terça-feira, fevereiro 19, 2008

11S

Loose Change Final Cut
The Official Complete Version

Cinco anos depois, a verdade terrível do 11 de Setembro vai-se esclarecendo...




OAM 321 19-02-2008, 21:11

o Grande Estuário - 2

Ponte rodo-ferroviária Chelas-Barreiro (simulação)

A ponte assassina, num cinema perto de si.
Drive-in do Terreiro do Paço: sessões contínuas.

Madrid e Barcelona ligados por AVE 4ª feira
18-02-2008. "A inauguração da nova linha de AV Madrid-Barcelona, dia 20, vai constituir um êxito comercial que será um exemplo para a Europa." -- Rui Rodrigues, in Público online.

"Se não se inverter rapidamente o panorama das "coisas e das loisas" em Portugal, quando dermos por isso, já não vai haver aeroporto em Lisboa, porque vai tudo apanhar o avião, num comboio de alta velocidade, aos aeroportos de Badajoz (voos europeus e de médio curso) e de Madrid (voos de longo curso e intercontinentais). E Portugal (ou seja, nós e os nossos filhos e os nossos netos) é que fica a perder com toda esta incompetência e mediocridade..." -- Prof. Paulino Pereira (in e-mail dirigido a Rui M Vieira Santos.)

O engenheiro e professor do Instituto Superior Técnico José Manuel Viegas recusou pela segunda vez comparecer no programa Prós e Contras, de Fátima Campos Ferreira. Esta ausência, que não chegou a ser compensada pela breve intervenção irónica do arquitecto e já reformado especialista de transportes da Câmara Municipal de Lisboa, José Tudella, transformou o programa numa morna procissão de vacuidades a favor da desmiolada nova travessia do Tejo pelo chamado corredor Chelas-Barreiro. Ninguém explicou porque motivo persiste esta imbecilidade conceptual em cima da mesa, quando afinal a localização previsível do NAL será no Campo de Tiro de Alcochete; as futuras plataformas logísticas do eixo Madrid-Lisboa serão construídas em Elvas/ Caia, no Poceirão, na Bobadela, em Castanheira do Ribatejo e ainda nos portos de Sines, Setúbal e Lisboa; mais de 50% do tráfego que atravessa a Ponte 25 de Abril para Norte se dirige para os concelhos de Oeiras, Sintra e Cascais; ou a actual vereação socialista da capital nem sequer consegue afastar os automóveis das esquinas e de cima dos passeios (nem lidar com uma chuvada de três horas!), quanto mais ter uma visão minimamente convincente do futuro de Lisboa.

Lisboa é uma cidade-região, ou melhor, os seus problemas só poderão ser convenientemente pensados e atacados numa perspectiva regional. No entanto, sentar os 18 presidentes autarcas da Região de Lisboa, ou os 51 da região de Lisboa e Vale do Tejo, à mesma mesa, para pensar, é uma impossibilidade lógica. Sei do que falo, pois tentei uma vez e só compareceram 3 (três!) O que pensa ou deixa de pensar o arquitecto Manuel Salgado sobre o NAL, sobre a Portela e sobre as travessias do Tejo -- e tem pensado invariavelmente mal sobre todos estes dossiês --, é de facto irrelevante. As decisões são já demasiado cruciais para dependerem do Largo do Município. Além do mais, quem paga o grosso dos investimentos estruturantes da região é o Orçamento de Estado, pelo que será sempre o governo a decidir. Ou seja, vamos esperar pelas palavras sábias do oráculo LNEC, para então saber o que pensa Sócrates.

Se o LNEC fizer uma avaliação séria, chegará às mesmas conclusões do que qualquer pessoa com a massa cinzenta intacta: quem não tem dinheiro não tem vícios, e se dinheiro houver, será muito mais difícil de obter, mais caro e o respectivo dispêndio atentamente observado.

Nas perspectivas financeiras actuais e com a inflação galopante das commodities (petróleo, gás natural, carvão, ferro, cobre, alumínio, ouro, prata, açucar, leite, arroz, trigo, milho, ...), a prudência aconselha a trabalhar em dois cenários, ou se se preferir, num cenário com duas fases. O mais importante e difícil de conseguir é, porém, a visão transparente dos objectivos, que no caso vertente deve mesmo ser de natureza estratégica fundamental, e por conseguinte, abarcar um horizonte nacional e internacional dos problemas a resolver. Só depois de aqui chegados, será possível e desejável definir os objectivos e as estratégias para alcançá-los. Por exemplo, no caso em apreço, a visão que proponho é a do estabelecimento de duas artérias vitais entre Portugal e a Espanha, que permitirão a formação de um bloco ibérico com duas capitais políticas claramente definidas: Madrid e Lisboa. Para construir esta nova realidade, é fundamental estabelecer o Pi (π) das comunicações rápidas entre os dois países: um longo eixo atlântico -- de Ferrol até Faro, passando pelo Porto e por Lisboa, além de Braga, Coimbra, Aveiro e Leiria --, um eixo transversal entre Aveiro e San Sebastian (Donostia), passando por Salamanca e Valladolid, e finalmente o eixo transiberiano Lisboa-Barcelona, passando por Madrid. Estas artérias, rodoviárias e ferroviárias, servirão sobretudo para coerir com coragem criativa uma economia ibérica simultaneamente projectada para o resto da Europa e para o Atlântico. As ligações aéreas entre Portugal, a grande Europa (de Lisboa a Moscovo e a Istambul) e o Norte de África, deverão ser asseguradas rapidamente por aeroportos modernos, baratos, flexíveis e com suficiente autonomia administrativa, comercial e operacional, no Porto, em Lisboa, em Faro e nas comunidades autónomas dos Açores e Madeira. As ligações intercontinentais deverão ser asseguradas sobretudo por dois aeroportos: o de Lisboa e o do Porto. Só depois de termos estas ideias claras, deveremos deixar partir os autarcas e os engenheiros para os seus sonhos de realização.

