quarta-feira, maio 01, 2013

Swapilândia cor-de-rosa

Carlos Costa Pina transitou do governo de Sócrates para a Ongoing (i Online)

É enorme a responsabilidade da Esquerda no colapso de Portugal

Perdas nos "swaps" cresceram para 2.840 milhões de euros

No final do ano passado as perdas potenciais com instrumentos de cobertura do risco de taxas de juro, nas empresas públicas, chegaram aos 2.840 milhões de euros. Um agravamento de 183,2 milhões nos últimos três meses de 2012. Esta é a fotografia oficial mais actualizada da "caso dos 'swaps'" — in Jornal de Negócios.

Portugal demorará 25 anos a ter dívida abaixo de 60% do PIB

Segundo o Documento de Estratégia Orçamental (DEO), entregue hoje na Assembleia da República, Portugal terá uma dívida pública dentro dos limites dos Tratado de Maastricht apenas em 2037, ou seja, dentro de 25 anos — in Jornal de Negócios.

Os derivativos são, por definição, veículos sem controle!
Da Caixa Geral de Depósitos ao BCP, passando pelo BPI, Santander-Totta e BES, há segredos que precisam de ser revelados quanto antes. Como irá o governo continuar a financiar as dívidas pública e orçamental? Haverá quem nos empreste dinheiro suficiente para acedermos aos fundos do QREN? O ciclo eleitoral que se avizinha não podia ser pior conselheiro para a malta irresponsável dos partidos. Vai ser uma procissão de perigosas baboseiras — in O António Maria, 29 set 2008.

Como já se temia, e no fundo se sabia desde 2008 (alertámos então para a bomba-relógio), PSD, e sobretudo o PS de José Sócrates, enterraram o país em derivados especulativos (1).

O ‘socialista’ António Vitorino, presidente da AG do Santander-Totta, e o ‘socialista’ Carlos Santos Ferreira, que transitou em 2005 da Estoril-Sol (de Stanley Ho) para a Caixa Geral de Depósitos (até 2008), devem explicações ao país. E António José Seguro tem que tirar a cabeça da toca onde a enfiou durante todo o congresso, e vir a terreiro explicar qual é a posição do Partido Socialista sobre este monumental escândalo. Quer ou não o candidato a primeiro-ministro saber o que se passou? Exige ou não o apuramento de responsabilidades? Está ou não disposto a retirar todas as consequências desta monumental irresponsabilidade cometida por camaradas seus no anterior governo?

O Bloco Central, da estupidez, da irresponsabilidade, da endogamia, da ganância e da corrupção é o principal culpado do colapso do país, em associação ilegítima e frequentemente criminosa com os ‘banksters’, os rendeiros, as corporações (patronais, profissionais e sindicais), e a nomenclatura nepotista e partidocrata do regime. Os 90% de portugueses que o regime pretende continuar a sangrar, se possível mesmo, com mais intensidade, apenas cometeram um pecado: confiar nas promessas eleitorais de uma partidocracia populista aparentemente inimputável.

Temos que colocar um ponto final a esta destruição criminosa do país.

Como? Separando as águas, identificando claramente os responsáveis, nomeadamente do PSD, do CDS-PP, do PS, do PCP, do Bloco, da Intersindical e da UGT, com responsabilidades no endividamento aventureiro dos portugueses, e organizando a resistência democrática ao que nos espera (se nada fizermos) ao longo de toda esta década e da próxima: a maior espoliação de que há memória das poupanças e haveres da esmagadora maioria dos portugueses.

Partidos e bancos, ambos falidos, olham para as casas, quintas e quintais dos portugueses, olham para os seus pinhais e micro-empresas, olham para as suas poupanças, com uma gula nunca vista. Se deixarmos, roubarão tudo!

A Esquerda (do PS ao PCP, passando pelo Bloco) não assumiu até agora, por cobardia e populismo, as suas graves responsabilidades no buracão recentemente revelado dos swap especulativos encomendados por José Sócrates aos banqueiros piratas, indígenas e internacionais. O grosso dos contratos teve lugar entre 2005 e 2011, e o grosso dos contratos especulativos foi cozinhado e realizado entre 2009 e 2011. Que é preciso saber mais para colocar o DCIAP atrás dos mandantes destas operações de entrega do tesouro nacional e da nossa soberania a especuladores profissionais e países terceiros?

Em vez de assumir os erros, e demarcar-se frontalmente dos ladrões, a Esquerda barafusta e corre como uma barata tonta atrás de fantasmas, pretendendo assim lançar uma onda de ruído sobre a realidade.

Os portugueses pagam cada vez mais por cada vez menos e piores transportes públicos, pagam as greves do senhores maquinistas do Estado, e agora pagam também com língua de pau os lucros especulativos do Santander-Totta, da Caixa Geral de Depósitos, do JP Morgan, da Goldman Sachs e de outros ‘banksters’ do género.

Os portugueses pagam, assim, a socialização dos prejuízos e dos roubos, na forma de desemprego em massa (que vai chegar em breve ao funcionalismo público), em perdas de salário, de reformas e de  subsídios, na deterioração rápida dos serviços sociais, tudo isto, em grande parte, cortesia da imprestável Esquerda que temos.

Não foi precisa nenhuma Direita para desgraçar o nosso país. Bastaram os oportunistas de abril.

O problema destas perversões populistas têm, porém, um preço trágico: costumam terminar em ditaduras. Para já estamos a caminho de uma ditadura fiscal — diria mesmo, de uma espécie de fascismo fiscal :(

Temos uma democracia capturada pelos bancos, pelas corporações e por uma oligarquia partidária. O resultado desta captura, ao fim de três décadas, chama-se bancarrota. Para evitar a sua consumação trágica aceitámos subscrever um acordo humilhante com os credores. No entanto, a coligação PSD-CDS/PP cumpriu apenas metade do Memorando assinado com a Troika, exagerando nos impostos e em cortes cegos na despesa pública, sem praticamente atacar a despesa estrutural onde a mesma deve cessar de vez, e sem beliscar sequer os grandes rendeiros do regime, da EDP à Portugal Telecom, passando pela Mota-Engil, Grupo Mello e BES.

