sexta-feira, junho 13, 2008

China 2008

Pequim - Jaguar estacionado no famoso distrito das artes, Factory 798. Foto©OAM

O melhor e o pior de dois mundos

By around 2011 the lower middle class [in China] will number some 290 million people, representing the largest segment in urban China and accounting for about 44 percent of the urban population, according to our model. Growth in this group should peak around 2015, with a total spending power of 4.8 trillion renminbi [480 mil milhões de euros]. A second transition is projected to occur in the following decade, when hundreds of millions will join the upper middle class. By 2025 this segment will comprise a staggering 520 million people --more than half of the expected urban population of China-- with a combined total disposable income of 13.3 trillion renminbi [1,3 biliões de euros]. -- in "The value of China's emerging middle class", The McKinseyQuartely.

Acabo de chegar de uma viagem de trabalho e observação a Pequim. Foram nove dias e a primeira coisa que me apetece escrever é: esqueçamos Tiananmen! Da Cidade Proibida à Grande Muralha da China, passando pelo Palácio de Verão e pela múmia de Mao Tse-tung, tudo são agora ícones turísticos massivamente frequentados por passeantes como eu e sobretudo por milhões de chineses e outros asiáticos bem alimentados, elegantes e com cada vez mais tempo disponível para consumir. A China tem hoje mais milionários do que os Estados Unidos, cerca de 200 milhões de criaturas sofrendo de obesidade (Guardian), e nas ruas de Pequim circulam lentamente (pois a ninguém ocorre ultrapassar o limite de velocidade de 50Km/h) milhões de automóveis, com predominância para as marcas alemãs Audi (6 e 8...) e Volkswagen (Phaeton, Sagitar, Touareg), e uma presença crescente de veículos japoneses (Honda e Toyota) e coreanos (Hyundai e Kia). A maioria dos novos táxis são agora Hyundai Elantra em vez dos velhos Volkswagen Jetta e Santana que ainda há menos de uma década dominavam o mercado automóvel chinês.

O município de Beijing tem 16,8 mil quilómetros quadrados (seis vezes a área da Região de Lisboa e 1,4 vezes a da antiga Região de Lisboa e Vale do Tejo.) Nele vivem mais de 17 milhões de almas. A sua principal malha urbana e suburbana, delimitada por cinco anéis concêntricos, tem uma superfície de 1378 Km2 (muito próxima da área da Grande Lisboa), e 8 milhões e meio de urbanitas (6 mil hab./Km2). Para comparar esta zona central do grande município com Lisboa, teremos que imaginar uma malha urbana densa com um raio de 28 Km a partir do Terreiro do Paço, chegando até Cascais, Sintra, Mafra, Vila Franca, Alcochete, Setúbal e Sesimbra, apontando para uma densidade populacional 4 vezes e meia superior à da Grande Lisboa (Amadora, Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Odivelas, Oeiras, Sintra, Vila Franca de Xira), e 5 vezes e meia superior à da Região de Lisboa (Grande Lisboa e Península de Setúbal.)

Pequim é uma cidade-região, como Lisboa e Porto há muito deveriam ser, sobre a qual paira quase sempre um tecto de nuvens e poluição. O clima continental húmido é afectado pelas monções e pelas tempestades de areia vindas do deserto. É uma cidade dura (fazendo por vezes lembrar Madrid numa escala ampliada), cheia de automóveis, com grandes assimetrias sociais e uma patente multiplicidade étnica, atravessada por obras públicas e privadas em todas as direcções, mas segura e surpreendentemente limpa, sobretudo se a compararmos com Lisboa e arredores! Não falta gente para trabalhar, nem sobretudo mão-de-obra barata vinda dos arredores, bem como das províncias longínquas. Há, para surpresa de quem assimilou os estereótipos vendidos pelos média ocidentais, civismo, simpatia e alegria nas ruas. Não há pedintes por necessidade, nem muitos menos pedintes profissionais. Entre os hotéis de cinco estrelas que proliferam como cogumelos depois de um dia de chuva outonal, a presença ostensiva das grandes marcas do consumismo ocidental, os centros comerciais e o fast-food chinês, os multifacetados Hutongs -- fazendo lembrar, os mais pobres, as já quase inexistentes ilhas do Porto --, os sítios turísticos e a excitação da nova arquitectura assinada por europeus, americanos e chineses (1), predomina sobretudo a sensação de estarmos no meio dum turbilhão económico, social, tecnológico e cultural sem precedentes.

Talvez por persistirem índices elevados de analfabetismo, abunda uma espécie divertida de iconografia informativa, de que o uso do estilo Anime para dar face aos polícias e suas recomendações é talvez a mais contrastante negação da imagem autoritária fabricada, entre nós, do império do meio. Ao contrário da pose xenófoba e fascista de alguns polícias do aeroporto de Newark, os polícias do aeroporto de Beijing sorriem e pedem-nos para avaliar electronicamente a qualidade do seu desempenho. Nas ruas da capital chinesa, a presença da autoridade do Estado é praticamente residual. Se exceptuarmos o dispositivo discreto mas permanente da Praça de Tiananmen, os cidadãos parecem conseguir resolver sozinhos os problemas e conflitos do dia a dia.

Os avôs e as avós fazem Tai Chi Chuan entre as 5 e as 8 da manhã, nos jardins e alamedas da cidade, antes de receberem os netos que cuidarão ao longo da jornada de trabalho dos seus ambiciosos filhos. Reformados sem outras responsabilidades familiares prementes entretêm-se em grupo desenhando ideogramas de água no chão, jogando o YoYo, ou montando barbearias ao ar livre num qualquer jardim público às portas de um museu nacional! Outros passeiam orgulhosos os seus adorados pequineses. Automóveis, Trolleys (quanta faltam nos fazem!) e bicicletas percorrem a cidade disputando cada cruzamento como se de uma dança marcial se tratasse. Traços contínuos e passadeiras são ainda decorações urbanas a que se dão pouca importância. Mas vai mudar. Os semáforos fazem já a sua função e em menos de uma década os cidadãos de Pequim respeitarão o resto da sinalética com muito maior zelo que nós. Numa Food Republic situada no piso -2 de um centro comercial fiquei a conhecer a profusão de estilos da ruidosa fast-food chinesa, e a saber onde boa parte dos trabalhadores do sector de serviços de Pequim almoça informalmente.

Na última noite da estadia fui recebido por um grupo de artistas noruegueses na residência que alugaram num Hutong perto da Cidade Proibida. Trata-se de um pátio recuperado com estilo, por um jovem profissional chinês, francamente acolhedor, rodeado por 4 quartos, uma sala comum, uma pequena cozinha e um quarto de banho elementar. Renda mensal antes das Olimpíadas, para estrangeiros: 163 euros (2). Quem quer ir para o Allgarve?!

Aperitivos picantes e melancia acompanhados de cerveja, vinho branco e vodka precederam um jantar servido por um restaurante de bairro especializado na famosa culinária da província de Sichuan, tristemente conhecida em todo o mundo desde 12 de Maio último por causa do terramoto que ceifou mais de 100 mil vidas. Esta cozinha é sobretudo caracterizada pelo uso abundante de malaguetas picantes e da chamada pimenta de Sichuan, misturadas com alho e gengibre, acompanhando as carnes de porco temperadas com molho de peixe, o pato lacado e o frango alourado, os peixes de rio (carpas), as corvinas e os mariscos. Nesta culinária, considerada há muito pelas elites burocráticas chinesas como sendo própria de intelectuais, abunda o arroz branco, couves fermentadas, molhos de feijão doce e talos de bambu. Os elementos crus ou pré-cozidos salteados em óleo bem quente e os estufados de beringela são outras tantas notas que aqui deixo dum memorável banquete de artistas, regado com muita cerveja Tsingtao e Yanjing, aguardente branca de arroz e vinho tinto (um mercado virtualmente inesgotável para os produtores de vinho de todo o mundo, incluindo os chineses, de que o famoso Chateau de Changyu é o principal estandarte.)

Em 1415, quando Portugal conquistou Ceuta, estabelecendo aí a testa de ponte que levaria a Europa a dominar o mundo durante quinhentos anos (3), a Marinha da Dinastia Ming (1368-1664 dC) possuía qualquer coisa como 1350 navios de guerra, dos quais 400 eram fortalezas marinhas e 250, navios de longo curso. Esta formidável armada tinha, entre 1405 e 1433, sob o comando do almirante Cheng Ho, sulcado os mares da Coreia, do Japão, do Sudeste Asiático e atravessado o Índico até à costa oriental de África. Como escreve ironicamente Paul Kennedy no seu fundamental The Rise and Fall of the Great Powers, os chineses poderiam ter contornado a costa africana e "descoberto" Portugal algumas décadas antes de o Infante D. Henrique iniciar a sua extraordinária aventura, lançando marinheiros e comerciantes à descoberta e marcação da costa africana, em direcção ao Índico, até chegar à India. A viagem de circum-navegação realizada por Fernão Magalhães, ao serviço de Carlos V, provaria de vez a esfericidade do planeta, levando os primeiros europeus a descobrir o novo mar a que chamaram Pacífico. O saber de experiência feito e uma excelente cartografia levariam ainda Portugal a descobrir as Filipinas e o acesso marítimo à China, ao Japão e à Austrália. Mas então, porque ficaram os chineses para trás e foram os europeus que avançaram?