Numa óptica de economia eficiente e sustentável, as prioridades são estas:
  1. Trazer a linha de AV/VE Madrid-Lisboa (destinada a passageiros e mercadorias) até ao Pinhal Novo, onde os 4 a 6 mil passageiros/dia que nela viajarão farão o transbordo para os comboios da Fertagus, com destino a Entrecampos e Avenida de Roma, ou ao Algarve!
  2. Estabelecer a ligação desta mesma Linha AV/VE ao Norte, pela margem esquerda do rio Tejo.
  3. Adaptar a Base Aérea do Montijo para uma utilização civil e militar (à semelhança do que sucede, por exemplo, nas Lages da Ilha da Terceira), facilitando a instalação de bases operacionais para as companhias Low Cost.
  4. Manter e adaptar com pés e cabeça o Aeroporto da Portela com vista ao seu melhor aproveitamento, rendimento, segurança e conforto até, pelos menos, 2020.
  5. Dar prioridade à ligação rodo-ferroviária em túnel entre Algés e a Trafaria, aliviando assim em quase 50% o trânsito que actualmente satura a ponte 25 de Abril.
  6. Deixar para a próxima legislatura a discussão final e decisão sobre o NAL e a nova travessia ferroviária do Tejo.
O estudo que o LNEC está neste momento a desenvolver sobre as alternativas de novo atravessamento do rio Tejo deve ser tomado como um contributo para a discussão pública, e não como uma qualquer espécie de recomendação vinculativa.

A pior solução possível seria, no entanto, que o LNEC viesse a considerar o corredor Chelas-Barreiro como uma opção viável.

Os inconvenientes da TTT Chelas-Barreiro são mais do que muitos e alguns gravíssimos:

Impacto brutal:

-- um tabuleiro entre-margens com 7,5 Km de comprimento, 35 metros de largura e 10 de altura, assente em pilares distanciados 50 metros entre si atravessaria o Mar da Palha a 60 metros acima do nível da água. Como se isto não fosse já um escândalo visual, destruindo de vez o espectáculo que o estuário do Tejo oferece, nomeadamente a quem passa pelo Terreiro do Paço, no troço junto a Lisboa veríamos 4 pilares com mais de 200 metros de altura!

Custo:

-- a solução Chelas-Barreiro representaria um comprimento de ponte superior à alternativa entre Montijo-Beato na ordem dos 2Km, ou seja, o equivalente ao comprimento do tabuleiro sobre o rio da Ponte 25 de Abril;

-- a profundidade do rio Tejo na margem esquerda, onde teriam que implantar-se alguns dos pilares da TTT, elevará os custos da solução muito para além das estimativas políticas actuais;

-- não podia estar mais longe do Campo de Tiro de Alcochete;

-- a ser implementada tal solução, o Estado teria (por contrato) que indemnizar automaticamente a Lusoponte pelo tráfego perdido pela ponte Vasco da Gama.

Destruição do Porto de Lisboa:

-- a localização Chelas-Barreiro destruiria, pura e simplesmente, o Porto de Lisboa, na medida em que eliminaria a possibilidade de manobra de grandes navios ou esquadras militares na zona entre as pontes 25 de Abril e Vasco da Gama;

Mobilidade e irracionalidade económica:

-- a solução Chelas-Barreiro seria um desastre para a mobilidade no centro da capital, na medida em que despejaria diariamente dezenas de milhares de automóveis na circular interna de Lisboa que, na sua maioria, se dirigem para os concelhos de Oeiras, Cascais e Sintra;

-- esta solução seria ainda um absurdo no que se refere ao transporte de mercadorias, pois conduziria a uma invasão de contentores de toda a espécie pela capital, no seu absurdo movimento em direcção à Linha do Norte.

OAM 320 19-02-2008, 04:25

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Crise Global 12

Sarkozy e Blair
Sarkozy e Blair: nova Entente Cordiale?

Para onde vai Barroso?
Petição contra Blair

Nós, cidadãos europeus de todas as origens e inclinações políticas, desejamos expressar a nossa oposiçao total à nomeação de Tony Blair para a Presidência do Conselho da União Europeia.

O Tratado de Lisboa prevê a criação do cargo de Presidente do Conselho da União Europeia, a ser eleito pelo Conselho para um mandato de dois anos e meio, renovável uma vez. Nos termos do Tratado: "O Presidente assegura a preparação e continuidade dos trabalhos do Conselho Europeu" e "O Presidente preside aos trabalhos do Conselho Europeu e dinamiza esses trabalhos". Além disso, "O Presidente do Conselho Europeu assegura, ao seu nível e nessa qualidade, a representação externa da União nas matérias do âmbito da política externa e de segurança comum".

O futuro presidente terá portanto um papel chave na definição das políticas da União Europeia e nas relações desta com o resto do mundo. A primeira presidência possuirá ainda um peso simbólico particular, quer para os cidadãos da União Europeia, quer para a imagem da União no resto do mundo. Nesta perspectiva, cremos ser essencial que o primeiro presidente incarne o espírito e os valores do projecto europeu. (Ler texto completo da petição e assinar!)

