quarta-feira, julho 18, 2007

Portugal 3

Jose Saramago, escritor
José Saramago: escritor português, cidadão espanhol. Foto: EFE
Ibéria, capital: Lisboa

"Não sou profeta, mas Portugal acabará por integrar-se na Espanha" - José Saramago in Diário de Notícias online, 15.07.2007
Não fora o homem estar eterna e agradecidamente enamorado de uma linda sevilhana chamada Pilar del Rio, que muitíssima importância teve para o êxito internacional do escritor ribatejano, e o assunto do seu reiterado iberismo mereceria, de facto, extenso debate, em vez da urticária que atacou imediatamente alguns arautos profissionais da portugalidade. No entanto, o "sentido de oportunidade" da sua entrevista ao Diário de Notícias, fazendo-a coincidir com a visita do rei de Espanha a Portugal no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia, teve o esperado condão de excitar os espíritos fracos de ambos os lados da fronteira. O El País (1) excita-se sempre nestas ocasiões e descobre, espantado, que Portugal existe (e continua a ser apetecível), e o Manuel Alegre (que parece ter-se esquecido dos seus mais recentes compromissos com o movimento de cidadãos que desencadeou, e sobretudo com parte importante da base militante e simpatizante do PS) fez previsivelmente ouvir a sua voz adamastórica: "Ele (Saramago) tem a responsabilidade de ter ganho o Nobel da Literatura com a língua portuguesa".

Saramago regressa às "portadas" dos jornais e televisões, e à netosfera, com uma questão típica do século 19: o iberismo. Homens de uma bem mais notável craveira intelectual que Saramago, refiro-me a Miguel de Unamuno, Antero de Quental, Teófilo Braga e António Sérgio, ou mesmo a escritores seus contemporâneos, como Miguel Torga, António Lobo Antunes e Eduardo Lourenço, sonharam ou sonham igualmente com formas mais ou menos evoluídas de iberismo. O já desaparecido José Rodrigues Miguéis, num dos seus deliciosos bilhetes postais publicados no extinto Diário Popular, falava, mais limitadamente, de uma nova quimera que baptizou com o nome Portugalícia. Em suma, se durante tantos séculos fomos aliados dos ingleses, para nos defendermos dos castelhanos, depois da vergonhosa Conferência de Berlim (1884-1885) e do ultimato inglês a Portugal, rejeitando o Mapa cor-de-rosa (com que Portugal pretendia assegurar uma boa presença na partilha colonial do continente africano então em curso pelas principais potências europeias), tal ideal estratégico chegaria irremediavelmente ao fim. Por outro lado, a decadência mais geral e profunda dos povos peninsulares, verberada por Miguel de Unamuno, tornar-se-ia uma realidade cada vez mais pesada de consequências, tanto para os povos ibéricos como para os dois estados que os protagonizam. A Espanha deixou entrar Napoleão no seu território a pretexto de obrigar Portugal a cumprir o bloqueio contra os ingleses, a decadente corte lusitana, em consequência desta invasão francesa, fugiu para o Brasil. Mais tarde, a derrota espanhola de 1898, na disputa com os Estados Unidos pelo controlo do continente americano, mergulharia este país num declínio económico e político de que só sairia após a morte de Franco. Perdidos os impérios coloniais espanhol e português, findas as ditaduras oportunistas que emergiram da crise finissecular em ambos os países, criada a União Europeia, nada mais natural do que repensar as relações entre os vários povos ibéricos, entre as várias nações históricas da península e entre os dois estados que há muitos séculos protagonizam as suas alegrias e as suas tristezas. Tudo isto pode e deve ser feito, com tempo, com cautela, com transparência e sobretudo com elasticidade. Mas daí a alimentarem-se ilusões sobre uma nova união ibérica vai um passo de gigante demasiado improvável. A menos que a capital dessa união seja Lisboa, claro!

Post scriptum: Há um argumento falacioso, muito bem montado por alguns estrategas do iberismo castelhano, expresso aliás num recente artigo de Santiago Petschen, que convém desmontar a tempo de evitar excessivos optimismos face à utopia de dissolver o secular bicefalismo geo-estratégico da jangada ibérica. Petschen resume-o de forma fina e sedutora:
"Há alguns anos, depois de uma exposição que li no Instituto de Defesa Nacional de Lisboa, num português macarrónico, dialoguei com os militares sobre as relações entre os espanhóis e os portugueses e surgiram algumas queixas. Perguntei então: estão de mal com os galegos? A resposta imediata foi: não! Estão de mal com os andaluzes? Também não. Mal com os catalães? De maneira nenhuma. Mal com os bascos? Absolutamente, não. E continuei: os estremenhos, os aragoneses, inclusive os manchegos e os madrilenos. Para com todos os mencionados mostraram os dialogantes a sua simpatia. Só apareceu um cliché, resquício de irredutibilidade, o dos castelhanos velhos. Disse-lhes então: os senhores não têm nada a temer. Portugal e Castela a Velha contam com um número parecido de quilómetros quadrados. Mas sobre a mesma extensão encontram-se, em Portugal, dez milhões de habitantes e em Castela a Velha pouco mais de dois milhões. A estatística, tão favorável a Portugal, produziu no auditório desconhecedor do dado uma surpresa. Dissipou-se, com isto, uma percepção errónea." - "O iberismo", Santiago Petschen, Prof. catedrático de Relações Internacionais na Univ. Complutense de Madrid, in DN online.
Como é evidente, o problema do poder não se mede hoje em dia pelo critério demográfico, particularmente se estão em causa escalas tão exíguas. O que conta hoje e no futuro próximo são as grandes concentrações urbanas (Madrid, Lisboa-Porto, Barcelona-Valencia) e os sectores-regiões económico-financeiros, logísticos, tecnológicos, de serviços e político-militares, que as mesmas representam e controlam. Neste sentido, seria imperdoável tolerar que a ingenuidade prevalecesse sobre o realismo dos jogos de estratégia em curso. Madrid pretende hegemonizar radialmente a península ibérica - e para isso, tudo tem feito, no sentido de transformar a capital espanhola numa super-metrópole política e financeira. Lisboa, com o Porto e Barcelona (e Bilbao), não estarão jamais dispostos a sucumbir a esta estratégia, e por isso continuarão a desenvolver esforços para consolidar, sob todos os pontos de vista, os aneis atlântico e mediterrânico, de que a sobrevivência estratégica da península afinal depende. A União Europeia irá passar nas próximas décadas por duras provas à sua consistência estratégica e à sua governabilidade interna, sobretudo por causa das questões energéticas, ambientais, mas também das que respeitam à imediata questão do alargamento. Deverão a Turquia e Marrocos integrar-se na União Europeia, como pretende a Alemanha e vários estados da União (entre eles, Portugal e Espanha), ou, pelo contrário, formar com o resto do Magrebe uma União Mediterrânica, como quer Sarkozi? É ou não do interesse europeu chamar a Ucrânia para a União? Se os EUA atacarem o Irão, e a Rússia sair em defesa deste, que fará a Europa? Qual Europa? Portugal é um estado independente há 868 anos; a Espanha é um reino unificado e independente há 538 anos. Vamos pois deixar, para já, as coisas como estão, e um dia, quando a Europa for o que promete, voltemos então a discutir a organização política da Ibéria.

