quarta-feira, março 25, 2009

G20-London

Cimeira de Londres do G20
Última oportunidade de evitar uma desarticulação geo-política global

Carta aberta aos dirigentes do G20, publicada na edição internacional do Financial Times de 24 de Março de 2009

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

A vossa próxima cimeira terá lugar dentro de dias em Londres, mas restam-vos menos de seis meses para evitar que o mundo mergulhe numa crise que levará pelo menos uma década a superar, acompanhada de um cortejo de tragédias e convulsões. Esta carta aberta do Laboratoire Européen d'Anticipation Politique / Europe 2020 (LEAP/E2020), que desde Fevereiro 2006 anunciou a chegada de uma "crise sistémica global", pretende explicar brevemente o que aconteceu, e como limitar mais danos.

Se apenas começastes a suspeitar da amplitude da crise há menos de um ano, a verdade é que o LEAP/E2020, no segundo número do seu « Global Europe Anticipation Bulletin » (GEAB N°2), havia já anunciado que o mundo entrara na "fase de desencadeamento" de uma crise de proporções históricas. Desde então, mês a mês, LEAP/E2020 continuou a produzir previsões muito fiáveis do desenrolar desta crise com a qual o mundo inteiro agora se debate. Por esta razão, escrevemos esta carta aberta que esperamos possa esclarecer as vossas escolhas nos próximos dias.

Esta crise tem vindo a agravar-se de forma perigosa. Recentemente, na 32ª edição do seu Boletim, o LEAP/E2020 lançou um alerta muito importante que vos diz directamente respeito, enquanto líderes do G20: se, reunidos em Londres no próximo dia 2 de Abril, não forem capazes de adoptar um certo número de decisões audaciosas e inovadoras, centradas no que é essencial e levadas à prática a partir do Verão de 2009, então a crise entrará no fim deste ano numa fase de "desarticulação geo-política generalizada", que afectará tanto o sistema internacional como a própria estrutura de grandes entidades políticas, tais como os Estados Unidos, Rússia, China ou a União Europeia. A partir deste ponto deixará de ser possível controlar a situação, para mal dos 6 mil milhões de habitantes deste planeta.

A vossa escolha: uma crise de 3 a 5 anos ou uma longa crise de pelo menos uma década?

Como nada vos preparou para enfrentar uma crise de tamanhas proporções históricas, a vossa preocupação incidiu apenas nos sintomas e nos efeitos secundários da crise. Pensaram que bastava adicionar mais combustível ou óleo ao motor mundial, desprevenidos do facto de que esse motor estava gripado, sem esperança de reparação. É de um novo motor que precisamos construir. Mas o tempo escasseia, pois em cada mês que passa deteriora-se um pouco mais o sistema internacional.

Como em todas as grandes crises, é preciso ir ao essencial. Como em todas as crises de dimensão histórica, a única saída está entre levar a cabo uma série de mudanças radicais, abreviando a duração da crise e as suas consequências trágicas ou, pelo contrário, recusar fazer essas mudanças numa tentativa de salvar o que sobra do actual sistema, não conseguindo porém mais do que prolongar a crise e aumentar todas as suas consequências negativas. Em Londres, no próximo dia 2 de Abril, podereis pois escolher entre abrir o caminho para a resolução da crise de uma forma organizada em 3 a 5 anos; ou, pelo contrário, arrastar o planeta para uma década terrível.

Contentamo-nos com oferecer três recomendações que consideramos de alcance estratégico no sentido de, como foi já adiantado pelo LEAP/E2020, se as mesmas não forem tomadas até ao Verão de 2009, tornar-se inevitável uma desarticulação geo-política global a partir do fim deste ano.

AS TRÊS RECOMENDAÇÕES DO LEAP/E2020

1. A chave da crise está na criação de uma nova moeda de reserva internacional!

A primeira recomendação resume-se a uma ideia muito simples: a chave da crise actual encontra-se na reforma do sistema monetário internacional herdado da Segunda Guerra Mundial a fim de criar uma nova moeda de reserva internacional. O dólar e a economia dos Estados Unidos já não estão em condições de continuarem a ser os pilares da ordem económica, financeira e monetária global. Enquanto este problema estratégico não for directamente abordado e resolvido, a crise agravar-se-à. Na realidade ele está no coração da crise do mercado financeiro de derivados, bancos, preços energéticos... e das suas consequências no desemprego e no colapso dos padrões de vida. É por isso de vital importância que este assunto seja o tema central da cimeira do G20, e que os primeiros passos da sua solução aí sejam dados. Na realidade, a solução deste problema é bem conhecida: trata-se de criar uma moeda de reserva internacional (que poderia chamar-se "Global") baseada num cesto de moedas das maiores economias, i.e. dólar US, Euro, Iene, Yuan, Khaleeji (a moeda única dos estados petrolíferos do Golfo, a ser lançada em Janeiro de 2010), Rublo, Real..., gerida por um "Instituto Monetário Mundial". Deverá pedir-se ao Fundo Monetário Internacional e aos bancos centrais envolvidos que preparem este plano para Junho de 2009 e o implementem em Janeiro de 2010. Este é o único caminho para recuperar algum controlo sobre os acontecimentos e ao mesmo conseguir uma gestão global partilhada com base numa moeda comum situada no centro da actividade económica e financeira.

Segundo o LEAP/E2020, se esta alternativa ao colapso sistémico em curso não se iniciar no Verão de 2009, provando que há alternativa ao "cada um por si", o actual sistema internacional não sobreviverá a este Verão.
Se alguns dos estados do G20 pensam que é melhor manter os privilégios do "status quo" pelo tempo que for possível, deverão meditar no facto que, se hoje ainda podem influenciar significativamente a futura forma deste novo sistema financeiro mundial, uma vez iniciada a fase de desarticulação geo-política global perderão qualquer hipótese de o fazer.

2. Implementar os esquemas de controlo bancário o mais depressa possível!

A segunda recomendação foi já mencionada frequentemente nos debates preliminares da vossa próxima cimeira. Deve pois ser fácil de adoptar. Trata-se de criar, antes do fim deste ano, um esquema de controlo bancário à escala global, eliminando todos os "buracos negros" do sistema. Várias opções foram já sugeridas pelos vossos especialistas. Decidam-se já: nacionalizando as instituições financeiras tão prontamente quanto necessário! É a única maneira de prevenir um novo episódio de endividamento em larga escala por parte dessas instituições (o tipo de situação que contribuiu significativamente para a presente crise), e de mostrar à comunidade mundial credibilidade para lidar com banqueiros.

3. Levar o FMI a avaliar os sistemas financeiros dos Estados Unidos, Reino Unido e Suíça!

A terceira recomendação relaciona-se com um assunto político sensível, que não deve ser ignorado. É essencial que, até Julho de 2009, o FMI apresenta ao G20 uma avaliação independente dos três sistemas financeiros no coração da actual crise financeira: o estado-unidense, o britânico e o suíço. Nenhuma recomendação sustentável poderá ser implementada eficazmente enquanto não se souber claramente o dano causado pela crise no interior deste três pilares do sistema financeiro mundial. Não é altura de ser amável com os países situados no centro do presente caos financeiro.

Escrevam uma declaração simples e breve!

Por último, por favor, permitam-nos lembrar-lhes que a vossa tarefa é restaurar a confiança no seio de 6 mil milhões de pessoas e a milhões de organizações públicas e privadas. Assim sendo, não se esqueçam de redigir um comunicado curto — não mais de duas páginas, apresentando um máximo de três ou quatro ideias que os não especialistas possam ler e perceber. Se assim não for, ninguém vos lerá fora do círculo estreito dos especialistas, e por conseguinte sereis incapazes de recuperar a confiança geral do público, pelo que a crise se agravará.

Se esta carta aberta vos ajudar a sentir que a história julgará o êxito ou fracasso desta Cimeira, então, não terá sido escrita em vão. Segundo o LEAP/E2020, os vossos cidadãos não esperarão mais do que um ano para vos julgar. Desta vez, pelo menos, não podereis dizer que ninguém vos avisou!

Franck Biancheri
Director de estudos do LEAP/E2020
Presidente do Newropean

Tradução: OAM

Outras versões:

OAM 561 25-03-2009 16:25

terça-feira, março 24, 2009

Energia 5

Do pinóquio irrenovável à pedrada da SHELL

As energias eólicas e solar, segundo a SHELL — que acaba de anunciar a sua retirada dos sectores eólico, solar e hídrico (1) — não são rentáveis, ou dito doutro modo, os seus preços, que continuarão a subir no futuro, prefiguram um novo paradigma energético. O tempo da energia cara chegou!

