Uma Eurásia com a América mais longe?
A Europa não tem outra alternativa se não descolar dos Estados Unidos e das ilhas piratas de sua Majestade Isabel II. Estes dois colossos arruinados, com o Japão, estão a levar o mundo para uma crise económica, financeira, comercial e política sem precedentes desde a II Guerra Mundial. O futuro da Europa chama-se Eurásia. E o aliado estratégico deste sonho por cumprir chama-se, curiosamente, China.
Culture of Life News, de Elaine Meinel Supkis, é uma leitura imprescindível |
O colapso das bolsas europeias e americanas veio dar pleno sentido ao anúncio da degradação, anunciada pela agência de notação financeira chinesa Dagong, da capacidade da economia americana responder pelas suas dívidas.
“On August 2, 2011 (EST) the Congress of the United States of America (hereinafter referred to as the US) approved the bill on raising the debt ceiling of the government. Though this decision enables the government to continue the practice of repaying its old debt through raising new debt, it has not changed the general trend that the increase in national debt outpaces the increase in economy and revenue, making this incident a turning point for the US government’s solvency to decline even further. Hence, Dagong decides to downgrade the local and foreign currency credit rating of the US put on the negative watch list on July 14 from A+ to A with a negative outlook.” Dagong.
O panorama gráfico do afundamento e da volatilidade bolsista americanas não poderia ser melhor documentado pelos gráficos reunidos por outro dos meus analistas preferidos, Tyler Durden, do ZeroHedge:
VIX — Chicago Board Options Exchange Market Volatility Index |
“The Dow is down more than 500. The S&P is down 60. The VIX surges 35% to 32 the highest since June 2010. Implied correlation surges to the highest since last summer. ES volume surges to the highest since the flash crash. Europe is opening in 12 hours. Margin debt is near record high levels, and mutual funds have record low cash. Liquidations galore. Did we miss anything?”
No entanto, passando os olhos pela imprensa económica em geral (na página online do Jornal de Negócios, nem uma referência), não se fala de algo decisivo para compreender a crise financeira actual, ou seja, a desvalorização competitiva das moedas americana e japonesa. O iene caiu hoje a pique em relação ao dólar, depois dos japoneses terem desencadeado uma venda em massa da sua própria moeda.
A competição para o abismo entre os EEUU e o Japão não pára. Quem terá o pior papel higiénico do mundo? Esta competição negativa tem uma outra face: a destruição suicida das respectivas taxas de juro, com a inevitável inflação escondida debaixo da retórica e da metódica falsificação estatística, pronta a explodir quando menos se esperar. Os Keynesianos de pacotilha e a Esquerda empalhada (entre nós, o PCP, o Bloco e o PS) adoram taxas de juros baixas, por razões de mero oportunismo e populismo barato, sem perceberem que uma tal deriva significa apenas uma expropriação paulatina do valor produzido pelas empresas e um saque criminoso das poupanças pessoais e familiares por parte de uma economia especulativa servida por uma nomenclatura política parasitária, desesperada, que quanto mais esbraceja mais se afunda.
“The Bank of Japan sold more than one trillion yen (£7.7bn) during trading on Thursday, according to latest estimates, in an effort to drive down its value. It also eased monetary policy by expanding its asset purchasing scheme and offering more cheap loans to financial firms to encourage them to keep lending”— Guardian.co.uk
Mas como escreve Elaine Meinel Supkis, o jogo japonês do yen carry trade acabou...
“I remember years and years of the US and Japan accusing China of manipulating the currency. I thought this was very funny back then. Everyone in the false world of floating fiat currencies are always ‘manipulating’ them! The US had to desperately negotiate with Germany and Japan with the Bretton Woods deals to ‘fix’ rates that were ‘fair’, ie: would allow the US to export to both losers of WWII. This DID NOT WORK AT ALL.