Mas o pior ainda está para vir! 

Se deixarmos a Esquerda populista que conduziu o país à falência regressar ao poder, nomeadamente por demérito e falta de coragem da coligação saída das últimas eleições, o que a Esquerda fará, sobretudo depois de reunir à sua volta toda a nomenclatura oportunista e corrupta do regime, será certamente continuar a expropriar as poupanças dos 90% de portugueses que não vivem de impostos, mas pagam imposto por tudo e por nada.

As classes médias e os pequenos proprietários urbanos e rurais serão em breve as presas ideais deste regime falido. Pela via fiscal, e pela via bancária, a corja instalada roubará tudo o que puder. E a maior burla de todas é esta: tentará fazê-lo, em nome, dirão, da preservação das conquistas de abril e do estado social!

Nunca Portugal esteve tão perto de se transformar num estado falhado e chupado até à medula pela corrupção. É isto que queremos? Não. Mas então é preciso dizer basta!


POST SCRIPTUM

A propaganda da economia
Bubble Symmetry and Housing. By Charles Hugh Smith of two minds.

Hmm, what would have happened if the Federal Reserve hadn't dumped trillions of dollars into the mortgage market, and the Federal housing agencies hadn't subsidized mortgages and housing with 3% down payments and tax credits?

O colapso da bolha imobiliária americana tem sido sustada por intervenções maciças da FED. Até quando, pergunta Charles-Hugh Smith?

Também em Portugal e no resto da Europa a queda livre dos preços do imobiliário tem sido travada pelos bancos em geral (resistindo a rever os valores dos seus ativos imobiliários) e pelo BCE em particular, à custa da extensão das maturidades das dívidas soberanas e de doses criminosas de austeridade (cuja designação técnica é 'consolidação fiscal'), destinadas a diminuir os défices e as dívidas soberanas.

Acontece que o sistema financeiro euro-americano está viciado em duas coisas: especulação com derivados OTC (sobretudo com taxas de juro e câmbios) e crédito aos governos. Ou seja, apesar da contração da procura de crédito por parte dos especuladores (em período de defeso) e dos governos (em período de defeso), o aperto no crédito à economia (sobretudo às empresas) continua violento como dantes. Os bancos preferem colocar o excesso de depósitos e os próprios empréstimos do BCE a render, por vezes a juros negativos, no mesmo BCE. É por isto que o discurso sobre a economia, o emprego e o crescimento não passa de propaganda populista — tanto do lado da Oposição, como do lado do Governo.

Como temos visto, as grandes empresas e bancos indígenas, depois de colocarem as sedes de holdings e veículos especulativos na Holanda, andam desesperadamente à procura de paraísos de exploração (a Colômbia é a Gata Borralheira du jour) para onde possam exportar paulatinamente os seus negócios... antes do colapso final :(

Comentário sobre afirmação (verdadeira) do PM

O primeiro-ministro sublinhou hoje que "em democracia" o país "nunca conseguiu registar um excedente orçamental" e que não é possível "cumprir obrigações e respeitar compromissos sem diminuir a despesa" e que quem o defende faz "demagogia" — in Jornal de Negócios.

Há verdades que pesam como chumbo sobre o estado a que chegámos. E a principal conclusão a retirar é que todos nós, mas em particular a oligarquia do regime, com os seus partidos populistas, as suas corporações egoístas, os rendeiros de sempre e os ladrões de ocasião, que proliferaram como coelhos em toda a parte, são responsáveis pela pré-bancarrota do país, pelo inevitável e doloroso ajustamento que temos pela frente para mais de uma década.

Os erros do governo de coligação são, porém, evidentes e para os mesmos chamámos reiteradamente a atenção dos leitores. No essencial, Passos Coelho e Gaspar não seguiram a receita, mais equilibrada, da Troika: ajustar pelo aumento da receita e ajustar pela diminuição da despesa, ao mesmo tempo, atacando frontalmente os lóbis financeiros, económicos e corporativos. Preferiram uma forma inaceitável de fascismo fiscal. Poderão cair por este imperdoável erro de avaliação. E o país, se tal ocorrer, descerá um nível mais na degradação do regime e na injustiça.


NOTA
  1. Especulação com taxas de juros (Swaps e Credit Default Swaps): mais de dois terços do mercado especulativo de derivados OTC (não regulamentados, nem supervisionados) está concentrado, precisamente, na especulação com taxas de juro. É por aqui que os cinco 'banksters' que controlam 95% deste mercado (JPMorgan, Bank of America, Citi, Goldman Sachs e HSBC), sangram os países. É por aqui que nasceu a grande especulação destes banksters com as dívidas soberanas americana e europeia. Para aceder a vários textos aqui publicados sobre estes produtos especulativos basta pesquisar em 'derivados OTC'.

    The interest rate derivatives market is the largest derivatives market in the world. The Bank for International Settlements estimates that the notional amount outstanding in June 2009 [1] were US$437 trillion for OTC interest rate contracts, and US$342 trillion for OTC interest rate swaps. According to the International Swaps and Derivatives Association, 80% of the world's top 500 companies as of April 2003 used interest rate derivatives to control their cashflows. This compares with 75% for foreign exchange options, 25% for commodity options and 10% for stock options — in Wikipedia.
Última atualização: 1 de maio de 2013, 20:31

domingo, abril 28, 2013

Seguro: obrigado, Cavaco!



