sexta-feira, outubro 26, 2007

Aeroportos 39

Mochila Mandarina Duck
Do conforto, fiabilidade, preço e rapidez do comboio,
às imbatíveis Low Cost, com uma mochila às costas...
Foto: Mochila da Mandarina Duck.
Burro a pão de Ló

Uma TAP inviável num NAL improvável é como um burro alimentado a pão de Ló.
Escusam de nos atirar mais areia p'rós olhos no que toca ao panorama ferroviário, às novas PPP assassinas no horizonte e aos muitos salamaleques que o actual Bloco Central continua a fazer ao Sr. Betão e ao Sr. Paraíso Fiscal (eufemisticamente chamado off-shore). O que vemos sair do emaranhado de neurónios fundidos do Sr. Lino assusta, como sempre, pelo descarado cabotinismo
.

Entretanto...
Companhia aérea mexicana quer começar a operar com os Boeing 737-700 ER Next Generation entre Vigo e o México. O que faz dos sonhos húmidos sobre grandes Hubs aeroportuários, isso mesmo: sonhos húmidos, e nada mais.

easyGroup, proprietária da easyJet abre quatro hoteis Low Cost, a 40 euros por pessoa, em Portugal, nos próximos 4 anos. O primeiro deles inaugura ao fundo da Av. dos Aliados, no Porto, já no próximo ano. Jornal de Negócios, 26-10-2007.

A guerra de taxas aeroportuárias entre Madrid-cidade, um aeroporto público, e Madrid-Sur (Ciudad Real), um aeroporto privado, que já começou a prestar provas de pista, vai aquecer e provocar novos e inesperados estragos na Portela e sobretudo na TAP, a braços com a sucata da PGA e uns... milhares de trabalhadores a mais!
Resumindo, são estes os dados da equação que o burro do MOPTC não consegue resolver:
  1. o petróleo, o gás e os recursos naturais entraram numa empinada e duradoura espiral inflaccionista;
  2. o paradigma Low Cost, iniciado com as ligações aéreas ponto-a-ponto de médio curso, mas que vai estender-se às distâncias de longo curso, a outros meios de transporte (comboios, barcos e rent-a-car), e ainda aos vários sectores económicos integrados na fileira das Short Break Holidays (hoteis, restaurantes, casinos, feiras e congressos, etc.), veio para ficar, e assim sendo, tenderá a fazer implodir as chamadas companhias de bandeira, sobretudo estatais, devido aos respectivos maus hábitos administrativos, mordomias políticas, lastro despesista e um sem número de ineficiências operacionais;
  3. a compra da PGA foi uma burla de Estado, pois na aparência dum acto de gestão corrente de uma empresa pública, obrigada a seguir as regras do mercado, o Estado, sob os auspícios do governo e do burro do MOPTC, libertou um banco privado das suas responsabilidades empresariais, atirando com o ónus das más previsões deste (prejuízos de exploração, capital fixo moribundo e força laboral excedentária) para as contas de uma empresa pública em vésperas de privatização, comprometendo irremediavelmente o êxito de tal operação. Ou seja, o Estado comprou um fruto que sabia estar podre, desembolsando para o efeito 144 milhões de euros (29 milhões de contos!) dos bolsos de todos os contribuintes. Onde estão os advogados do povo?! E os jornalistas?
  4. a TAP está num estado crítico, por falta de visão estratégica atempada, por má gestão e por efeito da concorrência crescente das Low Cost. Isto significa que dificilmente resistirá até 2016. No imediato, não lhe resta outra alternativa que não passe pela alienação de empresas do grupo e por despedimentos colectivos. Salvo se for resgatada por um milagre angolano, russo, chinês ou árabe, será forçada a abrir falência mais cedo do que todos desejaríamos;
  5. o "Estado exíguo" (Adriano Moreira dixit) a que chegámos, politicamente hiper-instável, impede a subsistência prolongada de situações de impasse económico-financeiro como o que actualmente vive a transportadora aérea nacional;
  6. a captura, directa ou indirecta, do Estado e partidos do arco parlamentar pelos carteis da construção civil, do imobiliário e da banca, tem vindo a atrofiar gravemente as possibilidades de definição de uma estratégia de transportes coerente e sobretudo útil ao estádio actual das nossas reais necessidades no contexto da acrescida competitividade ibérica, europeia e mundial;
  7. O Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), nas presentes circunstâncias nacionais, europeias e mundiais, fazendo sentido pelo lado da estratégia e da política, não tem provavelmente nenhumas condições de viabilidade e será um desastre económico se for adiante, pelo que o Estado português deveria condicionar um tal projecto à avaliação rigorosa da sua sustentabilidade económica e impor sem margem para dúvidas toda a responsabilidade do negócio nas mãos do sector privado. Isto é, SCPC - SEM CUSTOS PARA O CONTRIBUINTE!

