Obras públicas: a explicação do ping-pong
Basta ver os gráficos deste estudo de 2009 do departamento americano de energia (PDF) (1), para se perceber que em 2017 autoestradas e aviões não serão certamente as melhores opções de transporte!
Cavaco quer reponderar grandes obras
"Eu entendo que faz sentido reponderar todos aqueles investimentos, públicos ou privados, na área dos bens não transaccionáveis, que tenham uma grande componente importada, isto é, que utilizem pouca produção nacional e que sejam capital intensivo, ou seja, que utilizem pouca mão de obra portuguesa" (2), sustentou. — Cavaco Silva dixit in DN, 30-04-2010.
O professor de finanças do ISEG, Cantigas Esteves, disse hoje à SIC-N que 25% do crédito bancário nacional está afectado ao sector das obras públicas, ou seja, há uma espécie de simbiose oportunista entre bancos (BES, BCP, Caixa Geral de depósitos, etc.), grandes construtoras (Mota-Engil, Teixeira Duarte, Somague, etc.) e Estado, cujo invólucro se chama Bloco Central.
Quer isto dizer que, se se anunciar o corte liminar do programa de obras públicas em curso, os construtores ficarão sem argumentos para voltarem a endividar-se —em primeiro lugar, para pagar dívidas vencidas ou a vencer proximamente, e em segundo, para preencherem e validarem a sua carteira de obras. O resultado de semelhante paralisia seria, como foi e voltará a ser, a destruição do seu valor em Bolsa e o aumento exponencial dos juros em futuros empréstimos, bem como dos prémios de risco a pagar a quem segurar operações de investimento nestas circunstâncias.
Por outro lado, se o tal programa de obras públicas for interrompido, os bancos ver-se-ão na contingência de não cobrar os créditos vencidos e a vencer proximamente dos seus clientes empreiteiros (nomeadamente da Mota-Engil).
Ora como o volume em causa é descomunal, as notações dos bancos envolvidos (nomeadamente do BES e do BCP) seriam gravemente afectadas — como aliás já foram. Por sua vez, a degradação do rating dos bancos pode ser fatal para o incesto económico-financeiro existente entre o Estado capturado pelo Bloco Central, os empreiteiros do Bloco Central e os bancos do Bloco Central, que entre si decidem, desenham e validam todo o tipo de negócios e tropelias ao interesse comum, à natureza e à própria racionalidade económica.
A drástica revisão em baixa da notação do BCP, que desde o assalto de que foi vítima pela tropa de choque da tríade de Macau, vive de sucessivos apoios financeiros dissimulados por parte do banco público (CGD), produziu entretanto um efeito indesejável para a nomenclatura que há anos arruína o país, i.e., deixou de poder avalizar operações de outros bancos! Ou seja, o que a crise bolsista e a decisão do Standard & Poor's já conseguiram foi cortar um dos cordões umbilicais da hidra tribal que há anos manipula o nosso regime político. Fizeram pois mais numa semana do que o PCP e o Bloco de Esquerda fizeram nas suas dogmáticas e imprestáveis vidas partidárias.
Percebe-se agora a dificuldade, e o comportamento das araras governamentais, a catatonia presidencial e as contradições entre Passos Coelho e Paulo Rangel. Se anunciam o fim das "grandes obras", sem mais, os mercados atiram com as construtoras para o lixo, ou comem-nas ao pequeno-almoço (como sucedeu à Cimpor — uma cimenteira do mesmo ninho de interesses.) Se, por outro lado, insistem que vamos ter TGV, aeroporto, autoestradas e barragens, os detentores estrangeiros de 74% a 85% nossa dívida pública (!) fazem disparar os juros da mesma e ameaçam bloquear o acesso de Portugal a novos empréstimos soberanos, com isso arrastando imediatamente a banca portuguesa para a falência, e o país para o caos social.
Este é o dilema que temos vindo a viver, que a polémica em volta das "grandes obras" traduz sem revelar, e que obriga os distintos actores do drama em curso —banqueiros, construtores, governantes e partidos políticos— a rodopiarem como baratas tontas numa sertã com azeite a escaldar.
É claro que a EDP, dirigida pelo petulante Mexia, com os seus mais de 18 mil milhões de euros de dívida acumulada, no fim da presente crise será tudo menos portuguesa. Nessa altura chamá-lo-emos a devolver os prémios e as mordomias, com juros!
Já pouco depende de nós. Mas o pouco ainda assim é importante. É preciso rejeitar e depois substituir o actual regime político. Por outro regime democrático, certamente. Mas prendendo primeiro o bando de ladrões e de incompetentes que até agora nos tem arruinado.
