levar, qual é o problema? Haverá novas eleições, muito mais tensas que as anteriores, que foram uma pantomima completa, morrendo então os candidatos de papel e os apêndices, em nome de uma real bipolarização, ou tripolarização programática. A capital portuguesa não pode continuar em banho-maria, envolta na retórica apodrecida de quem só pensa na sua medíocre carreira política. Lisboa precisa de uma outra performance e precisa de absoluta seriedade de procedimentos. Haverá alguém disponível, com carisma próprio e vontade de bem-fazer, que os partidos tenham que engolir?



Notas
  1. A Grande Lisboa (a zona a norte do Tejo da Área Metropolitana de Lisboa), tem uma superfície de 1382 kmq e 1 947 249 habitantes, configurando um contínuo urbano e cultural com uma escala mais próxima da capital espanhola. A simples consideração do concelho de Lisboa como unidade de análise e intervenção política é um perfeito anacronismo e causa determinante da sua atrofia ao longo das últimas três décadas. A única via razoável para resolver o problema da falência à vista da capital passa pois pela redução drástica da sua burocracia e pela rápida reordenação administrativa do país, seguindo os modelos das NUT 2 (regionalização) e NUT3 (subregiões estatísticas), como bem recordou o JS num comentário a este post.
  2. Alguém me chamou a atenção para o facto de o pedido empréstimo proposto por António Costa se destinar a transformar dívidas de curto prazo (cujas demoras acarretam juros altos), pelo aumento da dívida de longo prazo, a qual seria escalonada, previsível e com juros menores. No total, a dívida não aumentaria, alterando-se antes a sua estrutura. Será? Não creio. De facto, rescalonar a dívida de 500 milhões de euros, passando-a de um envelope de dívidas de curto prazo para um envelope de dívidas a longo prazo, resultará sempre num custo maior no saldo final, a não ser que as letras (documento de dívida de curto prazo) fossem sendo reformadas ad eternum! Por outro lado, esta operação, transformaria a natureza da própria dívida, deixando de ser um episódio conjuntural de má gestão passada, para ser parte integrante da própria dívida estrutural da CML -- precisamente aquela que António Costa, enquanto ministro da administração do actual governo, limitou, e bem, a tectos consagrados já há algum tempo pela União Europeia! Eis aqui uma transcrição do que ficou claramente expresso na Intervenção do Ministro de Estado e da Administração Interna na apresentação da Proposta de Lei das Finanças Locais na Assembleia da República, por António Costa, a 2006-10-11:

    "... a Proposta de Lei estabiliza um conceito de endividamento líquido, consonante com o Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (o SEC 95), que, à semelhança do que já sucedeu no Orçamento do Estado para 2006, abrange qualquer tipo de dívida, financeira ou comercial – empréstimos, dívidas a fornecedores, leasings, factorings, etc..

    A este conceito de endividamento corresponde um novo limite ao endividamento líquido municipal, que passa a corresponder a 125% da totalidade das receitas mais importantes do município – a saber, participação no FEF, participação fixa no IRS, impostos municipais, derrama e lucros das empresas municipais.

    Dentro deste primeiro limite, inclui-se um limite específico ao endividamento através de empréstimos de médio e longo prazo, e que corresponde a 100% daquelas receitas."


OAM 287 03-12-2007, 03:16