J. Martins Pereira Coutinho
Depois do golpe militar de 25 de Abril de 1974, a TAP foi utilizada pelos sucessivos governos para a colocação de “boys” da sua confiança política, sem conhecimentos de aviação comercial. A TAP funcionava como se fosse um refeitório, onde não faltavam tachos bem recheados para alimentar oportunistas e famintos políticos.
De facto, a preocupação da maioria dos governantes não era com a competência, honestidade e isenção política, mas com o emprego e mordomias para os seus amigos e apaniguados. No poleiro governamental, também não havia competência, nem conhecimentos de aviação civil.
Lembramos, como exemplo, o caso do ex-ministro João Cravinho, que ameaçou encerrar a TAP se os pilotos continuassem com as suas reivindicações. João Cravinho exercia o poder através de ameaças e chantagens, para impedir as greves na empresa. Num período de maior agitação laboral, tentou “comprar” uma greve dos pilotos, oferecendo-lhes uma percentagem na privatização da TAP, como se fosse o dono da empresa…
Nessa altura, a TAP já era um barco à deriva. O naufrágio parecia iminente. A indisciplina laboral reinava na empresa e o buraco financeiro não deixava de aumentar. Uma mistura explosiva, que levou ao aumento da insegurança dos trabalhadores e abriu a porta da falência. Uma situação que acontece, quase sempre, quando se verifica que a empresa é mal gerida, ou quando existe irresponsabilidade e incompetência dos seus gestores.
A TAP tem sido vítima duma gestão “show off”, demasiado hermética e muito preocupada com a promoção pessoal do presidente-executivo, mas desprezando a coordenação do sector económico, administrativo e financeiro da empresa, assim como o controlo da produtividade e a disciplina do seu pessoal.
Na TAP estatal, o regabofe tem sido rei. Ninguém controla ninguém. Os abusos e a indisciplina são evidentes. Há quem se permita ausentar da empresa e ninguém lhe exige justificação pela sua ausência. Tudo é permitido. Há também quem alegue a necessidade de reuniões de serviço no estrangeiro - para viajar e pernoitar em hotéis à custa da empresa – sem qualquer exigência prévia, nem explicações, resultados, ou relatórios, desses falsos encontros profissionais.
Esta indisciplina laboral tornou-se possível, porque a gestão da empresa é fraca e incompetente. Na verdade, quando um gestor quer agradar a toda a gente e satisfazer todas as reivindicações do pessoal – permitindo-lhe fazer tudo o que quer, incluindo não trabalhar – não é um gestor, mas alguém sem perfil, ou capacidade, para defender os interesses da empresa e merecer o respeito dos bons profissionais.
Desde que foi nacionalizada, em 1975, a TAP jamais deixou de acumular elevados prejuízos, pagos com o dinheiro dos contribuintes. Ao longo do seu percurso estatal, o Estado, antes da chegada do euro, desviou para a TAP largas centenas de milhões de contos, desbaratados por gestores públicos incompetentes. Em 1993, a extinção da TAP era já uma hipótese em discussão, confirmada pelo então ministro Ferreira do Amaral, que afirmou: “a TAP tem de mostrar que é rentável ou fechar.”
Em 1994, a Comissão Europeia autorizou o Estado a colocar na TAP mais 180 milhões de contos.
Em 1989, o Governo já tinha oferecido à TAP a desafectação dos terrenos e edifícios públicos que utilizava no Aeroporto da Portela – avaliados em 17.357.569.605,30 escudos – que ficaram integrados no seu património.
Em 1998, reinava o caos na gestão da TAP. O número de funcionários aumentou de 8.200 para 9.600! A TAP tinha entre 10 e 12 aviões a mais, do que necessitava. O MNE devia à TAP 600.000 contos, referentes a viagens e fretamentos de aviões ao serviço do PR e membros do Governo, nomeadamente do então primeiro-ministro António Guterres. Apesar de tudo isto, o presidente da empresa continuou em funções. Era amigo do ministro… Em 2001, no acordo assinado entre o Governo socialista e a defunta Swissair, os interesses da TAP foram desprezados. O então ministro Ferro Rodrigues confirmou isso na Assembleia da República, quando afirmou que “o Governo não estabeleceu nenhuma cláusula penal que assegurasse os interesses portugueses”. Além desta condenável actuação, o acordo nunca foi divulgado.
Este processo, que lesou financeiramente a TAP e o Estado, foi sempre considerado um segredo de Estado. Ou seja, a governação socialista não permitiu que fossem apuradas as responsabilidades dos respectivos governantes, no ruinoso negócio com a Swissair. Perante tanta opacidade e incompetência, só por milagre a TAP poderia ser lucrativa.
Em Dezembro de 2002, escrevemos: “Hoje, a TAP, por culpa de alguns políticos e sindicalistas, está a caminho da sua destruição, com custos muito elevados para os contribuintes e o País. Para agravar a situação, o governo socialista decidiu entregar a gestão da empresa a estrangeiros, sem competência para a recuperar e salvar da falência.” Passados 13 anos desta premonição, o gestor Fernando Pinto confirmou que não tinha dinheiro para pagar salários e combustível, no fim de Novembro de 2015!
