A alternativa ao voto útil no Bloco Central é um voto inteligente no amadurecimento partidário da democracia portuguesa, permitindo sem demora que as representações parlamentares do PP e do Bloco de Esquerda entrem definitivamente na casa dos dois dígitos.
Apesar dos estragos provocados na Oposição pela máquina de mercar que tem levado a cabo a campanha governamental e partidária de José Sócrates, desde o início deste Verão, a verdade nua e crua é que a mensagem de Paulo Portas tem passado de forma excelente, as palavras de Louçã não param de angariar votos, e o texto de fundo da actual crise político-eleitoral foi acertadamente escrito e descrito, a tempo e horas, pela actual e futura líder do Partido Social Democrata, e provável próxima primeira-ministra, Manuela Ferreira Leite.
As sondagens realizadas pelos alfaiates do poder não chegam para contrariar um facto óbvio: a nomenclatura "socialista" está em pânico, pois teme, e com razões para isso, uma pesada derrota eleitoral, a que se seguirá um quase inevitável colapso partidário. O PSD, pelo contrário, fala de governabilidade e começa a pedir uma maioria confortável, pois teme chegar ao poder sem os votos necessários —somados aos do PP, claro está— para fazer aprovar o próximo Orçamento de Estado. E no entanto, o que está felizmente em causa é a possibilidade real de a democracia portuguesa evoluir para um patamar de maturidade onde nem as maiorias absolutas (que são sempre, nas actuais circunstâncias, absolutamente arrogantes e autoritárias), nem o rotativismo corrupto do Bloco Central, fazem qualquer falta ou sentido.
Muito dificilmente deixaremos de assistir à implosão, pelo menos parcial, e provavelmente simultânea, dos dois principais partidos do Bloco Central: PS e PSD. Se o Bloco de Esquerda chegar aos 12%-14%, e se o PP chegar aos 10%, teremos pela certa, e pela primeira vez desde o fim do período pré-revolucionário que se seguiu à rebelião de 25 de Abril de 1974, uma transformação radical do sistema partidário em que assenta a nossa democracia. Ora esta mais do que verosímil possibilidade é uma excelente notícia, que todos os democratas e patriotas devem saudar, sobretudo num momento em que as dificuldades económicas, financeiras e sociais são muito sérias e tendem, para mal da maioria de nós, piorar sem apelo nem agravo ao longo dos próximos dois ou mais anos. Só um regime democrático, capaz de melhor representar as diferenças existentes entre todos nós, será necessariamente mais responsável do que aquele que agora, exangue, busca desesperadamente evitar uma emergência presidencialista. É pois a possibilidade deste novo equilíbrio democrático que preocupa e move como nunca os eleitores portugueses. Há uma preocupação séria no ar. Como há muito não acontecia, os cidadãos querem perceber, querem fazer uma escolha certeira, querem coragem, sabedoria, equilíbrio, ponderação, justiça e... governabilidade!
Os cenários que podemos esperar depois do dia 27 de Setembro são basicamente quatro:
- o PSD ganha as eleições com uma maioria confortável, ficando dependente apenas do apoio de um dos partidos da Oposição;
- o PSD ganha as eleições com maioria escassa, i.e. sem garantias de poder fazer passar o próximo Orçamento de Estado, ficando assim na dependência quase certa do PP;
- o PS consegue ganhar as eleições por um voto, ficando inevitavelmente na dependência extrema das vozes e dos votos da Oposição;
- o PS surpreende e tem uma maioria relativa confortável, ficando pendente apenas do apoio de um dos partidos da Oposição.
O segundo cenário, muito instável, provocará agitação interna no PSD, a que se seguirá uma provável exclusão dos agitadores a soldo de Santana Lopes (que entretanto perderá Lisboa para António Costa e Helena Roseta). Esta cisão poderá espevitar uma outra cisão: a do próprio PS, então a braços com o processo de excisão de José Sócrates e da Tríade de Macau...