Prioridades absolutas
  1. adequação efectiva (e não aldrabada!) dos aeroportos existentes às necessidades reais do mercado, com incidência especial nas seguintes infra-estruturas: Portela-Figo Maduro, Montijo, Sá Carneiro e Faro-Algarve;
  2. modernização dos aeródromos de Fátima, Évora e Beja em regime SCPC;
  3. ligação ferroviária de Alta Velocidade/Velocidade Elevada entre Lisboa e Madrid (1);
  4. ligação ferroviária de Velocidade Elevada entre Porto e Vigo;
  5. ligação ferroviária de Velocidade Elevada entre Porto, Aveiro e Salamanca;
  6. ligação ferroviária de Velocidade Elevada entre Lisboa-Sines-Faro-Huelva;
  7. finalização das escandalosas obras da Linha do Norte por forma a permitir os Alfa Pendulares (2) circularem em maior número e a velocidades médias superiores (baixando o tempo de viagem para valores entre as 2h30mn e as 2h10mn), ao mesmo tempo que se introduzem radicais melhorias na manutenção do material circulante e no serviço de atendimento especial, nomeadamente o prestado a bordo: garantia de rede móvel em todo o percurso, acesso Internet de banda larga, tomadas para ligação de computadores em todos os lugares, estacionamento gratuito e refeições ligeiras para viajantes em classe conforto, marketing agressivo sobre as vantagens económicas, psicológicas e de segurança para quem viaja de comboio, e muita, muita simpatia :-)


Notas
  1. Segundo Rui Rodrigues, as linhas transversais são prioritárias, e explica porquê:
    -- com a rede existente, qualquer comboio de passageiros e mercadorias de bitola ibérica (distância entre carris = 1.668 mm ) e de tracção eléctrica pode circular livremente desde Braga até Faro ou dos portos de Sines e Setúbal para o Norte do País.
    -- uma nova linha, em bitola europeia (distância entre carris = 1.435 mm ), só faz sentido se for construída de uma só vez desde o ponto inicial até ao ponto final. De contrário, se fosse construída uma linha deste tipo apenas entre Lisboa e Porto, os comboios da actual rede de bitola ibérica, vindos de Braga, de Setúbal ou do Algarve não poderiam utilizá-la, sendo necessário proceder ao transbordo de passageiros e mercadorias!
  2. Rui Rodrigues, "Alfa Pendular, a oportunidade perdida da CP" (PDF)

OAM 269, 26-10-2007, 18:16

quarta-feira, outubro 24, 2007

Vladimir Putin

Vladimir Putin, judoca e novo czar da Rússia


Um novo príncipe

É difícil deixar de comparar a figurinha mesquinha e algo psicopata de George W. Bush com a estampa olímpica de Vladimir Putin. É difícil deixar de ver no homem que recuperou a dignidade da Rússia após os anos ébrios da delapidação que se seguiu à implosão da União Soviética, um dos muitos personagens da longa e convulsiva dramaturgia russa.