Daí que todo o plano do pinóquio Sócrates (2) não passe duma aldrabice para safar empresas que subsidiaram e subsidiam os partidos do Bloco Central. Só que o descalabro do actual Executivo é tal, que já tudo sai de pernas para o ar, mesmo quando o descaramento do favorecimento ilegal às empresas amigas salta à vista.

Os apoios estatais veiculados por um autêntico cartel energético-partidário à instalação de painéis solares térmicos, tal como o esquema de subsídios à microgeração solar térmica e fotovoltaica, são uma vigarice, além de serem pura demagogia e, por incrível que pareça, uma forma encapotada de sobre subsidiar a própria EDP, Iberdrola e quejandos! Dentro em breve, porém, países sobre endividados, como Portugal, a Espanha, o Reino Unido, etc., serão forçados a abandonar o que efectivamente não passa de um esquema leviano de especulação financeira com a escassez energética de todos nós.

Quando o petróleo voltar a disparar (já recomeçou a subir e poderá dar um salto brusco depois da presumivelmente falhada Cimeira do G20 em Londres (3), no próximo dia 2 de Abril), a falência em catadupa das empresas privadas e do sector público de boa parte dos países europeus levará inevitavelmente a uma revisão drástica das fantasias dominantes em volta das energias alternativas.

Não há alternativa aos combustíveis líquidos oriundos do petróleo capaz de evitar a tempo o COLAPSO ENERGÉTICO que aí vem. Isto é um facto.

E quem tiver contratos assinados com os piratas neoliberais que continuam a publicar decretos e leis destinados a "agarrar" os incautos aos oligopólios da energia e da água, ficará, mais cedo ou mais tarde, com a sucata dos colectores ao colo, imprestável, irreparável e por pagar, para gáudio do BES e da restante banca falida nacional.

Sócrates, Barroso, e outros que tais só tem uma alternativa: RUA!

E quanto a nós, o melhor é mesmo começarmos a confluir em esquemas efectivos de autonomia e eficiência energéticas: racionalização sustentável da intensidade energética do dia-a-dia das nossas casas, empresas e comunidades, microgeração desligada da rede e conservação comunitária da água potável. É urgente renacionalizar a EDP e impedir a todo o custo qualquer privatização dos rios, costas marítimas, portos, aeroportos e estradas. As Parcerias Público Privadas ruinosas, tal como o negócio privado das portagens concessionadas, devem cessar imediatamente!


NOTAS

  1. Shell dumps wind, solar and hydro power in favour of biofuels

    Tuesday 17 March 2009 (Guardian) — Shell will no longer invest in renewable technologies such as wind, solar and hydro power because they are not economic, the Anglo-Dutch oil company said today. It plans to invest more in biofuels which environmental groups blame for driving up food prices and deforestation.

    Executives at its annual strategy presentation said Shell, already the world's largest buyer and blender of crop-based biofuels, would also invest an unspecified amount in developing a new generat­ion of biofuels which do not use food-based crops and are less harmful to the environment.

    The company said it would concentrate on developing other cleaner ways of using fossil fuels, such as carbon capture and sequestration (CCS) technology. It hoped to use CCS to reduce emissions from Shell's controversial and energy-intensive oil sands projects in northern Canada.

    The company said that many alternative technologies did not offer attractive investment opportunities. Linda Cook, Shell's executive director of gas and power, said: "If there aren't investment opportunities which compete with other projects we won't put money into it. We are businessmen and women. If there were renewables [which made money] we would put money into it."


  2. Especialistas de energia denunciam "embuste" na visita de Sócrates e Pinho à Energie

    24.03.2009 - 08h53 (Público) — A visita de José Sócrates e de Manuel Pinho às instalações da Energie para assinalar a segunda fase de expansão da fábrica que produz o que designa por "painéis solares termodinâmicos" está a desencadear uma série de protestos por parte dos principais responsáveis pela investigação e indústria solar no país.

    "É uma empresa que assenta a sua propaganda num embuste", denuncia Eduardo Oliveira Fernandes, ex-secretário de Estado da Energia e académico que desenhou a política energética do actual Governo, no que é acompanhado por Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa Portugal e presidente da Sociedade Portuguesa de Energia Solar (SPES), e por Manuel Collares Pereira, considerado um dos principais especialistas em energia solar no país, ex-investigador do INETI e responsável pela empresa fabricante de painéis solares térmicos Ao Sol. Os três especialistas clamam que o produto da Energie, fabricado na Póvoa de Varzim, é "publicidade enganosa" - mostram tratar-se de uma bomba de calor accionada a electricidade com apoio secundário em energia solar e não de um painel solar térmico - e atribuem o incentivo político do primeiro-ministro e do ministro da Economia, com a visita efectuada, a uma possível ausência de apoio técnico adequado pelos respectivos gabinetes.

    Também a associação ambientalista Geota se associa às críticas. "A pretexto de vender energia solar, [a Energie] vende mais electricidade", diz Manuel Ferreira dos Santos, um dos responsáveis da organização, que equipara o funcionamento do sistema da Energie a um "frigorífico ao contrário" que continua a ser alimentado por energia eléctrica, não solar, restando o que diz ser uma "acção de marketing bem conseguida".


    Energia solar — Segunda polémica em dois anos à volta da Energie


    24.03.2009 - 21h30 (Público) — A polémica voltou à empresa Energie, da Póvoa de Varzim, pela segunda vez em dois anos. A empresa divulgou hoje ser detentora de um certificado de sistemas solares térmicos passado por entidades europeias, no passado dia 10 de Março, que não convence os especialistas como Oliveira Fernandes, para quem equipamentos anunciados como funcionando com sol, céu nublado, chuva e à noite “não são solares”. “Energia solar é para captar energia solar”, remata.

    ... Em comunicado emitido hoje, a empresa responde que as “acusações são falsas” e garante possuir certificações passadas pela Solar Keymark (dinamarquesa) e pela Dincertco (alemã), consideradas entidades de topo nesta área. “Estas certificações atestam o produto da Energie como sistema solar térmico”, afirma.

    ... O actual presidente da SPES e presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, disse hoje ao PÚBLICO que reitera a posição assumida em 2007 pela SPES sobre os painéis termodinâmicos. Quanto ao certificado anunciado ontem, adianta que a “associação tomará uma posição quando souber do que se trata”.


  3. China calls for new reserve currency
    By Jamil Anderlini in Beijing
    Published: March 23 2009 12:16 | Last updated: March 24 2009 00:06 (FT.com)

    China’s central bank on Monday proposed replacing the US dollar as the international reserve currency with a new global system controlled by the International Monetary Fund.

    In an essay posted on the People’s Bank of China’s website, Zhou Xiaochuan, the central bank’s governor, said the goal would be to create a reserve currency “that is disconnected from individual nations and is able to remain stable in the long run, thus removing the inherent deficiencies caused by using credit-based national currencies”.

OAM 560 24-03-2009 13:00 (última actualização: 25-03-2009 01:36)

domingo, março 22, 2009

Africa minha



Grupo de estudantes de música esperam pela chegada do Papa ao aeroporto de Luanda. Foto: João Silva para o New York Times (pormenor).

A mensagem africana do Papa alemão

NEW YORK, 11 March 2009 (UN Population Division/DESA) – World population is projected to reach 7 billion early in 2012, up from the current 6.8 billion, and surpass 9 billion people by 2050, reveals the 2008 Revision of the official United Nations population estimates and projections, released today.

(...) The urgency of realizing the projected reductions of fertility is brought into focus by considering that, if fertility were to remain constant at the levels estimated for 2005-2010, the population of the less developed regions would increase to 9.8 billion in 2050 instead of the 7.9 billion projected by assuming that fertility declines. That is, without further reductions of fertility, the world population could increase by nearly twice as much as currently expected. (PDF)

O Ocidente branco, dominante, cristão e burguês está a transformar-se num asilo de gente idosa, inactiva e angustiada, ancorado em tecnologias à beira do colapso energético (1), e dirigido por uma elite frívola, corrupta e mimada por décadas de bem-estar.