Em 2006, Fernando Pinto comprou a falida VEM, no Brasil, aparentemente sem o aval do accionista Estado. Esta empresa de manutenção tinha apenas um cliente, a falida VARIG, antes presidida por Fernando Pinto… Sem aviões para reparar, a VEM era uma empresa fantasma, com 3 mil funcionários de braços caídos.
Em Setembro de 2012, a dívida da VEM ao Estado brasileiro e as acções fiscais em curso, ultrapassavam os 300 milhões de euros! Os valores penhorados ascendiam a 21,3 milhões de euros! Não obstante esta escandalosa situação, o presidente-executivo da TAP, Fernando Pinto, afirmou que “este é um negócio que muita gente quer ter”…
Uma afirmação falaciosa, para camuflar o que se passava. Em 2010, o governo socialista criou um vasto plano de privatizações para executar até 2013, quando a dívida pública aumentava diariamente, cerca de 75 milhões de euros! Esse plano concessionava a exploração das linhas da CP e incluía a privatização da Empordef, EDP, REN, GALP, CTT, INAPA, Estaleiros Navais de Viana do Castelo, CGD, EMEF, CP Carga, ANA-Aeroportos e TAP. As receitas deste plano, até 2013, estavam orçamentadas em 6 mil milhões de euros!
Segundo o então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, o Governo tinha previsto receber mais 5 mil milhões de euros, com outras privatizações. Na altura, o ministro confessou que a verba obtida “vai nos permitir controlar o andamento da dívida pública, que irá subir gradualmente por efeito do défice elevado que teremos nos próximos anos.” Ou seja, Teixeira dos Santos confirmava a ruinosa governação socialista.
Nessa altura, a TAP pediu ao Governo uma ajuda financeira no valor de 297,5 milhões de euros. O então ministro António Mendonça confirmou a dramática situação financeira da TAP e considerou urgente a sua recapitalização. Doutro modo, segundo ele, a empresa seria “arrastada para uma ruptura financeira e da impossibilidade de solver compromissos.” Era a confirmação de que a TAP estava falida e sem dinheiro na Tesouraria.
Assim, a TAP continuou a acumular endividamentos e a ser um sorvedouro dos dinheiros públicos. Entretanto, a Comissão Europeia impediu o Estado de continuar a esbanjar dinheiro numa empresa falida. Apesar disso, para responder a necessidades imediatas de tesouraria, a Parpública injectou na TAP mais 100 milhões de euros, do erário público.
Em 2010, o então primeiro-ministro José Sócrates e o ministro Teixeira dos Santos incluíram a privatização da TAP no PEC2 e PEC4, com a concordância do então ministro António Costa, hoje secretário-geral do PS. Depois de décadas de descalabro financeiro, o Governo de Pedro Passos Coelho decidiu privatizar a TAP, como constava do Memorando que José Sócrates negociou com o FMI, BCE e União Europeia, para obter o empréstimo de 78 mil milhões de euros, depois de levar Portugal à bancarrota.
Hoje, António Costa, conhecido pelas suas contradições e irresponsabilidade política, está contra a privatização da TAP e de todas as concessões decididas pelo governo de que fez parte. António Costa esqueceu-se que foi o Partido Socialista que em 1997, 2001, 2010 e 2011, defendeu a privatização da TAP. Agora, com a ambição de chegar ao poleiro do poder, diz o contrário. Uma cambalhota perigosa, que nenhum macaco ousaria dar.
Entretanto, confirmou-se a privatização da TAP. A Parpública, depois de ameaçada pela deputada socialista, Ana Paula Vitorino, confirmou o acordo de venda de 61% do capital da TAP ao consórcio Gateway. A concretização deste acordo, permitiu a entrada de novos fundos e assegurou a estabilidade económica e financeira da TAP.
A TAP recebeu 150 milhões de euros da primeira tranche de 270 milhões de euros. O negócio é de 348 milhões de euros, dos quais 338 milhões são para a sua recapitalização. Assim, o dinheiro que entrou na TAP foi para resolver graves problemas de tesouraria, que estava sem fundos para pagar salários e combustível.
Desprezando esta situação, o Partido Socialista de António Costa, talvez por interesses ocultos, insiste que o Estado deve ter a maioria do capital da TAP, que, se não fosse privatizada, corria o risco de fechar as portas e de colocar no desemprego milhares de trabalhadores. Se isso acontecesse, o funeral da TAP seria inevitável.
Logo, tudo isto prova a falta de respeito de António Costa pela TAP e pelo dinheiro dos contribuintes. Uma falta ignóbil semelhante a tantas outras de José Sócrates, que levou Portugal à bancarrota. Por isso, não podemos deixar de lembrar que a TAP não pode continuar a ser um albergue de “boys”, ao serviço de políticos incompetentes e sem escrúpulos.
NR: Agradecemos ao autor e à revista
CARGO de nov./dez. a publicação deste artigo.