sexta-feira, abril 25, 2014

40 anos depois

  

Quarenta anos depois, para os que podem lembrar-se, foi ontem. 


Estamos melhor e estamos pior.

Pela frente teremos, no mínimo, mais sete anos de sofrimento e de crise política, institucional e cultural.

Não importa quem governe.

Até 2026, pelo menos, dependeremos inteiramente dos credores.

Em 2020 perderemos a última rede de proteção especial conferida pela afluência ao nosso país de gigantescos fundos financeiros da União Europeia.

Estaremos em breve fora da casca imperial que nos protegeu durante seiscentos anos (1415-2015).

Como será a casca europeia depois de 2020 é uma incógnita.

Se a Europa vingar, bastará educar os indígenas. Se a Europa voltar a colapsar, faltará saber se seremos ou não capazes de evitar o regresso a um regime autoritário e de pobreza sem solidariedade.

No dia 25 de abril de 1974 fui acordado de madrugada por um comandante da TAP que deu ao meu pai a notícia de que um golpe militar estava em marcha. Era um desfecho esperado há meses.

Levantei-me e fui dar a notícia a um amigo, notável intelectual e comunista. Disse-me que se a coisa era entre militares talvez não desse em tragédia, pois os militares sabem o que é uma guerra e não gostam de morrer estupidamente.

Segui no comboio até ao Cais Sodré. Estava fresco. Chuviscava de vez em quando, mas o Sol acabou por ganhar o dia. Horas depois fugia de uma saraivada de balas da PIDE. Não morri.

Parece que foi ontem.

Claro que valeu a pena!


quarta-feira, abril 23, 2014

Galiza e Guiné Equatorial mais próximos da língua portuguesa



A crise é também uma oportunidade

“A adesão da Guiné Equatorial à CPLP deverá ser realidade já em Julho, na cimeira da organização em Dili, depois de o país ter preenchido os requisitos exigidos” — Macau Hub.

O edifício que vemos em cima foi fotografado em 2006 e situa-se na capital da República Democrática de Timor-Leste, Dili. Este país de pouco mais de um milhão de habitantes e quase quinze mil quilómetros quadrados adquiriu a sua independência total e definitiva de Portugal em 2002, depois de libertar-se de uma ocupação ilegal extremamente violenta por parte da Indonésia na sequência da guerra civil que se seguiu à primeira intervenção militar daquele gigante muçulmano no território — com o objetivo de intersetar e conduzir o processo de independência da então colónia portuguesa, que estava a ser preparada desde 1975 pelo governo de Lisboa.

Trinta e nove anos depois do início do processo de independência partilhado entre portugueses e timorenses, e doze anos depois da consagração e reconhecimento internacionais do novo estado independente, será em Timor que a comunidade de países de língua portuguesa (CPLP) acolherá o seu novo membro, a Guiné Equatorial, e dará as boas-vindas à decisão histórica tornada lei em 24 de março de 2014, e publicada no Diario Oficial de Galicia em 9  de abril (1), de a Galiza se aproximar mais claramente do espaço estratégico, económico, político e cultural da lusofonia.

A importância destes dois eventos e o simbolismo de ocorrerem naquele que foi o último territótio do império colonial português a tornar-se estado independente não foram ainda percebidos no seu profundo significado e desejáveis consequências. Mas a História é isto mesmo: precisa de tempo.

Guiné Equatorial e Galiza reforçam em 76 mil milhões de euros o peso económico dos países de língua portuguesa

Macau Hub, 2014/04/14

“A Guiné Equatorial e Galiza perfilam-se como as duas economias mais avançadas na integração no espaço dos países d língua portuguesa, e poderão dar um impulso de perto de 76 mil milhões de euros ao peso económico do bloco.

Enquanto em Julho a Guiné Equatorial, cuja economia vale 19,7 mil milhões de dólares (14,2 mil milhões de euros), deverá aderir como membro de pleno direito à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a região autónoma espanhola da Galiza, que detém importantes laços históricos e culturais com Portugal, adoptou esta semana uma lei visando reforçar os laços com os “8”.

[...]

Com 2,8 milhões de habitantes, a Galiza tem uma economia de perto de 55,8 mil milhões de euros, com importante indústria automóvel, têxtil, florestal, entre outras.