Ao longo da Dinastia Sung (960-1279 dC), e até ao ano 1436 da Dinastia Ming (1368-1664 dC), a China era de facto o maior e mais populoso país do mundo, tinha as maiores cidades e era tecnologicamente o mais avançado de quantos existiam. O seu exército e a sua marinha somavam mais de um milhão de efectivos, constituindo certamente a mais poderosa força bélica então existente à face da Terra. A China tinha inventado e usava o papel-moeda, tinha inventado e usava relógios astronómicos, tinha inventado e usava a imprensa de tipos móveis muito antes de Gutenberg, inventara a pólvora ainda antes da Dinastia Sung (960-1279 dC), produzia mais ferro do que a Inglaterra no início da Revolução Industrial (sete séculos depois!) Data também desta época a reconstrução da Grande Muralha (com tijolos de barro cozido) e a construção do sistema de canais fluviais que permitem ainda hoje fazer circular grande parte dos bens agrícolas e industriais pelo seu vasto território. O que provocou então a viragem e a decadência subsequente de tão formidável civilização?

Segundo Paul Kennedy, foi a ordem dada ao general Cheng Ho (ou Zheng He) para desactivar e depois desmantelar a marinha chinesa, em nome da concentração de forças a que teria sido necessário proceder para fazer frente à pressão crescente dos Mongóis. Enquanto a Europa sabia do Oriente e ambicionava as suas sedas, marfins, madeiras nobres e especiarias, a China desconhecia praticamente o Ocidente, bastava-se com o seu imenso território, a cuja unidade dava total prioridade, e como país desenvolvido não detectara nas incursões marítimas pelos mares vizinhos e pela costa africana oriental razão económica suficiente para manter uma tão dispendiosa armada quando a ameaça vinha uma vez mais do Norte.

Esta decisão conduziria a China paulatinamente ao proteccionismo e ao isolamento internacional, ao mesmo tempo que o poder da burocracia acabaria por hegemonizar a sociedade, fazendo murchar progressivamente os pressupostos ideológicos, materiais e jurídicos de uma sociedade economicamente ágil, intelectualmente criativa e espiritualmente livre.

O que veio depois é sabido: no século 19 a balança comercial entre a China e o Ocidente (para onde vende muito e de onde compra pouco) torna-se insustentável, nomeadamente para a Inglaterra. Esta começa então a exportar, primeiro legal, depois ilegalmente, ópio oriundo do Império Britânico da Índia (sobretudo da Birmânia) para a China. Seguiram-se como consequência as guerras do ópio, que a China perderia a favor dos ingleses, daí decorrendo um longo período de humilhações que levaria ao fim das dinastias, à proclamação da república, à guerra civil e à revolução. Depois da morte de Mao, Deng Xiaoping estabelece para a China uma rota de abertura progressiva ao mundo, baseada na permanência de um Estado burocrático centralizado e autocrático, na tradição não apenas da revolução comunista de Mao, mas sobretudo da longa história dinástica do país, e na adopção de uma dita economia socialista de mercado.

"Um país, dois sistemas", foi a proclamada fórmula mágica para o rápido progresso da República Popular da China. O melhor e o pior de dois mundos: por um lado, a agilidade de uma economia politicamente subordinada e com largos sectores sob comando único do Estado, por outro, a energia injectada nessa mesma economia pela regras típicas da emulação capitalista e pela armadilha do consumismo. Como pano de fundo, um inesgotável exército de mão de obra barata, que noutros tempos servira já para construir caminhos de ferro e estradas na América e em África, e hoje alavanca a custos imbatíveis a entrada da China na era da globalização. O seu crescimento anual, revisto em baixa de 10,8% para 9,6% (Sino Daily), ou mais recentemente, de 11,9% para 9,8% (EFE/Folha de São Paulo), começa entretanto a ser ameaçado por uma inflação (China Daily) que em Abril deste ano chegou aos 8,5% relativamente ao mesmo mês de 2007, e que só não é maior porque em Pequim e no resto da China os automobilistas e os transportadores ainda não ouviram falar do aumento dos preços da gasolina e do gasóleo! Na realidade, não fora a máscara estatística, ter-se-ia que situar a inflação actual como uma das mais sérias ameaças ao tão anunciado, mas improvável, século chinês.

O consumismo do século 21 poderá vir a ser para a nova China um perigo tão grande ou maior do que o ópio com que os ingleses procuraram no século 19 reequilibrar a sua balança comercial, e sobretudo escavacar a unidade daquele imenso país. Talvez por isso, a marinha de guerra e a marinha mercante chinesas estejam hoje a crescer mais depressa do que quaisquer outras armadas conhecidas. É que boa parte da energia e matérias primas necessárias à nova economia e às legítimas expectativas sociais da China de Hu Jintao encontra-se longe das suas fronteiras. O acesso a tão preciosos e cada vez mais escassos bens dependerá sobretudo de uma formidável marinha mercante... e de uma convincente marinha de guerra que a defenda.



REFERÊNCIAS
  1. China no World Resources Institute

NOTAS

  1. National Centre for the Performing Arts, de Paul Andreu; Estádio Nacional de Beijing, da dupla Herzog & De Meuron; nova sede e estúdios da principal cadeia de televisão chinesa; CCTV, do OMA (Rem Koolhaas e Ole Scheeren); Torre 3 do World Trade Centre, concebido por Skidmore, Owings & Merrill (SOM), hoteis Mandarin Oriental, do OMA e Kapok, do Studio Pei Zhu; Linked Hybrid, de Steven Holl.
  2. Este é certamente um preço excepcional, mas ainda assim é possível alugar um apartamento dentro dos dois primeiros anéis da cidade, com 60-80mq, por 250 euros mensais; ou alugar pela Net um pátio com 300mq, 3 quartos e um living, num Hutong situado no centro histórico, por 800 euros mensais; ou finalmente alugar diariamente uma Suite de luxo num Hutong a 3Km da Cidade Proibida, para 2 pessoas (+ 2 crianças pequenas) por 54 euros/dia. Uma noite no Wangfujing Grand Hotel, de 5 estrelas, a dois passos da Cidade Proibida, custa 55 euros, com pequeno almoço (buffet chinês e ocidental) incluídos.
    Embora possamos considerar que os preços são em geral baratos quando comparados com as economias do euro, não são assim tão baratos quando comparados com outras moedas menos fortes. Por outro lado, há uma enorme disparidade preços, podendo-se ir facilmente do razoavelmente barato ao inesperadamente caro. Eis uma lista que compilei rapidamente a partir de algumas facturas que consegui conservar:

    1 noite no Wangfujing Grand Hotel (5 estrelas) c/ pequeno almoço, junto à Cidade Proibida = 55 euros
    1 jantar no Wangfujing Grand Hotel, buffet italiano, japonês e chinês, acompanhado de chá verde = 13 euros
    1 jantar a la carte no centro da cidade: 17,4 euros
    1 almoço no Food Republic (c/ caneca de cerveja) = 4 euros
    1 café no lobby do Wangfujing Grand Hotel = 3,9 euros
    1 café expresso no Starbucks = 1 euro
    1 garrafa de chá verde (1/2 litro) numa loja de bairro = 28 cêntimos de euro
    1 garrafa de chá verde (1/2 litro) num restaurante junto à Grande Muralha (Simatai) = 1,8 euros
    1 cerveja Tsingtao numa loja de bairro = 64 cêntimos
    1 caneca de cerveja Tsingtao no lobby do Wangfujing Grand Hotel = 4,7 euros
    Bandeirada de táxi = 94 cêntimos; cada Km = 0,19 cêntimos; em espera = 0,09 cêntimos/min.

    Para mais informações consultar esta página de referência sobre Pequim: The Beijinger.
  3. A partir de 1915 os EUA emergem na cena mundial, virando rapidamente a seu favor o render da guarda do imperialismo europeu. Por junto, o imperialismo ocidental, de raíz judaico-cristã, durará cerca ou pouco mais de 600 anos.
OAM 376 14-06-2008, 20:03 (última actualização: 19-06-2008 09:36)

domingo, junho 01, 2008

Vou a Pequim!

Em 1999 convenci o vereador da cultura da cidade da Maia a incluir numa bienal de arte que então comissariei uma vintena de autores oriundos de Xangai. Era o princípio de uma ideia que não chegou a consolidar-se: levar a área metropolitana do Porto, de dois em dois anos, ao contacto cultural com uma grande metrópole mundial. A primeira cidade escolhida foi a capital comercial da China. Seguir-se-iam México D.F., São Paulo, Bombaim... Mas o país é pequenino, e pequeninas são as nossas mentalidades. Pelo que não fomos além de Xangai.