Vai fermoso e mais seguro


O secretário-geral do PS já está em campanha eleitoral. O encerramento do XIX Congresso socialista assinalou para António José Seguro uma nova fase. Avançou com propostas políticas, anunciou os seus Estados Gerais e pediu uma maioria absoluta para formar Governo. Mas garantiu que, devido ao “estado de emergência” do país, mesmo com maioria absoluta, fará coligação governativa. Público, 28 abr 2013.
A unidade do PS não foi total. Fora dos 251 eleitos para a Comissão Nacional, o órgão máximo entre congressos, ficaram deputados da chamada ala socrática, como Fernando Serrasqueiro, José Lello ou André Figueiredo. Jornal de Negócios, 28 abr 2013.
A negociação para a elaboração da lista única para a Comissão Nacional acabou já o sol nascia. O que se julgava ser um processo relativamente fácil, uma vez que se tratava de uma lista única - marca da imagem de unidade com que o PS quer sair de Santa Maria da Feira -, foi uma dor de cabeça ainda maior do que manda a tradição. Expresso, 28 abr 2013.

António José Seguro comprou um seguro de vida chamado Pedro Passos Coelho. E deve a sua salvação de uma cruel execução partidária, por incrível que pareça, à criatura de Belém. É simples de entender, não é? Não? Ora vejamos:

  • A crise da coligação agrava-se sob o impacto da austeridade, a qual permite a formação de uma verdadeira fronda (incluindo personagens de todos os partidos do leque parlamentar, ex-presidentes da república, sindicatos, entidades patronais, corporações, o manipulado movimento Que se Lixe a Troika! e até o próprio Presidente da República) para derrubar o governo, apesar da sua legitimidade e da sua maioria.
  • José Sócrates instruiu António Costa para derrubar o Tó Zé num congresso antecipado, apostando na queda a curto prazo do governo. “Qual é a pressa?”, perguntou o aterrorizado secretário-geral do PS. Foi a crise de 23-30 de janeiro de 2013.
  • António Costa, um aparachic de compêndio, recua à última da hora, tendo supostamente negociado a permanência das tropas de José Sócrates em lugares-chave do partido (viu-se hoje que a garantia não era muito forte).
  • José Sócrates, impaciente, decide aterrar na RTP a 28 de março, passando deste modo inopinado ao ataque — um ataque, percebe-se agora, desesperado.
  • O previsível chumbo do Orçamento pelo Tribunal Constitucional, que viria a ocorrer a 5 de abril, é o gatilho que supostamente ditará o fim da coligação, nomeadamente por iniciativa de Cavaco Silva, recolocando o PS no centro da cena política.
  • Entretanto, o fiasco de Chipre e a chegada em força da crise financeira, nomeadamente associada às dívidas soberanas, a países como a França e Holanda, vai forçar uma flexibilização no discurso alemão e um abrandamento das exigências por parte da Troika, nomeadamente na Irlanda e em Portugal — há quem tenha cheirado isto mesmo, a tempo...
  • Por um lado, o economista presidente percebeu o que iria ocorrer depois do fiasco de Chipre, e por outro, ficou assustado com o ataque desferido por José Sócrates na entrevista à RTP e reiterado no primeiro programa da série que contratou com o infeliz Miguel Relvas (um erro colossal, certamente resultante de um conselho crasso… de quem?)
  • O Tribunal Constitucional chumba parte do Orçamento, como previsto; agrava-se a crise política; o Primeiro Ministro dirige-se a Belém, como aqui recomendámos, e exige uma clarificação de Cavaco Silva. Terá dito algo parecido com isto: Senhor Presidente, ou fica comigo ou vai ter que aturar o Sócrates. Qual prefere?!
  • Cavaco decide o que era expectável em face dos dados disponíveis, e numa breve nota enviada à imprensa assassina politicamente José Sócrates, garante estabilidade presidencial ao governo (agora só mesmo o frágil Portas poderá derrubar o governo), e lança uma inesperada rede de salvação a António José Seguro!
  • A 13 de abril confirma-se o que já se esperava, sobretudo depois das declarações de Durão Barroso na sequência do chumbo do Tribunal Constitucional: Vítor Gaspar consegue mais tempo e até o horizonte de um pequeno perdão nos juros devidos da parte do BCE (cortesia de Mario Draghi, que Vítor Constâncio anunciou urbi orbi).
  • No dia 25 de abril o Presidente da República garante solenemente a estabilidade constitucional à coligação, adverte o PS sobre a rigidez do peso da dívida, e portanto da necessidade de se poder contar com o PS para amplos consensos que venham a ser exigidos no curto e médio prazo, e desanca de forma fria os partidos que andaram nos últimos meses a organizar esperas e cercos ao presidente e a quase todos os ministros do governo.
  • A fronda, em suma, começou a desfazer-se apesar da gritaria e dos murmúrios que ainda se ouvem. A mudança de tom de Arménio Carlos —um pragmático esperto e experimentado— foi um sinal agudo desta mudança.
  • As tropas de José Sócrates e os secretários de Mário Soares montaram um verdadeiro assédio a António José Seguro durante a reunião de Vila da Feira. Este, por fim, acabou por perceber a manobra e respondeu da única maneira que tem para se livrar de José Sócrates: começando a limpar as listas.
  • Como ontem escrevi, o escândalo dos CDS (Credit Default Swap) que rebentou oportunamente na véspera desta reunião magna acabaria por ser a ajuda de Passos Coelho de que o seu amigo Tó Zé tanto precisava, e teve!
  • Dos jovens turcos que escrevem cartas, um, porventura o mais ambicioso e menos comprometido com Sócrates, Pedro Nuno Santos, foi sacrificado no altar dos equilíbrios internos.
Os tempos que aí vêm continuarão a ser muito duros. A crise do sistema político-partidário, neo-corporativista, devorista e populista que arruinou o país está longe de terminar. O processo do regime está em curso, mas em câmara lenta. Muitos chegarão em breve à conclusão de que o tempo de reformar o sistema partidário, sem o que o regime não muda, chegou. Espero que os escrevinhadores de cartas cor-de-rosa a António José Seguro percebam também que só conseguirão preservar a identidade do PS, sem cair na tentação de uma nova dissolução neoliberal nas malhas do poder, se entretanto surgirem novos movimentos políticos arejados e autónomos com vontade de fazer realmente renascer a democracia portuguesa das cinzas em que o Bloco Central a deixou.