A adesão da Guiné Equatorial à CPLP deverá ser realidade já em Julho, na cimeira da organização em Dili, depois de o país ter preenchido os requisitos exigidos.

O peso económico da Guiné Equatorial, que resulta de uma importante indústria petrolífera, já se faz sentir em Portugal, onde recentemente um fundo de investimento público chegou a acordo para comprar uma participação no banco Banif.

Segundo o presidente da Confederação Empresarial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CE-CPLP), Salimo Abdula, o PIB conjunto dos países de língua portuguesa representa hoje perto de 4 por cento do total mundial, com tendência de crescimento.

Em recentes declarações, Abdula previa que os países língua portuguesa poderão representar 10% do PIB mundial, dentro de dez ou quinze anos, se os governos se juntarem e apostarem numa verdadeira comunidade económica.”

NOTAS

Da “LEI 1/2014, do 24 de marzo, para o aproveitamento da lingua portuguesa e vínculos coa lusofonía.”

“Artigo 1

Os poderes públicos galegos promoverán o coñecemento da lingua portuguesa e das culturas lusófonas para afondar nos vencellos históricos que unen Galicia cos países e comunidades de lingua portuguesa e polo carácter estratéxico que para Galicia teñen as relacións económicas e sociais no marco da Eurorrexión Galicia-Norte de Portugal.

Artigo 2

O Goberno galego incorporará progresivamente a aprendizaxe da lingua portuguesa no ámbito das competencias en linguas estranxeiras nos centros de ensino da Comunidade Autónoma de Galicia.

Artigo 3

Deberán ser promovidas, así mesmo, as relacións a todos os niveis cos países de lingua oficial portuguesa, constituíndo este un obxectivo estratéxico do Goberno galego. De maneira especial, fomentarase o coñecemento desta lingua por parte dos empregados públicos, a participación das institucións en foros lusófonos de todo tipo –económico, cultural, ambiental, deportivo, etc.–, así como a organización na Comunidade Autónoma galega de eventos con presenza de entidades e persoas de territorios que teñan o portugués como lingua oficial.”

Ler lei completa aqui.

Ségolène Royal penaliza camionistas

A linda e polémica ministra Ségolène Royal bloqueia camionistas

Que diz o pascácio do PS? 

Já investigou internamente se há ou não um fundo de investimento do PS que apostou, e perdeu, em Alcochete?

Por utilização da rede rodoviária
França quer cobrar a transportadores estrangeiros

Transportes, 17-04-2014

O Governo francês está a preparar uma taxa que incide sobre os camiões estrangeiros que utilizem a rede rodoviária do país. Esta medida está a ser equacionada pelo gabinete da ministra da Ecologia, Ségòlene Royal, que, segundo o jornal Oje, terá explicado à comunicação social francesa que existem duas possibilidades em aberto: a aplicação de uma taxa à entrada da fronteira de França, ou a obrigatoriedade do uso das autoestradas (para pagarem portagem). Desta forma, a França adotaria o mesmo sistema já praticado no Reino Unido, que aplica uma taxa similar desde o passado dia 1 de abril.

Enquanto a nomenclatura corrupta do Bloco Central continua a fazer barragens inúteis, sobrecarregando as faturas da energia, e boicota a ligação de Portugal à rede ferroviária europeia para mercadorias e passageiros (alta velocidade), com a complacência bovina de deputados e jornalistas, Espanha segue o seu caminho. Em breve Portugal será uma ilha ferroviária, que nem de comboio, nem de TIR, chegará a Madrid, quanto mais a França e ao resto da Europa!

Portugal está a transformar-se numa ilha ferroviária, cortesia da corja do Bloco Central da Corrupção. Se julga que vai continuar a transportar alegremente as suas exportações em frotas TIR é porque não leu nada, ou é criminosamente irresponsável.

Concluye la construcción del viaducto de alta velocidad de Valdetravieso, en Cáceres
vía líbre—la revista del ferrocarril (23/04/2014)

Adif Alta Velocidad ha concluido la construcción del viaducto de Valdetravieso, perteneciente al tramo Casas de Millán-Cañaveral de la línea de alta velocidad Madrid-Extremadura. Asimismo, se han realizado con éxito las correspondientes pruebas de carga.

PIIGS sem emenda :(

No Reino Unido, como cá, o fascismo fiscal instala-se.