Uma das causas desta deriva suicida, ou talvez mesmo a principal causa desta impotência política dos governos ocidentais face ao fim anunciado daquele que foi o modelo de desenvolvimento dominante dos últimos 200 anos, é a incapacidade de proceder a uma auto-análise das limitações, sobretudo culturais. O modo como as boas consciências da Europa e dos Estados Unidos interpretam a corrupção, a fome ou o flagelo da SIDA em África é disso exemplo. A iliteracia cultural impede-as de ler as entrelinhas dos discursos do principal líder religioso do Ocidente. Bento XI disse até hoje, que me lembre, três coisas demasiado importantes para que as tomemos levianamente, como fazem os demagogos de esquerda e os oportunistas corruptos do centro e da direita:
  1. que a superioridade da religião cristã reside na fusão da sua matriz oriental com a racionalidade dialéctica inventada pelos gregos, e que portanto o Islão deveria compreender de uma vez para sempre as vantagens do diálogo platónico, sob pena de se auto-condenar a uma espécie de indigência civilizacional sem saída;
  2. que não haverá preservativos suficientes para impedir o crescimento explosivo da população africana, apesar dos efeitos redutores que o "sexo seguro" possa ter no controlo da epidemia da SIDA; por outro lado, se houver menos pobreza, menos corrupção e uma cultura sexual mais responsável, quer a demografia, quer as doenças sexualmente transmitidas poderão ser apropriadamente mitigadas;
  3. que as riquezas naturais de África não devem ser expropriadas, como são, para satisfazer o consumismo insaciável, a especulação capitalista, a corrupção, e os modelos energéticos condenados; a parte de leão dos lucros das indústrias extractivas e das agro-indústrias alimentares e energéticas que operam em África deve ser aplicada ao desenvolvimento justo de um continente que hoje tem a mais alta taxa de crescimento demográfico do planeta.
Claro que o Papa, como qualquer líder religioso ou político, fala por metáforas, mesmo quando diz coisas mediaticamente polémicas. No caso das grandes religiões, a linguagem obedece ao inevitável peso da tradição, mas também a uma sapiência acumulada ao longo de muitos séculos, de que não é fácil nem sequer aconselhável prescindir em nome de modas intelectuais passageiras. As religiões produzem uma prosódia própria, que não sendo menos fundamentada que a linguagem dos poderes políticos (o Vaticano conhece objectivamente África como ninguém), jamais deixa de imprimir no discurso mediático conjuntural a marca da crença, ou seja, o código genético cultural, o objectivo final e a estratégia que garantiram ao longo dos tempos a sua própria sobrevivência e oportunidade civilizacional.

Ora este papa tem a noção clara de que há uma missão a cumprir, da qual pode em boa parte depender a "salvação" do Ocidente. De certo modo, podemos estabelecer um paralelo entre o teólogo alemão que ocupa o topo da hierarquia da igreja católica e os papas que lidaram com o longo colapso do Império Romano e o avanço das tribos bárbaras, dos árabes e dos turcos sobre a Europa. Os países e os impérios fazem-se e desfazem-se à medida dos interesses territoriais, mas também de causas imperceptíveis, e seguindo uma espécie de fatalismo tectónico contra o qual é por vezes inútil lutar. João Paulo II partiu pedra na Europa durante várias décadas, com objectivo de levar a Europa a retomar o diálogo com a Rússia. Bento XVI parece sobretudo empenhado em fazer perceber aos europeus e americanos que a placa tectónica transatlântica está ameaçada e precisa de restabelecer-se, começando por religar as pontas de uma vasta tradição intercultural e linguística, em nome das bases negociais que hão-de, se houver juízo, determinar os novos equilíbrios geoestratégicos que se anunciam.

Há milénios que o Médio Oriente, zona de contacto e passagem entre a Europa, a África e o Extremo-Oriente, é o pomo da discórdia euroasiática. E há mais de um século que o é terrivelmente, sobretudo por causa das suas imensas jazidas de petróleo e gás natural.

O renascimento da China, que aprendeu muito com as Guerras do Ópio (1839-42; 1856-60), com as usurpações e ocupações japonesas (1894-95; 1937/45), e com o "socialismo num só país" de Mao Tze-tung (1949-76), leva hoje este gigante demográfico e económico até às portas do Irão. É também para lá que Obama caminha na esperança de sustar o avanço fulgurante da mole asiática sobre as declinantes sociedades ocidentais.

É provável que o Oriente e o Ocidente cheguem a um empate técnico depois do fracasso americano e europeu no Iraque e no Afeganistão. E assim como a Suíça foi durante muitos anos o cofre discreto das finanças mundiais, também agora o Médio Oriente, hegemonizado pelo Irão, poderá tornar-se —a contento de todos menos Israel, que deverá deixar de ser a manobra de diversão permanente da guerra pelo petróleo—, uma espécie de vila franca energética da humanidade. Resta apenas um grande e novo problema por resolver: África.

A Ásia é o maior dos sete continentes, o mais populoso e o que tem a mais alta densidade demográfica, ultrapassando mesmo largamente a da Europa (Ásia: 86,7 hab./Kmq; Europa: 69,7 hab./Kmq). África, por sua vez, tem uma densidade populacional de apenas 29,3 hab./Kmq, mas é o segundo maior continente do modelo a sete, quer em superfície, quer em população, e é aquele cuja demografia apresenta a mais elevada taxa de crescimento mundial. Em 2050 a Ásia terá mais 1 110 milhões de almas do que em 2009, i.e. um total de 5 231 milhões habitantes. Mas a África verá a sua população crescer em pelo menos 988 milhões de pessoas, i.e. para 1 998 milhões. A Europa, por sua vez, terá visto no mesmo período a sua população perder 41 milhões de pessoas!

Há aqui dois problemas óbvios: a China precisa de espaço e de recursos para a sua população, mas nem a Rússia parece disposta a ceder-lhe uma porção significativa do seu imenso território, nem a cidadania africana pode dar-se ao luxo de continuar a deixar fugir os seus recursos naturais, quando sabe que a população do seu continente quase duplicará até meados do século, equivalendo então tal acréscimo demográfico a quase cinco vezes a população actual do Brasil, e mais do que a população europeia e brasileira de hoje juntas!

O potencial de trabalho humano está onde estão as pessoas. No entanto, num modelo de desenvolvimento cujo objectivo é o crescimento contínuo assente em energias fósseis baratas, no uso de tecnologias mecânicas, eléctricas e electrónicas, e na dependência de recursos financeiros muito volumosos e de utilização intensiva, a balança estratégica dos países pende claramente para os principais detentores de recursos naturais, fundos soberanos e reservas de ouro.

Os países com vastos recursos naturais são geralmente também os mesmos que detêm ou vão constituir brevemente fundos soberanos importantes: Abu Dhabi, Noruega, Arábia Saudita, Kwait, Rússia, Canadá, Brasil... Outros, porém, detêm preciosas reservas monetárias em consequência sobretudo das suas exportações. É o caso da China, do Japão e da Coreia do Sul, entre outros. Finalmente, no que toca às reservas de ouro, detidas sobretudo pela União Europeia (12.737,6 ton.) e pelos Estados Unidos (8.133,5 ton.), a tendência é para a apreciação deste metal, que poderá voltar a ser uma referência para as moedas existentes, sobretudo se o dólar americano continuar a desvalorizar sem que em seu lugar apareça uma nova moeda ou cabaz estável de moedas de referência para o comércio internacional.

A China, o Japão e a Índia têm importantíssimas reservas financeiras e de trabalho barato(2) , mas não têm as matérias-primas de que necessitam para alimentar as suas altas taxas de crescimento. Os Estados Unidos têm níveis de consumo incompatíveis com os níveis astronómicos das suas dívidas. A União Europeia, apesar das medidas de mitigação da sua fragilidade energética, nomeadamente face à Rússia e ao Médio Oriente, depende dramaticamente de recursos naturais de que já não dispõe. A África, por fim, tem recursos naturais e financeiros potenciais que bastem, mas está desorganizada, sofrendo ainda os efeitos nefastos do secular colonialismo europeu, de que a corrupção das elites é tão só o caso mais visível.

Como se deduz das estatísticas demográficas, a África precisa, antes de qualquer prioridade moral ou cultural, de se organizar e de melhorar radicalmente os seus habitats e sistemas produtivos. Mas para aqui chegar terá que contar com uma urgente e gigantesca operação de recursos humanos direccionada para a formação e orientação local das pessoas, das comunidades e das profissões.

Chegados a este ponto, a minha pergunta é esta: como? Como reorganizar as sociedades africanas depois de tanto arbítrio e destruição?

A resposta que tenho é simples: promovendo o diálogo humano, o intercâmbio cultural e o uso intensivo das línguas comuns. E quais são os grandes idiomas unificadores e oficiais de África? Pois bem: o inglês, o francês, o português e o árabe. Não é nem o mandarim, nem o hindu, nem o russo, nem sequer o espanhol, e muito menos o alemão, o holandês, o sueco, o dinamarquês ou o italiano.