Swapgate cor-de-rosa

Estação de Castanheira do Ribatejo, às moscas desde 2006.
Responsabilidade: Refer; construtor: Somague.

Nunca um congresso do PS pareceu tanto uma convenção mafiosa

Há um ambiente estranho no congresso antecipado do Partido Socialista. António José Seguro não diz nada de jeito, olha para o lado, e o lado move-se como uma sombra inquieta pelos corredores e ruelas de Santa Maria da Feira, fazendo uma marcação cerrada às suas palavras, inibindo-o de decidir seja o que for que surja imprevistamente e fora da pauta dos trabalhos de um conclave sem disputa aparente. Cavaco falou, mas António José Seguro teve que esperar pelo congresso para balbuciar umas frases ininteligíveis sobre o assunto, enquanto que, entre o discurso do presidente da república no dia 25 de abril e o congresso, a sombra desmultiplicou-se em declarações bombásticas sobre a criatura de Belém e o novo governo de iniciativa presidencial. Apareceu, entretanto, a notícia de uma carta do novo ministro Miguel Poiares Maduro ao PS solicitando uma reunião. A sombra travou uma vez mais Seguro e acusou imediatamente o Governo de “encenar diálogo” (Expresso, 27 abr 2013), deixando a este último a tarefa humilhante de balbuciar aos jornalistas que a sua resposta (do PS, diz) será entregue na próxima terça-feira (TVI 24). A cereja assassina em cima do bolo dinamitado desta farsa foi oferecida por Sérgio Sousa Pinto:
“[...] o nosso principal problema é de credibilidade. Enquanto não o reconhecermos e não o enfrentarmos enquanto não nos apresentarmos neste país com protagonistas credíveis de mudança e de ruptura estaremos a falhar ao povo português” (i online, 27 abr 2013)

Este congresso Kim Il-sunguiano do PS, que apregoa mais democracia e abertura à sociedade, mas onde apenas vemos um candidato tolhido (os outros dois que tentaram, nem sequer conseguiram ultrapassar a barreira burocrática do partido), não é só uma encenação, mas uma conspiração. As sombras dos idos de março coligaram-se para atar António José Seguro de mãos e pés e deixar espaço livre a José Sócrates. O pobre secretário-geral a prazo está assustado!

O rodopio mediático das tropas de Sócrates e de Soares no congresso do PS contrasta com os discursos medíocres e sem alma dos fracos turcos que escreveram a tal carta aberta ridícula a António José Seguro. E contrasta ainda com a apatia de seita estampada no semblante indigente dos congressistas.

Foi enternecedor ver o jovem Tiago Silveira falar dos desempregados e dos pobres — em nome da tal carta-aberta. Talvez pudesse levar os pobres de espírito deste pais, congressistas incluídos, a passear no Gianzo, um iate topo de gama que comprou ao dono da Tecnovia com empréstimo da CGD (Correio da Manhã, 17 out 2012).

Sinais contraditórios

Ao juntar as peças deste labirinto de sombras ouvimos o coro repetir a cada hora que passa o fim do diálogo com o governo, a necessidade de deitar o governo abaixo, e a radiosa alternativa de esquerda que o PS tem pela frente: “Edite Estrela defende alianças à esquerda para alcançar governo maioritário” (i online, 27 abr 2013). Mas a mesma Edite, madrinha omnisciente do partido cor-de-rosa, afirma no mesmo dia, desta vez ao semanário dum aliado na fronda criada contra o governo de coligação, que “Portas é o político mais poderoso do país” (Expresso, 27 abr 2013), sugerindo que é sua a chave que abre ou fecha a porta à sobrevivência de Passos Coelho. Há aqui uma contradição, pelo menos aparente: afinal com que diabo está o Partido Socialista disposto a coligar-se: Louçã, ou Portas?

Edite Estrela, na realidade, está a defender um futuro governo PS+CDS, mas embrulhado com uma prata populista de esquerda (virtual, claro), para enganar os jovens tolos do PS que devem a sua vida míope a José Sócrates, mas escrevem cartas-abertas a António José Seguro.

Enigma

Tudo isto parece-me lógico. Não entendo, porém, a tensão e a pressa. Qual é a pressa?

Recebi hoje um álbum de fotografias sobre mais um deserto deixado por aí por José Sócrates, à semelhança do aeromoscas de Beja. Trata-se da estação de caminho de ferro, mandada construir pela Refer em Castanheira do Ribatejo, que custou 30 milhões de euros, sumptuosa, inaugurada ainda em obras, que está às moscas desde 2005, e que se tornou por isso um problema de segurança, caminhando para uma rápida deterioração (ler notícias do Mirante aqui, e aqui).

Talvez comece agora a entender o que move a sombra neste soturno congresso do PS. Talvez seja a entrada em ação da parte do Memorando da Troika que até agora foi boicotada, e que por não ter sido cumprida induziu o conhecido exagero nas doses de austeridade. Refiro-me ao ataque às rendas excessivas da corja rendeira, e à renegociação das ditas parcerias público-privadas (PPP). É que depois de Cavaco Silva ter fechado a porta a uma dissolução do parlamento (salvo se o PP abandonar o governo), começou a caça ao legado catastrófico e potencialmente explosivo dos governos de José Sócrates. O regresso de Paris pode ter sido, afinal, apressado e com consequências imprevisíveis.

A procissão dos swaps ainda vai no adro, mas já deu para perceber duas coisas: é um buracão colossal, recheado de má administração e de mais do que prováveis operações ilícitas ou até criminosas.

Vamos ver quem é que no PS, no PCP ou no Bloco quererá investigar o ‘swapgate’. Com tanto namoro hipócrita à esquerda por parte das tropas socratinas e soaristas, vai ser difícil...