Petição online contra a nomeação de Tony Blair para Presidente do Conselho da União Europeia
Sarkozy, o garnisé de Paris, espécie de críptico-Napoleão ridículo com perigosas simpatias pelos meandros mais sinistros do Sionismo, parece apostado em criar um novo entendimento especial com o poodle dos falcões americanos (Tony Blair), no preciso momento em que a América está a braços com a sua maior crise económica, política e cultural desde a sua Guerra Civil.

Aprendizes medíocres de Zbigniew Brzezinski, pretendem agora (tarde demais!) jogar The Grand Chessboard (1997), em vez de lerem e tirarem as devidas conclusões do último livro do politólogo polaco-americano, Second Chance (2007). Os Estados Unidos da América precisam da Europa, mas a Europa precisa ainda mais dos declinantes Estados Unidos da América, ou melhor, de toda a América, se ambos quiserem evitar simultaneamente uma perigosa fuga em frente dos WASP (defendida pelos criminosos que ocupam a Casa Branca há quase oito anos), e novas inquietações e crises no velho continente; nomeadamente no processo de avanço da União Europeia, na estabilização das tensões nacionalistas no Kosovo, Chipre e País Basco, no atraso do processo de integração europeia da Turquia, ou no indesejável isolamento da Rússia, com os consequentes perigos de colisão na Ucrânia, na Polónia, na República Checa, na Geórgia, etc.

Uma possível vitória de Barak Obama nas presidenciais americanas de 2009, alteraria certamente a favor da paz mundial as tenebrosas perspectivas de guerra que continuam a pairar de forma dantesca sobre o planeta. Votemos nela!

Vale a pena meditar nalgumas das palavras de Brzezinski, no momento em que tantos falcões por esse mundo fora conspiram a favor da aniquilação nuclear de uma parte substancial da humanidade.

How Has America Led?
In a word, badly. Though in some dimensions, such as the military, American power may be greater in 2006 than in 1991, the country's capacity to mobilize, inspire, point in a shared direction and thus shape global realities has significantly declined. Fifteen years after its coronation as global leader, America is becoming a fearful and lonely democracy in a politically antagonistic world. (...)

Will America Have a Second Chance?
Certainly. In large measure that is so because no other power is capable of playing the role that America potencially can and should play. (...)

But make no mistake: it will take years of deliberate effort and genuine skill to restore America's political credibility and legitimacy. The next president should draw strategic lessons from America's recent mistakes as well as its past sucesses. (...)

... the only way to exercise leadership is through subtle indirection and consensual rule. America's model is neither the Roman nor the British empire; perhaps in the future the Chinese may draw a more relevant lesson from their imperial past of how a deferential tributary system can work. (...)

At the onset of the global era, a dominant power has therefore no choice but to pursue a foreign policy that is truly globalist in spirit, content, and scope. Nothing could be worse for America, and eventually the world, that if American policiy were universally viewed as arrogantly imperial in a postimperial age, mired in a colonial relapse in a postcolonial time, selfishly indifferent in the face of unprecedented global interdependence, and culturally self-righteous in a religiously diverse world. The crisis of American superpower would then become terminal.

A dupla franco-britânica terá pouco futuro no cenário de uma eventual vitória de Barak Obama nas próximas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Se tal ocorrer, a América terá uma oportunidade única para se auto-reconduzir no papel de potência credível e determinante do sistema-mundial. Não já como actor hegemónico, que deixou definitivamente de ser, mas como um dos nós construtivos da futura rede multipolar de poderes que terá que preparar a humanidade para um longo e dramático ajustamento aos novos paradigmas energéticos que vierem a suceder ao término da era petrolífera e do consumismo alienado.

Para onde vai Barroso?
Entretanto, a renovação do mandato presidencial-europeu de José Manuel Durão Barroso tornou-se improvável. Primeiro, porque não haverá lugar a renovação, mas sim a alteração de estatuto e de mandato. Em vez de um Presidente da Comissão Europeia, será escolhido no final de 2009 um primeiro Presidente do Conselho da União Europeia, com nova definição de poderes, à luz do Tratado de Lisboa. Ora esta eleição, pelo seu significado simbólico, vai ser disputada entre os grandes da Europa: Alemanha, França e Reino Unido.
Segundo, porque Sarkozy e Blair já deram a conhecer os seus planos nesta matéria.
Terceiro, porque mesmo boicotando, como proponho que se boicote, esta aliança de piratas, a alternativa será, muito provavelmente, alguém oriundo de um dos três países mencionados, sendo a hipótese, também já sugerida, do antigo ministro do ambiente alemão, Joschka Fischer, uma excelente alternativa.

Isto significa que Durão Barroso terá que alinhar as suas estratégias até ao fim deste ano, ou quanto muito até à Primavera de 2009. Que opções tem diante de si? No panorama internacional, não vejo nenhuma que faça juz ao seu histórico fulgurante e à sua ainda relativa juventude. Pelo contrário, se e em caso de um regresso táctico à política portuguesa, numa altura em que o governo socratintas estará de rastos, e o PPD/PSD também, ele terá todas as possibilidades de agendar uma entrada triunfal em Roma (perdão em Lisboa.) O cenário é tanto mais interessante de seguir quanto Portugal, num contexto ibérico mais equilibrado, tem muitíssimo que fazer no intenso trabalho de religação estratégica entre os Estados Unidos (de Obama?) e uma Europa liberta do poodle inglês e do garnisé de Paris. A situação geográfica de Portugal volta a ser essencial para os jogos políticos mundiais. Os Espanhois sabem disso. Os Chineses sabem disso. Os Angolanos sabem disso. Os Americanos e Ingleses, claro está, sabem disso. E nós, saberemos?