Post scriptum (11-08-2207): O El País de 22 de Julho publicou duas páginas inteiras a propósito da excitada discussão sobre a união ibérica. Uma delas, assinada por Miguel Mora, leva o mesmo título que o artigo d'O António Maria: Iberia, capital Lisboa. Como o artigo do El País foi publicado 4 dias depois, presumo que se trata de um feliz sentido de oportunidade.

O artigo do El País suscitou mais de 250 comentários, a maioria deles revelando um olhar justo sobre os portugueses e uma percepção crítica da arrogância mini-imperialista de alguns políticos provincianos de Madrid. Vale a pena lê-los.

Já agora, um aviso: a Espanha que apareceu na cimeira das Lajes, ao lado do Reino Unido, dos EUA e de Portugal no papel de anfitrião (que valeria a Durão Barroso o cargo que agora ocupa com entusiasmo) --mas que o mesmo El País e a generalidade dos média espanhóis trataram de apagar das fotografias-- não foi um erro de casting. O eixo Paris-Berlim-Varsóvia, que procura activamente estender-se até Kiev, afasta o Reino Unido e a Espanha do novo centro de gravidade da Europa pós-Ialta e pós-Versailles. Daí a agressividade económica da Espanha face aos países de um e outro lado do Atlântico (Portugal e Reino Unido, Cuba, Venezuela, Colômbia, Brasil, Argentina...) A cimeira das Lajes assinala, não tenhamos dúvidas, uma mudança de 180 graus na geo-estratégia da Espanha. Assim, e apesar do recuo táctico ocorrido na sequência do massacre do 11 de Março de 2004, levado a cabo pela Al Qaeda, e da consequente mudança de governo, a verdade é que Madrid não tem outra alternativa para o seu próprio protagonismo europeu que não passe por assumir uma crescente presença na parceria transatlântica entre os Estados Unidos (e o continente americano em geral) e a Europa. Daí que para Aznar, como para Zapatero, o acesso ao mar português seja um objectivo estratégico lógico, relativamente ao qual Madrid se mostra cada vez mais ansioso. Dos governantes lusitanos espera-se, neste novo contexto, duas coisas: que não andem a dormir e que não sejam corruptos (i.e. traidores!) Até porque do outro lado do Atlântico as potências dominantes ou falam inglês... ou português.



Notas

1 - El País -- Link 1 Link 2


OAM #224 18 JUL 2007

segunda-feira, julho 16, 2007

Por Lisboa 10

O Corvo. Imagem apócrifa encontrada na Net.

O Corvo

Encontrei esta imagem irresistível quando procurava uma ilustração para a vitória de António Costa nas eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa, que hoje (15-07-2007) tiveram lugar. Os resultados confirmam a tendência irreversível para a exaustão do actual sistema partidário, se não mesmo do regime de representação social consagrado pela nossa Constituição. Os "socialistas" António Costa, José Sócrates e Almeida Santos, na arena institucional, e Jorge Coelho, da tribuna opinocrata da nossa cada vez mais idiota endogamia mediática (não ouvi o António Vitorino da Brisa), congratularam-se com a extraordinária vitória do PS. Disseram que foi coisa nunca vista no Largo do Rato há mais de trinta anos, imagine-se! Mas não houve mais de 60% de abstenções? Desde quando 29,54% dos votos (menos 17 mil do que Manuel Maria Carrilho nas autárquicas de 2005) são maioria que se apregoe? Não teve o PS, em Lisboa, nas últimas legislativas, mais de 40% das preferências? Não insistiu o candidato governamental, durante toda a campanha, que queria a maioria absoluta?! Vai, assim, o alcaide que se segue, poder limpar as paredes de Lisboa, como promete, sem pedir licença ao Carmona Rodrigues e a Helena Roseta? Ou será que vai aceitar a passadeira vermelha (do desespero) que na própria noite eleitoral lhe foi estendida pelo secretário-geral do PCP, em nome da almejada governabilidade da cidade? O Manuel Salgado não andou a formar cooperativas de risco, no tempo em que rezava por Catarina, para nada. O país sempre foi pequeno e há gajos porreiros em todo o lado. Ressuscitar a frente popular municipal, eis a proposta do PCP ao PS, em nome do salve-se quem puder que aí vem com o desabar da monumental crise sistémica mundial decorrente da insustentável irracionalidade económica do planeta e em particular da sua principal potência imperial, os Estados Unidos. Entretanto, há que dar andamento aos negócios urgentes... não é Dr. Almeida Santos?

Entre as 10 primeiras medidas anunciadas por António Costa, não há uma única que revele coragem política, capacidade de decidir e muito menos visão estratégica. Corajoso seria ter dito que acabaria com os automóveis em cima dos passeios no prazo de dois ou três meses (é que nem em Marrocos tal anacronismo ocorre!). Exemplo de capacidade de decisão seria ter anunciado a reestruturação dos serviços camarários, a qual passaria inevitavelmente pela extinção de arcaísmos e gabinetes inúteis. Prova de visão política seria ter anunciado que os problemas de Lisboa só podem ser pensados e resolvidos à escala da região de que é a principal atractora, e que, por conseguinte, proporia a todos os municípios da região dos grandes estuários a criação de uma comunidade metropolitana sustentável, capaz de enfrentar os tremendos desafios deste século. Mas não, o homem do aparelho partidário preferiu, previsivelmente, a demagogia: livrar as paredes de Lisboa de cartazes (como se não fosse primeiro preciso livrar a cidade do excesso de publicidade!), retomar a jardinagem nos cemitérios (a campanha já acabou, homem!), reunir com todas as Juntas de Freguesia (ora aí está uma boa ideia, que a oposição pode e deve seguir e prosseguir, assim que António Costa tiver esgotado a primeira ronda de visitas protocolares...), etc...

O centro-direita e a direita, por sua vez, chegam ao fim desta prova eleitoral, à beira de um ataque de nervos. Tal como escrevi há vários meses, nem a esquerda, nem a direita resistirão por muito mais tempo à necessidade urgente de proceder a cisões e reconstituições partidárias mais ou menos canalhas. O CDS-PP acabou para Paulo Portas, ao passo que Santana Lopes acabou para o PSD. Farão estes dois, dois novos partidos? Juntar-se-ão num só? Uma coisa parece certa: Marques Mendes vai mesmo clarificar a situação interna no PSD, pois disso depende a sua sobrevivência à frente do partido, e mais do que isso, depende a própria possibilidade de o PSD derrotar o exausto governo de José Sócrates em 2009.

O "bloco central" chegou ao fim (aleluia!). Cavaco nem sequer precisa de apressar o desenlace deste longo e, enquanto houve fundos comunitários, profícuo consórcio. A presidencialização do regime, cada vez mais plausível e desejada, nascerá do parto natural proporcionado pela implosão do actual regime político. A direita está em pleno processo de decomposição. A esquerda no poder, PS, PCP e BE, seguir-lhe-à os passos à medida que os resultados eleitorais forem sendo esclarecedores, como o foram hoje, sobretudo para a direita. O exemplo de Sarkozy fará o seu caminho na Europa mais cedo do que alguns temem.