Lembro-me de à época pensar que nenhum autarca deveria entrar em funções sem passar uma primeira semana de turismo profissional em Londres, Paris ou Nova Iorque, e uma segunda semana em Xangai, São Paulo ou Tóquio, com quatro a seis reuniões por dia, para perceber o que dá vida àqueles formidáveis organismos sociais. Passeios destes valem uma eternidade de retórica política e podem poupar muito dinheiro.

Se algo me impressionou no desastre que colheu o povo chinês nas vésperas da sua tão desejada abertura ao mundo pela via especialmente simbólica dos Jogos Olímpicos, foi a dignidade com que assumiram a tragédia e a prontidão e eficácia com que acudiram às populações afectadas pelos sismos. Todos descobrimos, ainda que pelos piores motivos, uma China diferente, que teremos de aprender a respeitar.

É de novo a arte que me leva à China. Desta vez, para colaborar na apresentação de um autor polaco naquele que será o principal projecto cultural do programa olímpico de Pequim. Chama-se Synthetic Times e terá lugar no National Art Museum of China. A minha curiosidade sobre a China, oito anos depois de lá ter estado (em 1999 e 2000) é muito grande. Oito anos num país que é o mais populoso do planeta e cresce a mais de 9% ao ano é uma eternidade de mudança! Estou em pulgas!!

Aguardem o meu próximo postal ilustrado, em directo, de Pequim!

Post Sriptum: Entretanto, a China afirma que a Reserva Federal americana, com a sua política de juros muito baixos, e o apoio ilimitado a bancos falidos, está a ser a principal responsável pela inflação global.

Mais do que o Subprime, desculpa invocada repetidamente pela generalidade dos governadores de bancos americanos e europeus para justificar a destruição em curso da poupança mundial das famílias e das empresas, a causa principal da actual crise financeira é a combinação explosiva entre a desvalorização do dólar e a consequente valorização da moeda japonesa face ao dólar. O colapso do chamado carry trade transformou o rebentar de uma bolha especulativa regional numa crise financeira global. O G7 finge que não sabe e a generalidade dos nossos editores económicos olha como sempre para o lado, não vá algum demónio interromper o fluxo nervoso da publicidade que os sustenta.

Leia-se, a propósito, a notícia do China View e o comentário de Elaine Supkis Meinel.


OAM 375 01-06-2008, 20:52 (última actualização: 23:55)

Aviso ao PS 4

José Sócrates in Blue

Quem fica com o PS?

Lisboa, 31 Mai (Lusa) -- O porta-voz socialista, Vitalino Canas, considerou hoje que o comício de terça-feira, que junta o Bloco de Esquerda, Renovadores Comunistas e em que discursa Manuel Alegre, pode ser encarado como uma iniciativa "contra o PS".

... "Ninguém da direcção do PS foi convidado para essa iniciativa e, como tal, trata-se de um evento que, ou prescinde do PS, ou é feito contra o PS", declarou o dirigente socialista.

... "A participação de militantes do PS em eventos do Bloco de Esquerda não nos parece aconselhável, embora o PS seja um partido livre e que convive bem com a divergência", frisou.

Tornou-se já evidente para todos, até para a Direita, que o PS de Sócrates é hoje um partido neoliberal concebido por uma tríade de renegados oriundos de organizações falhadas como a maoísta UDP e a incaracterística UEDS. Esta clique semi-clandestina foi conquistando o PS por dentro até conseguir isolar os seus principais pilares ideológicos e dominar o respectivo aparelho. Depois de usar o partido como escadote para ascender ao poder de Estado, tendo contado para tal com a preciosa ajuda de António Guterres (espécie de génio tonto de serviço), e com o recurso de última hora, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, a tríade de Macau iniciou sem rebuço nem vergonha a subordinação do Partido Socialista ao pior do capitalismo internacional e nacional, promovendo a demolição paulatina do Estado social e a implosão do tecido económico dominante, em nome dos interesses imediatos dos grandes construtores civis, dos credores da nossa dívida pública, dos especuladores financeiros, e deles próprios -- claro!

Se o propósito reformista (a célebre paixão pela educação e pelo diálogo de Guterres, ou a reforma do Estado e o caricato choque tecnológico de Sócrates) parecia louvável, a sua prossecução foi não só um embuste, mas também um ostensivo ataque ao frágil equilíbrio económico do país, e ainda a prova provada de que algo estava mal no Partido Socialista. Tamanha descaracterização ideológica do principal protagonista da esquerda portuguesa iria arruiná-lo a prazo, se nada fosse feito entretanto.

A emergência do movimento socialista em volta de Manuel Alegre, o tardio toque a rebate de Mário Soares e o já memorável "comício" em prol de uma nova frente de esquerda não comunista, contra o monopólio exercido sobre a sociedade portuguesa pela meia-dúzia de famílias de sempre (agora aparadas por uma turma de invertebrados mascarados de socialistas), são sinais sérios de que talvez existam ainda energias suficientes para a necessária purga por que o PS terá que passar se não quiser partir-se em dois antes de esta década chegar ao fim. No fundo, o único obstáculo é uma marioneta já sem bonecreiros verdadeiramente comprometidos com a sua animação. A tríade de Macau deixou de apostar no PS e procura um novo partido. José Sócrates está só diante da sua própria caricatura!

Mais cedo ou mais tarde haverá um novo partido da chamada direita moderna. Os neoliberais do PPD-PSD (Passos Coelho, José Relvas, Ângelo Correia, etc.) e os neoliberais do PS (António Vitorino, Jorge Coelho, Francisco Murteira Nabo, Carlos Santos Ferreira, Vitalino Canas, Armando Vara, José Penedos, Manuel Pinho, António Nunes, etc.) acabarão por dar o nó, impulsionados pela pressão irresistível dos off-shores que já hoje alimentam boa parte deste sindicato. Não existe pois nenhuma razão para que sejam os socialistas a abandonar o PS!


OAM 374 01-06-2008, 13:38

PPD-PSD-10

Decisões difíceis

A vitória tangencial de Manuela Ferreira Leite nas eleições directas do PPD-PSD deixou o partido dividido em três bocados, agora mais evidentes e consolidados que nunca: o bocado populista (Santana Lopes e Menezes), o bocado neoliberal (Passos Coelho, Relvas, Marco António) e o bocado social-democrata (Manuela Ferreira Leite e... Cavaco Silva!)

O primeiro problema que Manuela Ferreira Leite vai ter que enfrentar é o da ameaça de turbulência, ou mesmo de separatismo, por parte dos populistas de norte a sul do país. O segundo problema será o presente envenenado que uma excessiva solicitude de Pedro Passos Coelho poderá representar para o aproveitamento da janela de oportunidade que se abriu, por breves momentos, com esta sua vitória. Na realidade, se quiser levar o PSD a vencer José Sócrates, Manuela Ferreira Leite deverá evitar subtilmente estes obstáculos iniciais. Terá, no entanto, que estar preparada para uma provável cisão do PPD-PSD, antes ou depois das eleições legislativas de 2009. Tudo dependerá da natureza e intensidade das feridas abertas nas últimas semanas, e ainda da evolução da crise aberta no PS pelas mais recentes e quase simultâneas iniciativas de Mário Soares e Manuel Alegre.

Como observava um amigo meu, a moção de censura avançada pelo PP poderá ter sido combinada com José Sócrates, visando criar uma oportunidade inesperada para este se demitir, forçando Cavaco Silva a antecipar as eleições. Bastaria para isso que toda a Oposição votasse a favor da moção e alguns deputados socialistas se ausentassem para tomar café. Não sei se a coisa é verosímil, mas que o actual primeiro ministro anda desesperadamente à procura de uma saída para a agonia longa e humilhante que o espera, disso não tenho dúvidas. Na realidade, se isto fosse possível, nem Manuela Ferreira Leite teria tempo para derrotar Sócrates, nem este teria que temer a conspiração aberta contra si por toda a esquerda portuguesa, incluindo os socialistas que existem e dão nome ao partido que o levou ao poder. Por fim, a actual conjuntura aponta para a extinção eleitoral pura e simples do PP, mas se houvesse um golpe de rins semelhante ao descrito, o "partido do táxi" ganharia ainda mais uns anos de vida.

Prefiro, no entanto, olhar para os próximos dois ciclos legislativos que previsivelmente se sucederão: 2009-2012 e 2013-2016. O que vejo não é nada bom. A crise energética mundial vai continuar a agravar-se (bye bye NAL de Alcochete!); a crise financeira continuará indomável (bye bye TTT Chelas-Barreiro!); a crise alimentar tenderá a piorar à medida que aumentar a produção dos agro-combustíveis; o descalabro ecológico estará longe de ser mitigado. Ou seja, Portugal, cuja classe média tem vindo a desaparecer a um ritmo fulminante, estará em piores lençóis do que hoje e por conseguinte mais do que disponível para acolher alternativas populistas ao apodrecido presente político-partidário. O surgimento de novos partidos tem pois o caminho aberto, antes ou depois das próximas eleições legislativas.