Com tanta capacidade cognitiva desperdiçada na Europa, seria de facto uma desgraça se não soubéssemos reorientar parte desse valor expectante para o continente africano, saldando dívidas passadas, mas também ajudando a desactivar a verdadeira bomba-relógio demográfica em que este continente se transformou.

Foi destas coisas que o Papa falou nos Camarões e em Angola. Será que perceberemos o alcance da mensagem, ou continuaremos aquém do que o alemão pontífice quis realmente dizer quando afirmou que os preservativos não são a solução de que África urgentemente precisa?



NOTAS
  1. As Warnings Grow Louder About Global Data Center Power Crisis, Look for Some Companies to Profit

    EnergyTechStocks.com
    Posted: For the Week of March 9-15, 2009

    Apparently they’re like warnings on cigarette packages – clearly visible and pretty much ignored, often until it’s too late.

    The latest warning about the data center power crisis that threatens to disrupt global business as early as 2011 comes from Siemens AG (Symbol SIE), which found in a new survey of major companies that less than half are working toward improving the energy efficiency of their data centers.

    “If we do not start looking closely at our data centers now, 70% of the world’s data centers will have tangible disruptions by 2011 and the systems will experience world-wide brownouts over the course of the next five years,” Siemens warned.


    Shell dumps wind, solar and hydro power in favour of biofuels


    Tuesday 17 March 2009 (Guardian) — Shell will no longer invest in renewable technologies such as wind, solar and hydro power because they are not economic, the Anglo-Dutch oil company said today. It plans to invest more in biofuels which environmental groups blame for driving up food prices and deforestation.

    Executives at its annual strategy presentation said Shell, already the world's largest buyer and blender of crop-based biofuels, would also invest an unspecified amount in developing a new generat­ion of biofuels which do not use food-based crops and are less harmful to the environment.

    The company said it would concentrate on developing other cleaner ways of using fossil fuels, such as carbon capture and sequestration (CCS) technology. It hoped to use CCS to reduce emissions from Shell's controversial and energy-intensive oil sands projects in northern Canada.

    The company said that many alternative technologies did not offer attractive investment opportunities. Linda Cook, Shell's executive director of gas and power, said: "If there aren't investment opportunities which compete with other projects we won't put money into it. We are businessmen and women. If there were renewables [which made money] we would put money into it."

  2. Enquanto a China e a Índia dispõem de trabalho humano abundante e barato, o Japão dispõe de elevadíssimos níveis de produtividade obtidos pela via da automação, do uso intensivo de robots, cada vez mais inteligentes, de processos de trabalho altamente racionalizados e, por fim, de formas sofisticadas de proteccionismo e desvalorização competitiva da sua moeda.


OAM 559 22-03-2009
21:06 (última actualização 23-03-2009 11:33)

sábado, março 21, 2009

Portugal 93



Vem aí a Grande Depressão !

TAP cancela 2190 voos nos dois primeiros meses e meio de 2009, e apresenta prejuízos de 280 milhões euros em 2008. Para quem o novo aeroporto?

Durante o ano de 2008 circularam menos 20 mil veículos por dia na Ponte 25 de Abril. Para quem a nova ponte sobre o Tejo?

Se a carga movimentada nos cinco principais portos portugueses diminuiu 1,8% em 2008 e cairá a pique em 2009, para que querem a Mota-Engil e a tríade de Macau estuporar o Cais de Alcântara e enterrar a Linha do Estoril (um dos percursos ferroviários mais bonitos do mundo)?

Os níveis de desemprego nos EUA e na Europa (a caminho dos dois dígitos), tal como as quedas bolsistas, nomeadamente em Wall Street, apresentam um padrão cada vez mais semelhante ao do colapso de 1929. Para quem as novas autoestradas e as novas barragens?

Michelle Obama planta alfaces, tomate, cebolas, brócolos e ervas aromáticas nos jardins da Casa Branca (ver plano). Isto não vos diz nada?

A Cimeira do G20, que terá lugar em Londres no próximo dia 2 de Abril, ou abre campo para a substituição do dólar americano como moeda internacional de troca, hipótese em cima da mesa da próxima reunião de especialistas da ONU para a reforma financeira mundial, partilhada pela China, Rússia, alguns países árabes, parte da União Europeia e até um ex-alto funcionário do J P Morgan — prevendo-se que tal decisão possa travar o rumo vertiginoso e perigoso da economia mundial na sequência do colapso do castelo de cartas do endividamento compulsivo do Ocidente —, ou deixa ingleses e americanos imporem a sua vontade, exigindo ao resto do mundo que continue a suportar a falência patente desta aliança, e então as probabilidades de tumultos generalizados, guerras civis, secessões e até de uma 3ª Guerra Mundial passarão a estar em cima da mesa das probabilidades.

O Pico Petrolífero e o fim do paradigma energético que possibilitou até agora os nossos estilos afluentes de vida tem muito mais que ver com a presente crise financeira e económica do que à primeira vista parece. 85% da energia industrial produzida e consumida pela humanidade tem origem no carvão, petróleo e gás natural. Apenas 15% provêm de outras fontes energéticas, como as centrais hídricas e nucleares, os biocombustíveis, os geradores eólicos, os painéis solares, etc. As energias alternativas exploradas nos EUA em 2007 não iam além de 1% do mix energético que move a economia americana, e até 2015 pouco ultrapassarão 4% das necessidades energéticas de um país que consome 25% do petróleo mundial. As possibilidades de substituição das energias dominantes nos últimos 200 anos por energias alternativas e renováveis antes de o Pico Petrolífero provocar danos virtualmente irreparáveis à economia mundial parecem pois escassas.

Assim, até 2015, 2020, 2030, dificilmente nos safaremos de uma depressão permanente, com altíssimos níveis de desemprego, inflação, agravamento contínuo dos impostos, implosão de sistemas sociais e regimes de pensões, colapso de empresas, falências de muitas cidades, luta de classes sob várias formas e uma permanente instabilidade política, que nalguns casos poderão desembocar em guerras civis e revoluções.

Diante deste cenário realista não faz qualquer sentido continuarmos a discutir filosoficamente as vantagens de uma Terceira Travessia do Tejo, o Novo Aeroporto de Alcochete, mais autoestradas, barragens assassinas e até a rede de Alta Velocidade. Portugal está pura e simplesmente à beira da falência. E se os seus cidadãos não tomarem rapidamente consciência deste simples facto, irão todos pagar muitíssimo caro a indolência, o oportunismo ou a falta de coragem demonstradas. As soluções deixaram definitivamente de passar pelo endividamento contínuo em nome da criação de infraestruturas para uma economia que, em boa verdade, já não existe!

Precisamos, isso sim, de nos organizar de outra forma, estabelecendo uma estratégia firme de eficiência energética, de protecção dos recursos públicos, de distribuição solidária do trabalho disponível, de adaptação forçada das cidades ao fim do paradigma energético dos últimos cem anos, de mitigação do impacto extremamente negativo do transporte automóvel, e da instauração de uma democracia directa em rede — alternativa ao irremediavelmente corrupto sistema político actual.



REFERÊNCIAS

Obamas to Plant Vegetable Garden at White House

WASHINGTON (20-03-2009) — Michelle Obama will begin digging up a patch of the South Lawn on Friday to plant a vegetable garden, the first at the White House since Eleanor Roosevelt’s victory garden in World War II. There will be no beets — the president does not like them — but arugula will make the cut.

While the organic garden will provide food for the first family’s meals and formal dinners, its most important role, Mrs. Obama said, will be to educate children about healthful, locally grown fruit and vegetables at a time when obesity and diabetes have become a national concern.

“My hope,” the first lady said in an interview in her East Wing office, “is that through children, they will begin to educate their families and that will, in turn, begin to educate our communities.” — in New York Times.


Shell dumps wind, solar and hydro power in favour of biofuels

Shell will no longer invest in renewable technologies such as wind, solar and hydro power because they are not economic, the Anglo-Dutch oil company said today. It plans to invest more in biofuels which environmental groups blame for driving up food prices and deforestation.

Executives at its annual strategy presentation said Shell, already the world's largest buyer and blender of crop-based biofuels, would also invest an unspecified amount in developing a new generat­ion of biofuels which do not use food-based crops and are less harmful to the environment.

The company said it would concentrate on developing other cleaner ways of using fossil fuels, such as carbon capture and sequestration (CCS) technology. It hoped to use CCS to reduce emissions from Shell's controversial and energy-intensive oil sands projects in northern Canada.