Pela sua excentricidade, deixemos de lado o caso Carmona Rodrigues, e concentremo-nos em Helena Roseta e no que os seus excelentes resultados eleitorais significam ou podem vir a significar no processo de revisão democrática em curso.

Em primeiro lugar, deve dizer-se que a sua candidatura, tal como antes a candidatura de Manuel Alegre às últimas presidenciais, significa que o Partido Socialista, e em particular o respectivo eleitorado, se encontra profundamente dividido, económica, política e culturalmente. A actual direcção Sócrates e a clique que a inventou traduzem, no essencial, a capitulação do principal partido da esquerda portuguesa aos interesses mais insensíveis e especulativos do capitalismo. Quanto mais claras forem as reais intenções desta comprovadamente reaccionária "terceira via" socialista, quanto mais penalizantes se tornarem as consequências da sua subserviência ao poder do dinheiro, e quanto mais acríticas forem as eminências pardas que iluminam o senhor Sócrates, mais o eleitorado socialista clamará por alternativas credíveis ao descalabro em curso e votará contra o PS.

Em segundo lugar, os casos Roseta, tal como antes, Alegre e José Sá Fernandes, revelam a existência de um eleitorado de tipo novo, versátil, inteligente e dotado de grande mobilidade táctica. Trata-se de um verdadeiro rizoma cultural nascido no interior das novas redes sociais de matriz tecnológica e informacional, inter-geracional, urbano, instruído, ideologicamente multifacetado, que escapa completamente ao controlo dos partidos políticos e que tem efectiva capacidade de influenciar crescentemente as agendas políticas nacionais e internacionais. Os casos mais recentes em Portugal são os que todavia prosseguem e estão relacionados com o embuste da Ota, a mistificação académica do Primeiro Ministro e a emergência de um rizoma local espontâneo capaz de desconstruir de forma absolutamente lapidar a farsa político-partidária que teve lugar no governo da capital do país ao longo dos últimos meses.

Em terceiro lugar, e por último, diria que o caminho da Helena Roseta não será fácil. As pressões do regime para que regresse ao rebanho da democracia doente serão fortíssimas e tentadoras. Se cair nessa tentação sucumbirá ainda mais depressa que o Zé do Bloco (pois não haverá nenhum bloco que a salve em tal contingência.) Se prosseguir Por Lisboa (Pelo Porto, Por Coimbra, Por Setúbal, Por Braga...), terá diante de si dois caminhos: ou avançar paulatinamente para a criação dum novo partido, a pedido de um número rapidamente crescente de votantes descontentes com o PS, ou ousar manter-se activa no rizoma que pretende refundar a democracia económica deste país, como garantia futura de liberdade e solidariedade orgânica - um caminho por descobrir, mas de que provavelmente dependerá verdadeiramente o nosso futuro enquanto nação e parceiro comunitário de corpo inteiro.

A figura de António Costa é-me simpática, como a muita gente. Creio mesmo que esta sua eleição o coloca numa boa rampa de lançamento para voos mais altos no PS. Faz-me lembrar o último corvo de Lisboa, que vivia no Martim Moniz, fascinando e assustando os transeuntes com os seus movimentos desajeitados. Prefiro os corvos aos ratos-pombas que empestam a capital. Desejar-lhe boa sorte, como é de boa educação e desejo sincero, não muda o essencial das minhas expectativas. Creio que o candidato, agora presidente, tem um mandato estrito nas mãos: expandir o poder governamental para lá dos limites aceitáveis de tolerância. E isso é mau para Lisboa e péssimo para a democracia. Esta entrou num período delicado de reajustamento estrutural, a que deverá seguir-se, se as coisas correrem bem, uma saudável mudança de pele institucional. Os actuais partidos e o próprio regime constitucional envelheceram de mais, dando provas sucessivas de impotência legislativa e executiva, representando de forma cada vez mais deficiente o país. Temos que mudar. As 10 medidas imediatas de António Costa nada auguram de entusiasmante.

Li ontem um artigo magnífico de Richard C. Cook sobre a necessidade de refundar a democracia económica nos Estados Unidos. Deixo, à laia de nota de rodapé, um extracto do mesmo, como que a recordar que não podemos mais continuar a confundir a vida com o umbigo.

"The U.S. and world economies are on the brink of collapse due to the lunacy of the financial system, not because we can't produce enough.

"As many responsible commentators are warning, we are likely to see major financial shocks within the next few months. The warnings are even coming from high-flying institutional players like the Bank of International Settlements and the International Monetary Fund.

"We may even be seeing the end of an era when the financiers ruled the world. At a certain point, governments or their military and bureaucratic establishments are likely to stop being passive spectators to the onrushing disorder. It is already happening in Russia and elsewhere.

"The countries that will be least able to master their own destiny are those like the U.S. where governments have been most passive to economic decomposition from actions of their financial sectors. The financiers are the ones who for the last generation have benefited most from economies marked by privatization, deregulation, and speculation, but that may be about to change. Whether the change will be constructive or catastrophic is yet to be seen.

"Fundamental monetary reform implemented to restore economic democracy is what America's real task should be for the twenty-first century. One thing is for certain. The out-of-control financial system that has wrecked the U.S. and world economies over the last generation cannot be allowed to continue.

How the outcome will play out may well depend on whether there is a Jefferson, Lincoln, or Roosevelt waiting in the wings. The success of each of these great leaders was due to one critical factor: their ability to implement monetary reform at a time of national emergency."

- in The Crashing U.S. Economy Held Hostage
Our Economy is on an Artificial Life-support System
, by Richard C. Cook

Richard C. Cook is the author of "We Hold These Truths: The Hope of Monetary Reform," scheduled to appear by September 1, 2007. A retired federal analyst, his career included service with the U.S. Civil Service Commission, the Food and Drug Administration, the Carter White House, and NASA, followed by twenty-one years with the U.S. Treasury Department.

Global Research, July 7, 2007


OAM #223 15-16 JUL 2007

sexta-feira, julho 13, 2007

Petroleo 7

Luton suspende construção de nova pista

A Abertis Airports, (empresa espanhola formada pelo grupo Abertis, com 90% do capital, e pela AENA Internacional, com 10%), proprietária do aeroporto londrino de Lutton, que opera através da sua associada TBI, decidiu não construir uma nova pista e instalações conexas (terminal) previstas no plano de crescimento do aeroporto até 2015. A decisão, anunciada na manhã de 10 de Julho de 2007, apanhou de surpresa o mercado. A TBI disse que novos planos para aquele aeroporto serão anunciados no fim do ano, e que para já, o foco da actividade estará na optimização da actual infraestrutura.

O Presidente da TBI afirmou (1):
"We are committed to the delivery of facilities to meet the needs of our customers and at the same time fulfill our shareholder expectations.

"Therefore, we have decided that our proposals should focus on making the most of the existing airport site.