A dívida pública da Eurolândia não pára de crescer desde 2011 


Euro area and EU28 government deficit at 3.0% and 3.3% of GDP respectively
Government debt at 92.6% and 87.1%
In 2013, the government deficit of both the euro area (EA18) and the EU28 decreased in absolute terms compared with 2012, while the government debt rose in both zones. In the euro area the government deficit to GDP ratio decreased from 3.7% in 2012 to 3.0% in 2013, and in the EU28 from 3.9% to 3.3%. In the euro area the government debt to GDP ratio increased from 90.7% at t he end of 2012 to 92.6% at the end of 2013, and in the EU28 from 85.2% to 87.1%.
Eurostat, 23/03/2014 (pdf)

2011: 87,4%; 2012: 90,7%; 2013: 92,6%. Segundo Reinhart e Rogoff, acima dos 80% a dívida pública torna-se um fator de perturbação estrutural das economias. Por sua vez, e apesar de toda a brutal austeridade, a dívida pública dos PIIGS continua a crescer em % do PIB e nominalmente. Em grande medida, isto acontece porque a austeridade salarial e a seca do crédito à economia, e o desemprego e falta de emprego subsequentes, trouxeram recessão, e a recessão trouxe menos PIB, e portanto menos receitas fiscais, e portanto maiores necessidades de endividamento, e portanto maior peso do serviço da dívida nos orçamentos públicos, e portanto mais défice e mais dívida — aqui, sobretudo, porque nada se fez em matéria de reforma estrutural da burocracia instalada.

O PS teria feito o mesmo ou parecido, porque quem dita a macroeconomia portuguesa são os credores, ou seja, o FMI, Bruxelas e o BCE. Os governos indígenas não passam de teatros de fantoches rodeados de cagarras parlamentares e de um coro de corporações e sindicalistas aflitos. Ainda assim, o que o governo cada vez mais esfrangalhado de Passos Coelho se recusou a fazer, apesar das insistentes recomendações formais da Troika, foi sempre em prejuízo da população, da economia e da classe média. Exemplos: não atacou as rendas excessivas da EDP, não suspendeu o ruinoso plano nacional de barragens, não renegociou a sério dezenas de PPP, não avançou na nova rede ferroviária europeia para mercadorias e passageiros (tendo deixado em Bruxelas e Londres mais de 800 milhões de euros que nos eram destinados a custo zero) e não acabou com a subsidio dependência dos rendeiros e devoristas protegidos do regime. A nomenclatura partidária e suas organizações semi clandestinas (bancos e banksters, Opus Dei, Maçonaria, União das Misericórdias, fundações obscuras, etc.) prevaleceram contra o interesse público.


Eurostat: informação sobre défices na UE em 2013, 23-03-2014.


Resultado: aproximam-se tensões sociais enormes, pois é de prever que a 'democracia' populista, neo-corporativa e cleptocrata instalada volte a preferir atacar pela via da criação e subida de mais impostos, e em cortes diretos e indiretos na massa salarial (1), pensões, reformas e subsídios de desemprego, em vez de travar os rendeiros do regime ou fazer uma reforma estrutural do estado, mantendo e reforçando o essencial, entregando à iniciativa privada e comunitária independente o acessório e o que não sabe fazer sem gerar ineficiência e corrupção.

A crise continua: mais austeridade e sofrimento a caminho.

Explosões sociais e graves crises políticas adivinham-se no horizonte. A extrema direita sobe na Europa.

E as alternativas democráticas à partidocracia liberal e social-democrata instalada, onde estão?


Há gráficos que falam verdade, sem qualquer sofisme. O das vendas da CAT é um deles. Esqueçam a propaganda dos governos e dos bancos!


NOTAS
  1. A deflação, que é uma consequência da queda da procura agregada mundial e o resultado do fim da longa era de crescimento inflacionário —artificialmente estimulado nas últimas décadas (Quantitative Easing, "Whatever It Takes", etc.)— da oferta agregada de bens e serviços (PIB, comércio mundial, etc.), em larga medida estimulado pela disponibilidade de energia fóssil barata (petróleo, gás natural e carvão) prejudica gravemente os devedores, e sobretudo os grandes e muito grandes devedores: bancos, gigantes e carteis sobre alavancados em modelos de capital intensivo, e ainda... governos de todo o mundo!

