Sócrates propõe aumento do Rendimento Mínimo Garantido
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Um mentiroso sem emenda |
Como já aqui vimos, uma das principais consequências da prolongada crise nacional relaciona-se com o extraordinário retorno em força da emigração portuguesa. E se ainda podíamos ter algumas dúvidas se esta vaga emigratória era realmente signficativa ou não, essas mesmas dúvidas começam a dissipar-se com os resultados preliminares do Censo da População, que mostram que as previsões do INE da população nacional poderão estar sobre-avaliadas entre 200 mil e 300 mil portugueses(as). Veremos se estas previsões se mantêm quando os dados definitivos estiverem disponíveis. — Álvaro Santos Pereira in Desmitos.
Se formos empurrados para uma quarentena fora do euro, curiosamente, as centenas de milhar de portugueses forçados a emigrar nos últimos dez anos serão justamente compensados por tal decisão, vendo aumentar instantaneamente o poder de investimento, crescimento e influência no país que os expulsou. Ora aqui está uma maneira de ver a saída de Portugal do euro, ainda que temporária, de uma forma positiva. Claro está que, à excepção das empresas exportadoras e da agricultura, que também beneficiarão, e muito, com esta expulsão do paraíso, o resto da economia, da burocracia, e as pessoas em geral verão as suas dívidas (a pagar em euros) disparar de um dia para o outro, sofrendo, se este colapso se der, uma catastrófica e instantânea perda do seu poder de compra. Este cenário é realmente aflitivo, mas não é totalmente inverosímil.
José Sócrates, tal como a Esquerda degenerada que simboliza —e que vai, de facto, do PS ao MRPP, passando obviamente pelo PCP e pelo saco de gatos bloquista— defende um país que viva e consuma como se fosse rico e produtivo, mas que trabalhe e produza como qualquer país pobre e subdesenvolvido. A magia desta contradição insanável foi possível até 2010 graças ao afluxo das patacas europeias, à nossa entrada no euro e ao chamado
deficit spending (ou seja, crescimento virtual através do endividamento). Acontece, porém, que um país não pode viver simultaneamente com uma moeda forte e uma economia fraca. Insistir nesta incongruência leva inexoravelmente ao sobre endividamento, e deu no nosso caso o resultado que se conhece: a Bancarrota de 2011. Só um primeiro-ministro alucinado pela sua própria ilusão narcisista poderia negar, com a lata que José Sócrates demonstrou, a tragédia anunciada a tempo e horas por dezenas de observadores independentes.
Ou muito me engano, ou 2011 marcará o início do declínio de uma certa Esquerda portuguesa, herdeira decadente de uma mitologia que apenas serviu, desde Marx, ainda que sob uma retórica populista permanente, o grande jogo do Capitalismo. A subida dos salários industriais e urbanos permitiram, numa primeira fase, esvaziar os campos e transformar paulatinamente a agricultura numa agro-indústria de base financeira intrinsecamente especulativa, colonizando depois, sucessivamente, os territórios do saber e as liberdades individuais na grande cidade. A alienação do trabalho, nomeadamente em nome da produtividade e do consumo foi, na realidade, um meticuloso processo de expropriação da autonomia laboral dos indivíduos, das suas artes, e das suas capacidades de agregação e protecção social solidária. Porém, este processo de desestruturação humana tinha e tem um limite, aliás bem identificado por Karl Marx: a lei da queda tendencial da taxa de lucro que conduz às guerras, ao colonialismo exacerbado, ao imperialismo e, por fim, ao colapso. Ora bem, o momento da decadência prevista acaba de chegar ao Ocidente.
O proletariado desapareceu, e em seu lugar ficaram telefonistas, professores, alunos, burocratas, elites palacianas e públicos culturais entregues à metafísica dos direitos adquiridos, do bem-estar e do consumo conspícuo. Enquanto a gordura colonial acumulada durou, os sindicatos e as Esquerdas foram mantendo posições. Vendidos os anéis coleccionados ao longo de séculos de exploração intensiva dos mundos que o Ocidente foi paulatinamente dominando desde o fim da Idade Média, um novo e tremendo desafio se levanta no horizonte: de que modo a nova divisão internacional do trabalho afectará a Europa, os Estados Unidos e o Canadá?
Como iremos empobrecer? De forma grácil e sustentável, redefinindo culturalmente a noção de felicidade e de bem-estar? Ou de forma convulsa e caótica? Conseguiremos livrar-nos das decadentes instâncias de poder que hoje atrofiam a nossa capacidade de reacção aos desafios? Conseguiremos despedir simultaneamente a libertinagem financeira, os cartéis e os sindicatos, em nome de uma nova instanciação do poder e de uma nova criatividade social ajustadas aos novos equilíbrios estratégicos globais que o mundo pós-colonial começa finalmente a desenhar e a impor aos antigos senhores do mundo?
Sem reconhecermos as origens e implicações profundas do capitalismo colonial que se desfaz diante de todos nós, seremos incapazes de compreender os comportamentos partidários que hoje marcam a decadência política do Ocidente, desde as fugas em frente dos piratas financeiros, à hipocrisia e populismo inacreditáveis dos herdeiros caricatos dos velhos partidos sociais-democratas e comunistas que, no seu tempo, pelo uso intensivo da teoria da luta de classes, desempenharam a importante função de válvula de segurança das sucessivas transições do capitalismo ao longo da revolução industrial e tecnológica possibilitada pelo novo paradigma energético decorrente da exploração intensiva do carvão mineral, do petróleo e do gás natural.
Portugal foi à bancarrota este ano, por causas que remetem para o fim do nosso próprio regime colonial, para o colapso das dívidas soberanas do Ocidente, mas também para a irresponsabilidade e corrupção das nossas elites económico-financeiras, profissionais e político-partidárias. José Sócrates é apenas a criatura desgraçada a quem foi dado o papel de protagonizar o epílogo desta farsa. Podemos ser tentados a sentar este boneco no banco dos réus, transformando-o no bode expiatório de uma catarse colectiva. Pão e circo? Recomendo uma saída mais produtiva: desviar as perguntas que todos lhe queremos fazer, para os próximos actores da cena política; e para nós próprios.