The company said that many alternative technologies did not offer attractive investment opportunities. Linda Cook, Shell's executive director of gas and power, said: "If there aren't investment opportunities which compete with other projects we won't put money into it. We are businessmen and women. If there were renewables [which made money] we would put money into it." — guardian.co.uk, Tuesday 17 March 2009 19.04 GMT.

The Real Unemployment Rate, by Lee Adler

Let’s stop kidding ourselves. The sugar coated headline unemployment rate reported by the government is completely bogus. The real unemployment rate buried in the Federal Government’s data tables, including discouraged workers and those who are considered marginally attached or working part-time because they cannot find full time work, is now 12.2%, the highest it has been in 15 years. This number is up 33% over the past 12 months.

For those egonomists who claim that this is nothing like the Great Depression, because then the unemployment rate was 25%, stick this in your pipe and smoke it. Where was the unemployment rate in 1930, the year after the market crashed? According to the BLS, the unemployment rate for all of 1930 was 8.9%. Admittedly, there’s no information on how that statistic was calculated, but those economists who say that today’s recession is nothing like the Great Depression. By this one measure at least, given the timing. Today’s deterioration is at least as rapid, and probably more rapid, than the beginning of the Great Depression. — in Wall Street Examiner (5-12-2008.)

The peak oil economic depression has arrived, by Clifford J. Wirth, Ph.D.

The best advice for individuals and organization is to prepare for Peak Oil impacts. No federal or state agencies are studying Peak Oil impacts and contingency planning. A few local governments and organizations are beginning to make plans.

This is what we must plan for. With increasing costs for gasoline and diesel, along with declining taxes and declining gasoline tax revenues, states and local governments will eventually have to cut staff and curtail highway maintenance. Eventually, gasoline stations will close, and state and local highway workers won’t be able to get to work. We are facing the collapse of the highways that depend on diesel and gasoline powered trucks for bridge maintenance, culvert cleaning to avoid road washouts, snow plowing, and roadbed and surface repair. When the highways fail, so will the power grid, as highways carry the parts, large transformers, steel for pylons, and high tension cables from great distances. With the highways out, there will be no food coming from far away, and without the power grid virtually nothing modern works, including home heating, pumping of gasoline and diesel, airports, communications, water distribution systems, waster water treatment, and automated building systems. — in Energy Bulletin.


Peak oil - keep your eye on the donut and not the hole, by Chris Shaw



You see, to find and exploit an oil deposit, we need to expend quite a lot of oil energy. Oil is the supreme example of compact energy, so we have all enjoyed the abundance of "spare" energy left over. As the easy stuff is used up, we arrive at the point where we must finally expend a whole barrel of oil to produce a barrel of oil. Approaching this point, rising oil prices simply express the diminishing proportion of "spare" energy left over for distribution.

Once the net energy return is zero, it's over ... no matter how much oil is tantalisingly "still down there". For the same reasons, less accessible or poor quality oil deposits can be very short-lived. At the finish, the price of oil is immaterial. One cent or one million dollars a barrel - it's over.

...Would you think me a jester if I said that the one true currency is energy? It always was and always will be. Economics is the game of Tiddlywinks that we can afford to play only in the midst of easy, abundant energy. Energy is the donut, economics is the hole. — in Online Opinion.


Leading climate scientist: 'democratic process isn't working'


Protest and direct action could be the only way to tackle soaring carbon emissions, a leading climate scientist has said.

James Hansen, a climate modeller with Nasa, told the Guardian today that corporate lobbying has undermined democratic attempts to curb carbon pollution. "The democratic process doesn't quite seem to be working," he said.

Speaking on the eve of joining a protest against the headquarters of power firm E.ON in Coventry, Hansen said: "The first action that people should take is to use the democratic process. What is frustrating people, me included, is that democratic action affects elections but what we get then from political leaders is greenwash.

"The democratic process is supposed to be one person one vote, but it turns out that money is talking louder than the votes. So, I'm not surprised that people are getting frustrated. I think that peaceful demonstration is not out of order, because we're running out of time." — guardian.co.uk, Wednesday 18 March 2009 18.31 GMT.


Crude Oil: Uncertainty about the Future Oil Supply Makes it Important to Develop a Strategy for Addressing a Peak and Decline in Oil Production (2007)

“Because development and widespread adoption of technologies to displace oil will take time and effort, an imminent peak and sharp decline in oil production could have severe consequences. The technologies we examined [ethanol, biodiesel, biomass gas-to-liquid, coal gas-to-liquid, and hydrogen] currently supply the equivalent of only about 1% of U.S. annual consumption of petroleum products, and DOE [U.S. Department of Energy] projects that even under optimistic scenarios, these technologies could displace only the equivalent of about 4% of annual projected U.S. consumption by around 2015. If the decline in oil production exceeded the ability of alternative technologies to displace oil, energy consumption would be constricted, and as consumers competed for increasingly scarce oil resources, oil prices would sharply increase. In this respect, the consequences could initially resemble those of past oil supply shocks, which have been associated with significant economic damage. For example, disruptions in oil supply associated with the Arab oil embargo of 1973-74 and the Iranian Revolution of 1978-79 caused unprecedented increases in oil prices and were associated with worldwide recessions. In addition, a number of studies we reviewed indicate that most of the U.S. recessions in the post-World War II era were preceded by oil supply shocks and the associated sudden rise in oil prices. Ultimately, however, the consequences of a peak and permanent decline in oil production could be even more prolonged and severe than those of past oil supply shocks. Because the decline would be neither temporary nor reversible, the effects would continue until alternative transportation technologies to displace oil became available in sufficient quantities at comparable costs. Furthermore, because oil production could decline even more each year following a peak, the amount that would have to be replaced by alternatives could also increase year by year.” — (PDF)

OAM 558 21-03-2009 02:54 (última actualização: 22-03-2009 02:09)

segunda-feira, março 16, 2009

Portugal 92

Uma semana com 20 horas?

Diante da natureza da crise e dos seus efeitos devastadores, é também a teoria económica de matriz neoliberal que perde credibilidade e se revela incapaz de interpretar a realidade económica. Consequentemente a efectiva resposta aos novos desafios da crise não deve ser procurada em políticas económicas assentes naquela inspiração. — "Reflexão para a Quaresma de 2009" (PDF), Comissão Nacional Justiça e Paz.

Senator Hugo Black of Alabama, a champion of a 30-hour workweek, agreed to sponsor the Administration bill on this subject in the Senate, while Representative William P. Connery of Massachusetts introduced corresponding legislation in the House. — in Fair Labor Standards Act of 1938: Maximum Struggle for a Minimum Wage by Jonathan Grossman (1).

Roosevelt later "voiced regret that he did not get behind the Black-Connery Thirty Hour Week Bill and push it through Congress" — in Jeremy Rifkin, The End of Work.

Eu não sou suspeito de morrer de amores pelo papagaio que a tríade de Macau colocou à frente do partido e do governo de maioria que actualmente nos governa. Mas devo confessar um facto: não é apenas a José Sócrates e à dita tríade que podemos atribuir a responsabilidade pelos mais de 574 mil desempregados, inactivos e sub-empregados registados pelo INE.

Comparando os números da análise crítica de Eugénio Rosa, compilados com base nas estatísticas oficiais, ficamos a saber que o desemprego em Portugal se manteve sempre em alta desde que José Sócrates prometeu criar 150 mil novos postos de trabalho. Esta tendência altista iniciou-se, porém, pouco depois de António Guterres ter entregue o governo, de mão beijada, a Durão Barroso.

Entre os 548.900 desempregados, no 1º trimestre de 2005, e os 574.200, no fim do 4º trimestre de 2008 —com um pico máximo no 4º trimestre de 2006, de 614.000, e um mínimo de 539.600 no fim do 2º trimestre de 2006—, registou-se um agravamento indisfarçável do desemprego em mais 25 mil postos de trabalho.

Tendo o INE interrompido desde 2003 o cálculo estatístico da emigração portuguesa, nomeadamente para a Europa, não podemos quantificar com exactidão a perda total de empregos no nosso país ao longo dos últimos quatro anos. Lendo porém o Relatório Internacional sobre Migrações de 2007 da OCDE (citado pelo D.N.), segundo o qual os 5 milhões de emigrantes espalhados pelo planeta se aproximam rapidamente da população activa do país (2), podemos estimar uma sangria média anual para o exterior nos últimos quatro anos na ordem dos 36.761 emigrantes —ou seja, quase 150 mil pessoas quando a presente legislatura chegar ao fim.

