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Será legal esta publicidade num Monumento Nacional, no centro de uma cidade Património Mundial? |
Um Cartuxa 2013 por 70 euros?
As Pousadas de Portugal desde que foram entregues de mão-beijada ao Grupo Pestana vão de mal a pior (algumas até fecharam ou mudaram de mãos, como a Pousada do Marão e a de Vila Nova de Cerveira). O meu amigo espanhol insistiu, eu, contrariado, acedi, e lá fomos almoçar à Pousada dos Lóios, edifício histórico nascido nos finais do século XV, recuperado e adaptado a Pousada em 1957, mas cujo conforto e qualidade dos detalhes têm vindo a cair de ano para ano.
No tempo em que estes paradores pertenciam ao estado português, eram caros (menos para uma vasta clientela burocrática apaparicada pelo regime de Salazar), conservadores, invariavelmente bem situados, e com um serviço pouco sofisticado, mas por vezes simpático. Depois, ao serem entregues por atacado aos ditos privados, tornou-se poventura na nossa primeira PPP. Quando dá lucro, o concessionário agradece, quando não dá, a fatura vai, duma ou doutra forma, parar aos contribuintes.
Na restauração do Convento dos Lóios, a que outrora falhava a criatividade em nome da tradição gastronómica alentejana, só mesmo os empregados escapam. Tudo o resto, desde que mudaram de Chef, deriva do provincianismo avilez mais lastimável, e da praga da 'nouvelle cuisine' à portuguesa que inunda a televisão e o país desde que redescobrimos o caminho mais curto para o turismo: arrasar o que temos de bom para dar lugar ao novo riquismo e à especulação de sempre. A gentrificação que vai por esse país fora, sob os auspícios do Bloco Central e da Geringonça, é mais um maremoto que vai ajudar a destruir o que ainda resta de nosso neste país. Para já, ninguém viu nada, viu nada, ou soube de nada, como sempre. Daqui a uma década ou duas, pela certa, rezaremos por um qualquer
macron que regresse numa manhã de nevoeiro para salvar a pátria dos devoristas que a deixaram em tão irreconhecível estado de estupidez, apatia e subserviência diante dos novos donos disto tudo.
Os comes e bebes nacionais são em si mesmo um património indispensável às nossas exportações turísticas, cuja modernização urbana é necessária, mas onde seria fundamental impedir a sua destruição alarve em nome de um bando de hunos saídos dos programas e concursos de culinária que fazem parte do grande vazio televisivo que diariamente nos afoga em esterco cultural.
Mas o pior mesmo é instituir a especulação e a vigarice como modo de vida da nossa chamada indústria hoteleira. Uma garrafa de Cartuxa 2013, que na Fundação Eugénio de Almeida, a menos de 100 metros daquele
templo de tranquilidade, custa 14 euros, foi-nos debitada a 70 euros. Repito 70 euros!!!
Incrédulos, pretendemos confirmar o tamanho do assalto. Os empregados, constrangidos, confirmaram. Setenta euros.
A ameixa em cima desta Siricaia falsa é a publicidade pegada à esquina do monumento que sofre esta presença hoteleira indizível. Para quem não souber (o restaurante serviu duas mesas entre as 13:00 e as 15:00 do passado dia 29 de abril), a publicidade anuncia as suas iguarias: sardinhas em lata,
wraps com cebola, alface e milho, azeitonas, croquetes de bacalhau, presunto acompanhado com umas amostras de flor de sal e curcuma espalhada pela mesa. Esta coisa indescritível foi baptizada assim:
Alentejo Food With a Twist. What else?!
Quanto aos vinhos de 14 euros que custam 70, por agora, só mesmo para cleptocratas angolanos e distraídos como nós, que não têm o bom hábito de ler os menús antes de pedir o que quer que seja.
POST SCRIPTUM — um comentário a este post no Facebook alertou-me para o facto de haver dois Cartuxa Tinto 2013, produzidos pela
Fundação Eugénio de Almeida, a Colheita 2013, e a
Reserva 2013. O primeiro custa entre 14 e 15 euros, mas o segundo está à venda por 31,50 euros na
Garrafeira Nacional. Não sei qual nos foi servido no almoço que motivou este post. Provavelmente foi o Reserva 2013, dado que deixou uma impressão de excelência a todos os três que almoçámos juntos. A verdade é que não fui eu o anfitrião. Na dúvida, salve-se a honra do convento! Mas apenas no que toca ao
Cartuxa Tinto Reserva 2013, que custa 30 euros na Garrafeira Nacional, e 70 no restaurante da Pousada de Évora. O novo chefe está a destruir a memória do convento quando serve uma postinha de 100gr. de lombo de bacalhau a saber a badejo em cima de um lençol de migas que cabe numa colher de chá. Não é assim que se moderniza a gstaronomia alentejana!