OAM 319 14-02-2008, 14:39

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Portugal 19

Manuel Alegre (Foto: Rui Gaudêncio/Público)
Manuel Alegre (Foto: Rui Gaudêncio/Público)

Afinal a Esquerda ainda existe!
"Não me desafiem para coisas que é perigoso desafiar-me. Não me desafiem para eleições de secretariado, ou para congressos. Eu já fui a um congresso do Partido Socialista e sei como é", afirmou Manuel Alegre, num recado à liderança da sua formação política. "Se me desafiam para combates dessa natureza, eu respondo: vou às urnas, mas no país. Irei às urnas no país", avisou. -- Público, 09-02--2008.

Gordon Brown acaba de incluir estatisticamente no sector público britânico o banco Northern Rock, cuja dívida ascende a 6,7% do PIB inglês! O G7 -- Alemanha, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Reino Unido e Canadá --, anunciou que vai promover a venda de ouro em Abril, como forma de contrariar a imparável valorização dos metais preciosos, esperando com tal medida estimular a economia pela via do investimento e da circulação de capitais. O que na realidade irá acontecer será um ainda maior incremento das reservas de ouro acumuladas por países como a China, o Japão, a Rússia e a Índia! Por sua vez, Jean-Claude Trichet parece decidido a baixar as taxas de juro na Europa, correspondendo assim às pressões contínuas dos sectores bancário e financeiro, que por esta via de emergência esperam ganhar tempo para tapar a brutal erupção de dívidas incobráveis produzidas pela economia virtual de que foram promotores. Também aqui, o efeito da medida será contraproducente, recaindo negativamente sobre os povos europeus, na forma de uma inflação acrescida e de uma já inevitável recessão. Ao contrário do que alguns acreditam, a mais do que provável baixa da taxa de referência do Banco Central Europeu não se traduzirá num aumento do crédito disponível, excepto para aqueles que são os principais responsáveis pela brutal crise económica em que estamos metidos! Ou seja, baixar o preço do dinheiro servirá apenas para aumentar o endividamento geral do Ocidente e o próprio agravamento da actual crise de liquidez. O ouro vai-se e com ele vão também as poupanças em busca de mercados mais rentáveis. A China e os países emergentes agradecem!

Enquanto isto acontece no mundo, os portugueses sofrem já os efeitos dolorosos da globalização especulativa que marcou a desconstrução do capitalismo mundial ao longo da última década e meia. O grau de endividamento da sua economia é desastroso. O regresso da emigração é uma vergonha e o sinal mais evidente do fracasso de quem tem governado. A corrupção mete medo! Em suma, a iminente implosão do actual sistema partidário revela até que ponto sair desta crise implica uma nova visão do futuro e uma reestruturação radical do actual regime político.

A contradição gritante entre o governo que temos e os fundamentos originais do partido de onde saiu e que o suporta será porventura causadora da primeira grande ruptura partidária que fará mudar o actual sistema partidário, desde logo aumentando o número de formações partidárias com efectivas possibilidade de representação parlamentar, de modo a reflectir a diversidade ideológica actual, que em muito pouco coincide já com os velhos modelos maniqueístas do século 20.

O PS foi capturado por uma tríade de piratas entusiasmados com o catecismo da globalização e convencidos de que o socialismo e a esquerda em geral haviam sido derrotados no dia em que caira o Muro de Berlim. Enganaram-se. Se olharem bem para o mundo, verão uma América a definhar, uma Europa em dificuldades e, em sentido contrário, uma Rússia a recuperar, o capitalismo de Estado em plena efervescência no Médio Oriente e em países como Angola, Bolívia e Venezuela, e ainda a China a caminho da supremacia! Tudo, por conseguinte, ao contrário da agenda neoliberal adorada pelos bonecreiros que movem o insustentável Sócrates.

Não há nenhuma mão invisível do mercado, como ficou uma vez mais demonstrado pela actual crise financeira mundial. O que há e sempre houve no capitalismo moderno é o proteccionismo de um sistema financeiro imperial, custe o que custar. A crise provocada pelo fim da bolha imobiliária irá custar milhões de milhões de euros, durante muitas dezenas de anos, a todos nós. Mas pior do que o preço económico, será o preço humano que a humanidade poderá ter que pagar se, entretanto, a conspiração em curso para o desencadeamento de uma III Guerra Mundial triunfar. Espero que Barak Obama vença as eleições americanas. Se tal ocorrer, poderemos talvez parar os cavaleiros negros do Apocalipse.

Em Portugal, se conseguirmos travar os piratas que puseram o Senhor Sócrates no poder, refundando de caminho a democracia portuguesa -- e há gente, nomeadamente no Partido Socialista, capaz de tamanho desafio--, então nem tudo estará perdido. A coragem demonstrada pelo poeta-político Manuel Alegre enche-nos de esperança.

OAM 309 11-02-2008, 03:52

domingo, fevereiro 10, 2008

o Grande Estuário

Vista do estuário do Tejo e da ponte Vasco da Gama, de Alcochete
Vista do estuário do Tejo e da ponte Vasco da Gama, de Alcochete.