De oficial dos serviços secretos da ex-União Soviética a líder de um império desmembrado e pilhado por uma horda de hienas apoiada por ávidos gentios norte-americanos de todas as profissões e matizes, aquele homem tímido foi-se impondo paulatinamente ao respeito, primeiro dos seus concidadãos, e agora do resto do mundo.

Dele depende, neste preciso momento, a integridade física do planeta! Vladimir Putin é de facto o único travão capaz de sustar a alucinação dos End-Timers que tomaram de assalto a América e ameaçam transformá-la numa perigosa estirpe neo-fascista do imperialismo. Bush e a canalha que o rodeia quer mesmo desencadear a III Guerra Mundial, acabar com a Europa (seria essa a consequência imediata), e boa parte da China e da Rússia, em nome da sobrevivência de uma supremacia anglo-saxónica, branca, álgica, doentia e protestante, devota de um Cristo redentor loiro e de olhos azuis. Os judeus, que podem até ser o gatilho do grande holocausto nuclear, estariam infelizmente entre os sacrificados do Apocalipse por que ardentemente clamam estas bizarras minhocas das zonas mais profundamente ignaras e desgraçadas da América.

Zbigniew Brzezinski, autor dum célebre livro chamado The Grand Chessboard (1997), escrito quando ainda acreditava na possibilidade de uma longa e estável supremacia norte-americana no mundo, escreveu recentemente um desesperado lamento à má sorte da super-potência, no qual se esforça por remediar o que aparentemente já não tem cura: o modelo imperial capitalista saído do American Way of Life. Esse livro chama-se sintomaticamente Second Chance (2006). Não resisto a transcrever o parágrafo inicial, e outro da sua conclusão:

"The self-coronation of the U.S. president as the Global Leader was a moment in historical time if not a specific date on the calendar. It followed the collapse of the Soviet Union and the end of the Cold War. The American president simply began to act as the global leader without any official international blessing. The American media proclaimed him as such, foreigners deferred to him, and a visit to the White House (not to mention Camp David) became the high point in any foreign leader's political life. Presidential travels abroad assumed the trappings of imperial expeditions, overshadowing in scale and security demands the circumstances of any other statesman."

(...)

"Though in some dimensions, such as the military, American power may be greater in 2006 than in 1991, the country's capacity to mobilize, inspire, point in a shared direction and thus shape global realities has significantly declined. Fifteen years after its coronation as global leader, America is becoming a fearful and lonely democracy in a politically antagonistic world."

A América exportou em nome da ganância e de uma desejada supremacia imperial o fundamental da sua capacidade produtiva para a Ásia. Na última década e meia, intensificou mesmo, de um modo sem precedentes, essa alienação de conhecimentos e de práticas para um único país, a China. Contava, a partir da célebre "globalização" anunciada por Bill Clinton, forçar todo o mundo a trabalhar para si, alimentando eternamente uma cultura doméstica hedonista, prisioneira psicológica de um consumismo insane e de uma contínua alucinação mediática. O truque era simples: exportar a actividade produtiva e a extracção de mais-valias para zonas onde predominassem regimes de semi-escravatura e em geral factores produtivos extremamente favoráveis; imprimir sem qualquer supervisão internacional o papel-dinheiro que fosse necessário (dólares e títulos de dívida pública) para poder adquirir as mercadorias produzidas fora do seu território; garantir o acesso sem limites às principais fontes energéticas mundiais; proteger politicamente os regimes favoráveis aos seus jogos económicos e controlar o planeta por todas as formas e feitios, disseminando bases militares nas suas juntas nevrálgicas, montando uma rede espacial de satélites militares, instalando sistemas de devassa sistemática das comunicações mundiais (Carnivore), etc. Para o sucesso deste empreendimento imperial precisaria, no entanto, de três coisas: aniquilar a Rússia, espezinhar o Médio Oriente e amedrontar a China, explicando a esta última que uma tão esmagadora super-potência jamais lhe permitiria sair do seu papel de fornecedor de coisas baratas e mais-valias. O sonho transformou-se entretanto num pesadelo!