    Os bancos e os governos precisam de inflação (até inventaram um novo monstro semântico chamado "reinflação") como de pão para a boca, pois é a única forma, para além de uma deriva pelo fascismo fiscal declarado, que conhecem para diminuirem o peso das suas crescentes responsabilidades financeiras, e nomeadamente os gigantescos serviços de dívida que pesam como cutelos sobre estes monstros de ganância e burocracia.

    No entanto, inflação e reinflação, associados à destruição das taxas de juro (coisa que a 'esquerda' imbecil adora promover) significa uma coisa simples: expropriação da poupança sob a doce ilusão do facilitismo financeiro.

    Em suma, a chuva dourada que conduziu ao endividamento global, público e privado, das economias e das pessoas, ao longo dos últimos vinte anos (foi em 1994 que surgiram os famosos CDS—credit default swaps), e depois ao colapso do sistema financeiro mundial, que se mantém na Unidade de Cuidados Intensivos conhecida por Quantitative Easing e Whatever It Takes, perdeu a pica. Por mais papel de Monopólio e zeros que acrescentem à massa monetária, as economais não arrancam porque não podem arrancar), e o buraco negro dos derivados financeiros OTC e do endividamento bancário e soberano continuam a ampliar-se, tal como o seu potencial destrutivo.

    Esta é, aliás, a única explicação para a última e desesperada recomendação do FMI: roubem diretamente nos salários o que não podem roubar através do teatro da inflação! Nos rendimentos de capitalas taxas já são negativas...

segunda-feira, abril 21, 2014

Benfica agradece a Jesus

Boneco bem disposto sobre a vitória do Benfica. Autor desconhecido.

O futebol é o circo de gladiadores dos tempos modernos. Nada mudou.


Sou benfiquista, mas não pedi fogos de artifício depois da meia-noite no centro da capital (foi o Costa que pediu?), nem me reconheço no hooliganismo futebolístico dominante e apaparicado pela generalidade da corja partidária e do betão. Quanto mais futebol, telenovelas e concursos desmiolados preenchem o tempo livre dos indígenas, maior a miséria, a desigualdade social e a falta de futuro. Mas os partidos desta democracia populista parecem adorar. E o povo também. Pois então não se queixem.

Sociologia da crise à parte, Viva o Benfica que há quatro anos que não comia!

domingo, abril 20, 2014

Carcavelos, a nova pérola da Linha?

Memória de uma presença civilizada

A Quinta dos Ingleses merece mais do que abandono e entulho a céu aberto


Vivo em Carcavelos há mais de quatro décadas. Vim de Macau, cresci alguns anos nos corredores do Convento de Mafra, vivi em Lisboa, no Porto, no Mindelo de São Vicente de Cabo Verde, parti várias vezes para outros lugares, vivi sob a chuva miudinha da Corunha, não resisto a ver o Porto e o mar da Foz do alto do Monte Cativo ao entardecer, pisar a terra que o meu avô deixou ao meu pai e o meu pai me deixou, em Cinfães do Douro, com o magnífico e temeroso rio sempre no mesmo lugar, é uma obrigação da memória. Mas depois, depois destas intermináveis andanças, acabo sempre por voltar à avenida dos meus passeios filosóficos e à praia que corre dentro de mim.

Vi arder por mais de uma vez os pinheiros, que já não existem, da metade poente da quinta, ao descer e subir a Avenida Jorge V. Ouvi por três ou quatro vezes a algazarra local dos partidos em volta da urbanização há muito prevista no lugar que os ingleses um dia compraram, porque quinta de vinho deixara de ser (1), e era então lugar propício para ali amarrar o cabo submarino de telecomunicações que ligaria em 1870 o Reino Unido à Índia, passando por Portugal, naturalmente!

Os ingleses nunca chegaram a deixar a Quinta dos Ingleses, nem o primeiro campo de football que Portugal teve. A antiga casa senhorial do século 18, que a Eastern Telegraph Company usara como centro de operações, transformar-se-ia mais tarde no St Julian's School, também conhecido como o colégio inglês, notável, caro quando tínhamos o escudo, caríssimo agora que temos o euro, pequeno para as encomendas que abrem espaço à concorrência para mais de uma réplica. A gente culta da era Salazarista, incluindo os intelectuais comunistas, só se não pudessem deixariam de colocar os seus filhos no Colégio Inglês. E continua a ser assim. Um lugar com tão notável passado foi, no entanto, queimado e abandonado à sua sorte. As guerras partidárias populistas contra os donos do terreno foram degradando paulatinamente aquela mancha verde, metade da qual foi reduzida a mato, a local de despejos ilegais de entulho, incluindo por parte de entidades públicas (!), e de parquemanto grátis para a malta. Grátis a que propósito?! Será poventura grátis estacionar junto à Câmara Municipal de Cascais, ou nas imediações da Junta de Freguesia de Carcavelos?