Não faz sentido, a não ser por pura cobardia política, vermos os populistas do PPD agora derrotados permanecerem hipocritamente num partido que precisa urgentemente de cortar a ligação siamesa existente entre o PPD e o PSD, para assim poder dar lugar a duas formações ideologicamente mais bem delimitadas e com lugar seguro numa refundada geometria eleitoral. Quanto ao PS, passa-se algo semelhante. Socialistas e neoliberais disfarçados não podem continuar a conviver com a mesma rosa ao peito. Onde votarão Mário Soares e Manuel Alegre nas próximas eleições? Responder a esta pergunta é dizer que algo decisivo irá acontecer proximamente na esquerda portuguesa. Tomar as declarações de Mário Soares e as iniciativas de Manuel Alegre e de Francisco Louçã como meras manobras tácticas para enganar algumas dezenas de milhar de eleitores ingénuos em 2009 seria um erro de avaliação crasso. O eleitorado de esquerda não irá dar um voto que seja ao pinóquio que nos governa, sobretudo depois de o maior partido da oposição ter eleito para sua líder uma social-democrata declaradamente preocupada com a crise social estrutural que temos pela frente, por tempo indeterminado. Não me admiraria nada que a tríade de Macau estivesse a pressionar José Sócrates para fazer alguma coisa...


OAM 373 01-06-2008, 01:01

sábado, maio 31, 2008

Portugal 27

A Liga do Norte
A Junta Metropolitana do Porto anunciou hoje que pretende apresentar à Comissão Europeia uma queixa contra o Governo, caso não seja alterada, no prazo de um mês, a resolução que prevê o desvio de verbas do Quadro de Referência Nacional Estratégico (QREN) destinadas ao Norte para a região de Lisboa. - in Diário Económico, 30-05-2008.

Eu sou uma mistura galaico-germânica: neto de um republicano de Cinfães do Douro, de uma burguesa do Porto, de um industrial de Ovar e de uma brasileira com sangue índio e alemão. Sou casado com uma galega de Braga, e a minha filha, loira, de olhos azuis, namora com um músico madrileno filho de pai galego. A consistência genética não pode ser menos mourisca! E no entanto, como nasci em Macau e tenho vivido quase toda a minha vida na região de Lisboa, compreendo mal o complexo das segundas cidades. Ou por outra, compreendo bem, mas não o sinto. O olhar de um nova-iorquino sobre Los Angeles, dum tipo de Barcelona sobre Madrid, ou de alguns tripeiros sobre Lisboa é virtualmente o mesmo: -- "uns trabalham, outros divertem-se!"

E no entanto, apesar de não ser assim, a verdade é que os centros de poder tendem a exercer quase sempre um certo imperialismo sobre as periferias. O facto pode aliás medir-se de um forma simples e rigorosa através da redistribuição regional dos impostos e da distribuição do emprego público disponível. Por aqui se verá, creio, que o Porto tem inteira razão no grito de protesto contra o intento do morcão que dirige a pasta do ambiente de roubar para Lisboa fundos comunitários que por direito pertencem ao Norte.

A crise económico-social tem atingido de forma especialmente gravosa o Porto e a sua região metropolitana. Aliás, com a subida imparável dos preços dos combustíveis, é de prever que Lisboa e o Porto venham a enfrentar gravíssimos problemas de mobilidade e circulação de mercadorias no prazo de uma década. É por esta razão, entre outras, que defendo a criação imediata de duas novas regiões autónomas: a de Lisboa e a do Porto, tendo por base territorial as correspondentes e vastas áreas metropolitanas. Ao contrário dos projectos inquinados de regionalização existentes, defendo que o essencial a fazer neste momento é elevar estas duas regiões cruciais do país à categoria entidades dotadas de uma grande capacidade de auto-governo. Defendo, ao mesmo tempo, que os governos civis devem acabar imediatamente, e que o poder local dever ser reforçado tanto ao nível dos governos municipais (menos municípios, mas mais poder administrativo), como no das freguesias e paróquias que ainda subsistem por esse país fora. A capacidade de iniciativa e de gestão locais são decisivos para nos prepararmos para a transição energética em curso. Para isso é absolutamente necessário descentralizar as competências, as obrigações e os meios!

Alguém no Porto tem que começar a pensar nestes problemas.

OAM 372 31-05-2008, 20:07

quinta-feira, maio 29, 2008

PPD-PSD-9

Boomerang


O boomerang de Manuela Ferreira Leite

Lisboa, 28 Mai (Visão/Lusa) - O líder do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, afirmou hoje que o comício de terça-feira contra as desigualdades sociais e a corrupção em Portugal representará a maior mudança dos últimos anos na esquerda portuguesa.

Não podemos ainda saber se o comício da próxima terça-feira vai ou não ser decisivo para a emergência de uma nova força de esquerda, que englobe antes de 2009 os socialistas do PS, o Bloco de Esquerda e alguns comunistas desiludidos com a esclerose múltipla do PCP. O que sei é que o desvio da atenção pública para a actual crise social, provocado pela chave programática de Manuela Ferreira Leite, na sua corrida para a presidência do PSD, transtornou transversalmente as agendas políticas de todos os partidos com assento parlamentar!

As chamadas de atenção mais pertinentes para a degradação da situação social portuguesa tiveram início com os alertas lançados pela igreja católica a propósito das novas correntes migratórias que têm levado centenas de milhar de compatriotas para o Reino Unido, Suíça, Espanha e Austrália, entre outros países de acolhimento. O relatório da SEDES foi, mais recentemente, um sério aviso à navegação por parte de uma prestigiada instituição académica. Por sua vez a AMI fez um alerta dramático sobre o crescimento da pobreza no nosso país.

Acontece, porém, que estes avisos depararam sempre com uma parede de silêncio parlamentar e com a jovial contra-informação dos optimistas profissionais que nos governam. De facto, foi só depois de Manuela Ferreira Leite nos ter surpreendido a todos com o seu discurso sobre a questão social como a prioridade de uma governação democrática responsável, que a agenda política do país mudou.

O PS, chupado até ao tutano pela voragem da tríade de Macau, foi apanhado literalmente com as calças na mão. A esquerda populista -- BE, PCP e Verdes (1) --, entregue aos seus pequenos cálculos eleitorais e ao maniqueísmo de sempre, percebeu de repente que alguém vira o país para lá das pequenas coutadas eleitorais, corporativas e sindicais, e que poderia assim beneficiar à esquerda e à direita, de uma boa parte da revolta surda que cresce na sociedade portuguesa contra um sistema democrático acomodado, preguiçoso, incompetente e incapaz de combater a corrupção. O grito de Mário Soares, que curiosamente ou não se antecipou à iniciativa de Manuel Alegre e do Bloco, serviu basicamente para explicar aos mais distraídos, que o PS actual, chefiado por José Sócrates, não passa dum vulgar aparelho de legitimação da agenda neoliberal estúpida que apodrece nos bolsos das araras, dromedários e demais espécies exóticas que compõem o actual governo.

O governo PS vai chegar às eleições de 2009 num estado lastimável. E se Manuela Ferreira Leite ganhar o PSD, veremos a agenda neoliberal do actual PS completamente esmagada pelos argumentos mais ou menos irrealistas e desconexos da esquerda populista, a par duma crítica social-democrata razoavelmente consistente por parte dum PSD renovado. Sócrates será então exposto e visto completamente como o que verdadeiramente é: um cópia fraudulenta do New Labor, e uma caricatura liberal e tardia do socialismo!

No último debate entre os candidatos à liderança do PPD-PSD (2) ouviu-se falar muito de impostos e da importância que a sua eventual redução teria para o renascimento da economia portuguesa. Para populistas de direita e de esquerda, baixar o IVA, baixar o ISP, e já agora baixar os juros bancários (quer dizer o preço do dinheiro) é, pelos vistos, a pedra filosofal da salvação lusitana. Pois eu não creio que baixar 5 pontos percentuais no IVA (de 21 para 16), ou baixar o ISP à medida que suba o petróleo, melhore o que quer que seja. Os países mais ricos da União Europeia têm todos taxas de IVA elevadas: Dinamarca = 25%; Finlândia 22%; Suécia 25%. Não é por isso que deixam de crescer acima da média europeia. Não é por isso que deixam de ter uma segurança social invejável. Não é por isso que deixam de ser países ricos. No covil pirata de Sua Majestade Britânica, a Ilha de Jersey, apenas se cobra 3% de IVA -- o que não deixa de ser um belo exemplo das aspirações íntimas de todo o especulador e de todo o político corrupto.

O que nós realmente precisamos é de menos burocracia, de mais transparência e responsabilização na acção política e na administração pública, de uma verdadeira igualdade cidadã perante as leis, de um sólido e económico sistema de saúde e segurança social, de uma verdadeira revolução educativa e, por fim, mas não menos essencial, de pulverizar o excesso de poder das corporações. São a pior corja deste país!