A Europa andou, durante toda a década e meia que durou esta crise de liderança, entretida com o seu projecto aduaneiro, exportando igualmente boa parte da sua capacidade produtiva para a China e demais países emergentes. Sem cabeça política, dividiu-se demasiadas vezes em volta das suas prioridades estratégicas, esquecendo, por exemplo, que o seu lugar no século 21 passa menos por andar ao colo do mano atlântico, do que por estender a sua solidariedade construtiva ao Norte de África, ao Médio Oriente e sobretudo à Rússia, tornando claro que os jogos de poder do tio Sam contra estas regiões são prejudiciais, em primeiro lugar, à própria estabilidade da Europa.

A Rússia percebeu, como perceberam as repúblicas do Mar Cáspio, a Índia, o Irão e sobretudo a China, que só uma aliança militar alternativa (a SCO) ao expansionismo desregrado e agressivo da NATO, propugnado pelo equivocado Brzezinski, seria capaz de travar o cerco americano e acordar os sonâmbulos europeus. Foi isso que aconteceu, em grande medida, graças à energia e lucidez de Vladimir Putin, após, obviamente, recompor o potencial nuclear estratégico de Moscovo, só possível depois de recuperar a propriedade e o controlo económicos do país. As duas guerras invasivas contra o Iraque e a invasão do Afeganistão traduziram-se, talvez inesperadamente para quem as desencadeou, no principal factor, a par do crescimento da China, da Índia, do Brasil e dos Emiratos Árabes, da valorização acelerada do petróleo e do gás natural, recursos cuja disponibilidade e acessibilidade entraram numa curva irremediavelmente descendente. Enquanto a América e boa parte da Europa anseiam pelo petróleo para poderem brincar com os vários dildos das sua cultura hedonista, a China e demais países produtores de mercadorias precisam desse mesmo petróleo para fabricar os dildos que tanta falta nos fazem. É toda uma diferença!

A cimeira Europa-Rússia que hoje tem lugar em Portugal, no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia, na conjuntura explosiva que o mundo está a atravessar, tem uma importância crucial para o futuro imediato do próprio projecto europeu. Ou a Europa descola diplomaticamente da América e defende os seus interesses regionais de forma inteligente e clara, ou permanece atrelada às manobras inglesas (e agora também do garnisé francês), deixando os proto-fascistas da Casa Branca conduzirem o planeta para uma III Guerra Mundial. Mesmo que limitada, mesmo que não alastre imediatamente a todo o planeta, uma guerra de mini-nukes (contra o Irão, por exemplo) levará necessariamente a um novo Tratado de Tordesilhas, desta vez entre os EUA e a Rússia-China, por cima dos escombros materiais e ideológicos de uma Europa decapitada de qualquer protagonismo nos próximos duzentos anos. O contrário desta possibilidade passa pela existência de uma terceira posição estratégica independente, protagonizada pela Europa, em nome da racionalidade, da distensão e da cooperação mundial. Não é assim tão difícil.

O facto de Vladimir Putin ser recebido no Convento de Mafra, um lugar de meninice que conheço bem e admiro (pois foi aí que adquiri boa parte da minha sensibilidade estética e curiosidade intelectual), revela a importância histórica conferida pela diplomacia portuguesa à visita no novo Czar da Rússia. Oxalá seja um bom prenúncio!