As operações swap realizadas pelo Santander-Totta com o governo de José Sócrates começaram em 2005 (Sol, 27 abr 2013). António Vitorino é Presidente da Mesa da Assembleia-geral do Banco Santander Portugal (1998 - 1999) e do Banco Santander Totta desde 2005. Parece-me razoável perguntar-lhe o que tem a dizer sobre este negócio entre o Estado, através de um governo liderado por um colega de partido, e um gigante financeiro privado, onde desempenha uma função de topo. Soube dos swaps?

Esperam-se, pois, muitas cenas e muitos capítulos nesta telenovela de Sopranos. Nada de ilusões: António Costa não passa de uma manobra de distração.

sábado, abril 27, 2013

Democracia participativa

String Figures and How to Make Them. A Study of Cat's Cradle in Many Lands (1962) by Caroline Furness Jayne (LINK)

Incluir, criar, expandir
Sobre o contributo, bem-vindo, do Movimento Cidadania e Democracia Participativa

“El modelo clásico de partido tenía una cierta inspiración religiosa, como ya insinuó Gramsci, mezclando doctrina, rito y didactismo en relación a una población a instruir y a convencer. El interregno en el que estamos nos muestra transformaciones radicales en los medios de comunicación, más fragmentación y al mismo tiempo nuevas vías de articulación social, más énfasis en la autonomía personal, rechazo a liderazgos incontrolados y un conjunto de demandas políticas más imprevisibles y complejas. Al mismo tiempo, la gente está más preparada, surgen nuevas experiencias y hay mucho conocimiento accesible y compartido.” El País/ Joan Subirats.

A próxima democracia será o princípio de uma nova era —de menor crescimento, mas de maior criatividade, cultura e justiça— ou não será. A menos que estejamos à espera da derrocada dos regimes democráticos vigentes —envenenados pela corrupção, pela submissão encapotada à ganância financeira do capitalismo, pelo populismo, pelo excesso de concentração de poderes, pela invasão contínua das esferas de autonomia da cidadania, e pela irresponsabilidade governativa— será ainda preciso retomar os seus velhos e corrompidos aparelhos para, do seu interior, promover a inadiável reforma constitucional e política das instituições. Precisamos de uma Democracia 2.0, mas não sobre os escombros das democracias doentes que ainda suportamos.

O tempo desta metamorfose é agora! E o modo deverá assentar —creio que estamos todos de acordo— numa ideia simples: cooperação. Ou seja, permitir a necessária abertura de espírito para que os vários ritmos da metamorfose se interliguem e venham a produzir a necessária síntese criativa. Um desses ritmos é o do desenho do modus operandi da próxima democracia. Como deveremos organizar a ação daqueles que esperam e desejam contribuir para a emergência de uma democracia inteligente e justa, a tempo de impedir a derrocada completa do status quo?

O Movimento Cidadania e Democracia Particpativa, que partilha do nosso entusiasmo simultaneamente crítico e construtivo, realizou já um trabalho notável no que diz respeito ao desenho, por assim dizer, da formação da vontade democrática numa Democracia 2.0. Antes de mais, pois, convido-vos a analisar as suas propostas.


MCDP—A organização de um partido diferente


MCDP—O Conselho Nacional

Estes dois organogramas e as explicações que os acompanham são seguramente uma excelente base de partida. Podemos compará-la, nomeadamente com as práticas em curso de partidos que comungam ideias semelhantes e que já estão envolvidos numa praxis que tem vindo a fazer a diferença em países como o Canadá e a Itália, entre outros. Refiro-me, por exemplo, ao NPD, ou ao Partito Democratico italiano, que acaba de formar um novo governo em Itália.

Seria interessante que o Movimento Cidadania e Democracia Participativa promovesse ele mesmo um seminário de análise comparativa dos organogramas, teóricos e em funcionamento, que satisfazem os critérios que todos partilhamos para a emergência de democracias mais inteligentes e participativas.


©António Cerveira Pinto
Escrito para o Partido Democrata

quinta-feira, abril 25, 2013

O que diz Cavaco

A sombra azul de Soares.

Esquerda Cómoda, à rasca

Para além da algazarra monocórdica do costume, o que importa realçar é a descolagem de Belém do golpe de estado populista que Mário Soares, o PCP e o Bloco, em sintonia com a maioria das corporações, oligopólios e rendeiros do regime (da banca ao setor energético), que vivem todos, sem exceção, do orçamento do Estado (e da miséria crescente de milhões de portugueses), imaginaram ser possível levar a cabo ainda antes das eleições autárquicas.

Curiosamente, esta evolução dos acontecimentos, para muitos inesperada, veio criar condições ímpares para a consolidação da direção socialista de António José Seguro — e para o grande dilema que agora enfrentam as tropas de José Sócrates e o Bloco.

Ao PS de Seguro interessa cada vez mais deixar a coligação fazer o trabalho sujo que tem que ser feito, de uma maneira ou doutra, sofrendo todo o ónus da destruição de poupanças, de empregos e de contratos sociais insustentáveis formalmente celebrados ao longo de três décadas de prosperidade ilusória e de consolidação de um neocorporativismo institucional sem precedentes.

Não há saída para o buraco negro do endividamento (1) cavado por décadas de populismo, ganância corporativa e partidocracia, que não passe por uma redução do peso paquidérmico do Estado, pela libertação fiscal da sociedade e pelo fim da canga partidária sobre a vida económica, institucional e cultural dos portugueses.

Há, sim, Estado a mais. Há, sim, partidos a mais nas nossas vidas (2). Há, sim, uma oligarquia económico-financeira e polipartidária que vive criminosamente à custa do esmagamento da criatividade social, empresarial e cultural dos portugueses. Há, sim, um regime em fim de vida que é preciso substituir por uma democracia transparente, responsável e justa.

Post scriptum

Os opinocratas de serviço exibiram ontem a sua indignação perante o discurso do Presidente. Criticaram-no por dinamitar as pontes com os partidos da esquerda cómoda. Mas não criticaram o golpe de estado palaciano que esteve em curso contra a maioria governamental; mas não criticaram o cerco de rua montado pelo PCP e pela Intersindical ao Presidente da República, aos ministros em funções e ao próprio parlamento!