  1. O desvio temático do debate parlamentar de hoje, agendado para discutir com o governo a questão energética, é um claro exemplo do comportamento sistematicamente demagógico dos partidos parlamentares. Falou-se de passes sociais, de código do trabalho e do mais que ocorreu às mentes demagógicas da Oposição. Como se não fosse importantíssimo debater a sério a crise energética. A nossa maior pobreza é sobretudo uma pobreza de estilo.
  2. A melhor prestação do debate foi sem dúvida a de Patinha Antão. Não é um político, e por isso não lhe damos muita importância na corrida à próxima liderança do PPD-PSD. No entanto, ficou demonstrado que o PSD tem bons técnicos, que porventura não têm sido ouvidos dentro do partido. Se MFL ganhar, esperemos que saiba trabalhar com os melhores e se afaste rapidamente dos barões falidos da Quinta da Marinha e dos intelectuais da Pedratura do Círculo.


OAM 371 29-05-2008, 04:25 (última actualização: 23:23)

quarta-feira, maio 28, 2008

Petroleo 17

Reservas de Petróleo da Arábia Saudita
"Uma interpretação curiosa deste gráfico é que de alguma forma a crise dos anos 70 era inevitável. O consumo e a produção saudita estavam a crescer a um ritmo de tirar a respiração, mas insustentável. As crises de 1973 e 1979 serviram para cortar drasticamente o consumo, e só quando a procura chinesa e mundial voltou a disparar 25 anos depois é que a Arábia Saudita se deparou de novo com os seus próprios limites de recursos e capacidade de produção. Se conseguirem retomar os níveis mais elevados da sua capacidade produtiva potencial, isso apenas assegurará que os futuros declínios ocorrerão a taxas superiores a 2%." - Phil Hart.

Re-nacionalizar os recursos estratégicos, já!
"As proclamadas reservas petrolíferas da OPEC estão sobre-avaliadas em cerca 340 mil milhões de barris (Gb). Encontram-se com elevada probabilidade mais perto dos 570 mil milhões de barris, do que dos anunciados 904 Gb. Combinando este valor com as estimativas do Oil and Gas Journal sobre as reservas fora da OPEC, na ordem dos 280 Gb, chegamos a uma base global das reservas comprovadas e provavelmente existentes na ordem dos 846 mil milhões de barris, bem abaixo dos 1140 mil milhões que foram sendo assumidos como dados pela economia nos últimos anos." - Oil Reserves: Where Ghawar goes, the rest of OPEC follows, Phil Hart, 27 Maio 2008.

Isto significa que, se não houver em breve uma quebra acentuada do consumo petrolífero mundial, que vai na ordem dos 85,7 milhões de barris por dia / 31.280,5 milhões por ano (dados confirmados relativos a 2007), e por conseguinte o mundo continuar a consumir esta quantidade astronómica de petróleo, o mesmo esgotar-se-à por volta de 2035. Mas muito antes desta data fatídica ocorrer, a economia do petróleo chegará ao fim se entretanto não houver uma sucessão de crises cujos resultados sejam uma dramática redução dos consumos deste ouro negro. O ano 2020 tem sido apontado como o da grande ruptura, e o ano da graça em que estamos ficará para a História como o da percepção planetária do Pico Petrolífero, bem como do início da queda irremediável dum paradigma energético. Até lá veremos de tudo um pouco: crises económicas assimétricas de proporções gigantescas, fome extrema, destruição das classes médias nos Estados Unidos e na Europa, conflitos bélicos em cascata, guerras civis e, finalmente, se não travarmos os falcões deste mundo, a III Guerra Mundial... nuclear!

Este é o meu décimo sétimo artigo sobre o assunto. No primeiro deles - OAM, 16 de Outubro de 2004 -, pode ler-se:
A produção de petróleo per capita começou a declinar de forma consistente em 1979, e o início da queda absoluta da produção a nível global começará, segundo Richard C. Duncan, em 2006 (a uma taxa de 2.45% ao ano, durante 34 anos!). Quer dizer, daqui a um ano e meio, poderemos estar já a lidar com preços de crude na ordem dos 100 dll/barril. Em 2008, ainda segundo as previsões de Duncan, as reservas de países como os EUA, México, Noruega, Angola, Rússia, Afeganistão, Urzebequistão, Azerbeijão, etc., começarão a decair mais depressa que as reservas da OPEC (Venezuela, Nigéria, Líbia, Argélia, Arábia Saudita, Emiratos Árabes Unidos, Qatar, Kwait, Irão, Iraque e Indonésia), colocando estes países numa clara posição de supremacia energética, mas também no centro de gigantescas disputas estratégicas.

Já depois de o petróleo ter ultrapassado a barreira psicológica dos 60 USD, - OAM, 01 de Novembro de 2005 -, escrevia:
A profecia da Ota | 22 de Novembro de 2009: Primeira Ministra anuncia abandono definitivo do aeroporto da Ota depois de o barril de crude ultrapassar esta semana a barreira psicológica dos 150 Euros.

Como se vê errei por pouco! Se Manuela Ferreira Leite for primeira ministra em 2009, provavelmente anunciará o fim do novo aeroporto de Alcochete, o fim da Terceira Travessia, o adiamento sine die da linha de Alta Velocidade entre Lisboa e o Porto, e mesmo, se houver alguma grande complicação no interior da União Europeia, por exemplo, em volta duma agressão americana-israelita ao Irão, a interrupção de todo o projecto de Alta Velocidade.

A actual discussão em volta da carga fiscal que pesa sobre os produtos petrolíferos ganhou novo e dramático fôlego com a possibilidade real de uma sincronização dos protestos e boicotes à escala europeia, anunciada pelas frotas pesqueiras do Sul da Europa, mas que se estenderá muito provavelmente ao sector do transporte rodoviário de mercadorias, e depois aos automobilistas de toda a Europa. Foi isso que pôs Sarkozy em pânico e o levou a propor in extremis à Comissão Europeia a suspensão temporária do IVA e ISP sobre as gasolinas e os gasóleos. Se a medida vai ou não para a frente dependerá sobretudo desta novidade democrática chamada sincronização europeia das lutas sociais. Bastará que os barcos de pesca fiquem nas praias portuguesas, espanholas, francesas, gregas e italianas para que a desejada sincronização seja alcançada e o movimento alastre a outros sectores. O efeito de contágio e sincronização daqui resultantes mergulhará a União Europeia na sua primeira crise global!

Se este cenário ocorrer, a Europa sofrerá um crise instantânea de proporções difíceis de prever neste momento. Só vejo uma saída para tamanho aperto: reverter os processos de privatização de alguns sectores estratégicos da economia: energia, transportes, segurança social e mesmo parte do sistema bancário (caixas de aforro urbano, caixas agrícolas.) Seria a resposta da Europa ao repto lançado por países como o Japão, a China, a Rússia, os Países Árabes, Angola e a Venezuela, onde predominam as economias Estado e centralismos políticos não-democráticos. Seria o regresso claro ao proteccionismo. Seria o regresso a uma acelerada corrida aos armamentos. E seria, sobretudo, aproveitar de forma expedita e determinada o que resta da supremacia europeia no actual desconcerto das nações. Nem quero pensar na trapalhada que vai ser!

Mário Soares fez um diagnóstico que está feito há muito. Basicamente para ver se salva o PS do afundamento eleitoral mais do que certo em 2009. No entanto a insolência do dromedário da Ota, Mário Lino, emendada pelo rastejar cínico do pirata porta-voz da tríade de Macau, Vitalino Canas, e do alter ego sibilino de José Sócrates, Pedro da Silva Pereira, mais as advertências patéticas do des-governador do Banco de Portugal, deram um bom espectáculo da desorientação completa que se apoderou do governo. Então ninguém sabia de nada? Não lêem os meus posts?! Ora bolas!!

Não deixa de ser surpreendente verificar que não foi apenas toda a nossa desgraçada classe política que andou a dormir na forma. No World Energy Outlook 2005 da International Energy Agency (IEA) pode ler-se esta previsão inacreditável e bem reveladora da política de avestruz que tem caracterizado a generalidade das instâncias oficiais do poder mundial:
"Assumptions about international energy prices have been revised significantly upwards in WEO-2005, as a result of changed market expectations after years of underinvestment in oil production and the refinery sector. The average IEA crude oil import price, a proxy for international prices, averaged $36.33 per barrel in 2004 and peaked at around $65 (in year-2004 dollars) in September 2005. In the Reference Scenario, the price is assumed to ease to around $35 in 2010 (in year-2004 dollars) as new crude oil production and refining capacity comes on stream. It is then assumed to rise slowly, to near $39 in 2030. In the Deferred Investment Scenario the oil price reaches $52 in 2030." -- IEA.

Referências

* A IEA deixou escapar há dias para o Wall Street Journal uma revisão dramática das suas erradas previsões, na base das quais, sublinhe-se, a malta do business as usual tece as suas decisões especulativas, e a maioria dos governos e muitos políticos distraídos compõem os seus sound bite.
Energy Watchdog Warns Of Oil-Production Crunch

May 22, 2008. The world's premier energy monitor is preparing a sharp downward revision of its oil-supply forecast, a shift that reflects deepening pessimism over whether oil companies can keep abreast of booming demand.