Post scriptum -- a inauguração da exposição com obras do Hermitage e a possível criação de uma extensão deste famoso museu em Lisboa são dois acontecimentos de uma relevância simbólica bem maior do que à primeira vista possa parecer. Significam um ramo de oliveira estendido entre as duas capitais mais distantes da Eurásia que urge criar e consolidar como principal factor da estabilidade mundial. Portugal é hoje um pequeno país europeu empobrecido e com umas desfalcadas elites em processo de reconstituição. Mas foi, não esqueçamos, o primeiro império planetário da história. Durou tanto quanto o império romano, mais tempo do que os impérios espanhol, francês, holandês ou inglês, não se comparando sequer em duração, experiência e cultura à efémera e agressiva dominação americana. A exposição do Hermitage e a visita ao palácio de Mafra é pois toda uma alegoria que convem reter. De parabéns estão naturalmente a actual direcção do Ministério da Cultura... e os comunistas (ou ex-comunistas) portugueses que souberam fazer a sua própria Perestroika interior, sem cair nos braços sedutores do McDonalds.

Referências

Mafra, a terra que cura.
"Senhor, fico-vos infinitamente obrigado pelos esforços que faz para me enviar terra de Mafra. Qualquer que seja o sucesso, suplico-lhe instantemente que não negligencie esse objecto e que me envie o mais rapidamente possível. É para Sua Majestade Imperial que lhe peço e, se for preciso, dirija-se ao Conde de Oeiras para obter a permissão do Sr. Barros" . Dmitri Golitsin, príncipe, diplomata e cientista russo (1734-1803) -- LUSA/Dn, 24-10-2007.

Democracia soberana.
Em Setembro, o partido de Putin, Rússia Unida, adoptou como programa a doutrina da "democracia soberana", proposta por Vladislav Surkov. Este explicou: "Ela está nos antípodas da "democracia dirigida", um termo que certos centros de influência mundiais tentam impor e que designa um modelo caricatural de regimes económicos e políticos tão ineficazes que têm de ser dirigidos do exterior." -- Público, 25-10-2007.

Putin inaugura exposição do Hermitage em Lisboa
Do imponente busto de Pedro, o Grande, ao ursinho de peluche do czarevitch Alexei, filho de Nicolau II (o último czar russo, assassinado pelos bolcheviques), são perto de dois séculos da história da Rússia - da grandeza ao fim de uma época - e da sua relação com a Europa que Vladimir Putin vai (re)encontrar hoje na Galeria D. Luís I do Palácio da Ajuda, em Lisboa. É aí que o Presidente russo será recebido às 19h30 pelo Presidente Cavaco Silva para a inauguração oficial da exposição Arte e Cultura do Império Russo nas Colecções do Hermitage - De Pedro, o Grande a Nicolau II. -- 25.10.2007, Alexandra Prado Coelho, Público.



OAM 268, 25-10-2007, 01:11

Aeroportos 38

Lisboa-Madrid by easyJet
Lisboa-Madrid-Lisboa via easyJet, por 34,98 euros! E agora Fernando Pinto?

TAP - Greve solidária

A greve, pelo mês em que ocorre (fim da época alta) e pelos dias e voos criteriosamente escolhidos, não pretende prejudicar a companhia. Pelo contrário: visa aliviá-la de mais prejuízos!

Mário Lino -- "Apelo ao Sindicato [Nacional dos Pilotos de Aviação Civil (SPAC)] para que tenha bom senso suficiente, para que pare com a situação grevista, que é extremamente prejudicial para a TAP, para a economia portuguesa, para a imagem do país e para a qual não encontro razões neste momento", declarou o Mário Lino, à margem da Conferência "Auto-estradas do Mar e Logística", a decorrer em Lisboa no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia (UE). Sol, 24-10-2007.

Fernando Pinto -- "Rezo p'ra ela (a Ota) todos os dias."

O objectivo da TAP em 2007 é obter lucros no montante de 34 milhões de euros, parte dos quais serão distribuídos pelos trabalhadores. SIC NOTÍCIAS, 12-03-2007.

DINHEIRO -- As chamadas companhias low-cost estão prosperando. Elas são uma ameaça às grandes?