Of course, Japan discovered that holding US dollars in an inert FOREX fund did the trick! Since then, all other nations wishing to manipulate the dollar to make it artificially strong do the exact same thing. It is now universal meaning, it can’t work so hot anymore since the Big Players must save more and more. Once China surpassed Japan in its FOREX holding dollars, Japan’s ability to manipulate the dollar vanished. Japan just can’t compete in this game with China. China won. Hands down. Big time. And 15 years ahead of schedule of the 50 Year Plan, too!
Nonetheless, Japan has decided to double down: making government debt not just 200% of GDP, now it will be 400% of GDP if this is necessary to restart the export machine run by Toyota and gang.” — As Nations Race To Weaken Currencies, ZIRP Creates More ‘Money’.
Temos pois países que para manterem o consumo baixam os juros, emitem moeda e dívida pública de forma cada vez mais temerária, para não dizer suicida (EUA, Reino Unido), e temos um país (Japão) que, numa lógica igualmente suicida, baixa sistematicamente o valor da sua moeda e as taxas de juros do banco central como forma de manter a máquina das exportações a funcionar, seja pela criação de dinheiro a custo zero, reservado embora exclusivamente às elites financeiras do país, seja pela exportação de capital a custo zero para o estrangeiro, onde os rendimentos de capital são muito mais elevados, desencadeando por esta via não apenas o necessário alimento à deslocalização das suas empresas, mas também a destruição da concorrência industrial nos países onde desembarcam, e a corrupção daqueles que trocam o silêncio pelo aproveitamento especulativo monumental deste estratagema fraudulento (e contra todas as normas do comércio justo internacional.)
“There is a pernicious agenda at work in setting interest rates near zero while boosting money supply and deficit spending to create inflation. By robbing savers of any return on their savings and sparking “sustainable, orderly” inflation of around 4%, central banks are in effect transferring 4% from the owners of cash to reduce the debt of the central bank/State by this same amount every year. In a decade of this monetary scheme, savers’ wealth will be reduced by roughly 50% while the debt created by the central bank/State will decline by 50%.” — An Unconventional Guide to Investing in Troubled Times by Charles Hugh Smith (2011)
As pressões sobre o BCE para embaratecer o euro, com o pretexto falacioso de que uma tal política aumentará as exportações europeias, esquecendo que o maior exportador mundial é a União Europeia, e que depois do segundo lugar, ocupado pela China, vem a forte Alemanha, e que boa parte das exportações ocorrem dentro da Europa, não passa da demagogia de quem não faz o trabalho de casa, preguiça e vive do populismo partidário que grassa como um cancro por esta Europa fora.
As pressões para levar a União Europeia pelos caminhos suicidas do facilitismo financeiro (Quantitative Easing) servem apenas para manter as empresas protegidas e os gangsters da especulação bolsista no topo da obstrução à resolução da crise sistémica em que estamos metidos. A Europa precisa de entrar num processo radical de adaptação às condições da pós-globalização especulativa, e para isso não pode continuar a alimentar a inércia burocrática e as situações de privilégio absurdas que ainda persistem entre as elites europeias e entre as corrompidas burocracias partidárias e corporações — empresariais, profissionais e sindicais.
O primeiro passo desta metamorfose necessária é começar por reconhecer que o mundo mudou e que vai mudar ainda mais dramaticamente nas próximas décadas, evitando cair nos lugares comuns do maniqueísmo. Há causas objectivas da actual crise sistémica, cujo factores subjectivos, embora importantes, e frequentemente escandalosos, não são os mais decisivos. Daí a necessidade de caminharmos para a criação rápida de novos quadros analíticos e de diálogo social que permitam perceber o que nos trouxe até este impasse, abrindo depois caminho para correcções e soluções realmente adequadas a um mundo mais pequeno embora com gente a mais, envelhecido e à beira de uma ruptura histórica do padrão de recursos a que, pelo menos uma parte da humanidade, se habituou ao longo dos últimos duzentos anos.