The Paris-based International Energy Agency is in the middle of its first attempt to comprehensively assess the condition of the world's top 400 oil fields. Its findings won't be released until November, but the bottom line is already clear: Future crude supplies could be far tighter than previously thought. -- IEA Official Says Supplies May Plateau Below Expected Demand. By NEIL KING JR. and PETER FRITSCH.

* Entretanto, um leitor atento enviou-me uma entrevista, de leitura obrigatória, ao economista-chefe da Agência Internacional de energia, reveladora da profunda mudança de perspectiva desta importante instituição. É algo longa, mas fundamental!

Entrevista a Fatih Birol : "Deixemos o petróleo antes que ele nos deixe"
Por Astrid Schneider (cortesia e tradução: José M. Sousa)

"SOAM AS SIRENES"

A Agência Internacional de Energia (AIE) dá o alarme : O mundo poderá esgotar o petróleo muito mais depressa do que era esperado -- o perigo de ruptura na oferta é crescente.

A fome por energia vs. a insuficiência de energia: ao passo que a procura de energia aumenta, a produção está em queda – oferta insuficiente, a escalada dos preços e a inflação estão no horizonte... Numa conversa com Astrid Schneider, Fatih Birol, economista-chefe da AIE, exige/pede uma alteração nas políticas dos países membros.

O seu "motto": deixem o petróleo antes que ele vos deixe.

ASTRID SCHNEIDER:
Sr. Birol, no seu "World Energy Outlook" [Perspectiva Mundial sobre Energia] publicado em Novembro de 2007, a AIE avisou pela primeira vez que poderia haver um queda brusca na produção de petróleo e uma escalada dos preços daqui até 2015. A razão que apontou é que tem havido pouco investimento na produção.

FATIH BIROL:
De facto. Há três razões para isso. A primeira é a crescente procura, sobretudo pela China, Índia e pelos próprios países produtores do Médio Oriente. Estes países são a principal razão para o crescente consumo de petróleo. Mesmo que haja uma recessão nos EUA, isso não abrandaria significativamente o consumo destes países, porque a Índia e a China têm um procura interna muita forte, ao passo que os altos preços do petróleo estimularão o crescimento económico no Médio Oriente. Assim, a procura por petróleo continuará forte.

ASTRID SCHNEIDER:
A segunda razão...?

FATIH BIROL:
...é que assistimos a uma quebra acentuada da produção nos campos petrolíferos em exploração, sobretudo no Mar do Norte, EUA e muitos países extra-OPEP. Mesmo aqui é necessário investir para abrandar o declínio. A terceira razão porque esperamos um risco para a produção global é que estudámos todos os projectos de exploração petrolífera pelo mundo fora: 230 ao todo, na Arábia Saudita, Venezuela, Mar do Norte, por todo o lado. Mesmo que todos esses projectos, que já têm financiamento, sejam implementados, o seu contributo para a capacidade total de produção é demasiado pequeno.

ASTRID SCHNEIDER:
Quanto falta?

FATIH BIROL:
Exactamente 12.5 milhões barris/dia (b/d) estão em falta, cerca de 15% da procura global de petróleo [ Nota do editor do Energy Bulletin: o consumo global corrente é de 84 milhões b/d]. Este hiato significa que poderemos enfrentar insuficiências na oferta e preços muito altos durante os próximos anos.

ASTRID SCHNEIDER:
Há algum meio de isto poder ser evitado?

FATIH BIROL:
Há apenas três meios de sairmos deste dilema:
Primeiro que tudo temos que aumentar drasticamente a eficiência energética, temos que construir automóveis, camiões e aviões mais económicos, para reduzir [...] o consumo de petróleo. Em segundo lugar, temos que usar mais combustíveis alternativos no sector dos transportes. No entanto, se olharmos para o tão pouco que está a ser feito pelos governos para aumentar a eficiência energética, tenho pouca esperança que haja tal mudança de política. A terceira é que precisamos de muito mais projectos de produção petrolífera, sobretudo nos países chave da OPEP.

ASTRID SCHNEIDER:
Diz que são necessários 5.4 biliões [10^12, ou seja milhões de milhões] de dólares para investir de modo a satisfazer a procura global de petróleo. Em que países deve este dinheiro ser investido?

FATIH BIROL:
Nos países do Médio Oriente com uma grande oferta petrolífera -- mas não estou seguro de que aqueles países e as suas companhias petrolíferas investirão o suficiente. Poderão pensar que não é do seu interesse aumentar assim tanto a produção, para manter os preços altos. Outra parte dos investimentos deve ir para a OPEP, os EUA e o para o Mar do Norte, para evitar o declínio na produção nessas regiões.


ASTRID SCHNEIDER:
No WEO 2007 é referido que o rápido declínio da produção de petróleo será entre 3,7% e 4,2% por ano. É mesmo assim?

FATIH BIROL:
Exactamente

ASTRID SCHNEIDER:
Este declínio é ainda maior do que o previsto pelo Energy Watch Group!

FATIH BIROL:
Posso desde já dizer-lhe que no nosso WEO 2008, que será publicado em Novembro, trataremos em profundidade com as perspectivas da produção de petróleo e gás. Analisaremos os 350 mais importantes campos de petróleo e gás e determinaremos qual a quebra nas suas taxas de produção e o que isso significa.

ASTRID SCHNEIDER:
O que quer dizer com isso?

FATIH BIROL:
Tanto quanto sei, será o primeiro estudo público aprofundado em que verificamos e revemos o nosso conhecimento acerca de quanto petróleo e gás está a ser fornecido aos mercados. Muita gente chegará a novas conclusões sobre isto.

ASTRID SCHNEIDER:
Uma das afirmações do WEO 2007 é que toda a produção adicional de petróleo terá que vir dos países da OPEP, nomeadamente do Médio Oriente. Salem el-Badri, o secretário-geral da OPEP, anunciou numa conferência sobre segurança energética em Londres, em Fevereiro último, que a OPEP pretende investir 200 mil milhões de dólares até 2012 para criar novas capacidades de produção de 5 milhões de b/d. Isto está em acentuado contraste com o WEO 2007 onde afirma que até 2020 precisaremos 24 mb/d de nova capacidade de produção para responder à procura crescente por petróleo. Então, de facto, Salem el-Badri afirma que a OPEP não será capaz de atender às expectativas. Isso não quererá dizer que caminhamos em direcção a sérios problemas?

FATIH BIROL:
É verdade, essa é a razão por que anunciamos pela primeira vez este ano uma situação de aperto da oferta. Há um hiato entre a procura global de petróleo e a quantidade que vem, ou poderá vir, para o mercado a partir daquela região. Pensamos que os produtores de petróleo têm que aumentar a sua produção de modo significativo, mas não estamos certos de que o farão ou mesmo se o poderão fazer.

ASTRID SCHNEIDER:
Porque não querem?

FATIH BIROL:
Olhemos para os números: até 2015 haverá uma diferença entre o que esperamos/queremos e o que os produtores estão dispostos ou aptos a fazer para aumentar a sua capacidade. Esta diferença revela o real e sério cenário do mercado do petróleo. Poderá significar um colapso da oferta e uma escalada dos preços.

ASTRID SCHNEIDER:
Então o que vejo no WEO é mais -- se me permite -- uma lista de intenções?

FATIH BIROL:
Pode pô-lo dessa forma. Penso que estamos a entrar numa nova ordem mundial do petróleo. Os novos actores, que decidem quanto petróleo vai para o mercado, são sobretudo companhias petrolíferas públicas. Por várias razões, as coisas não serão tão fáceis como eram antes.

ASTRID SCHNEIDER:
O Energy Watch Group apontou nos seus estudos que as reservas de petróleo no Médio Oriente estão provavelmente inflacionadas em 50%. Quando pedem hoje aos países do Médio Oriente para aumentarem as suas capacidades de produção, quão bom é o vosso conhecimento sobre as suas reservas de petróleo e sobre o volume que esses países poderiam produzir se assim o entendessem?

FATIH BIROL:
Estamos a falar de um ponto muito importante aqui e o maior resultado que espero do WEO 2008 é uma maior transparência no que respeita às reservas de petróleo das companhias nacionais, bem como multinacionais.

ASTRID SCHNEIDER:
A que se está a referir?

FATIH BIROL:
Lembre-se de que uma bem conhecida multinacional petrolífera teve problemas recentemente porque não teve transparência suficiente. Portanto a AIE gostaria de ver maior abertura no que diz respeito aos dados sobre reservas -- pode ser um bem nacional de estados isolados, mas o resto do mundo, as outras economias, o bem-estar comum de todos depende disso. De momento, estamos a pairar praticamente cegos e precisamos desesperadamente de maior capacidade de análise sobre este assunto.

ASTRID SCHNEIDER:
A transparência por si só ajuda?