FERNANDO PINTO -- Não tanto. Eu diria que elas ajudaram as empresas tradicionais a serem mais competitivas. As empresas tradicionais já começam a absorver grande parte do contingente de passageiros das empresas menores. Estamos sabendo usar melhor a nossa rede de agências, que é maior e passa a ser mais interessante para o passageiro. Se ele, além de ter um serviço de bordo, ainda conta com tarifas competitivas, então não tem discussão: opta por nós. Eu diria mais. Hoje, nós é que estamos ameaçando as low-cost. -- Isto é Dinheiro, 16-02-2007.

Vamos por partes:
  1. Os pilotos, tal como muita gente portuguesa e dos demais países europeus, descontou ao longo de uma vida de trabalho esperando reformar-se aos 55, aos 60 ou aos 65 anos, com uma reforma equivalente à média das melhores remunerações obtidas ao longo dos últimos 10 anos da respectiva carreira contributiva (ou coisa semelhante.) Entretanto, o Estado Providência faliu nos poucos países onde existia, isto é, no norte da Europa Ocidental. As causas de tal falência são basicamente três: o aumento da esperança de vida das pessoas, a transferência massiva da capacidade produtiva de bens materiais dos países desenvolvidos da América e da Europa para a Ásia e, coisa sempre escamoteada, a inflacção real derivada do Pico Petrolífero e da depreciação capitalista sistemática do valor do trabalho (por mais especializado que este seja.)
  2. Neste contexto, a reivindicação dos pilotos é justa e inatendível ao mesmo tempo, como inviável é o resto da estrutura empresarial da TAP, que tem actualmente tantos trabalhadores, mordomos e boys ao seu serviço quanto a Air Berlin, a easyJet e a Ryanair juntas! Os pilotos, em vez de fazer esta greve, deveriam analisar friamente a situação e negociar um acordo de cavalheiros razoável com o governo, tendo nomeadamente em conta as reais dificuldades do país e, por outro lado, a sua capacidade profissional e corporativa de compensar por meios próprios a quebra de expectativas que o actual e os futuros governos irão irremediavelmente impor-nos.
  3. A greve, pelo mês em que ocorre (fim da época alta) e pelos dias e voos criteriosamente escolhidos, não pretende prejudicar a companhia. Pelo contrário: visa aliviá-la de mais prejuízos? De facto, os dias escolhidos para a paralização (Terças, Quintas e Sábados), as rotas canceladas (todas as que coincidem com a mole esmagadora das Low Cost, e praticamente nenhuma de Longo Curso) significa uma real poupança de euros para a TAP. Nestas datas, nestas rotas e neste iniciar da época fria, a taxa de ocupação dos voos da TAP-PGA passa rapidamente dos 80% para pouco mais de 60%, sendo que desta vez, o aumento em flecha do preço do petróleo e o incremento de novas rotas a inaugurar pelas Low Cost, tanto em Lisboa como no Porto e no Funchal, agravarão ainda mais dramaticamente a situação económica da companhia. Ou seja, fica mais barato manter em terra os aviões de médio curso não imprescindíveis aos voos de ligação intercontinentais do que mantê-los no ar! Portanto, obrigado Sindicato!
  4. Doutra forma, não se compreenderia como foi possível escutar, como temos vindo a escutar, as Relações Públicas da TAP a propagandearem literalmente a greve dos pilotos, convidando os seus clientes a dirigirem-se a outras companhias para garantir os seus voos sem mais incómodos!
  5. O Governo e o gaúcho que bem pago mal-dirige actualmente o funeral agendado da TAP preparam-se, estranhamente, para responsabilizar os pilotos como mais prováveis responsáveis pelos prejuízos da companhia. É um erro! Pois será fácil demonstrar que os prejuízos actuais e futuros da TAP derivam exclusivamente da falta de visão dos políticos imbecis que temos, da teimosia em prosseguir com o embuste da Ota e da cegueira perante a mudança radical do paradigma da fileira do transporte aéreo, causada pelo pico petrolífero, pela penalização crescente das actividades poluentes (sobretudo se contribuem para o sobreaquecimento do planeta), pela política de céu aberta instaurada na Europa e que em breve cruzará o Atlântico...e pelas Low Cost. As Low Cost, burro!
  6. Por este caminho a TAP terá tantas ou mais dificuldades que a Alitália em encontrar um noivo decente para a cerimónia da privatização. Só se for... a filha do José Eduardo dos Santos, depois de comprar a carcaça do BCP!
  7. A TAP, como está, não tem nenhuma solução. O seu futuro não deve, por isso, ter qualquer influência na decisão que vier a ser tomada sobre a política aeroportuária nacional. Quanto ao Menezes-Santana, que se cuide e estude mesmo bem o dossiê da Ota antes de dizer disparates.