Do teimoso Cravinho à TTT

A corrupção.
A cruzada de João Cravinho contra a corrupção é admirável e revela um homem corajoso com princípios bem assentes. Apoio-o inteiramente nesta guerra, que não podemos adiar, sob pena de vermos o país transformado numa paisagem siciliana atravancada de Sopranos e governada por uma tríade de piratas! A indignação pública contra esta epidemia que nos definha tem vindo a crescer, o que não deixa de ser uma boa notícia. Mas como há muito escrevi, enquanto não virmos um empresário ou banqueiro dos grandes e meia dúzia de políticos na prisão, ou expulsos da política por indecência e má figura, tudo não passará de fogo de vista e intenção piedosa. Enquanto a polícia (ela própria corroída pela mesma doença), os tribunais (pejados de vícios burocráticos e corporativistas execráveis) e os advogados (onde assomam individualidades promiscuas, se não mesmo mafiosas, cujo mediatismo é por vezes proporcional à impunidade de que gozam) não remarem para o mesmo lado - isto é, para o lado da Justiça -, não haverá verdadeira mudança de atitude. Muito pelo contrário! Se os processos anti-corrupção não obtiverem resultados tranquilizadores em tempo razoável, prevalecerá a ideia de que o ilícito compensa, sobretudo se praticado pelos ricos e poderosos. Os crimes têm que ser punidos e sobretudo prevenidos. Se o tempo do castigo decorre ainda da proverbial lentidão dos processos judiciais, já o tempo da precaução e da prevenção, isto é da criação de leis, de regras e de consensos subjectivos assumidos socialmente, pode e deve ser encurtado drasticamente, em nome da absoluta necessidade de estancar a actual tendência aparentemente irreprimível para o cabotinismo, o nepotismo e a corrupção (1).

A leviandade sobre aeroportos e ferrovias.
Há porém outra doença na nossa democracia que pode ser tão ou mais letal: a leviandade. Trata-se de um mal que afecta uma franja crescente de altos responsáveis administrativos, técnicos e sobretudo políticos. Quase sempre ignorantes das coisas práticas da vida que não acontecem no regaço do Estado, adquiriram o péssimo hábito de dizer e fazer (ou tentar fazer) o que lhes vem à cabeça, ou é soprado do Além! É o caso da obsessão de João Cravinho pela Ota, e tem sido também o caso da telenovela produzida pelo MOPTC, protagonizada por Mário Lino e agora também pela sua tão ambiciosa quanto ignorante ajudante de campo, Ana Paula Vitorino.

Cravinho continua sem perceber que o fecho do aeroporto da Portela, em nome da construção dum Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) na Ota, seria um desastre monumental, sob todos os pontos de vista! E continua sem perceber a essência escondida de toda esta polémica, ou seja, que no actual contexto ibérico, europeu e euro-atlântico, terá forçosamente que haver dois, e não apenas um, eixos estruturantes do futuro protagonismo de Portugal na nova geometria estratégica europeia. É pois tão decisivo fortalecer o eixo Lisboa-Porto-Corunha, como fortalecer o eixo Lisboa-Madrid-Barcelona. O protagonismo euro-atlântico cabe de novo aos países ibéricos, mas para lá chegarmos precisamos de fortalecer a aliança ibérica em todas as suas vertentes, sem confusões e sem complexos.

Ora, para fazermos a nossa parte, resulta evidente que, depois de quase concluída a rede de autoestradas e rodovias rápidas construída nos últimos trinta e quatro anos, a prioridade deve agora inflectir para a renovação e recuperação da nossa rede ferroviária (2), estabelecendo o Pi da Alta Velocidade e da Velocidade Elevada do país e da sua ligação a Espanha e ao resto da Europa, bem como um plano acelerado de substituição da bitola ibérica, das actuais linhas férreas nacionais, para a bitola standard europeia.

Por outro lado, no que refere ao transporte aéreo, a principal prioridade nem sequer é construir um novo aeroporto internacional, e muito menos a cidade aeroportuária defendida à toa por Augusto Mateus - o mesmo que estudou, cobrou e agora deveria ser responsabilizado pelo aeromoscas de Beja!

Atender às verdadeiras prioridades deste sector passa por decisões simples e muito menos caras de executar. Passa por despedir a actual e desastrosa administração da ANA e por fracturar esta instituição estatal em três entidades regionais (ANA-Sul, ANA-Norte e ANA-Ilhas). Passa por explorar imediatamente o potencial todavia existente no aeroporto da Portela. Passa por melhorar a operacionalidade das aeronaves no aeroporto Sá Carneiro, resolvendo o problema técnico gritante do respectivo Taxi way. Passa por desbloquear os entraves sucessiva e reiteradamente levantados às companhias de Low Cost que pretendem operar ou incrementar a sua presença nos aeroportos do continente e ilhas. Passa por manter o NAL de Alcochete em banho-maria, pronto a avançar caso se verifique que a recessão mundial que aí vem e o pico petrolífero não passam de uma invenção pérfida da Al-Qaeda! Passa por uma dolorosa mas inevitável racionalização da TAP, e pela busca de um solução de viabilidade para esta histórica companhia. E pode passar ainda, se for preciso, pela utilização complementar da Base Aérea do Montijo, oferecendo aí novas plataformas operacionais às companhias Low Cost.