Cavaco, que chegou a confundir-se com a fronda neocorporativa e populista anti-Troika, cedo percebeu que a maré iria virar depois do alívio vindo de Bruxelas e de Frankfurt na sequência do fiasco de Chipre e da deterioração da situação em França e na Holanda. Cedo percebeu que o regresso de Sócrates, depois dos dois ataques virulentos que este desferiu contra o seu comportamento e carácter, mudara as circunstâncias. Uma coisa seria a queda de Passos Coelho, estando Seguro à frente do PS, outra muito diferente seria provocar a queda do governo de coligação sabendo que está em curso uma guerra civil dentro do PS, onde Almeida Santos, Mário Soares, Manuel Alegre e José Sócrates são aliados! Aníbal Cavaco Silva, seja pelo seu apurado instinto de sobrevivência, ou porque Durão Barroso lhe explicou a situação, deu meia volta, anunciou o fim da telenovela das eleições antecipadas, foi premiado com a nomeação de um apoiante seu para o governo —Miguel Poiares Maduro (pdf)— e depois, como mandam os manuais, perseguiu o inimigo! Só mesmo os cagarros da nossa indigente imprensa não perceberam, ou não querem perceber.

Noticias ao Minuto - O controverso discurso de Cavaco

O chefe de Estado apelou aos partidos para que definam as suas estratégias além dos calendários eleitorais, dizendo ser “uma ilusão pensar que as exigências de rigor orçamental irão desaparecer no fim do programa de ajustamento, em meados de 2014" e alertando que, se persistir uma visão imediatista, “de nada valerá ganhar ou perder eleições, de nada valerá integrar o Governo ou estar na oposição".

"É essencial alcançar um consenso político alargado que garanta que, quaisquer que sejam as concepções político-ideológicas, quaisquer que sejam os partidos que se encontrem no Governo, o país, depois de encerrado o actual ciclo do programa de ajustamento, adoptará políticas compatíveis com as regras fixadas no Tratado Orçamental que Portugal subscreveu", defendeu, num discurso que foi sendo pontuado por vários apartes das bancadas da oposição.

Cavaco defendeu ainda existir hoje uma “fadiga de austeridade” no país – mas pedindo que não se explore a ansiedade e inquietação dos cidadãos -, pediu que o desemprego seja uma “prioridade da acção governativa” e destacou, apesar das “consequências gravosas” do programa de assistência financeira, os objectivos alcançados e o sentido de responsabilidade revelado pelos portugueses.
Jornal de Negócios - Seguro prudente...

O secretário-geral socialista, António José Seguro, afirmou hoje que, durante o congresso do PS, haverá bastantes oportunidades para discutir "as consequências políticas" do discurso do Presidente da República na sessão solene do 25 de Abril.

[...] Perante a insistência nesta questão, o líder do PS apenas acrescentou que compreendia o interesse da comunicação social.

"Mas também compreendem que na sexta-feira, quando se iniciar o congresso, no sábado durante os trabalhos do congresso e no domingo, terei várias oportunidades de intervir e pode ter a certeza satisfarei a curiosidade", afirmou.

NOTAS

A lei geral é esta, o resto é demagogia de piratas.
  1. Não há regra sem exceção, mas regra é regra: quanto mais deves (acima de um certo patamar) menos cresces:. A propósito: “It’s A Bit Early To Declare A Winner In The Economic Debate” — Written by Lance Roberts | Thursday, April 25, 2013. Streettalk Live.
  2. Não é que sejam muitos, mas interferem demasiado nas nossas vidas e na vida da economia.

Última atualização: 26 abr 2013, 12:27 WET

terça-feira, abril 23, 2013

Ainda há cheesecake?

Já não chega para todos.

Afinal, é tudo rapaziada conhecida!

Um grupo de destacados socialistas próximos de António Costa, insatisfeito com o rumo das coisas no partido, decidiu "fazer alguma coisa" para por travão à crescente falta de confiança dos cidadãos nos partidos.

O resultado foi uma carta aberta ao secretário-geral do PS onde, entre outras propostas "arrojadas", os subscritores propõem eleições diretas abertas a não-militantes para a escolha do secretário-geral do PS. E querem aproveitar o congresso do próximo fim-de-semana para encetar a discussão o quanto antes.

Ler mais: Expresso.

Eu estou farto de escrever que a tarte de requeijão e morangos encolheu. Ou seja, há cada vez menos cheesecake para distribuir. Mas ninguém resiste a tentar sacar uma fatia. Desta feita foi um grupo de socialistas convictos que decidiu escrever a António José Seguro sobre o descrédito dos partidos. Desinteressadamente, claro.

Esta tendência à pressa do PS reúne, porém, uma maioria de socratinos, uma minoria de bloquistas, e ainda algumas almas independentes para decorar. O que pretende a dita carta-aberta, sob o manto diáfano da fantasia, é exigir lugares nos futuros órgãos de direção do PS sem que para tal os seus subscritores tenham tido que ter a chatice de serem eleitos delegados ao congresso. É a democracia direta, dizem!

Quem lhes encomendou o sermão assim tão à pressa —não posso deixar de supor— foi o regressado Pinocchio!

Entre o populismo de Sócrates e o bloco-populismo de alguns dos subscritores reparo que a ameaça sobre a cabeça de Seguro ainda mexe. No entanto, depois da Grande Remodelação, e da viragem de Durão Barroso, a retórica anti-austeridade morreu. O que é coisa diferente de dizer que a austeridade tenha morrido. Seja como for, o tempo não está para golpes de estado. Até o novo líder da UGT percebe esta verdade elementar.

A Frente Popular Bloquista, que a minoria deste grupo à pressa defende, não passa de um sonho infantil estimulado por um quadrado senil. O quadrado não é Alegre, claro, é Louçã.