Antevisão do arquiteto José Adrião (ver proposta)



Antevisão do arquiteto José Adrião (ver proposta)

O Plano de Pormenor (PP)

Não tenho já qualquer paciência para partidos políticos, sobretudo quando as suas guerras intestinas e os seus torneios florais giram à volta do mesmo: comissões por baixo da mesa e empregos para dar e vender. E também tenho cada vez menos paciência para os penduras da partidocracia, ou para as corporações e sinecuras que de tempos a tempos agitam a populaça em nome dos direitos e da democracia, acenando sempre com alguns tremoços grátis. Será que este povo bronco, indolente e oportunista terá percebido desta vez que o que o Estado lhe dá é para ser pago, mais cedo ou mais tarde, pelo próprio ou pelos seus filhos e netos? Será que esta crise lhe ensinará alguma coisa nova, ou continuará alarvemente a abrir esplanadas ilegais a que os burocratas municipais e polícias fecham os olhos apesar das sucessivas queixas? Continuará estupidamente a estacionar nas curvas, em cima dos passeios, dos canteiros e diante das entradas de garagem, como se tudo fosse seu e de borla? Até quando? Até ficar sem carro, suponho.

A contestação ao novo plano de pormenor para a Quinta dos Ingleses, que li, é em geral superficial e oportunista. Da discussão pública que teve lugar, e que pode ser consultada de fio a pavio no sítio da Câmara Municipal de Cascais (pdf) percebe-se que houve regras e foram respeitadas as leis vigentes. Ou seja, os proprietários têm à sua disposição uma superfície de construção idêntica à área da sua propriedade e, por seu lado, a comunidade e a vila de Carcavelos disporão de mais de 50% do terreno para usos públicos, urbanos e sociais. Ninguém perde e todos ganham, suponho.

Salvo se houver uma coligação oportunista na Assembleia Municipal de Cascais que boicote, uma vez mais, a resolução deste problema, teremos em breve aprovado o Plano de Pormenor do Espaço de Reestruturação Urbanística de Carcavelos Sul (PPERUCS; abrev.: PP) Outra coisa, muito diferente, é saber o que farão os promotores com tal aprovação, e o grau de empenhamento e exigência posto no desenvolvimento da obra pela mesma Câmara Municipal que lhe deu luz verde.

A futura Quinta dos Ingleses urbanizada, acomodando um parque urbano e um magnífico espaço verde, a par de um estacionamento decente junto à praia (barato, mas pago, espero, pois há sempre a alternativa do comboio e outros transportes coletivos, e ainda a partilha do automóvel para diminuir a intensidade energética da nossa miserável economia), atraindo alguns milhares de novos residentes de classe média a Carcavelos, para aqui viver, ou estudar, trabalhar, montar negócio, ou tudo em um, é uma oportunidade que deve ser agarrada com todas as mãos e sobretudo com a cabeça.

Os índices de ocupação, corrigidos de 2001 para cá (de 1450 para 939 fogos) e as volumetrias parecem-me em geral razoáveis. Mais piso recuado, menos piso recuado (uma cedência da CMC às críticas sem fundamento e à demagogia populista que se traduzirá na obtenção das mesmas áreas noutros sítios), não vejo nada nesta proposta que possa assemelhar-se aos verdadeiros monstros urbanísticos que o famoso Judas deixou alegremente construir, nomeadamente em São Pedro do Estoril e à entrada de Cascais.