"As a result we have withdrawn the current Master Plan (issued for consultation in October 2005)."
Esta notícia pode ser o sinal de que algo começa a ser percebido pelos investidores, de quem afinal dependem cada vez mais as actuais indústrias aeronáutica e de transportes aéreos. A incapacidade da produção petrolífera de suprir as estimadas necessidades de Jet fuel para o anunciado crescimento do transporte aéreo de mercadorias e de passageiros até 2030, factor omisso em todos os estudos optimistas sobre o tráfego aéreo mundial, parece estar agora a ser considerado nas decisões estratégicas de médio e longo prazo. Segundo o artigo Flight-Path Britain, de John Busby, publicado em 27 de Março de 2007, a procura e a oferta do Jet fuel para os aviões de todo o mundo começará a divergir irreversivelmente a partir de 2010.

Estas duas citações (2) dão conta de dois problemas insolúveis e que parecem começar agora a influenciar as decisões do dinheiro:

Disponibilidade do Jet fuel

"Em 2015 a produção de "todos os petróleos" terá caído de um pico, em 2010, de 33 Gb, para 31 Gb;
Em 2015, a projectada exigência de Jet fuel será de 2,6 Gb, ou seja, uns ainda alcançáveis 8,4% da produção petrolífera global.
Mas em 2030, a produção de petróleo terá caído para 23,5 Gb, ao mesmo tempo que a necessidade de Jet fuel terá chegado aos 3,9 Gb, ou seja, 17% da produção petrolífera mundial.

"A procura dos demais derivados petrolíferos tornará então impossível destinar 17% da produção de petróleo ao Jet fuel.

"Uma taxa de crescimento exponencial de 4,5% no tráfego de passageiros e de 5,9% no tráfego de carga (de acordo com as previsões da Airbus) exigiria, mesmo com as proclamadas eficiências no uso do combustível, uma quantidade de Jet fuel impossível de conseguir."

Pistas de aviação

"Isto, com efeito, implica que entre 2005 e 2030, apenas cerca de 60% das expectativas do mercado de passageiros, e 45% das de carga, poderão ser cumpridas, embora o défice de combustível só venha a tornar-se mais evidente no fim deste período. Muito antes de isto acontecer, porém, as encomendas de aviões serão canceladas e as acrescidas eficiências de combustível actualmente previstas não poderão concretizar-se, pois o aumento da proporção de aviões velhos acentuará as faltas de provisão de combustível.

"As estimativas do Departamento de Transportes do Reino Unido e da Airbus não consideram as implicações do recurso combustível inerentes à sua projectada expansão do tráfego aéreo. A falta de consideração deste factor leva a que o crescimento previsto do tráfego não possa ser concretizado, já que a produção de Jet fuel será incapaz de atender à procura. Quanto mais alta for a taxa de esgotamento das limitadas reservas de petróleo, mais cedo ocorrerá o colapso do transporte aéreo comercial.

"A construção de pistas adicionais, a fim de satisfazer o crescimento estimado das viagens aéreas, suscita expectativas que não poderão ser cumpridas. As pistas em Stansted e Heathrow, se chegarem a ser construídas, servirão como zonas de estacionamento para um número crescente de aeronaves redundantes.

"O canto do cisne da aviação comercial será assinalado pelo estacionamento progressivo das frotas nas pistas, tal como a redução na oferta de Jet fuel será o primeiro indicador do fim da era petrolífera." (3)
É por estas e outras que a ideia de construir um novo aeroporto internacional com características de plataforma intercontinental, ou de cidade aeroportuária, na região de Lisboa, é uma miragem. A atitude prudente e responsável é ampliar e optimizar o pessimamente gerido aeroporto da Portela (4); abandonar a ideia de construir novas infra-estruturas, como a Ota ou Alcochete (5), e adaptar a base aérea do Montijo para aeroporto complementar da Portela. Por outro lado, a prioridade absoluta no sector dos transportes deve passar pelo abandono estratégico dos motores de combustão e, em contrapartida, pela opção por tudo o que se possa mover a energia eléctrica e animal: combóios, "trolleys", eléctricos, people movers, ascensores, Segways, bicicletas tecnologicamente avançadas, etc. Por outro lado, substituir a bitola ibérica em toda a rede ferroviária nacional, pela bitola europeia, é, por si só, um mega-projecto absolutamente necessário, mas irrealizável sem o apoio da União Europeia. É aqui que os esforços e as negociações devem insistir. Não na eternização do negócio dos estudos (que alimenta as principais máquinas partidárias do país, além dos boys e das girls do Bloco Central), nem nas obras de Santa Ingrácia, que todos pagamos, mas de cujo fracasso ninguém é responsabilizado.



1 - Ver notícia original na Sanders Research Associates
2 - Recuperadas de uma tradução realizada por Resistir.info
3 - O fim da era petrolífera não significa o fim da exploração petrolífera, mas sim o fim da afluência de petróleo barato para queimar estupidamente, como tem sido feito nos últimos 93 anos (mais precisamente desde o início da Primeira Grande Guerra Mundial). O reconhecimento de que o "peak oil" está mesmo ao virar da esquina chega-nos, entretanto, no último relatório da Agência Internacional de Energia, publicado no passado dia 9 de Julho. Aqui fica um extracto da respectiva introdução:

"Despite four years of high oil prices, this report sees increasing market tightness beyond 2010, with OPEC spare capacity declining to minimal levels by 2012. A stronger demand outlook, together with project slippage and geopolitical problems has led to downward revisions of OPEC spare capacity by 2 mb/d in 2009. Despite an increase in biofuels production and a bunching of supply projects over the next few years, OPEC spare capacity is expected to remain relatively constrained before 2009 when slowing upstream capacity growth and accelerating non-OECD demand once more pull it down to uncomfortably low levels." - International Energy Agency - Medium-Term Oil Market Report, July 2007. (PDF)
4 - A já famosa falta de Slots, que justificaria a urgência de um novo aeroporto na região de Lisboa, não passa, de facto, da mais pura contra-informação ao serviço da manipulação governamental em torno da Ota, como se pode comprovar no certeiro PDF de Rui Rodrigues sobre esta obscura miudeza, que políticos e opinocratas de serviço têm grande dificuldade de entender.

5 - A menos que a investigação tecnológica em curso consiga desenvolver rapidamente novas aeronaves, menos ruidosas e menos dependentes do petróleo, como pode ser o caso, do Silent Aircraft eXperimental SAX-40, não vejo como evitar uma rápida estabilização, ou mesmo retrocesso, do actual boom da aviação comercial de passageiros.

OAM #222 13 JUL 2007

segunda-feira, julho 02, 2007

UE 2007: Presidencia portuguesa

Turquia
Turquia; praia de Damlatas depois da tempestade, 2006 (Foto:Eugenio Hackbart).

Que Europa queremos?