NOTAS
- US military warns oil output may dip causing massive shortages by 2015
By Terry Macalister, guardian.co.uk, Sunday 11 April 2010 18.47 BST
• Shortfall could reach 10m barrels a day, report says
• Cost of crude oil is predicted to top $100 a barrel
"By 2012, surplus oil production capacity could entirely disappear, and as early as 2015, the shortfall in output could reach nearly 10 million barrels per day," says the report, which has a foreword by a senior commander, General James N Mattis.
Energy minister will hold summit to calm rising fears over peak oil
guardian.co.uk, Sunday 21 March 2010 19.36 GMT
Amrita Sen, an oil analyst at Barclays Capital, believes the price of crude could pass $100 this year and reach nearly $140 by 2015. Francisco Blanch, of Bank of America Merrill Lynch, has speculated it could hit $150 within four years.
2010 Oil Crunch Report
By Industry Task force on Peak Oil & Energy Security
The credit crunch of 2008 foreshadowed major economic, political and social upheaval. It stress- tested the responses of governments, policy-makers and businesses to the extreme. If only there had been greater time to prepare for its impact and a greater level of understanding about the issues. The next five years will see us face another crunch - the oil crunch. This time, we do have the chance to prepare. The challenge is to use that time well. (LINK)
- Cavaco Silva prefere o novo aeroporto e até uma ou outra estrada mais (para completar a rede nacional de autoestradas e respectivas ligações à rede de estradas nacionais e principais localidades do país) ao plano ferroviário de alta velocidade.
Do ponto de vista económico, não faz sentido algum.
Em primeiro lugar, porque os transportes rodoviário e aéreo dependem de uma fonte energética em declínio (ver notícia sobre a catástrofe ambiental no Golfo do México), cada vez mais cara, e geradora da nossa maior dependência económico-diplomática externa.
Em segundo lugar, porque a introdução crescente de portagens rodoviárias e de taxas aeroportuárias a la carte (na Ryanair paga-se por cada embrulho transportado, e em breve até para ir à casa de banho — só falta exigir dos passageiros que limpem o avião antes de abandonarem a cabine!) revelam claramente o encarecimento objectivo destas opções de mobilidade.
E em terceiro lugar, porque este género de aposta no emprego local reflecte uma visão medíocre da nossa economia, na medida em que destaca o trabalho não qualificado e promove um tipo de efeito reprodutor na economia pobre e transitório.
Pelo contrário, uma aposta na rede ferroviária de bitola europeia, para transporte ferroviário de passageiros, em alta velocidade ou velocidade elevada, e de mercadorias, em velocidade moderada, além de integrar Portugal na rede comunitária de transporte ferroviário, permitiria, se bem negociado com Espanha, França, Alemanha, Canadá e Suíça (países cujas tecnologias servem à partida o mix tecnológico do paradigma de transporte ferroviário internacional, interurbano, suburbano e citadino), a criação dum novo cluster industrial e pós-industrial no nosso país, com pontes possíveis ao novo cluster da economia do mar (a criar urgentemente!)
O transporte automóvel individual movido a petróleo e gás natural, ou a biodiesel, está condenado, ou pelo menos vai reduzir-se drasticamente no prazo de uma década ou menos. A ferrovia, o teletrabalho e a substituição das economias de crescimento intensivo por economias e cidades sustentáveis, são os novos paradigmas em formação. Iremos muito em breve mudar o nosso estilo de vida, quer queiramos quer não. Aos políticos cumpre ver o futuro próximo e agir em conformidade, sob pena de condenarem os povos que dirigem ao insucesso.
Resta, pois, uma explicação para a aposta de Cavaco Silva, e de muitos outros estrategos domésticos: travar os planos da Espanha relativamente ao nosso país, com o argumento, aliás certeiro, de que o transporte de mercadorias em bitola europeia não chegará a França antes de 2020 —pelo que o principal beneficiado da estratégia ferroviária ibérica seria, no imediato, a Espanha, continuando Portugal longe da Europa além Pirinéus. Como não podemos investir em tudo ao mesmo tempo, a prioridade portuguesa transitaria, por assim dizer, da nova ferrovia para os portos marítimos e os aeroportos. Dada a histórica e persistente resistência (cultural e estratégica) da Espanha ao consumo dos nossos produtos, e o previsível retorno a Portugal de dezenas/centenas de milhar de emigrantes portugueses que permanente ou intermitentemente trabalham em Espanha, não vejo como rejeitar a posição presidencial, cujos contornos são de natureza sobretudo política.
Quando a Espanha estiver efectivamente ligada ao resto da Europa por vias ferroviárias em bitola europeia, continuará certamente interessada em chegar aos portos de mar portugueses. Então, também nós teremos o maior interesse em fazer parte da nova rede ferroviária ibérica. Trata-se, pois, no fundo, de uma correcção na ordem de prioridades. Não de abandonar uma coisa por outra!
OAM 694—30 Abril 2010 22:56 (última actualização 4 Maio 2010 17:06)