Tudo depende, isso sim, da qualidade dos arquitetos que vierem a ser chamados a desenhar em concreto todo aquele espaço, e todos os edifícios previstos. Nós temos hoje em Portugal arquitetos, paisagistas e designers de elevadíssima qualidade e mérito reconhecido dentro e fora de portas, e nem sequer é preciso recorrer aos de sempre, nem muito menos aos que marcam ponto nos corredores partidários do poder. Faça-se um concurso público, como se a Quinta dos Ingleses fosse, que o é, património municipal, e até património nacional. Dali se fez parte da rota das Índias das telecomunicações, em 1870. Ali continua, pronto a crescer, um dos mais prestigiados colégios do país. Em frente está a praia onde nasceu o Surf português. E ali se bateu a terra do primeiro campo de futebol que Portugal teve, caramba! Só neste ponto dou inteira razão a quem afirmou ao Público: ... o direito de propriedade “não se pode confundir com o direito de construir”— sem cultura (acrescento eu).

Os construtores da futura Quinta dos Ingleses têm perante si próprios e perante a comunidade um dever de qualidade e um dever de carinho pelo génio do lugar. A Câmara Municipal de Cascais, por sua vez, tem o dever de aproveitar com a máxima energia e sabedoria uma das poucas pérolas que lhe restam na frente marítima do concelho. Por fim, os carcavelenses, sabem que uma vila capaz de atrair no curto prazo vários milhares de residentes e fregueses à Quinta dos Ingleses, à requalificada Praia de Carcavelos, ao novo polo académico da Universidade Nova, ao futuro El Corte Inglés, e ao centro da vila, é um autêntico maná nos tempos dificílimos que temos e ainda teremos pela frente. A maioria dos carcavelenses que gostam da sua vila sem dela nada esperar salvo que continue pelos tempos fora, sabe também que os notáveis da sua rua nem sempre são os melhores conselheiros.

Precisamos de sarar esta ferida!

O populismo fala de uma mancha verde. Onde está? Imagem: José Adrião Arquitetos

FICHA PARA CONSULTAR O PROJETO E A DISCUSSÂO PÚBLICA

Cascais
Quinta dos Ingleses (proprietários: St Julian's School e Alves Ribeiro)
Plano de Pormenor do Espaço de Reestruturação Urbanística de Carcavelos Sul (PPERUCS; abrev.: PP)
Área de intervenção: 54,11ha
Área de Solos em domínio privado do Município e a integrar em domínio público: 31,00ha
Área de implantação (edifícios): 14,37ha
Impermeabilização de solos: 27,34ha (50,53%/ índice limpo: 47,51%)
Área Total de Construção (edifícios): 61,79ha (100,21%)
Número de fogos: 939 (1450 no plano rejeitado em 2001)

Documentos de consulta no sítio da CMC (pdf)
Planta de Implantação II - Modelo de Ocupação (pdf)

Relatório de ponderação do período de discussão pública das propostas de Plano de Pormenor do espaço de reestruturação urbanística de Carcavelos sul (pdf)

Discussão
  • 91 participações escritas: reclamações/ observações/ sugestões (Nota: há participações idênticas subscritas por mais de uma pessoa)
  • 35 opiniões favoráveis ao PP
  • 7 opiniões contrárias ao PP
  • 48 participações críticas objeto de ponderação
  • a participação 84, apresentada pelo Movimento Fórum por Carcavelos, é um abaixo-assinado com 3.723 subscritores.

Ponderação
  • Área de intervenção: 50 hectares
  • 25% da área de intervenção do PP é Parque Urbano (incluindo áreas verdes, ribeira, rede de mobilidade interna e equipamentos desportivos)
  • 40% da área é composta por Parque Urbano e outros espaços verdes, público e privados
  • A área verde nuclear do Parque Urbano, incluindo a ribeira abrande cerca de 10ha, correspondente a 1/5 da área de intervenção do PP
  • 50% da área total passa a domínio municipal

Entulho asfáltico vertido na Quinta dos Ingleses

RECORTES DE IMPRENSA
Moradores protestam no domingo contra mega-urbanização em Carcavelos - PÚBLICO e Lusa, 04/04/2014 - 15:51

A representante do grupo Forum de Carcavelos, que junta mais de 3000 pessoas, considera que os blocos de betão previstos - dois edifícios de seis pisos e outro de quatro pisos, um hotel de cinco pisos, um condomínio privado e espaços residenciais e comerciais - são “inadmissíveis”.