A presidência portuguesa da União Europeia teve início no passado dia 1 de Julho e decorrerá até ao fim de 2007. As prioridades definidas pelo governo de maioria socialista, dirigido por José Sócrates, são as seguintes:

1 - Reforma dos tratados.
O objectivo desta reforma é conseguir a aprovação, por parte de todos os governos da União, e até ao fim do corrente ano, do novo documento-base da identidade europeia. O conteúdo do novo documento, intensamente negociado durante a presidência alemã, retoma 80% do conteúdo do tratado constitucional chumbado em 2005 pelos referendos da França e da Holanda. Ficam de fora os símbolos e porventura algo mais: a dinâmica federalista (1), a possibilidade de uma política externa realmente comum e a criação de umas forças armadas europeias sob comando unificado. Quanto à divergência entre os defensores do referendo e o pragmatismo de caminhar para uma solução negociada entre os governos, creio que o melhor ângulo para ver tal questão com clareza é este: quem não está interessado no avanço deste capítulo do projecto europeu? Eu respondo: os Estados Unidos, o Reino Unido e alguns países traumatizados pelo estalinismo. Dá outra vez que pensar...

2 - Início de cimeiras regulares entre a Europa e o Brasil.
Sendo o Brasil uma das potências emergentes da actualidade, com um enorme potencial energético e alimentar, compreende-se a aplaude-se a iniciativa portuguesa de colocar este país-continente nas prioridades da política de alianças europeia. Uma boa aposta da presidência portuguesa, porventura menos complexa do que a iniciativa promovida pela Espanha relativamente aos países americanos outrora colónias espanholas.

3 - A realização da primeira Cimeira Europa-África dos últimos sete anos.
Não deixa de ser irónico que esta iniciativa possa vir a ser prejudicada pelas teias neo-colonialistas que ainda prendem o Reino Unido à sua antiga colónia, o Zimbabué -- o território que outrora, conjugado com o que viria a ser a Zâmbia e o Malavi, fizera parte do tristemente célebre Mapa cor-de-rosa. Outro factor que poderá perturbar a cimeira é a anunciada interdição dos voos da TAAG sobre o continente europeu. Terá a TAP aviões suficientes para colmatar tamanho buraco?

4 - Retomar a discussão da adesão da Turquia à União Europeia.
A França diz que a Turquia não pertence à Europa. Mas toda a gente sabe que pertence à Eurásia. E é precisamente a Eurásia que preocupa os norte-americanos, pela negativa, e deveria motivar os europeus pela positiva, pois é a única geografia que pode garantir um certo equilíbrio entre as placas tectónicas da globalização. A Turquia, tal como os países do norte de África, pela sua proximidade geográfica, e ainda por factores ideológicos com os quais teremos que aprender a conviver, não podem ficar fora de um desenho sábio da nova coerência geo-estratégica europeia (2).

5 - Obtenção de um consenso europeu sobre o Cosovo.
Em que sentido? No da independência do Cosovo, como querem os falcões dos EUA? Mas sob que pretexto? Se a Europa concordar com a secessão do Cosovo, que argumentos lhe restam depois para impedir a independência do País Basco, da Escócia ou dos Flamengos da Bélgica?

6 - Coordenação das políticas europeias e reactivação da Agenda de Lisboa.
Não podemos estar mais de acordo com este item da agenda. Mas Portugal tem que começar por fazer, neste particular, o seu próprio trabalho de casa!

Os europeus andam muito desconfiados da burocracia e dos directórios confortavelmente sentados em Bruxelas, Estrasburgo e Luxemburgo. Até agora têm assistido a uma corrida desenfreada do capitalismo em direcção à concentração, à maximização dos lucros e à globalização. Em contraponto indesejável a este liberalismo radical, têm igualmente assistido à desintegração paulatina dos seus direitos e conquistas sociais. Esta equação é insustentável e tende a tornar-se explosiva. Veremos em breve, muito provavelmente antes do fim do corrente ano, o que nos trará a iminente hecatombe da economia americana.

Uma trégua para José Sócrates? Se tudo dependesse da agenda da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, com certeza! Mas o busílis da questão é que não depende...


Notas
1 - Adriano Moreira tem vindo a chamar a atenção para o perigo de, embrulhado com o federalismo, vir associado, sem que os povos da Europa disso se dêem conta, um directório com poderes e direitos especiais. Estou de acordo com ele quando afirma que tal hipótese seria uma desastre para o projecto europeu. Para se ter uma ideia do tamanho do desastre, Adriano Moreira cita o caso da inoperância da ONU e das asneiras e injustiças que o respectivo Conselho de Segurança tem levado a cabo ao longo dos últimos cinquenta anos. Que o peso demográfico dos estados se traduza no peso político relativo dos mesmos, parece-me lógico. Mas que daí decorram direitos especiais ou coutadas de acesso reservado, vai uma distância intolerável.
2 - Neste ponto não estou de acordo com o mesmo Adriano Moreira, que prefere ver a Turquia como uma almofada entre a futura federação europeia e o Islão, comparando-a a Marrocos e aos demais países da África mediterrânica. Na minha opinião, um tal defensismo estratégico apenas atrasará o difícil e longo caminho do Islão em direcção à democracia. Se, pelo contrário, ousarmos abrir as portas da Europa a uma Turquia democrática e laica, ganharemos um inestimável aliado da paz que a todo o custo deveremos procurar obter de novo entre todos os países que bordejam o Mediterrâneo.



OAM #221 01 JUL 2007

quarta-feira, junho 27, 2007

Petroleo 6

Alta Velocidade?

Como le encanta la gasolina (dame ma gasolina)*

Se algo me entristece em Portugal é a cobardia da generalidade dos políticos que compõem o respectivo arco partidário. Nos grandes temas, atrapalham-se com retóricas gastas e ridículas, vagueando pelos corredores cinzentos das decisões, como se fossem zombies, comandados uns pela lógica pequenina dos cálculos eleitorais, sem visão, e outros, os do bloco central (PS e PSD), pela ditadura dos interesses para quem agradecidamente trabalham, como se uma fatalidade económica pendesse sobre as suas cabeças, quando afinal apenas se trata de irremediável cobiça, hipertrofia intelectual e abstinência ética. No dia a dia, falta-lhes a imaginação, são levianos, mentem, professam o absentismo e o atraso, são desorganizados, irresponsáveis e sobretudo muito interesseiros (1). Por isso temos um primeiro-ministro de telenovela, fabricado por um Pigmaleão de pacotilha, que bebe a correr a espuma de Blair, como se pensasse no país. Por isso temos um governo que atraiçoa em cada dia que passa, não apenas o programa por que foi eleito, mas também, de forma escandalosa e inadmissível, a ideologia que seduziu a maioria dos seus eleitores. Por isso alguns actores do consórcio clientelar socialista são mais zelosos que a própria sombra do poder, discriminando, censurando, denunciando, perseguindo, como que a provar a frase asquerosa: "quem se mete com o PS, leva!"

Não foi o autor Do Portugal Profundo -- António Balbino Caldeira -- quem duvidou dos atributos académicos e profissionais do Senhor Sócrates, foi o país inteiro! Noutro sítio qualquer, da África aos Estados Unidos, um tal escândalo teria levado, se o protagonista fosse primeiro-ministro, à sua inevitável demissão. No Portugal suave que somos, piscamos os olhos uns aos outros e contamos anedotas a propósito da desviante genética de algumas universidades privadas e dos seus extraordinários frutos.