O terceiro cenário, muito instável (mas mais favorável ao PSD do que parece), levará o Partido Socialista a uma cisão quase imediata, com parte importante dos militantes ideologicamente mais convictos e eticamente exigentes a passarem-se com armas e bagagens (mas sem Alegre, claro!) para o Bloco e Esquerda. O governo do insuportável papagaio das Beiras sucumbirá em menos de um ano à sua própria pequenez mental e desorientação organizativa — dando então lugar a uma maioria confortável de Manuela Ferreira Leite, a qual, antes que seja tarde e por via das dúvidas, empurrará para fora do seu partido os agitadores neoliberais Pedro Passos Coelho e Miguel Relvas, capitaneados pelo desamparado teddy boy populista, Santana Lopes.
O quarto cenário, pouco provável, forçará contudo o PS de Sócrates a negociar permanentemente com um Paulo Portas absorto então numa nova grande estratégia pessoal e partidária. Apoiar-se no Bloco de Esquerda, seria o mesmo que fuzilar o partido que Francisco Louçã tão pacientemente tricotou — ou seja, uma impossibilidade teórica e prática, por mais que alguns deslumbrados bloquistas mal consigam dormir de frenesim face às expectativas sedutoras de acesso ao poder. Se o Bloco recusar, como deve, qualquer caução a José Sócrates, apressará inexoravelmente a cisão do PS a seu favor, pois um Sócrates ao colo de Portas será uma autêntica via rápida para o surgimento dum novo partido socialista, com matriz bloquista, mas expandido muito para além do previsto e num tempo fulminante, graças à afluência em massa de socialistas cansados de esperar pelo empata Alegre. Mendigar votos a Manuela Ferreira Leite está também, obviamente, fora de causa. Q.E.D.
O desejo de governabilidade é legítimo e sensato. Neste caso, porém, tal desiderato implica uma profunda alteração do nosso panorama partidário. Até que este processo de verdadeira reforma orgânica da democracia se conclua, não vejo como possa haver uma saída airosa para o bloqueio evidente do socratintismo, que não passe, desejavelmente durante toda uma legislatura, por Manuela Ferreira Leite e Paulo Portas.
Post scriptum — Francisco Louçã deveria declarar quanto antes que o BE irá promover a governabilidade dinâmica do país se os eleitores e os demais partidos com assento parlamentar assim o desejarem. Esta governabilidade dinâmica deverá, no entanto, assentar numa redistribuição mais justa e qualificada da riqueza, do trabalho disponível e das dificuldades. Esta governabilidade dinâmica exige, por outro lado, um Estado e uma Administração Pública respeitadas e com meios de acção suficientes nos domínios cruciais para a mitigação e superação da gravíssima crise em curso: Economia&Finanças, Justiça, Saúde, Segurança Social e Educação. Isto é tudo menos, claro está, um cheque em branco ao PS de Sócrates!
Declaração pessoal de interesses
Já escrevi neste blogue mais de uma vez, e repito, que tenciono votar no Bloco de Esquerda para a Assembleia da República, no próximo dia 27 de Setembro; em António Capucho (PSD), para a Câmara Municipal de Cascais; e que me candidato pelo PS+Helena Roseta à Assembleia de Freguesia de São João de Brito. Contradição? Incoerência? Nem por isso!
Há certamente muita gente por este país fora que é capaz de fazer o mesmo. O que não é vulgar é assumir a coisa. Há um tabu, que os partidos políticos alimentam como se fossemos todos imbecis e não soubéssemos distinguir as subtilezas de uma votação com os seus contornos de classe mais ou menos oportunistas e diferenças ideológicas cada vez menos claras. Em vez de cair na armadilha do "voto útil" —suplicado pateticamente pelo PS e pelo PSD—, os portugueses estão rapidamente a adoptar a praxis alternativa do que resolvi chamar "voto inteligente". Esta é certamente uma arma poderosa para mudar positivamente o rumo da democracia portuguesa. Usemo-la, pois, com a determinação estratégica que merece.
OAM 623 20-09-2009 02:08 (última actualização: 10:24)