Quanto às tropas de José Sócrates, de que esta carta-aberta é uma descarada evidência, percebe-se que permanecem em estado de prontidão, pois o grande chefe anunciou urbi et orbi que o retorno do querido poder (a maioria desta gente já provou o gosto e sabe que não encontra nada melhor) está para breve!

Mas não está :(


São estes os famosos subscritores da carta aberta (ler o Filibuster):

João Tiago Silveira (socratista)
Ana Catarina Mendes (socratista)
Catarina Marcelino (socratista)
Duarte Cordeiro (socratista/ ala bloquista)
Fernando Medina (socratista)
Fernando Rocha Andrade (socratista)
Graça Fonseca (socratista)
Filipa Marques Júnior (filha de Marques Júnior)
Francisco César (político açoriano, filho de Carlos César)
Isabel Moreira (socratista, filha de Adriano Moreira)
João Constâncio (socratista, filho de Vítor Constâncio)
João Galamba (socratista)
João Miranda (?)
Mariana Vieira da Silva (socratista, filha do ex-ministro Vieira da Silva)
Pedro Delgado Alves (ala bloquista)
Pedro Marques (socratista)
Pedro Nuno Santos (ala bloquista)
Sónia Fertuzinhos (?)
Domingos Farinha (independente)
Tiago Antunes (independente)

POST SCRIPTUM

Uma síntese do que prevemos no sistema partidário português:


Última atualização: 23 abr 2013, 17:37 WET

sábado, abril 20, 2013

Mário Soares morreu

Mário Soares, um 'animal político'

Ou antes, está politicamente morto!


“At about 11 a.m. ET on Thursday (April 18, 2013), our beloved business man Warren Buffett passed away. Warren Buffett was born on August 30, 1930 in Omaha. He will be missed but not forgotten. Please show your sympathy and condolences by commenting on and liking this page.”

A carne sofreu um grande abalo, os neurónios continuam finos e ágeis, o legado histórico é indiscutível, mas politicamente morreu no dia em que aventou a hipótese de um novo regicídio, desta vez, tendo a figura do presidente da república em funções como vítima.


Não, não é uma notícia falsa, como a da morte fictícia de Warren Buffet esta semana anunciada nas redes sociais, mas uma constatação sobre o ato final de um homem notável para quem o mundo se dividia entre ele e a sua família, e os outros. A família, cá dentro, foi sobretudo a dos socialistas que lhe foram sempre fieis, e lá fora, a social-democracia da Internacional Socialista e 'os americanos'.

Para Mário Soares, o que as pessoas pensam é irrelevante. Saber com quem andam, isso sim, é decisivo. Pois bem, a última batalha deste 'animal político' deu-se no terreno de uma tentativa desesperada de derrubar o atual governo de coligação por meio de um golpe de estado presidencial, alimentado por uma verdadeira frente populista suportada na sua maioria pelos devoristas e rendeiros do regime ameaçados pelos seus clamorosos erros, omissões, irresponsabilidade histórica e corrupção.

O regime democrático português está por um fio. Na realidade, encontra-se numa espécie de unidade de cuidados intensivos chamada Troika. A troika de credores desiludidos com um país que ultrapassou todas as marcas em matéria de endividamento —do estado, das empresas e das famílias— exigiu basicamente duas coisas: reduzir a despesa pública de forma estrutural, isto é, reformando e reduzindo o paquiderme estatal que temos, e atacar os rendeiros do regime, com especial ênfase nos monopólios que vivem de rendas excessivas e prejudicam gravemente o ambiente económico geral do país. Acontece que isto, na realidade, ameaça a nomenclatura que se apropriou do regime e explorou indecentemente o país e a sua população em nome da liberdade, em nome da justiça e em nome da democracia. Vemos agora que esta corja prefere, ao ver-se cercada pela verdade das ocorrências e dos números, renunciar a tudo menos aos privilégios indevidamente acumulados. Prefere até regressar a uma ditadura patriótica qualquer, se disso depender a manutenção do seu bem-estar.

Pois bem, foi neste contexto que Mário Soares decidiu convocar as suas tropas para deitar abaixo um governo democraticamente constituído, promovendo alianças até com o Diabo!

Foi neste contexto que Mário Soares decretou a intifada nacional-populista (1) contra Passos Coelho, juntando empresários, políticos de todas as cores, sindicalistas, o PCP e o Bloco, militares e padres, e chamando até de Paris o homem que há menos de dois anos conduzira Portugal à insolvência.

O regresso de Sócrates, precedido de uma tentativa de assalto à direção do PS, serviria, em suma, para reunir toda a escória cleptocrata do país em volta de uma crise cujo desfecho seria a demissão do governo e a formação de um governo de emergência nacional, patrocinado por Cavaco Silva, mas, na realidade, sob férreo comando do Bloco Central da Corrupção, e com apoio explícito das chefias militares. Seria, se tivesse triunfado o plano, um governo autoritário, embora mascarado de retórica demo-populista e patriótica. Da Europa contavam com a condescendência de quem acredita que qualquer peça do dominó europeu é capaz de ameaçar a Europa.

Eu posso estar a sonhar, mas é assim que vejo a crónica portuguesa de março e abril de 2013.

O que é que falhou nas previsões? Falhou a subestimação do 'inimigo' e o excesso de confiança no 'amigo' Portas. Nem Cavaco ousou demitir o governo, nem António José Seguro cedeu como se esperava que cedesse à tropa pretoriana de José Sócrates, nem Pedro Passos Coelho perdeu o Norte, nem Vítor Gaspar sucumbiu à pressão 'colossal' que sobre ele se abateu, nem, por fim, Paulo Portas teve coragem de romper com a coligação.

Mas mais, tanto José Manuel Durão Barroso, como Wolfgang Schäuble, estiveram particularmente ativos durante a crise. O poderoso ministro da economia alemão, assegurando todo o apoio a Vítor Gaspar, e Barroso, insinuando uma wild card que viria a mudar o curso desta infernal partida de Poker: Miguel Poiares Maduro.