Em vez dos 150 mil novos postos de trabalho prometidos por José Sócrates, Portugal perdeu nos últimos quatro anos mais 172.344 empregos — os 25.300 desempregados a mais que no fim de 2008 se somam aos 548.900 do início da legislatura, mais 147.044 emigrantes. Ou seja, quando este governo for a votos, haverá 721.244 portugueses (ou talvez mesmo 800 mil) sem perspectivas de trabalho regular no nosso país, entre os quais se encontrarão desempregados recentes e de longa duração, jovens à procura do primeiro emprego e portugueses que emigraram desde 2005.

Os 70.334 novos desempregados inscritos até ao fim de Janeiro de 2009 (3) revelam bem até que ponto estamos perante uma tendência avassaladora, que nem este nem o próximo governo conseguirão travar, se não se perceber primeiro as causas do fenómeno.

O aumento do desemprego durante o governo de maioria absoluta é uma consequência directa da redução do Défice Orçamental imposta pelo Pacto de Estabilidade da União Europeia. Obras públicas e "jobs for the boys", alimentados sobretudo pelas receitas extraordinárias das privatizações e pelos fundos comunitários, foi a maneira como António Guterres disfarçou a tendência para a destruição do emprego inscrita nas sucessivas revoluções tecnológicas que têm marcado o Capitalismo desde o aparecimento da máquina a vapor. Porém, assim que o financiamento da bolsa artificial de emprego criada pela expansão do sector público começou a pesar no défice orçamental e na dívida pública, e o chicote de Bruxelas colocou Portugal sob a ameaça de multas pesadas por infracção manifesta do Pacto de Estabilidade —tendo então começado as dramáticas "reformas estruturais"—, o desemprego disparou.

Basta comparar os números oficiais do desemprego ao longo deste século:

Governo António Guterres
  • 2000: 4,0%
  • 2001: 4,0%
Governo Durão Barroso
  • 2002: 5,0%
  • 2003: 6,3%
Governo Santana Lopes
  • 2004: 6,7%
Governo José Sócrates
  • 2005: 7,6%
  • 2006: 7,6%
  • 2007: 8,0%
  • 2008: 7,6%

As anunciadas grandes obras públicas, pela fraca quantidade, qualidade e natureza precária dos empregos prometidos, nada podem fazer para inverter esta tendência de fundo. E pior do que isso: são uma ilusão caríssima que o País não pode suportar, nem sequer está em condições de financiar, mesmo que o IVA fosse parar aos 25% e a especulação financeira pagasse impostos. Os impactos desta ilusão na dívida externa portuguesa são pura e simplesmente insustentáveis. Neste ponto, o consenso crescente entre os economistas só é contraditado pela demagogia generalizada dos partidos políticos, à excepção, diga-se em abono da verdade, de Manuela Ferreira Leite.

A retórica dos partidos excêntricos da Oposição não convence. Ao elegerem o emprego e a segurança como bombos da festa anti-Sócrates, PP, PCP e Bloco de Esquerda —que nenhuma estratégia concreta propõem para mitigar o iminente colapso económico e social do país—, sabem que não têm soluções para esses dois dramas. A Direita folclórica do PP não pode ser mais previsível na sua histeria securitária, e a Esquerda previsível repete palavras de ordem há muito descredibilizadas. Onde pretendem pois chegar os partidos excêntricos com semelhante demagogia? Eu também quero ver o papagaio da tríade de Macau fora de São Bento. Mas em nome de algo que faça sentido! A voz grave, mas esfíngica, de Manuel Alegre, por si só, não basta. Precisa-se urgentemente de uma estratégia clara e criativa para superar a mais grave crise sistémica do Capitalismo desde a Grande Depressão.


O desemprego é o principal coveiro do Capitalismo

A principal causa da destruição de milhões de empregos em todo o mundo, mais ainda do que a deslocalização de milhares de empresas para a China e em geral para os países de mão-de-obra barata, é a inovação tecnológica aplicada tanto aos processos produtivos como aos métodos de gestão.

As ciências e as tecnologias aumentam a produtividade do trabalho. Este aumento, por sua vez, é responsável pelo acréscimo da produção, pela concentração do capital, pelo crescimento dos lucros, mas também pela extinção acelerada do trabalho humano! Se a tecnosfera cresce e é cada vez mais inteligente, ao mesmo tempo que o trabalho humano desaparece e é cada vez pior remunerado, quem irá no futuro adquirir os frutos da extraordinária produtividade das economias pós-industriais?

Até ao eclodir da primeira grande crise sistémica global do Capitalismo, esta aporia do progresso foi mitigada por uma estratégia combinada de deslocalização da produção para países com factores de exploração do trabalho mais favoráveis, e por uma expansão artificial do crédito e da massa monetária. O que agora desabou foi precisamente a bolha do endividamento continuado e excessivo das economias mundiais. As consequências são fáceis de prever: crises de endividamento, falências pessoais, falências empresariais, falência do sistema financeiro, quebra abrupta da procura, desinflação, quebra abrupta da produção, deflação, ajustamento dos modelos de emprego às nova tecnologias produtivas e de gestão, desemprego em larga escala, colapso iminente de milhares de sistemas públicos, colapso potencial dum número indeterminado de países, hiperinflação, adaptação catastrófica dos actuais sistemas sociais à super produtividade tecnológica.

É assim desde o aparecimento da máquina a vapor que levou à desertificação progressiva dos campos e ao crescimento exponencial das cidades. É assim desde a invenção da electricidade, do motor de combustão e das telecomunicações que conduziram à contracção do emprego industrial e ao aparecimento das sociedades de serviços. É assim desde o aparecimento da micro-electrónica, da computação digital e das bio e nanotecnologias que irão fazer disparar a produtividade e o desemprego para patamares dificilmente imagináveis.

Segundo Jeremy Rifkin, cujo livro, The End of Work, não me canso de recomendar, por volta de 2050, apenas 5% da população adulta mundial será provavelmente suficiente para dar conta de toda a produção industrial necessária.

Ainda segundo Rifkin, em apenas sete anos, entre 1995 e 2002, as vinte maiores economias mundiais perderam 31 milhões de postos de trabalho só na indústria transformadora. Ao contrário do que poderíamos imaginar, 15 milhões dos empregos perdidos ocorreram na China. Entre 1982 e 2002, apesar da produção de aço nos Estados Unidos ter subido de 75 para 102 milhões de toneladas, o emprego neste sector diminuiu de 289 mil para 74 mil trabalhadores. No sector de serviços a destruição massiva de empregos não é menos surpreendente, sobretudo para quem continua a crer que este sector será capaz de absorver eternamente os deserdados da agricultura e da indústria transformadora. O chamado net banking, por exemplo, pode chegar a reduzir 90% dos seres humanos necessários para gerir a mesma carteira de clientes que um banco convencional. Ou seja, o futuro de boa parte das actividades de serviços (finança, seguros, comércio, jornalismo, publicidade, etc.) irá eliminar milhões de empregos urbanos ao longo das próximas décadas.

Em Portugal, o caso da transportadora aérea nacional, embora menos badalado que a situação igualmente terminal da Alitália, é um bom exemplo do futuro dramático que se avizinha.

O Grupo TAP, depois de ter sido forçado politicamente a comprar por 140 milhões de euros (que não tem) a falida Portugália Airlines, do Grupo BES, ficou com cerca de 10 mil trabalhadores a cargo, ou seja, o mesmo número de trabalhadores que conjuntamente empregavam em Fevereiro de 2007 a easyJet, a Ryanair e a Air Berlin.

A Alitália, uma empresa em perda acelerada de produtividade, apesar de ter uma das mais jovens frotas europeias, continua incapaz de competir com o ascendente sector das Low Cost. Os seus 22 mil funcionários, i.e. 122,9 trabalhadores por aeronave, são um handicap muito desfavorável na comparação com as três principais Low Cost europeias, Ryanair, Easy Jet e Air Berlin, com uma média de 37,5 trabalhadores por avião. Na TAP esta relação é ainda mais desfavorável: 156,3 trabalhadores por aeronave. Alitália e TAP são pois empresas obsoletas na concepção estratégica do negócio, nos métodos de gestão e sobretudo na racionalização dos custos e flexibilidade laborais. A tendência para a concentração capitalista no sector não irá retroceder, pois sendo o capital fixo cada vez mais eficiente e precioso, também é cada vez mais caro e difícil de obter sem que previamente sejam dadas garantias de uma gestão racional dos recursos disponíveis. A contracção do emprego nestas, como na generalidade das companhias aéreas mundiais, pode ser adiada, mas é inevitável a médio prazo.