A Terceira Travessia do Tejo (TTT)
A previsão do preço do petróleo para 10 de Fevereiro de 2009 era de US$119,22. Isto significa que, não apenas o petróleo e o gás natural deixaram de ser recursos baratos, mas também o ferro, o cimento, o PVC, tal como o pão e o leite, estarão dentro de um ano proporcionalmente mais caros. Seria aliás interessante as nossas universidades estudarem que parte desta inflação estrutural-global tem vindo a influenciar a sistemática derrapagem dos orçamentos das obras públicas, já que os preços das principais matérias-primas sobem diariamente! Ou seja, tal como no caso do NAL, a TTT terá que ser equacionada tendo bem presente o adverso contexto sistémico que aí vem.

Para já, precisamos de uma ponte ferroviária - apenas ferroviária - que permita ao AVE chegar à cidade de Lisboa. O corredor mais lógico e com menos impacte ambiental é o que se aproxima da actual ponte Vasco da Gama, ligando o Pinhal Novo à futura estação ferroviária central de Lisboa, algures no vale de Chelas (ver PDF de Rui Rodrigues). Por outro lado, precisamos de mais comboios a servirem a ligação, pela ponte 25 de Abril, entre Setúbal e Lisboa. Uma eventual ligação submarina entre Algés e a Trafaria, para carros e metropolitano, tem vindo a ser proposta como fecho duma CRIL alargada à Margem Esquerda do Tejo. Faz sentido, mas a sua real viabilidade depende, tal como a necessidade de avançar já para o NAL de Alcochete, de uma avaliação mais atenta dos efeitos das crises energética e sistémica em que o mundo parece ter entrado.

A hipótese de uma ponte entre Chelas e o Barreiro, submetida entretanto à consideração técnica do LNEC, seguir em frente, seria o verdadeiro hara-kiri do Grande Estuário. Se as mentes iluminadas que vão estudar o assunto nos próximos 45 dias (ler despacho governamental), não repararem no óbvio, teremos nova frente de luta contra o dromedário-mor do reino!



NOTAS
  1. 12-02-2008. Portugal tem elevados níveis de corrupção e má governança, mas não se encontra no topo da tabela, longe disso. Daí que seja importante, no debate em curso, fazer uma avaliação aprofundada e sobretudo bem documentada do problema. A breve comparação sumária que se segue serve apenas de mote a uma percepção mais aprofundada, que os documentos a seguir indicados ajudarão certamente a construir. Nos estudos abaixo sugeridos não constam, porém, os grandes jogos político-financeiros, de que a actual crise internacional é reflexo directo, e que, bem vistas as coisas, constituem um imenso continente de corrupção disfarçada sob as máscaras da política económica e da suposta idoneidade das instituições financeiras e bancárias mundiais.

    Índice de corrupção segundo o Banco Mundial
    Corporate Corruption / Ethics Indices (Theoretical range of indices 0-100%)

    Alemanha | Portugal | Espanha | Angola

    1 - Corporate Illegal Corruption Index -- 85,5 | 68,2 | 62,2 | 18,3
    2 - Corporate Legal Corruption Index -- 62,4 | 42,0 | 39,7 | 30,7
    3 - Corporate Ethics Index (1+2) -- 73,7 | 55,1 | 51,0 | 24,5
    4 - Public Sector Ethics Index -- 74,3 | 60,4 | 59,4 | 13,7
    5 - Judicial / Legal Effectiveness -- 85,5 | 65,0 | 53,0 | 15,5
    6 - Corporate Governance Index -- 90,8 | 49,5 | 52,4 | 15,4

    Referências

    -- Corporate Corruption / Ethics Indices: Country Averages
    -- World Bank Institute Governance & Anti-Corruption
    -- SSRN-Corruption, Governance and Security: Challenges for the Rich Countries and the World by Daniel Kaufmann
    -- SSRN-Governance Matters VI: Governance Indicators for 1996-2006 by Daniel Kaufmann, Aart Kraay, Massimo Mastruzzi

  2. 11-02-2008. A este propósito não poderia ser mais instrutivo comparar a política de transportes da Espanha com o cretinismo decisório das maiorias que nos têm governado ultimamente. A Espanha terá em 2010 a maior rede de Alta Velocidade e Velocidade Elevada do mundo! Esta ambiciosa decisão estratégica reduzirá drasticamente a pressão insustentável do transporte aéreo, fortalecendo de forma sábia e multiplicadora a sua ameaçada coesão territorial. As ligações AV entre Madrid e Sevilha, desde 23 de Dezembro passado, entre Madrid e Málaga, e a chegada técnica do primeiro AVE Siemens S-103 a Barcelona na passada Sexta-Feira, irão demonstrar o efeito previsto da competição crescente que a ferrovia fará ao transporte aéreo em distâncias até 800Km e sobretudo nas ligações regionais e interregionais. As actuais taxas de crescimento do tráfego aéreo cairão, só pelo efeito deste tipo de concorrência, para metade. O mesmo ocorrerá na Portela, seja por efeito da concorrência imparável das companhias de Low Cost no Porto, em Faro, no Funchal e em Ponta Delgada, seja por efeito das futuras ligações ferroviárias de AV/VE entre Lisboa e Madrid, e entre Lisboa e o Porto. Recomendo sobre este tema o mais recente artigo de Rui Rodrigues, Portela ultrapassa Málaga, publicado hoje no Público online. Especial atenção para o vídeo promocional do governo espanhol sobre a rede de Alta Velocidade, apontado na versão PDF do mesmo artigo.

    Os nossos levianos governantes têm que aprender de uma vez por todas que um atraso dramático relativamente à Espanha terá consequências dramáticas no país. Desde logo, pela drenagem inevitável de recursos humanos e económicos para o país vizinho. Por outro lado, têm que perceber que, sobretudo num país pobre como o nosso, a eficiência na energia, na mobilidade, na administração e na justiça, valem mais do que todos os Quadros Comunitários de Apoio desperdiçados e por vir.