Ao contrário do que foi sempre o comportamento do PS, o PSD acabava por despachar um cábula do governo, substituindo-o por uma personalidade cosmopolita, europeia e de irrepreensível competência académica e técnica. Mais: colocava no lugar anteriormente ocupado por um social-democrata laranja, outro social-democrata laranja, com a enorme vantagem de não ser mais um cu pelado da partidocracia local. Este joker permitiu ainda a Passos Coelho retirar o QREN do pingue-pongue entre Álvaro Santos Pereira e Vítor Gaspar, sem o entregar (oviamente!) ao CDS-PP, avocando este lombo orçamental à área íntima da presidência do conselho de ministros, sob critério do jovem ministro-adjunto do primeiro-ministro. Poiares Maduro é também ministro do desenvolvimento regional, outro campo de batalha a precisar de uma mente descomprometida com os Menezes e Searas desta aldeia lusitana. E se faltasse uma cereja em cima do bolo, ei-la: o homem apoiou a recandidatura presidencial de Cavaco Silva. Todos reparámos como o presidente reservou um tempo de antena especial para o novo ministro na cerimónia de posse.

A micro-remodelação governamental foi afinal, como já escrevi, uma grande remodelação.

Este desenlace inesperado do furúnculo político em que se transformara o regime acabaria por fazer abortar os planos de Mário Soares e as aspirações de Paulo Portas, da pior maneira para ambos. O governo reforçou-se, esvaziou a fuga em frente do PS, e permitiu a Passos Coelho passar à ofensiva apesar da extrema delicadeza da situação orçamental, económica e social do país. José Sócrates ou regressa a Paris ou emigra para a Póvoa de Varzim!

O futuro imediato é do PSD, e também de um CDS que terá que saber retirar rapidamente ilações da leviandade política que acometeu o líder Portas. Por sua vez, o Partido Socialista de António José Seguro, que o perspicaz Soares acaba de entronar oficialmente como líder, durante a comemoração dos 40 anos do partido que fundou, tem pela primeira vez o terreno livre à sua frente.

Como o regresso ao cenário PS-CDS falhou, como a hipótese desesperada de uma frente popular ridícula entre o PS e o Bloco, recentemente defendida pelo desanimado Soares (2), também não tem nenhuma hipótese de se configurar no futuro, quanto mais concretizar-se, resta ao PS começar a pensar rapidamente no que lhe falta para voltar a ser governo, sobretudo em caso de agravamento da crise política e de regime (que soma e segue), ou em caso de eleições antecipadas que poderão dar-lhe uma maioria, mas não absoluta. Se o Partido Socialista ganhar as próximas eleições legislativas, regulares ou antecipadas, com quem vai coligar-se? Esta é a pergunta de mil milhões de euros. E eu só tenho uma resposta: com o partido que ainda não existe!

Mário Soares foi uma peça decisiva na fundação da democracia que temos. Esta democracia está, porém, muito doente, em parte por causa de erros muito seus. Seria bom que não se dedicasse agora a estragar tudo o que fez bem.


POST SCRIPTUM (1 jun 2013) — Sobre 'A Opinião de José Sócrates' há, em primeiro lugar, que não subestimar este 'animal'. Para um observador político, o que diz ou deixa de dizer Marcelo Rebelo de Sousa é irrelevante quando à mesma hora podemos ouvir José Sócrates e o seu governo sombra em plenitude! Não por acaso a TVI antecipou em quase meia hora o programa do 'Je sais tout' Marcelo.

José Sócrates continua a marcar de perto a ação de António José Seguro, impondo fasquias a este último. Por outro lado, ataca com oportuna habilidade o governo e Cavaco Silva. O que lhe vai na cabeça e na cabeça do seu estado-maior ficará mais claro depois do congresso do PS. Ver-se-à então quem manda afinal no Partido Socialista. E ver-se-á também se Sócrates está a pensar apenas na presidência da república, ou se tem já em pleno funcionamento um governo sombra para o que der e vier.

COMENTÁRIO  — A mais recente iniciativa frente populista de Mário Soares, a grande convocatória da Aula Magna do passado dia 30 de maio (ver e ouvir aqui o discurso de António Sampaio da Nóvoa), fracassou, não com estrondo, mas morrendo simplesmente.

Não podemos esperar que aqueles que são os principais e reincidentes causadores da bancarrota do país possam remediá-la, ainda por cima, pretendendo induzir uma amnésia geral nas vítimas da tragédia em curso.

O governo que está é mau, sobretudo porque não se libertou ainda do Bloco Central da Corrupção, que continua a dominar o PM e várias e decisivas secretarias de estado. Mas o retorno da 'esquerda' corrupta e populista ao poder seria votar no nosso próprio suicídio coletivo.

Precisamos, isso sim, de trabalhar numa verdadeira refundação da democracia e das suas instituições, desde logo e a começar, pelos partidos e pelas organizações e grupos de pressão da sociedade civil.

Precisamos, desde já, de novos partidos políticos, e de reformar seriamente os antigos. As manifestações de indignados e os discursos dos reitores têm um alcance estratégico muito limitado.

Precisamos cada vez mais do Partido Democrata!

— Publicado na página do Partido Democrata no Facebook, em 1 de junho de 2013.

NOTAS



  1. O movimento 'Que se lixe a Troika' é o exemplo típico de uma oposição inorgânica nacional-populista à mudança. Mesmo diante do colapso evidente do país sob o peso insuportável de uma burocracia omnipresente que apenas defende os seus interesses corporativos, 'Que se lixe a Troika' aponta as suas baterias contra um fantasmático inimigo externo, como se a causa da nossa desgraça não fosse quase exclusivamente endógena.
  2. Já para não falar do quadrado Louçã, promotor envergonhado da putativa candidatura de José Pinóquio à presidência da república!
Última atualização: 2 junho 2013, 11:31