A primeira constatação que me leva a considerar mais seriamente a possibilidade e utilidade de se promover um movimento electrónico de opinião e pressão política é o estado terminal em que se encontra o sistema partidário português. A desorientação é completa. O oportunismo dos partidos e organizações corporativas (sindicatos e associações patronais) salta à vista. A corrupção perdeu a vergonha. Em suma, caminhamos para um perigoso colapso constitucional, sob o peso de uma dívida externa insuportável e a ameaça de pilhagem do que ainda resta da riqueza nacional, pelos muitos piratas à solta, num país sem rei nem roque, onde a justiça não passa de anedota.
Não creio, porém, que devamos copiar a filosofia e a arquitectura do sistema constitucional em vigor para a Internet. O problema da criação duma República Electrónica, ou de uma Democracia Virtual (qualquer destas designações me parece oportuna), não reside na desmaterialização dos vícios existentes, mas antes na descoberta de uma forma nova de perceber a vontade esclarecida dos povos e os interesses estratégicos de cada território ou rede de cidadania.
Daí que a solução exija sobretudo um esforço preliminar de conceptualização, e o recurso a estratégias computacionais de compilação e representação simbólica das complexas redes ideológicas e de vontade que formam o tecido social pós-contemporâneo.
Deveríamos, pois, começar pela elaboração de um mapa interactivo da blogosfera política e social portuguesa.
Se lá chegarmos, poderemos então criar um conjunto de filtros, algoritmos e formulários, com a missão de plasmar, visual e conceptualmente, as diferentes maiorias democráticas dinâmicas face aos temas importantes da vida colectiva.
Ou seja, ao contrário das hierarquias e compromissos típicos dos partidos políticos que regem a nossa república, teremos que descobrir o caminho para uma democracia automática, não coerciva, inteligente, e onde a energia das redes e a transparência cibernética substituam a manha do cacique, bem como a corrupção endémica associada à perversão burocrática que usurpou a democracia portuguesa.
Post scriptum — Acabo de conhecer o trabalho e linhas de investigação de Manuel Lima. Recentemente nomeado pela revista americana Creativity como "uma das 50 mentes mais criativas e influentes de 2009" (ler artigo sobre a nomeação), Manuel Lima é Interaction Designer, investigador e fundador de VisualComplexity.com: A visual exploration in mapping complex networks. Um dos seus projectos mais interesantes, dedicado a Portugal, chama-se Formas de Portugal. Quando falo de Democracia Virtual, estou nomeadamente a referir-me a este tipo de estratégias de cidadania baseadas no poder do conhecimento.
Ao contrário da pobreza franciscana da maioria dos sítios web institucionais do nosso país, e da pseudo independente Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos — CADA, criada em 2007, dois anos depois do prazo limite de transposição da directiva comunitária de 2003 e já com um processo do Tribunal Europeu de Justiça em cima, onde nem o sector privado, nem os consumidores, se encontram representados, como deviam, de acordo com o espírito da directiva comunitária sobre o Public Sector Information - PSI (Quick Guide - PDF), o projecto de Manuel Lima é um bom exemplo do tipo de resposta positiva que a cidadania criativa pode dar, contornando sem grande atrito a incompetência pública alimentada pelos esquemas manhosos do poder. No caso da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos — CADA, engendrado pelo Bloco Central.
"A informação pública em Portugal é de livre acesso a qualquer cidadão, no entanto está na sua maioria dispersa em longas tabelas estatísticas que dificilmente permitem o reconhecimento de padrões congruentes. Quando analisados pelos media tradicionais, que para uma grande maioria da população é o principal - senão o único - meio de acesso aos dados, estes são utilizados apenas para reforçar determinado argumento que nem sempre corresponde ao mais relevante para o domínio público. Neste sentido, é imperativo que a vasta informação pública seja filtrada e apresentada segundo um conjunto de perguntas e respostas que conduzam ao saber. Compreender a informação e transformá-la em conhecimento é uma inabalável forma de poder. E é este o principal objectivo de Formas de Portugal." — Manuel Lima.
REFERÊNCIAS
OAM 556 14-03-2009 17:20 (última actualização: 20:27)