FATIH BIROL:
Mesmo que as reservas da Arábia Saudita estejam estimadas erradamente em 50%, eles poderiam aumentar a sua produção de 12 mb/d para 18 mb/d. Mas creio que não aumentarão tanto a produção nos próximos 25 anos. Há assim sobretudo três problemas diferentes: geologia; investimento; e política dos principais produtores.
Estes três aspectos tomados em conjunto tornam o futuro do petróleo muito difícil.

ASTRID SCHNEIDER:
Se eu olhar para todos esses países, há grandes problemas com a Rússia e a sua política restritiva contra as multinacionais e petrolíferas orientadas para o mercado, como a Yukos; o Irão e o Iraque são pontos de alta tensão na cena internacional; a Arábia Saudita tem uma política muito relutante e parece ser difícil a abordagem para as companhias ocidentais.

FATIH BIROL:
Certamente, mas isso é totalmente legítimo.

ASTRID SCHNEIDER:
...e por último, mas não menos importante, a Venezuela, que deixou de fornecer a Exxon Mobil. Estes países em conjunto detêm cerca de 60% das reservas mundiais de petróleo. Mas é facto que não temos acesso a eles, nem politicamente, nem economicamente.

FATIH BIROL:
Isso causa grande pressão/strain sobre todos e sobre os nossos sistemas económicos. Quando olho para o futuro, vejo três desafios estratégicos no sector energético: o primeiro é a segurança do petróleo e gás. Recentemente, a Rússia reduziu as suas entregas de gás para a Ucrânia em 25%. O segundo são as alterações climáticas. E o terceiro, e temos que admitir que não falamos muito acerca disto, é a ligação entre energia e pobreza, por exemplo em África. Hoje 1,6 mil milhões de pessoas, isto é 40% da população mundial, não tem acesso a electricidade.

ASTRID SCHNEIDER:
Seremos capazes de responder a esses três desafios?

FATIH BIROL:
Se olharmos às suas dimensões, penso que os mercados por si sós não poderão resolver aqueles problemas. Não podemos deixar tudo aos mercados. Os governos nacionais bem como as instituições internacionais têm de ajudar à definição de regras e ao seu cumprimento. O assunto é demasiado importante.

ASTRID SCHNEIDER:
Não está sózinho nos seus avisos acerca de rupturas na oferta -- na cimeira económica mundial de Davos, Jeroen von der Veer, presidente da Shell, admitiu pela primeira vez que o petróleo e gás convencional não serão suficientes para cobrir a procura mundial a partir do ano 2015 em diante. Isto não levará a uma queda adicional da produção?

FATIH BIROL:
Várias pessoas acreditam agora que a produção global de petróleo e gás entrará brevemente em águas agitadas, mas isto não tem apenas que ver com o esgotamento do recurso. A falta de investimento é outro problema, bem como o facto de alguns países não quererem aumentar a produção.

ASTRID SCHNEIDER:
Não podemos criticá-los por isso, pois não?

FATIH BIROL:
Não. Antes de me juntar à AIE, trabalhei para a OPEP em Viena. E toda a gente ligada ao petróleo tinha os mesmos pensamentos: não utilizar todo o petróleo que tenho hoje, mas deixar algum para os filhos e netos, de modo a garantir-lhes rendimento. E compreendo isso. Em muitos países produtores de petróleo, este é a única ou, pelo menos, a mais importante fonte de rendimento.

ASTRID SCHNEIDER:
Então, qual é a sua conclusão?

FATIH BIROL:
Ficaria muito surpreendido se a produção aumentasse sem esforço durante os próximos 20 a 25 anos para satisfazer, digamos, 120 mb/d sem quaisquer problemas.
Mesmo que o potencial exista, não seremos capazes de fornecer esse petróleo ao mercado. A conclusão é que temos que estar preparados para assistir a mercados muito turbulentos, apertados e com preços elevados -- isto não será bom para a economia.

ASTRID SCHNEIDER:
Vamos assumir que há uma escalada dos preços -- quem será atingido primeiro?

FATIH BIROL:
Tudo se resumirá a quem será capaz de pagar x dólares por barril. Alguns serão capazes, outros não. Os países da OCDE estarão entre os felizardos, mas os países em desenvolvimento serão.....

ASTRID SCHNEIDER:
...os perdedores...

FATIH BIROL:
Exactamente!

ASTRID SCHNEIDER:
Se o entendo correctamente, diz que a procura de petróleo pode aumentar 3% ao ano, ao passo que devemos esperar uma descida de 4% na produção de petróleo de agora até 2015. Isso significa uma diferença de 7% ao ano que estaria em falta.

FATIH BIROL:
A procura poderá aumentar um pouco mais devagar. Mas poderá haver uma grande diferença entre o que deveria lá estar e o que vai lá estar de facto, sobretudo se não fizermos esforços intensos para melhorar a eficiência energética dos automóveis ou mudarmos para outros sistemas de transportes. Se não tomarmos medidas do lado do consumidor, o consumo continuará a aumentar. E se não tivermos investido o suficiente na produção, então experimentaremos grandes dificuldades.

ASTRID SCHNEIDER:
Mas quando se considera o ciclo de vida dos produtos, os ciclos longos de investimento em máquinas, centrais eléctricas e sistemas de ar condicionado, pensa que um ajustamento do lado do consumidor face à tendência de redução da oferta poderá realizar-se tão rapidamente?

FATIH BIROL:
Não, mas não penso que os preços subirão assim tão rapidamente. Poderemos ver uma subida gradual e isso dará às pessoas algum tempo para se adaptarem. Mas, no longo prazo, tem que ser claro: se o petróleo irá acabar em 2030, ou em 2040 ou 2050, não fará grande diferença.

ASTRID SCHNEIDER:
Reafirma mesmo isso?

FATIH BIROL:
Sim, um dia acabará mesmo. E eu penso que o deveríamos deixar antes que ele nos deixe. Esse deveria ser o nosso lema. Então devemos preparar-nos para esse dia -- através de I&D em alternativas ao petróleo, sobre que padrões de vida queremos preservar e que formas alternativas podemos encontrar.

ASTRID SCHNEIDER:
Como reagirá a economia global a uma nova crise do petróleo?

FATIH BIROL:
Se houver uma grande diferença entre a oferta e a procura, as economias serão duramente atingidas -- embora de forma diferenciada pelo mundo fora. A economia alemã sofrerá menos do que as dos países da Zona do Sahel. Contudo, esperamos menos crescimento económico, maior inflação e mais desemprego para os países da OCDE também.

ASTRID SCHNEIDER:
E os países pobres?

FATIH BIROL:
Nos países pobres, a maioria dos quais na África Negra, Índia e outros, os efeitos serão bem mais devastadores. Por exemplo, calculámos que os países da África Negra importadores de petróleo perderam 3% do seu crescimento económico devido ao aumento dos preços do petróleo. Não devemos esquecer que metade das pessoas nesses países vive abaixo da linha de pobreza de 1 dólar por dia.

ASTRID SCHNEIDER:
Vê o perigo de conflitos militares entre países com elevados e fracos recursos, causados pela tensão no mercado internacional?

FATIH BIROL:
No meu mandato enquanto funcionário não costumo falar sobre guerras e coisas do género. Mas o que lhe posso dizer é que as questões energéticas e geopolíticas estão demasiado interligadas. A oferta de energia está a tornar-se cada vez menos um empreendimento económico, mas em vez disso um empreendimento económico e geopolítico. Isso são más notícias, e não gosto nada disso. Precisamos de um diálogo entre produtores e consumidores.

ASTRID SCHNEIDER:
Referiu que estamos na véspera/limiar de uma nova era mundial da energia. Quem são os novos actores?

FATIH BIROL:
Do lado consumidor, claramente a China e a Índia. Costumavam ser participantes muito pequenos no mercado e ainda não vimos muito em relação a eles no jogo da energia até agora. Têm sido meros jogadores de rua, mas agora estão a crescer mais e mais, tornando-se plenos protagonistas.

ASTRID SCHNEIDER:
E do lado produtor?

FATIH BIROL:
Aí estão os maiores países produtores: a Arábia Saudita, Irão, Iraque, Kuwait, os EAU e a Rússia. Todos estes países têm uma coisa em comum: a produção de petróleo é regulada por companhias petrolíferas públicas em lugar do mercado livre. Isso altera as condições do jogo. São não apenas novos jogadores, mas é uma situação completamente nova. Os países ricos da OCDE tornam-se cada vez menos relevantes. São ainda importantes, mas desempenharão um papel menos importante quando olhamos para o futuro.

ASTRID SCHNEIDER:
Então toda a economia mundial depende de um punhado de países produtores -- e esses países que referiu não são lá muito democráticos.

FATIH BIROL:
Cada país tem o seu sistema político que instituiu para si próprio. O que gostaríamos de ver, no entanto, era a abertura dos mercados desses países. A livre circulação de capitais será muito importante, de modo que toda a gente possa investir no que entender. Mas no fim de contas estes países são livres. Podem decidir que política energética e que sistema político desejam.

ASTRID SCHNEIDER:
Que significa isso para nós?