Demonstrado o embuste da Ota, o governo acabou por recuar de forma atabalhoada e pouco convincente. Mas já se meteu noutra: a Alta Velocidade. Tal como no caso do dossiê do NAL, também agora não estudaram, não sabem nada, querem fundos europeus e não se coibirão de continuar a gastar milhões de euros em estudos e power points. Para isso servem os lóbistas encapotados que vagueiam pelo parlamento e se sentam nos conselhos de administração das empresas públicas e participadas. Para isso servem as golden shares!

O mundo está à beira de uma cascata de guerras sem fim, de uma crise climática catastrófica e da metamorfose dolorosíssima do paradigma energético que há dois séculos alimenta os humanismos e as utopias de muitos, ilusórias teorias sobre a produtividade económica e a suposta selecção da espécie humana. Nos países ricos, as populações envelhecem e os estados rarefazem-se, ao mesmo tempo que caminham para a falência. Nos países pobres, o "darwinismo" triunfou da pior maneira: sem estado, sem lei, sem sociedade, sem humanidade, impera o inferno. Acham que perante tais perspectivas vamos mesmo precisar de novos aeroportos e de comboios de alta velocidade? Para quê? Para quem? Quem pagará a conta? Não está falida a maioria dos nossos municípios? Não caminham a passos largos para a falência os nossos sistemas de segurança social? Não é verdade que o Estado não tem dinheiro para ultrapassar a gigantesca dívida da CP? Não é verdade que o Estado não tem dinheiro para manter as estradas e as pontes do país, pretendendo por isso entregá-las à iniciativa privada? E não é verdade que a falência do tecido industrial português se vê claramente no horizonte? Não sabemos todos que a globalização, antes de desaparecer, levará à falência boa parte da economia real do planeta?

Pensem apenas nestes números, que retirei (e recalculei, com base noutras fontes afins) do International Energy Outlook 2007 (IEO2007), publicado no passado mês de Maio pelo Energy Information Administration / Official Energy Statistics from the U.S. Government:
  • Reservas mundiais de crude, Janeiro de 2007 = 1.317.400.000.000 barris
  • Reservas de crude sintético recuperado das areias betuminosos (Athabasca, Canada) e dos óleos extra-pesados (Orinoco, Venezuela) = 443.000.000.000 barris
  • Reservas totais de crude natural e sintético = 1.760.400.000.000 barris
  • Consumo mundial de petróleo e outros combustíveis líquidos, em milhões de barris por dia (mbd), segundo o modelo "business as usual" (2)
    • 2004 = 83 mbd
    • 2030 = 118 mbd
    • média = 100,5 mbd
  • Consumo médio anual mundial entre 2004 e 2030 = 36 682 500 000 barris
    • Duração das reservas mundiais comprovadas (48 anos)
    • Esgotamento absoluto do recurso: 2055
Conclusão:
  • Se todas as reservas viessem a ser consumidas ao ritmo previsto no IEO2007, o último barril de petróleo seria extraído em 2055!
Na avaliação do consumo mundial por sector, entre 2004 e 2030, o relatório oficial do governo americano prevê a seguinte distribuição:
  • transportes = 66%
  • indústria química e petroquímica = 27%
  • produção de electricidade, usos comerciais e domésticos = 7%
Como parece óbvio, muito antes das datas previstas para a exaustão do petróleo (3), algo de muito grave ocorrerá: ou uma travagem abrupta do consumo, causada por factores excepcionais (conflito bélico global), ou a inevitável implosão da actual civilização, no meio de uma sucessão de crises sistémicas nacionais, regionais e finalmente globais, sobre as quais nenhum país, ou aliança de países será capaz de exercer uma influência decisiva. De uma coisa devemos, desde já, ter a certeza: se as contas estão bem feitas, nem o NAL, nem a Alta Velocidade ferroviária farão qualquer sentido. Se alguma decisão parece adequada ao cenário que se avizinha, a mesma deverá passar por estender a vida útil do Aeroporto da Portela até ao limite efectivo das suas possibilidades; por renovar a actual rede ferroviária nas suas principais ligações internas; e por investir fortemente na rede portuária nacional e em geral nos transportes marítimos e fluviais -- pois daí virão, muito provavelmente, as únicas alternativas viáveis à impossibilidade crescente de prosseguir com os tradicionais paradigmas do transporte: rodoviário, aéreo e ferroviário de alta velocidade.
"The Earth is about to catch a morbid fever that may last as long as 100,000 years. Each nation must find the best use of its resources to sustain civilisation for as long as they can." - James Lovelock (Published: 16 January 2006) in The Independent.



* Daddy Yankee, Barrio Fino ("Gasolina") [video YouTube]

Notas

1 - Manuel Pina, Jornal de Notícias, 10 Maio 2007.

"Ao mesmo tempo que, segundo números da Comissão Europeia, o poder de compra dos trabalhadores portugueses registou, em 2006, a maior descida dos últimos 22 anos, a CMVM anunciou que, entre 2000 e 2005, os vencimentos dos administradores das empresas cotadas em bolsa duplicaram (e nas empresas do PSI 20 mais que triplicaram!). Isto é, enquanto pagam aos seus trabalhadores dos mais baixos salários da Europa a 25 (e todos os dias reclamam, sob a batuta do governador do Banco de Portugal, por "contenção salarial" e "flexibilidade"), esses administradores duplicam, ou mais que triplicam, os próprios vencimentos, vampirizando os accionistas e metendo ao bolso qualquer coisa como 23,9% (!) dos lucros das empresas. Recorde-se que o Estado é accionista maioritário ou de referência em muitas dessas empresas, como a GALP, a EDP, a AdP, a REN ou a PT, cujas administrações albergam "boys" e "girls" vindos directamente da política partidária (cada um atribuindo-se a si mesmo, em média, 3,5 milhões de euros por ano!). Se isto não é um ultraje, talvez os governos que elegemos (e o actual é, presumivelmente, socialista) nos possam explicar o que é um ultraje. O mais certo, porém, é que se calem e continuem a pedir "sacrifícios" aos portugueses. A que portugueses?"
2 - In each of three oil price cases, a business-as-usual oil market environment is assumed. The IEO2007 cases do not consider disruptions in oil production for any reason (war, terrorist activity, weather, geopolitics).

3 - Há, como se calcula, uma enorme controvérsia sobre a acuidade dos cálculos relativos ao Pico Petrolífero. As companhias que controlam este negócio não gostam de falar do assunto. Os países também não. No entanto, desde que o geofísico norte-americano Marion King Hubbert apresentou a sua teoria sobre a produção de combustíveis fósseis, em 1956, num célebre estudo encomendado pelo governo dos EUA (ler documento original - PDF), que as previsões têm vindo a bater certo. O pico nos EUA chegou em 1971, um ano depois do intervalo previsto por King (1965-70), dando origem à primeira grande crise petrolífera. A crise actual, de que a ocupação militar do Iraque é o testemunho mais gritante ("Big Oil and Big Media V. Hugo Chavez" by Stephen Lendman, June 30, 2007, in ZMag), coincide com a chegada do pico mundial da produção petrolífera, situado nos 85
milhões de barris por dia (mbd). As previsões do consumo apontam, porém, para consumos globais em 2030 na ordem dos 113-115 mbd. As campainhas de alarme começaram a soar em toda a parte ("The Peak Oil Crisis: Approaching The Cliff", by Tom Whipple
Thursday, 21 June 2007. Link).