OAM 308 10-02-2008, 04:56

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Portugal 18

Medina Carreira, Miguel Sousa Tavares, Garcia Leandro, António Marinho Pinto, Maria José Morgado, José Silva Lopes
Medina Carreira, Miguel Sousa Tavares, Garcia Leandro, António Marinho Pinto, Maria José
Morgado, José Silva Lopes. Uma multitude crescente de vozes contra a gangrena do regime.


Que venha a Quarta República!
O
regime encontra-se à beira de um colapso de credibilidade. É preciso salvá-lo e já!

A consenso sobre o iminente colapso de credibilidade que ameaça o actual regime político cresce dia a dia. As declarações do general Garcia Leandro, director do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, referindo a proximidade dramática de uma explosão social em Portugal (à semelhança das que têm vindo a ocorrer em França, Dinamarca, Alemanha, Itália...) se não forem introduzidas medidas urgentes de moralização do regime, depois das vozes quase em uníssono do Presidente Cavaco Silva, do Bastonário da Ordem dos Advogados (António Marinho Pinto) e da Procuradora Maria José Morgado, levantam uma questão muito séria a todos nós: como reverter a gangrena que alastra no corpo da nossa democracia, ameaçando-a de morte certa, se persistirem a passividade e o calculismo oportunista? O general e antigo governador de Macau adiantou que não devemos esperar que cardeais ou militares venham acudir à crise. Tem razão, pelo menos enquanto a União Europeia se aguentar.

Tenho vindo a escrever sobre este mesmo esgotamento há pelo menos dois anos. Os partidos com assento parlamentar, à excepção do PCP (onde ainda se descortina um nexo sociológico), não representam ninguém, a não ser as suas próprias cliques, burocracias e clientelas imediatas; não representam nada, a não ser as pressões dos parasitas económico-financeiros que vivem do erário público e dos fundos comunitários. Perderam, em suma, qualquer respeito eleitoral e democrático. A abstenção da geração de 60 e 70 aumenta em cada eleição que passa, e os jovens não ligam peva aos políticos que temos. A credibilidade dos partidos do arco parlamentar é, por conseguinte, nula. E fora deste arco apenas existe um folclore vago, risível e destinado à extinção.

Como se esta evidência não fosse já demasiado grave, multiplicam-se os episódios de falta de ética, de descaramento e de corrupção, fazendo sobretudo tabela nos aparelhos e personalidades do PS, do PSD e do PP. O actual primeiro ministro é protagonizado por uma personalidade lamentável. Por sua vez, o seu opositor directo não passa dum zombie vagueando entre os fantasmas do seu escavacado partido. Dada a gravidade da situação económico-financeira e social, uma tão flagrante falta de liderança conduzir-nos-à ao desastre. A menos que sejamos capazes de injectar novo ânimo na democracia portuguesa.

Tenho defendido que existem basicamente duas saídas para o bloqueio sistémico com que o actual regime democrático está confrontado: ou através do aparecimento de novas formações partidárias, oriundas de cisões e reagrupamentos envolvendo os actuais partidos com assento parlamentar, ou através duma viragem presidencialista do actual regime.

Se a primeira hipótese não ocorrer em breve, a segunda será reclamada a gritos pela maioria dos portugueses às portas de Belém, ainda antes das próximas eleições legislativas! O precedente constitucional para uma demissão do actual governo por parte do Presidente da República já existe, pelo que dependerá apenas deste último, assim que o clamor popular o exija, a decisão sobre o momento de demitir Sócrates e convidar o PS a propor novo candidato a primeiro-ministro. Se tal vier a acontecer, o Partido Socialista terá então que propor uma personalidade consentânea com os parâmetros impostos por Cavaco Silva. Passaremos então a ter um regime presidencialista europeu de tipo francês, na sua variante lusitana, sem sequer precisar de proceder a qualquer revisão constitucional.

O problema da primeira hipótese, por sua vez, reside no seu modus operandi. Como e quando poderia ocorrer uma reestruturação tão radical como a proposta e necessária no actual panorama partidário? Esperar pela formação de tendências e por congressos? Não há tempo para tal! Confiar, no caso do PS, em Manuel Alegre? Pura ilusão! Aguardar, no caso do PSD, por Durão Barroso? Tarde demais! Então como? Pois só há uma saída atempada, simples e digna: que uma ou mais figuras de referência de qualquer dos partidos com assento parlamentar, a começar pelo PS ou pelo PSD, entreguem os respectivos cartões de militantes e anunciem, em nome das ideias e da ética, a formação de novos partidos, pedindo a quem com eles se identificar, que subscreva a necessária modificação do actual espectro partidário. Parece simples e é simples. Basta decisão e coragem. O povo está à espera!

Chegou a hora da clarificação democrática do regime, por exigência ética, política e patriótica. Que venha a Quarta República!

OAM 307 05-02-2008, 03:20

domingo, fevereiro 03, 2008

Socrates 17

Vital Moreira e a síndrome estalinista

Não está em causa o assassínio de um deficiente de carácter, mas apenas uma excisão terapêutica necessária à sanidade democrática do actual sistema político!

"(...) declaro por minha honra (...) que pertenço ao quadro técnico da firma Sebastião dos Santos Goulão, Industrial de Construção Civil, na qual exerço as funções que competem à minha profissão por forma efectiva e permanente (...)." -- José Sócrates, 13-04-1992.