FATIH BIROL:
Pelo menos temos que entender que o nosso petróleo e gás virá de países onde são as empresas públicas que decidem sobre a produção para o futuro. Isso é diferente do passado, quando o nosso abastecimento era feito por empresas mais orientadas para o mercado. Essa é uma alteração importante.

ASTRID SCHNEIDER:
A Agência Internacional de Energia tem o mandato de manter uma vigilância sobre o mercado petrolífero e de alertar os países da OCDE quando possam existir problemas ou insuficiências no mercado global de petróleo. A que nível estão a soar os alarmes neste momento?

FATIH BIROL:
Estamos aqui a falar de duas funções diferentes. A primeira é que podemos lançar reservas no mercado quando não há petróleo suficiente para atender à procura. Fizemo-lo, por exemplo, em 2005 quando o furacão Katrina atingiu os EUA. A segunda tarefa é, como mencionou, fazer "soar o alarme". Isso foi o que fizemos o ano passado.

ASTRID SCHNEIDER:
Já tinham feito tocar o sino? Quando?

FATIH BIROL:
Com o WEO 2007. Foi um sinal claro aos governos de todos os países membros. Consideram a segurança energética e do petróleo de uma forma bem mais importante agora do que antes. E quando apresentarmos o WEO 2008 em Novembro, penso que é possível que as sirenes venham a soar ainda mais alto.

ASTRID SCHNEIDER:
Mas não têm uma forma de reunir os chefes de Estado ou os ministros da economia para lhes falar sobre uma crise no fornecimento de petróleo?

FATIH BIROL:
Temos processos desse género para uma crise no abastecimento. Chamamos isso uma situação de emergência e podemos trocar informação com os governos de todos os países membros em apenas algumas horas se isso acontecer. Fizemo-lo aquando do Katrina.

ASTRID SCHNEIDER:
Não vê aí uma diferença? Por um lado, uma crise que é provocada por uma catástrofe natural que destrói algumas plataformas petrolíferas; e, por outro lado, algo como uma "emergência duradoura"?

FATIH BIROL:
Sim -- e essa é a razão porque pedimos aos nossos países membros para mudarem as suas políticas. Recentemente, os EUA e o Japão aprovaram novos padrões para os automóveis para reduzir o consumo de energia. Precisamos desesperadamente de novas regras e "standards". A Europa está neste momento a tentar atingir os mesmos padrões, mas sei que alguns países terão as suas dificuldades em aceitá-los.

ASTRID SCHNEIDER:
Como por exemplo a Alemanha.

FATIH BIROL:
Ainda continuam relutantes em pô-los em prática. Mas penso que lhes damos uma mensagem clara para o fazer. Tudo isto são exemplos de como temos feito tocar os sinos de alarme, e estamos a fazê-lo ruidosamente. Posso dizer-lhe que estou muito satisfeito ao ver muitos ministros a caminhar agora na direcção certa -- mas não é ainda suficiente. Especialmente se colocarmos em perspectiva as novas medidas com a dimensão dos problemas que estamos a enfrentar.

ASTRID SCHNEIDER:
Mas não é tempo de dar um sinal claro? Especialmente quando muito dinheiro é erradamente investido nos países da OCDE -- por exemplo na construção de novos aeroportos, muito embora não venha a existir petróleo suficiente para aumentar constantemente as viagens aéreas?

FATIH BIROL:
Não só dizemos isso aos nossos países membros, mas também a Pequim ou Nova Deli. Explicámos aos nossos colegas chineses e indianos como uma maior eficiência energética pode ajudá-los, como o transporte público pode mudar a sua vida e onde deveriam ser feitos os investimentos em infraestrutura. Mas, ao fim e ao cabo, é aos governos que cabe avaliar quão seriamente tomam as nossas declarações e avisos.

ASTRID SCHNEIDER:
Perante a crise de abastecimento que surge no horizonte, não seria a altura certa para convocar uma conferência intergovernamental sobre assuntos energéticos?

FATIH BIROL:
Estamos a discutir e a avaliar a situação com regularidade. O próximo passo importante será o WEO 2008. Em 2009 convocaremos uma reunião de ministros e espero que a segurança energética venha a ser um dos mais importantes temas a par das alterações climáticas. Mas volto a dizer: cabe aos governos tomarem medidas desde já. Avisámo-los.

ASTRID SCHNEIDER:
Até agora só falámos de petróleo porque detém a maior fatia no "mix" energético global. O Energy Watch Group afirma que não podemos simplesmente duplicar a quantidade de carvão ou urânio quando o petróleo começar a esgotar-se. À parte os problemas com as alterações climáticas, aquela fontes energéticas também não são ilimitadas. O que diz a AIE sobre isto?

FATIH BIROL:
Há uma diferença entre o carvão e o urânio. O carvão é um recurso global, pode ser encontrado em quase toda a parte e temos grandes quantidades. Mas o problema é -- se excluirmos as alterações climáticas por um momento -- que está a tornar-se cada vez mais difícil transportar o carvão a partir das minas para os centros de consumo. Depois de já termos falado sobre os preços do petróleo, deixe-me dizer-lhe que o preço do carvão mais do que duplicou desde princípios de 2006. Os preços do carvão estão também a subir porque a China se tornou um importante importador ao passo que não vemos importantes aumentos da produção em lado nenhum.

ASTRID SCHNEIDER:
Como avalia a situação para o urânio? Hoje só 60% da oferta provém das minas, o resto vem de reservas armazenadas que serão esgotadas brevemente.

FATIH BIROL:
Para as reservas de urânio não vemos problemas a partir de 2015 ou 2020, desde que haja esforços na exploração em regiões chave como o Cazaquistão, Austrália, África do Sul e outras regiões. Não creio que a oferta de urânio seja o principal problema para a economia nuclear, é mais uma questão de aceitação pública.

ASTRID SCHNEIDER:
À luz da insuficiência da oferta e outros problemas relacionados com o petróleo, carvão e gás, a OCDE, a AIE e as Nações Unidas recomendaram a construção de mais centrais nucleares para combater as alterações climáticas. Contudo, precisaríamos de três a quatro vezes mais centrais nucleares para podermos produzir electricidade suficiente para ter algum significado.

FATIH BIROL:
Para limitar o aquecimento global a 2º C temos que alterar o nosso sistema de produção de energia. Há quatro formas de o fazer de maneira neutra do ponto de vista climático: através da eficiência energética, energias renováveis, captura e sequestração de CO2 e energia nuclear. Se distribuirmos a redução do CO2 de forma equitativa por estas quatro alternativas, teríamos que construir todos os anos 30 novas centrais nucleares em todo o mundo. Isso é praticamente impossível. Presentemente estamos a construir 1,5 novas centrais por ano.

ASTRID SCHNEIDER:
Então um renascimento da energia nuclear está também fora de questão?

FATIH BIROL:
A energia nuclear deverá pelo menos manter a fatia actual de 15% do "mix" energético. Quando as pessoas do meu próprio país me perguntam se deveriam construir uma central nuclear, falo-lhes das vantagens e desvantagens. Mas também lhes digo que um reactor nuclear não deve ser construído contra a vontade do povo que vai ter que viver em torno da sua envolvente. Poderá ser bom para a economia global, bom para a segurança energética e bom para a protecção do clima, mas quando a população local tem um problema com isso, temos que levá-lo em consideração no planeamento.

Comentário de contribuidor do Energy Bulletin:

No que diz respeito à produção global de petróleo, a AIE não viu no passado grande problema imediato. Esta entrevista revela uma mudança de perspectiva extraordinária.

PUBLICAÇÃO ORIGINAL DA TRADUÇÃO EM: Parte I; Parte II.

PUBLICAÇÂO ORIGINAL EM ENERGY BULLETIN
Fatih Birol interview: 'Leave oil before it leaves us' by Astrid Schneider. Update May 2008.


* Uma carta divertida de George Monbiot a Sua Majestade o Rei Abdallah da Arábia Saudita, sobre a aflição petrolífera europeia, e em particular do desgraçado Gordon Brown.
Your Majesty,

In common with the leaders of most western nations, our prime minister (Gordon Brown) is urging you to increase your production of oil. I am writing to ask you to ignore him. Like the other leaders he is delusional, and is no longer competent to make his own decisions.

... The (UK) government's central forecast for the long-term price of oil is just $70 a barrel.

Over the past few months I have been trying to discover how the government derives this optimistic view. In response to a parliamentary question, it reveals that its projection is based on "the assessment made by the International Energy Agency (IEA) in its 2007 World Energy Outlook." Well last week the Wall Street Journal revealed that the IEA "is preparing a sharp downward revision of its oil-supply forecast". Its final report won’t be released until November, but it has already concluded that “future crude supplies could be far tighter than previously thought." Its previous estimates of global production were wrong for one simple and shocking reason: it had based them on anticipated demand, rather than anticipated supply. It resolved the question of supply by assuming that it would automatically rise to meet demand, as if it were subject to no inherent restraints. -- By George Monbiot. Published in the Guardian 26th May 2008.

OAM 370 28-05-2008, 02:18 (última actualização 29-05-2008 12:33)