GALP, Refinaria de Sines. Para onde vai a gasolina refinada em excesso? |
Cartel, ganância e falta de regulação
O mundo caminha para uma mutação dramática do seu modelo energético. Deixaremos em breve o paradigma do desenvolvimento e do progresso assentes na afluência de energias baratas. Vale a pena ler, a este propósito, The Oil Depletion Protocol, proposto à discussão por Richard Heinberg. No mundo que espreita ao virar da esquina teremos que saber redefinir drástica e corajosamente o sentido da vida e as nossas metafísicas. - in O António Maria, 01-12-2005.
O facto de a especulação petrolífera ser um fenómeno geral nos países que privatizaram e liberalizaram este negócio (mas não na Rússia, nem na China, nem no Irão, nem nos Emiratos Árabes Unidos, nem na Venezuela...), não impede que desmontemos os estratagemas da formação dos lucros escandalosos e ilegítimos da GALP e demais fornecedores de gasolina e gasóleo a operar no nosso país. O economista Eugénio Rosa, do PCP, fê-lo de forma clara e sucinta em dois documentos, respectivamente publicados em março e maio deste ano.
No essencial, ficamos a saber três novidades muito importantes, e que deveriam ser as principais bases de interpelação ao governo:
- que os preços do gasóleo e da gasolina produzidos em Sines são, antes de lhes serem aplicados quaisquer impostos, mais caros em Portugal do que na média da União Europeia a 15 (UE15);
- que os preços destes produtos, depois de lhes serem aplicados os impostos e taxas, continuam a ser mais caros no nosso país do que na média da UE15, não só porque os produtos refinados em Sines saem mais caros, mas ainda porque a nossa fiscalidade energética (e em especial petrolífera) é em regra mais gravosa que a da média da UE15;
- que pelo menos a GALP especula com a subida dos preços do crude, tendo ficado demonstrado já que essa especulação lhe valeu um sobre-lucro de 21 milhões de euros no primeiro trimestre de 2007, e um sobre-lucro de 69 milhões de euros no primeiro trimestre deste ano. Ou seja, o tal "efeito stock" -- i.e., "a diferença entre o preço a que a GALP adquiriu o barril de petróleo, muito mais baixo porque foi comprado cerca de 2,5 meses antes da sua utilização, e o preço a que depois foi considerado para cálculo do preço de venda de combustíveis aos portugueses" (Eugénio Rosa) -- traduziu-se, entre o primeiro trimestre de 2007 e o primeiro trimestre de 2008, num aumento dos sobre-lucros de 286% !
Sabendo-se, por outro lado, que a refinação do crude gera, por exemplo, mais gasolina daquela que conseguimos consumir, e que portanto um tal excedente é vendido a terceiros países (nomeadamente aos Estados Unidos), sempre gostaríamos de saber a que preços saem as gasolinas de 95 e 98 octanas para tais clientes.
Provada a actividade especulativa da GALP (enfim falta que a famigerada entidade reguladora e fiscalizadora o faça!), não resta outro caminho democrático que não seja aplicar a lei ao que não poderá deixar de ser considerada uma actividade ilícita, danosa para o país e sobretudo reveladora da mais escandalosa insensibilidade de um monopólio onde o Estado português está presente com uma participação acumulada significativa: Parpública - Participações Públicas (SGPS), S.A. - 7%; e Caixa Geral de Depósitos, S.A. - 1% .
Para além deste aspecto do problema -- o preço antes de impostos é descaradamente abusivo e especulativo --, temos ainda que atacar a questão da fiscalidade.
O Estado precisa de dinheiro. Pois precisa... Resta saber para fazer o quê!
A fiscalidade imposta aos carburantes tem servido ao que parece para financiar o descalabro das SCUTs. Se o petróleo estivesse a 20 euros, com tendência para descer, ainda se poderia equacionar a ideia de usar o ISP para continuar a financiar as nossas redes de estradas e auto-estradas. Mas no panorama em que estamos, e que não vai melhorar, antes irá piorar daqui para a frente, tal ideia só poderá conduzir a péssimos resultados e sucessivos embaraços. Na situação em que nos encontramos, é realmente complicado baixar a carga fiscal aplicada aos carburantes, não aumentando em compensação outros impostos correlacionados com o transporte rodoviário... Mas uma coisa, pelo menos, devemos aprender de uma vez por todas: não é possível continuar a construir autoestradas por esse país fora, sem previamente saber se as ditas são ou não absolutamente imprescindíveis e bancáveis.