O voluntarismo neo-keynesiano é um erro

O desemprego deixou de ser um problema conjuntural que a demagogia partidária possa resolver. Na realidade, à medida que se esgotam as estratégias de mitigação (obras públicas, expansão do sector público, criação monetária, especulação financeira, endividamento) da principal tendência evolutiva das sociedades humanas actuais — a tendência para a diminuição do trabalho humano no sistema produtivo —, o desemprego e a falta de trabalho ocupam o centro das preocupações da esmagadora maioria da humanidade.

Se há cada vez menos trabalho, e se o trabalho disponível é cada vez mais mal pago independentemente do grau de preparação e até de responsabilidade de quem vai tendo acesso a este recurso em vias de extinção, que regime de acesso ao bem comum podem os humanos esperar no futuro?

O recurso à despesa pública de tipo keynesiano seria mais do mesmo, i.e. maior inércia dos sistemas económicos, sociais e políticos obsoletos, mais endividamento de quem já está sobre endividado (todos nós!), e diminuição dos períodos de expansão económica, com o consequente aumento, duração e gravidade das recessões e depressões económicas.

Ao contrário do que se diz por aí, não foi o New Deal (1933-1938) que salvou a América da interminável Grande Depressão, mas sim a preparação e entrada do país na Segunda Guerra Mundial. O ataque e destruição dos 11 obsoletos navios e 188 aviões de guerra estacionados na base militar de Pearl Harbour, em 1941, foi mais uma oportunidade do que um verdadeiramente inesperado casus belli.

Quando Franklin D. Roosevelt chegou ao poder (1933) e lançou o primeiro New Deal (1933-1934), o desemprego situava-se nuns elevadíssimos 25%. No início de 1937 desceu para os 15%, mas no fim desse mesmo ano, princípios de 1938, voltou a subir para os 21%. Em 1939, a jovem Conservative coaliton (formada pela maioria conservadora do Partido Republicano e pela minoria conservadora, sobretudo sulista, do Partido Democrata) bloqueou os planos liberais de Roosevelt, interrompendo o segundo New Deal então em curso (1935-38) e favorecendo claramente o esforço de guerra americano, primeiro no auxílio aos aliados ingleses, e depois de Pearl Harbour, entrando directamente na guerra mundial. Em 1940 o desemprego desceu para 15%; em 1942 (um ano depois de Pearl Harbour), para 7,5%; e em 1943, para 3,75%. A família Bush bem tentou recriar uma oportunidade parecida. Mas a sorte dos deuses não esteve do seu lado. Que fará Obama? A Cimeira do G20 que terá lugar em Londres no próximo dia 2 de Abril será porventura decisiva a este respeito...


Porque seremos o único animal que paga pelo que bebe e come?

O maior problema que temos pela frente é saber como distribuir o trabalho humano que assegura e faz progredir o trabalho das máquinas físicas, comunicativas e cognitivas que, por sua vez, asseguram a produção de uma parte crescente de tudo o que precisamos para viver e aumentar os níveis de sofisticação das redes de interacção social a que pertencemos.

Desde logo, precisamos de redefinir radicalmente a titularidade dos meios de produção, procedendo à sua integral socialização. Sabemos hoje que boa parte da concentração capitalista mundial e dos aumentos de produtividade do trabalho pela via da automação e da desmaterialização de muitos processos produtivos é alimentada financeiramente pela gigantesca poupança acumulada nos fundos de pensões. De facto, só mesmo a poupança —isto é a acumulação— permite estimular o aumento da produtividade do trabalho, na medida em que só a poupança que conduz à acumulação de reservas assegura em geral o crescimento económico, pela sua capacidade de desviar uma parte dos recursos, da esfera do consumo, para a esfera produtiva.

No entanto, se o trabalho assalariado tende a desaparecer, sobrando por outro lado uma enorme capacidade produtiva e de consumo progressivamente fora do sistema de valor capitalista, onde irá no futuro a economia dominante buscar a poupança de que necessita para promover os investimentos de capital intensivo de que depende criticamente para seguir em frente na procura de uma ainda maior produtividade do trabalho assalariado? No dia em que tudo for comandado por robots, quem contribuirá para os fundos de pensões que hoje, segundo Jeremy Rifkin, perfazem 1/3 dos activos financeiros da maior economia do mundo? O buraco negro do endividamento exponencial que hoje ameaça destruir a economia mundial é o resultado indesejável da tentativa de fugir a esta pergunta.

O trabalho assalariado tem que passar a ser uma actividade temporária de menor duração e mais sustentável em termos energéticos, abrangendo a totalidade dos adultos saudáveis, mas apenas durante um período limitado das suas vidas (por exemplo, dos 22 aos 45 anos), ocupando em média 4 a 5 horas seguidas de trabalho diário bem remunerado, 4 ou 5 dias por semana. Antes de chegar à idade profissional as pessoas deveriam evoluir livremente numa rede educativa alimentada em partes iguais pelo sector público, pelas empresas privadas e pelo chamado terceiro sector — uma vastíssima rede de voluntariado, cooperação e criatividade, cuja importância económica poderá ultrapassar, antes do final deste século, a dos actuais sectores empresariais públicos e privados. Depois dos 45 anos as pessoas abandonariam progressivamente a economia capitalista, levando consigo uma pensão vitalícia e universal (isto é, igual para todos). A partir deste ponto começa o terceiro sector, i.e. um estádio social de grande liberdade individual e de intensa criatividade, seguindo o paradigma da dádiva, por oposição ao paradigma da troca. Esta espécie de economia social radical deverá basear-se na cooperação, no voluntariado e na solidariedade. O que fazemos chegar aos outros, e o que os outros nos fazem chegar, tem origem num puro acto de amor e libertação subjectiva. O paraíso na Terra? Porque não?

Perante a crise actual, em vez de perdermos mais tempo a discutir as grandes obras públicas, deveríamos analisar e levar por diante duas reformas estruturais com impactos imediatos na redução dos riscos que a deterioração da actual situação económica comporta para a paz social:
  1. reduzir a semana de trabalho a 20 horas, diminuindo ao mesmo tempo a semana laboral para 4 dias;
  2. criar em todas as cidades com mais de 50 mil habitantes um cartão de residente municipal que dê acesso a múltiplos recursos em troca de voluntariado.
Se estas medidas de fundo fossem acompanhadas de um plano nacional de eficiência energética incidindo numa primeira fase sobre todos os edifícios públicos nacionais e municipais, teríamos com certeza resultados bem mais visíveis do que as expectativas demagógicas alimentadas irresponsavelmente pelo debate eleitoral em curso.


NOTAS
  1. Vale a pena ler toda a descrição de Jonathan Grossman sobre a iniciativa do Presidente Roosevelt relativamente à legislação laboral proposta no quadro da Grande Depressão de 1929-1943, de que os contributos do Senador Hugo Black e do deputado da Câmara dos Representantes, William P. Connery, foram então fonte de grande polémica e voltam hoje a inspirar autores como Jeremy Rifkin. Aqui fica a passagem completa de onde retirei a citação sobre o famoso, embora não aplicado Black-Connery Bill.
    On May 24, 1937, President Roosevelt sent the bill to Congress with a message that America should be able to give "all our able-bodied working men and women a fair day's pay for a fair day's work." He continued: "A self-supporting and self-respecting democracy can plead no justification for the existence of child labor, no economic reason for chiseling worker's wages or stretching workers' hours." Though States had the right to set standards within their own borders, he said, goods produced under "conditions that do not meet rudimentary standards of decency should be regarded as contraband and ought not to be allowed to pollute the channels of interstate trade." He asked Congress to pass applicable legislation"at this session."

    Senator Hugo Black of Alabama, a champion of a 30-hour workweek, agreed to sponsor the Administration bill on this subject in the Senate, while Representative William P. Connery of Massachusetts introduced corresponding legislation in the House. The Black-Connery bill had wide Public support, and its path seemed smoothed by arrangements for a joint hearing by the labor committees of both Houses.

    Generally, the bill provided for a 40-cent-an-hour minimum wage, a 40-hour maximum workweek, and a minimum working age of 16 except in certain industries outside of mining and manufacturing. The bill also proposed a five-member labor standards board which could authorize still higher wages and shorter hours after review of certain cases. — in Fair Labor Standards Act of 1938: Maximum Struggle for a Minimum Wage by Jonathan Grossman.
  2. 5.507.000, no 1º trimestre de 2005; 5.613.900, em Dezembro de 2008.
  3. Mais 44,7% do que em Dezembro de 2008; mais 27,3% do que em Janeiro de 2008.