Urbanização em Carcavelos sem impactos no surf e na praia, diz estudo - PÚBLICO, Marisa Soares, 02/04/2014 - 07:50

Durante o período de discussão pública, que terminou a 17 de Fevereiro, a autarquia recebeu 91 contributos e aceitou algumas das alterações propostas: a urbanização não pode incluir condomínios fechados e três dos prédios mais próximos da Avenida Marginal terão seis e não sete pisos, retirando cerca de 30 fogos aos 939 previstos.

Mega-urbanização reacende polémica sob ameaça judicial de 264 milhões de euros - PÚBLICO, José António Cerejo, 14/02/2014 - 12:49

A discussão pública do novo plano de pormenor de Carcavelos Sul, que abrange uma área de 54 hectares no interior da qual se situa o colégio inglês (St. Julian’s), termina na segunda-feira. Ao longo de quase dois meses os argumentos dos defensores e dos críticos do projecto voltaram a ser esgrimidos sem grandes novidades em relação a 2001.
Entulho asfáltico vertido na Quinta dos Ingleses

NOTAS
  1. Quinta do Cabo Submarino em Carcavelos. José Morais
Entulho de obras vertido na Quinta dos Ingleses

Edifício degradadao com a inscrição "G S CARCAVELOS"




Atualizado: 21-03-2014 13:18 WET

sexta-feira, abril 18, 2014

Vegetal argelino eleito com 81,53% dos votos e uma abstenção de 48,3% (números oficiais)

Presidente argelino, Abdelaziz Bouteflika, vota na sua reeleição. Abril, 2014.

Um retrato fiel da decadência das democracias


Argélia: Bouteflika vota em cadeira de rodasEuronews, 18-03-2014.

Numa eleição onde a única incógnita parece mesmo ser a taxa de participação, Abdelaziz Bouteflika, o presidente cessante da Argélia – e presumível vencedor do escrutínio – compareceu na mesa de voto em cadeira de rodas.

Esta é a primeira aparição pública de Bouteflika desde que sofreu um acidente vascular-cerebral que lhe causou problemas de fala e de mobilidade.

Mourad Boukhelifa. Ancien candidat à la présidentielleAbdelaziz Bouteflika IV : les réactions — Écrit par  El Watan 2014, 18/04/2014 19:06.

« C'est juste une grande plaisanterie ! Il y a eu fraude, c'est ce qui nous fait douter des chiffres avancés. J'ai personnellement remarqué que les gens ne se sont pas rendus en masse pour aller voter, et on nous annonce des chiffres improbables qui nous laissent frustrés. J'ai moi-même remarqué des anomalies sur les bulletins de Benflis. C'est la raison pour laquelle que je dis que la fraude est incontestable ».

A criatura há quase um ano que não aparecia em público. Sofreu um AVC que lhe tolheu, nomeadamente, a fala. Esteve internado 80 dias. E no entanto, foi de novo candidato à presidência da república argelina e ganhou com 81,53% dos votos (os números oficiais são, no entanto postos em dúvida por vários candidatos, podendo a abstenção ter superado em muito os 50%). Ninguém contestou o que anunciou a comissão eleitoral deste país que apenas interessa ao Ocidente por causa das suas enormes reservas de gás natural. A nossa condescendência e hipocriaia estão, pois explicadas.




Este episódio degradante apenas nos deve levar a refletir sobre o que inquinou de forma tão miserável o projeto democrático que o Ocidente não se tem cansado de promover e abastardar.

Tal como nos casos vegetativos de Salazar e Franco, e antes destes, de muitos outros ditadores, o que mantém os seus cadáveres adiados no topo do poder não os corpos algaleados e amarrados às Unidades de Cuidados Intensivos, mas a corja que os rodeia e teme o colapso que sempre ocorre nos regimes aurocráticos incapazes de aceitar verdadeiramente a lógica democrática.

Podemos, no entanto, olhar para as democracias da Europa e da América neste findar de era como perversões institucionais análogas à de Salazar, Franco e Bouteflika. De democracia, têm ainda a forma e sobretudo a propaganda e os instrumentos legais fortemente controlados pelas partidocracias vigentes. Mas de miolo, já quase nada. Pior ainda: tal como Bouteflika, o estado vegetativo das democracias ocidentais é incapaz de mudar pelos seus prórpios.

A sorte destes regime falidos e sem moral, imagino qual seja. É tudo uma questão de tempo.

Atualizado: 18/04/2014 22:53 WET