O petróleo barato, sobre o qual assentou o bem-estar social, a produtividade e o consumismo das sociedades ocidentais nos últimos 50 anos,chegou definitivamente ao fim. Os bio-combustíveis não são mais do que uma panaceia temporária, com a agravante de competirem de forma desigual e profundamente injusta com a produção de alimentos, cujo preço tenderá a ser indexado ao preço dos combustíveis, não apenas de forma indirecta (incorporação dos custos de transportes) mas directamente, pois se o milho hoje vale mais 40% do que há um ano, tal ficou a dever-se exclusivamente à sua procura pelas indústrias energéticas!

Se não formos capazes de alterar os nossos padrões de consumo, de incrementar a eficiência energética das nossas vidas e de contrapor aos oligopólios energéticos, que actualmente corrompem e manipulam a maioria dos governos do planeta, sistemas descentralizados, comunitários e associativos de produção energética, então o pior, e será muito pior do que provavelmente conseguimos imaginar neste momento, ainda está por vir -- mas virá mais cedo que gostaríamos.

O panorama energético e ambiental à escala planetária é dramático e agrava-se cada dia que passa por causa da incapacidade dos Estados de lidarem com os problemas. O modo ostensivo como o actual regime partidário português e os correspondentes sistemas de poder alegremente falam de políticas e soluções, por exemplo, a propósito das recentes polémicas em torno do aeroporto de Lisboa e do TGV seria apenas patético se não fosse, como será, se nada fizermos, trágico!

PS: uma pergunta ao governo: aplicar-se-à o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) ao biodiesel e ao bio-etanol produzidos em Portugal?

OAM #220 28 JUN 2007

quarta-feira, junho 20, 2007

Por Lisboa 9

Martin Heemskerck -- Jardins Suspensos da Babilónia, gravura, séc. XVI.

Os jardins suspensos do delirante Costa da Portela

Teve lugar na SIC o primeiro debate televisivo entre os principais candidatos à Câmara Municipal de Lisboa. Estiveram presentes os 7 magníficos, quer dizer, aqueles que as sondagens afirmam terem grandes possibilidades de ser eleitos. Os demais candidatos, como o eterno Garcia Pereira, o candidato do Partido da Terra (sem o qual não haveria nem Roseta, nem Carmona nestas eleições...) ficaram à porta da antiga central eléctrica de Belém, reclamando e exibindo cartazes. Uma injustiça compreensível a que os pequenos candidatos têm que se habituar fazendo da respectiva pequenez eleitoral uma boa oportunidade para demonstrarem a sua criatividade e potencial histriónico. Infelizmente não tiveram graça nenhuma.

Comentário:

1) Organização do debate: boa (a Ana Lourenço tem vindo a subir rapidamente desde que opera a solo :-)
2) Qualidade do debate: civilizado, pouco esclarecedor e sem nenhuma visão de futuro... numa altura em que a presidência alemã da UE acaba de lançar um importantíssimo desafio para o renascimento das cidades europeias, plasmado na Carta de Leipzig
3) Melhores prestações: Helena Roseta (pela novidade do discurso)
4) Prestações medianas: António Costa, José Sá Fernandes e Ruben de Carvalho
5) Prestação desamparada: Carmona Rodrigues (continua a ter uma figura simpática e continuo a achar que lhe comprava uma Harley em segunda mão :-)
6) Piores prestações: Telmo Correia (demagógica, superficial e direitinha) e Fernando Negrão (amador)

Palpites:

O Costa pode descer; a Helena pode subir; o Carmona pode subir; o Negrão e os outros vão descer.

Hilariante:

A proposta de António Costa para transformar a Portela num novo pulmão verde da capital. Como?! Só de for depois de ali se gastarem, nos próximos 5 anos, os previstos 400 milhões de euros com a ampliação do actual aeroporto! Quem lhe deu ideia tão peregrina? O arquitecto-mor Manuel Salgado? Ora vejamos: toda a gente sabe que o modelo de financiamento do embuste da Ota passava por duas coisinhas muito feias e ilegítimas: privatizar a ANA e dar os terrenos da Portela como garantia bancária a favor de quem ganhasse o concurso de projecto, construção e exploração da futura estrutura aeroportuária. Foi assim que o lóbi da Ota cozinhou o estratagema da maior operação de delapidação do bem público de que há memória neste país. Mas para que esta estratégia se saísse bem, seria necessário o governo Sócrates conquistar a CML, com maioria, para depois fazer passar a cedência, sem discussão, nem contrapartidas, dos 640 hectares da Portela para as mãozinhas do consórcio que viesse a ganhar o negócio furado do NAL na Ota. É por estas e por outras que a conspiração que levou à queda do Carmona parece uma história mal contada... apesar das assessorias detectivescas do sacristão Sá Fernandes.

Resumindo, como é que o Costa poderia alguma vez prometer transformar a Portela num novo pulmão verde da capital, se a coisa estava destinada a financiar a operação da Ota?! Só se fosse transformando a Portela na zona luxuosa da Alta de Lisboa, numa nova Babilónia da Europa, com uns imensos Jardins Suspensos, por onde os indígenas da Baixa, das Avenidas Novas e da Expo poderiam passear ao domingo munidos de um passe especial. A continuar assim, o Costa da Portela corre sérios riscos de obter uma votação pífia. A Helena que anote o facto, não se deixe encantar pela simpatia do ministro, e que batalhe pela presidência da autarquia de Lisboa a sério!

OAM #219 20 JUN 2007

terça-feira, junho 19, 2007

Aeroportos 30

Mapa da Blogosfera
Matthew Hurst: mapa interactivo da blogoesfera; in Data Mining.