OAM 557 17-03-2009 19:30 (última actualização: 25-03-2009 01:47)

sábado, março 14, 2009

Republica Electronica 2

Perceber o rizoma social

A primeira constatação que me leva a considerar mais seriamente a possibilidade e utilidade de se promover um movimento electrónico de opinião e pressão política é o estado terminal em que se encontra o sistema partidário português. A desorientação é completa. O oportunismo dos partidos e organizações corporativas (sindicatos e associações patronais) salta à vista. A corrupção perdeu a vergonha. Em suma, caminhamos para um perigoso colapso constitucional, sob o peso de uma dívida externa insuportável e a ameaça de pilhagem do que ainda resta da riqueza nacional, pelos muitos piratas à solta, num país sem rei nem roque, onde a justiça não passa de anedota.

Não creio, porém, que devamos copiar a filosofia e a arquitectura do sistema constitucional em vigor para a Internet. O problema da criação duma República Electrónica, ou de uma Democracia Virtual (qualquer destas designações me parece oportuna), não reside na desmaterialização dos vícios existentes, mas antes na descoberta de uma forma nova de perceber a vontade esclarecida dos povos e os interesses estratégicos de cada território ou rede de cidadania.

Daí que a solução exija sobretudo um esforço preliminar de conceptualização, e o recurso a estratégias computacionais de compilação e representação simbólica das complexas redes ideológicas e de vontade que formam o tecido social pós-contemporâneo.

Deveríamos, pois, começar pela elaboração de um mapa interactivo da blogosfera política e social portuguesa.

Se lá chegarmos, poderemos então criar um conjunto de filtros, algoritmos e formulários, com a missão de plasmar, visual e conceptualmente, as diferentes maiorias democráticas dinâmicas face aos temas importantes da vida colectiva.

Ou seja, ao contrário das hierarquias e compromissos típicos dos partidos políticos que regem a nossa república, teremos que descobrir o caminho para uma democracia automática, não coerciva, inteligente, e onde a energia das redes e a transparência cibernética substituam a manha do cacique, bem como a corrupção endémica associada à perversão burocrática que usurpou a democracia portuguesa.


Post scriptum — Acabo de conhecer o trabalho e linhas de investigação de Manuel Lima. Recentemente nomeado pela revista americana Creativity como "uma das 50 mentes mais criativas e influentes de 2009" (ler artigo sobre a nomeação), Manuel Lima é Interaction Designer, investigador e fundador de VisualComplexity.com: A visual exploration in mapping complex networks. Um dos seus projectos mais interesantes, dedicado a Portugal, chama-se Formas de Portugal. Quando falo de Democracia Virtual, estou nomeadamente a referir-me a este tipo de estratégias de cidadania baseadas no poder do conhecimento.

Ao contrário da pobreza franciscana da maioria dos sítios web institucionais do nosso país, e da pseudo independente Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos — CADA, criada em 2007, dois anos depois do prazo limite de transposição da directiva comunitária de 2003 e já com um processo do Tribunal Europeu de Justiça em cima, onde nem o sector privado, nem os consumidores, se encontram representados, como deviam, de acordo com o espírito da directiva comunitária sobre o Public Sector Information - PSI (Quick Guide - PDF), o projecto de Manuel Lima é um bom exemplo do tipo de resposta positiva que a cidadania criativa pode dar, contornando sem grande atrito a incompetência pública alimentada pelos esquemas manhosos do poder. No caso da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos — CADA, engendrado pelo Bloco Central.

"A informação pública em Portugal é de livre acesso a qualquer cidadão, no entanto está na sua maioria dispersa em longas tabelas estatísticas que dificilmente permitem o reconhecimento de padrões congruentes. Quando analisados pelos media tradicionais, que para uma grande maioria da população é o principal - senão o único - meio de acesso aos dados, estes são utilizados apenas para reforçar determinado argumento que nem sempre corresponde ao mais relevante para o domínio público. Neste sentido, é imperativo que a vasta informação pública seja filtrada e apresentada segundo um conjunto de perguntas e respostas que conduzam ao saber. Compreender a informação e transformá-la em conhecimento é uma inabalável forma de poder. E é este o principal objectivo de Formas de Portugal." — Manuel Lima.

REFERÊNCIAS

OAM 556 14-03-2009 17:20 (última actualização: 20:27)

Manif 1

Manif, 13 mar 2009. Foto: Miguel A. Lopes/LUSA

A desgraça das burocracias sindicais

A manifestação (manif) de Sexta Feira 13, do mês de Março de 2009, tal como algumas das concentrações e manifs de professores do ano passado, foram animadas e politicamente controladas pelo PCP, através do seu braço sindical, a CGTP. A panela da pressão social não se cansa, de facto, de apitar, e há portanto que canalizar a tensão para algum lado. A corrompida UGT, que não passa de um fantasma de circunstância, aninhada como sempre esteve, aos pés do governo de turno, não tem pedalada para lidar com a crise de regime que aí vem. Já o PCP-Intersindical, mesmo sem saber para onde tudo isto pode ir, tem um catecismo antigo por onde se guiar. E fá-lo sempre que as circunstâncias ou proximidade eleitoral o exigem. Resta saber para quê... dada a dimensão sistémica da crise e a falta alarmante de soluções programáticas por parte da totalidade dos actores políticos em presença.

As manifs são uma forma de catarse colectiva. Mas desta forma de catarse nasce invariavelmente uma consciência de classe mais nítida e sobretudo uma percepção partilhada dos problemas e das dificuldades. À medida que a crise das falências empresariais, familiares e pessoais alastra e o desemprego expulsa indistintamente gestores, trabalhadores liberais e operários dos seus empregos, as manifs irão engrossar — na busca de irmandade, mas também na expectativa de uma luz ao fim do túnel da depressão para onde a Europa e a América caminham a passos largos. Até mesmo a classe média, em vias de extinção, desesperada, que por enquanto vai enterrando os cabedais ainda disponíveis, em psicólogos, psiquiatras e gurus da MT, não tardará a engrossar o novo ciclo de manifs que hoje começou. E quando tal ocorrer, o radicalismo das acções de rua ganhará outra dimensão retórica e programática.

Quando os jornalistas despedidos da SIC, do Diário de Notícias, etc., e os engenheiros despedidos da Mota-Engil, da Teixeira Duarte, etc, e os bancários e gestores despedidos do BCP, do BPN, etc., já para não falar do exército de arquitectos, advogados e economistas que verão encolher dramaticamente as suas possibilidades de emprego ao longo dos próximos anos, ou décadas, então as manifs deixarão de ser uma alavanca oportunista do PCP —partido envelhecido, sem ideias e tão agarrado ao actual regime como qualquer outro partido com assento parlamentar. Quando aí chegarmos, o poder que estiver terá realmente motivos para se preocupar com o seu futuro e com o futuro da nomenclatura de que é parte.

O actual regime democrático corrompeu-se e isso está cada vez mais à vista de todos. Como se a corrupção não fosse em si mesma razão que baste para uma revolução, acresce que estamos economicamente como estava o meu avô republicano nas vésperas do 5 de Outubro de 1910 — isto é, à beira da ruína! A ilusão de que poderemos escapar airosamente da delapidação do património e da poupança em que embarcamos todos nos últimos vinte anos, porque temos o Euro, é uma das tais ideias peregrinas que só pode ter mesmo vindo dum desses economistas que acordaram há menos de um mês para a gravidade da nossa dívida externa: 200% do PIB e não 100% como ainda continuam a balbuciar (1)

É preciso uma grande imaginação para encontrar soluções. A demagogia persistente das esquerdas burocráticas (PCP e BE) não serve. A solução, pelo menos provisória, está na explosão dos dois principais partidos do Bloco Central: o PS e o PPD/PSD. E está também na emergência de um rizoma de cidadania democrática pro-activa, inteligente e tecnologicamente avançada. Chegou provavelmente a hora de tecer uma Democracia Virtual em rede, plural, dialógica, solidária, humanista, realista e criativa.


NOTAS
  1. A maioria, se não mesmo a totalidade dos economistas portugueses, tem a mania de olhar apenas para aquilo que se chama a Dívida Externa Líquida (i.e. a diferença entre o que devemos e o que nos devem), quando o número para que temos realmente que olhar é o da Dívida Externa Bruta (i.e. aquilo que estamos a dever ao estrangeiro independentemente daquilo que eles nos devem). Se por acaso quem nos deve não paga, isso não alivia em nada as nossas dívidas. Como bem sabemos todos!

OAM 555 14-03-2009 00:57