Como dizia e bem Manuela Ferreira Leite, o país precisa de atrair investimento, muito investimento. Ora investimento é precisamente coisa que neste momento não existe em nenhuma parte do planeta que não disponha de riqueza acumulada e dos famosos Fundos Soberanos! Muito menos num país depenado como o nosso. A banca está seca que nem um carapau. Temos uma dívida pública astronómica para a nossa dimensão. As corporações da justiça e da medicina são verdadeiros cancros que matam o país por dentro. Em suma, sem uma fiscalidade minimamente competitiva, não vamos a parte nenhuma. São, como diz uma crítica americana que adoro ler (Elaine Meinel Supkis) os Cornos do Dilema!
Manuela Ferreira Leite não subscreve redução do ISP
«A redução do imposto sobre as petrolíferas é algo que parece muito fácil, mas para que o Estado o consiga tem duas hipóteses - ou vai criar outro imposto ou vai reduzir uma despesa, que não se está a ver qual é» -- Manuela Ferreira Leite, 26-05-2008 - 09:00 Lusa, Sol.
Custa admiti-lo, mas Manuela Ferreira Leite tem absoluta razão no que diz sobre o ISP.
- O problema da especulação sobre o petróleo veio para ficar e é estrutural. O pico petrolífero foi atingido mais cedo do que se previa, nomeadamente no México, no Mar do Norte e na Rússia!
- Se for aliviado o ISP, qualquer governo irá buscar noutro canto a receita fiscal perdida, estimulando as condições para uma guerra fiscal no seio da sociedade!
- Podemos actuar sobre a especulação da GALP, por razões de moralidade pública, e devemos fazê-lo; mas os resultados úteis serão ainda assim parcos no preço final de um bem cada vez mais escasso, que vai continuar a encarecer, e que não tem alternativas comerciais (i.e. mais baratas) à vista.
- Temos que aproveitar esta crise para uma revolução na eficiência energética do país, único caminho seguro para evitar o desastre. Esta alternativa política e cultural afectará tudo e todos, e será em muitos casos uma boa oportunidade para a criatividade, para a produção, para o trabalho e para novas trocas comerciais;
- Apesar de criticar asperamente o governo PS em muitos domínios, devo reconhecer que tem sido muito ágil na negociação da nossa segurança energética para o intervalo decisivo da metamorfose energética que agora começa, e que se prolongará convulsivamente até 2020, 2030... e 2050. Ano em que muita coisa terá mudado à face da Terra.
- Aos consumidores, sejam eles quais forem, uma recomendação: façam uma tabela dos gastos com gasóleo e/ou gasolina e eliminem imediatamente todas as deslocações supérfulas; depois estudem e busquem soluções que possam optimizar na vida doméstica e na vida profissional o tamanho da pegada ecológica, modificando progressivamente o modus operandi da casa, do emprego, da empresa e dos negócios.
- Manuela Ferreira Leite demonstrou na resposta que deu à questão do momento ser a personalidade credível e responsável que o PSD merece para regressar ao planalto do poder, de onde foi sendo expulso por demasiados acidentes e disparates de percurso.
- Continua a ser descoberto mais petróleo nos lençóis de profundidade do campo Tupi (desta vez a 6.773 metros), situado em pleno Atlântico, na ZEE brasileira, a 250 Km do Estado de São Paulo. Tupi é a maior reserva petrolífera encontrada no Hemisfério Ocidental desde que foi descoberto, em 1976, o grande poço de Cantarell, no Golfo do México, que entretanto já atingiu o respectivo pico produtivo.
- Petrobras detem 66% da nova parcela descoberta, a Royal Dutch Shell PLC detem 20% e a Galp Energia, 14%. -- in Steel Guru.
- Receita: faça um plano de emergência energética pessoal, reduza de forma consciente e ponderada as despesas com energia, invista o resultado da poupança em acções da Galp Energia. Não venda nos próximos anos nenhuma destas acções!
OAM 369 26-05-2008, 03:036 (última actualização 27-12-2008 23:03)