Nesta altura, já no decurso da VI Legislatura, José Sócrates, mediante um novo requerimento, já estava a receber, desde Janeiro de 1992, o subsídio de exclusividade que manteve até ao fim do mandato, em 1995.

As relações profissionais de Sócrates com aquela firma não foram, no entanto, além de Abril de 1992, na medida em que a Comissão de Alvarás de Empresas de Obras Públicas e Particulares (actual Instituto da Construção e do Imobiliário) recusou o nome do então deputado como responsável pelo renovação do alvará da empresa (garante da sua capacidade técnica), por não ter sido junto ao processo o respectivo certificado de habilitações ou a carteira profissional de engenheiro técnico civil. -- in Público, 02-02-2008.

"Sem fundamento" (Vital Moreira e a defesa espontânea de Sócrates)

Em mais um episódio do seu reiterado requisitório contra o Primeiro-Ministro, o Público vem agora acusá-lo de ter acumulado ilicitamente a percepção de um subsídio de exclusividade enquanto deputado com a prática de actos profissionais.
Mas não tem razão. O Estatuto dos deputados não define o conceito de exclusividade, que por isso deve ser "densificado" por analogia com os demais regimes de exclusividade existentes na nossa legislação. Ora, sobretudo quando se trata de ligar a exclusividade ao benefício de suplementos remuneratórios, os regimes paralelos -- como os dirigentes da Administração Pública e os professores universitários -- só proíbem a prática de outros actos remunerados, não excluindo portanto actividades não remuneradas. A própria Constituição admite a conciliação da exclusividade dos juízes com o desempenho de certas actividades, desde que não remuneradas.

Não existe nenhuma razão para não aplicar esta doutrina aos deputados, sendo aliás essa, desde sempre, a interpretação dada a tal norma pelos serviços da AR. De resto, foi ao abrigo da analogia com aquelas mesmas situações que um Parecer da PGR de 1991, justamente a propósito dos deputados, admitiu mesmo a compatibilidade da exclusividade com certas actividades remuneradas (como direitos de autor, pagamento de conferências, etc.)

Por conseguinte, se Sócrates não recebeu remuneração pelos actos profissionais referidos -- como ele já asseverou publicamente -- a acusação que lhe é feita não tem sustentação. A não ser que haja prova em contrário, acusações tão categóricas e tão graves como estas podem ser facilmente tomadas como um deliberado exercício de "character assassination". -- in Causa Nossa (links 1, 2, 3, 4)


Se passarmos em revista os estalinistas ao serviço da actual maioria governamental -- Vital Moreira, Mário Lino, Jorge Coelho, Isabel Pires de Lima, etc. -- verificamos facilmente que sofrem todos de uma espécie de síndrome de Moscovo, ou de Pequim, que os impede regressar à inocência e liberdade interior das suas juventudes. Como que amaldiçoados pela estirpe europeia ou asiática do estalinismo, apenas conseguem funcionar em um de dois estados binários: o estado de dono e o estado de voz do dono. No primeiro caso, falha-lhes, como se de uma alteração genética se tratasse, a capacidade de entender filosoficamente a ideia de liberdade, sendo por isso incapazes de admitir nos outros qualquer direito de autonomia. Pior ainda: o outro aparece-lhes sempre na forma de uma ameaça, que urge destruir. Neste sentido, pode dizer-se que um estalinista na posição de comando comporta-se quase sempre como o deus grego Cronos. A sua obsessão é apenas uma: a da sobrevivência. E para tal, estão dispostos a comer os próprios filhos!

Ocorre porém que o estado de dono (José Estaline, Mao Tse-tung, Pol Pot, etc.) é bem mais raro que o estado de voz do dono. Felizmente para a humanidade, claro! Esta espécie de hipertrofia narcisista, semelhante aos transtornos bipolares, manifesta-se ora como desejo eufórico e destruidor de poder, ora como tendência irresistível para a submissão canina diante de uma qualquer figura autoritária, ou potencialmente autoritária, ou mesmo perante a mera aparência ou simulacro do poder, desde que suficientemente verosímil. Há qualquer coisa de sadomasoquista nisto tudo!

No caso da telenovela em curso sobre as evidentes deficiências de carácter do actual primeiro-ministro, onde o que importa apurar são matérias básicas de ética comportamental, e não miudezas de jurisprudência barata, assistimos ao tremendo silêncio da casta política que nos governa e ainda, como se tal silêncio não fosse já tremendamente comprometedor da sanidade geral da nossa democracia, à metamorfose canina de um número crescente de intelectuais, técnicos, jornalistas e constitucionalistas. A argumentação de Vital Moreira sobre a inexistência de "fundamentos" para acusar José Sócrates de comportamentos incompatíveis com a responsabilidade e ética democráticas, acima citada, é o mais recente exemplo desta mitológica transformação. O promissor político que nunca foi, um dos querubins de Álvaro Cunhal que ficou pelo caminho, crendo que continua a viver num país de parvos, acaba de cunhar em autêntica prosa salazarista a mais idiota defesa formal do obviamente indefensável.

Ao contrário da estratégia de auto-vitimização desenhada pelos bonecreiros que cuidam de José Sócrates, propalando a ideia de que estamos perante uma tentativa de assassínio de carácter, em modo reality show, a verdade é que não está em causa a morte de um deficiente de carácter, mas apenas uma excisão terapêutica necessária à sanidade democrática do actual sistema político! Todo o povo entendeu, menos o Vital Moreira.


OAM 306 03-02-2008, 03:58