Beta testing


a cidadania electrónica é uma mais-valia muito útil aos governos politicamente avançados

Em O Grande Estuário [01-05-2005], projecto dinâmico e aberto de reflexão pública sobre Lisboa, a Grande Área Metropolitana de Lisboa e a Região de Lisboa e Vale do Tejo, continuamos a pensar que será possível manter o aeroporto da Portela, com duas extensões próximas (Montijo e Tires). Mas poderá realmente a Portela manter-se por muito mais tempo onde está? Poderiam as pistas do Montijo e de Tires, e novas obras na Portela, configurar uma solução sustentável até 2020-2030? As opiniões dividem-se... e os estudos técnicos também.
(...)
Em todo o caso, se um dia tivermos que avançar para um novo aeroporto internacional que altere radicalmente o actual estado de coisas, então a solução mais conforme com a inadiável actualização das nossas prioridades estratégicas no novo contexto europeu estará seguramente ao Sul do Tejo (...) e não no beco da Ota. -- in O António Maria, 02-07-2005.
Escrevi até hoje 30 artigos de opinião sobre o que chamei o embuste da Ota. O primeiro deles, na sequência da apresentação d'o Grande Estuário (uma ideia que partilhei, no seu começo, com o arquitecto Carlos Sant'Ana), viu a luz da blogosfera a 02-07-2005, i.e. há quase dois anos! O essencial das ideias sobre o sistema aeroportuário de Lisboa não mudou desde então, embora tenham sido sucessivamente refinadas ao longo da longa batalha conceptual tida com o actual governo sobre a matéria, e para a qual, na parte que me toca, contei com a riqueza da investigação e da discussão produzidas, com grande paixão, na nossa blogosfera. Os contributos de Rui Rodrigues e de António Brotas foram muito importantes para o esclarecimento detalhado e consolidação das minhas ideias sobre o tema. Hoje direi que a visão d'o Grande Estuário precisa de um ou outro retoque conceptual:

1 - em vez de olhar para a região administrativa de Lisboa e Vale do Tejo, que me levou a formular a visão do Grande Estuário como o ponto de partida para o primeiro e grande projecto de sustentabilidade nacional, deveríamos rapidamente alargar a sua base territorial de implementação. A cidade-região de Lisboa, no processo de adaptação acelerada aos tremendos impactos que aí vêm, por efeito da mudança do paradigma energético e das alterações climáticas, terá que ser equacionada simultaneamente como a cidade das duas margens e como a cidade-região dos Grandes Estuários! Estive há cerca de um mês no Castelo de Palmela, olhando para o estuário do Sado e para o estuário do Tejo (experimentem, pois é uma experiência inesquecível). Percebi então o que cristãos medievais, árabes, romanos e os homens e mulheres do neolítico já tinham entendido plenamente: os dois estuários são uma e a mesma realidade! Sê-lo-ão ainda mais quando o petróleo chegar aos 100, 200, 300 euros o barril -- o que ocorrerá inevitavelmente antes de 2030...

2 - A actual estrutura aeroportuária civil da cidade-região de Lisboa (Portela e Tires), actualmente pressionada por um crescimento do tráfego aéreo, sobretudo de passageiros, e sobretudo de turistas oriundos do espaço europeu, necessita de ser pensada com base numa estratégia aeroportuária flexível e bifocal. Os cenários para um horizonte de 10 a 20 anos são basicamente dois:

-- ou o crescimento do tráfego aéreo continua aos ritmos actuais (entre 3 e 5% ao ano),

-- ou, pelo contrário, haverá proximamente (2012) um patamar de estabilização do crescimento, seguido de provável estagnação ou mesmo retrocesso no turismo mundial, com consequências imediatas no tráfego aeroportuário.

No primeiro caso, a Portela, entretanto renovada e ampliada, estaria efectivamente saturada por volta de 2017, e se assim fosse, seria necessário preparar a tempo a transição da Portela para a Margem Esquerda do Tejo, sendo então Alcochete, pelo que vi, uma boa localização. Neste caso, a hipótese "Portela+1", entendida como Portela + Montijo, não faria sentido económico, além de duplicar os impactos ambientais e de risco actualmente existentes na Portela, na medida em que o futuro corredor de aproximação ao Montijo, paralelo ao da Portela, duplicaria o sobrevoo sobre zonas urbanas densamente povoadas.

Falar de "Portela+1", neste cenário, significa que, ao mesmo tempo que se manteria a Portela até 2017-2020, um novo aeroporto de raíz começaria a nascer em Alcochete, sendo que a primeira fase da sua construção (primeira pista, módulo 1 da aerogare e acessos) poderia estar pronta por volta de 2015, em simultâneo com a Portela, e basicamente na qualidade de base operacional e hub de três ou quatro grandes companhias europeias apostadas nas ligações atlânticas com a América e a África. Os nomes ocorrem-me imediatamente: easyJet, Ryanair, Lufhtansa, Aeroflot...

No segundo caso, o sistema Portela+Tires continuaria a dar conta do recado, o que não dispensaria adaptar muito rapidamente o Montijo para a finalidade de ser uma pista suplementar de apoio conjuntural ou de emergência à Portela, sem que para tal fosse necessário desafectá-la da sua actual servidão militar. Tal como a Base Aérea das Lajes, a Base Aérea do Montijo pode funcionar como instalação militar e como aeroporto de recurso em caso de absoluta necessidade ou conveniência.

Como decidir qual dos cenários corresponde à melhor aposta? Eu diria que o critério só pode ser um: o da procura. Há investidores credíveis interessados na nova estrutura aeroportuária de raíz? Avance-se por aí! Não há? Então isso significa que os investidores de longo prazo estão a fazer contas ao preço da petróleo e das futuras restrições e taxas europeias que, tudo leva a crer, recairão sobre o seu negócio. Neste caso, renove-se a Portela, ponha-se o Montijo em stand-by e opte-se, no essencial, por uma navegação à vista atenta. É a vida!

3 -- A ideia de fazer uma nova travessia ferroviária do Tejo, entre o Barreiro e Chelas, deve ser abandonada, por quatro razões de peso: a profundidade do rio na zona de implantação do pilar Sul obrigaria a custos astronómicos e virtualmente impagáveis de construção; uma tal travessia rebentaria com a operacionalidade do Porto de Lisboa; teria um impacto ambiental e estético profundamente negativo sobre o estuário e as respectivas margens e, finalmente, não serviria nem a grande interface de transportes e plataforma logística do Poceirão, Alcochete, Pinhal Novo, nem a solução Montijo, Pinhal Novo, Poceirão.
Uma nova ponte ferroviária, quando for imprescindível, deverá seguir junto à actual ponte Vasco da Gama, desembocando em Braço de Prata, comportando simultaneamente comboios e metropolitano.
Mas para já, talvez seja uma solução dispensável, nomeadamente se os comboios de Alta Velocidade (de passageiros e de mercadorias), vindos de Madrid, puderem parar numa grande estação no Pinhal Novo e seguir depois, pela margem esquerda do Tejo, até Santarém, cruzando aí o rio, e depois até ao Porto e Vigo. E Lisboa? Pinhal Novo é Lisboa!

Estas sugestões, tal como o intenso debate que há pelo menos dois anos decorre na Net, precedendo no tempo, na informação, no estudo e nas sugestões, os OCS convencionais, o governo e as oposições parlamentares, deveriam ser melhor acolhidas por todos. Ao contrário do actual Procurador-Geral da República, que anda uma década atrasado relativamente aos novos média (como se Aznar e Bush não tivessem sido vítimas flagrantes de semelhante ignorância ou subestima), o governo de Sócrates, pela voz hábil de Pedro Silva Pereira, parece estar a perceber que a cidadania electrónica (que não cobra nada por cada um dos seus inúmeros estudos, análises e sugestões) é uma realidade nova, que não deve ser admoestada, porque se tem vindo a revelar em todo o mundo como um útil beta tester das políticas governamentais.



OAM #218 19 JUN 2007