Post scriptum -- o sindicato dos pilotos cancelou entretanto a greve prevista para Quinta Feira e Sábado desta semana, na sequência dos apelos do Mário Lino, e depois, estou seguro, de lerem o meu post. A blogosfera (que alimenta boa parte do escrevo) está de parabéns, na sua primeira mediação subtil de um conflito laboral :-)

Última hora
25-10-2007, 20:19. A MANOBRA VERGONHOSA DO BURRO DO MOPTC (ASSESSORADA PELOS MCO FALIDOS QUE TEMOS)

A entrevista dada à meia-noite de ontem na SIC-N pelo Lino, significa q a marosca de atirar com os prejuízos para cima dos pilotos falhou, apesar da colaboração vergonhosa dos média pagos pelo governo (chamam-se avenças publicitárias...) na dita.

A marosca era esta: contabilizar os 6 dias de greves anunciados pelos pilotos como prejuízos da TAP, responsabilizando-os pela gravíssima crise que ameaça seriamente o futuro da empresa e a prometida privatização da companhia. Tal como sucedeu à também governamental Alitalia, a TAP corre o risco de ir para os SALDOS das privatizações mundiais!

Como escrevi ontem, a greve coincide com o início a época baixa, e com o ataque em força das LC à TAP, pelo q, em princípio, os aviões da TAP vão parar por outros motivos... i.e., falta de clientes!

Cancelaram-se cerca de 60-65 voos no dia da greve (deixando-se, porém, voar tudo o q dava dinheiro!), mas hoje, q não há greve, a TAP já cancelou ONZE voos, dos que andam vazios (claro!), por causa da concorrência imbatível das LC -- e vai piorar!

Então como é? Quem causa prejuízos à TAP? Os pilotos, ou a completa falta de estratégia e más gestão do governo e do gaúcho Pinto?

A greve não causou prejuízos mas poupança! Basta fazer as contas bem feitas...
Aviões vazios ou com taxas de ocupação inferiores a 60% (um panorama cada vez mais comum no Médio Curso da TAP nas rotas atacadas pelas LC), quando deixam de voar, não dão prejuízo; poupam, e muito, dinheiro!

Com o petróleo a US$90,45 o barril calculem lá o que não se poupa deixando de comprar umas 800 toneladas de FUEL por cada dia de greve com 65 voos cancelados... E os custos de manutenção das aeronaves?! E os salários q deixam de ser pagos?! E o "cattering"?!

Ou seja, o sindicato dos pilotos, responsavelmente, pretendeu fazer uma greve q n só minimizasse os prejuízos, como até pudesse poupar uns milhões de euros à companhia, para q a dita distribuísse, como prometeu, dividendos aos seus trabalhadores!

Descoberta a manobra suja do governo e da administração da TAP, os pilotos, que tinham reafirmado a programação da sua luta às 19h30 de ontem, cancelaram inopinadamente a greve às 22h30. O ministro, desesperado, conseguiu aparecer nos estúdios da SIC-N uma hora e meia depois, para imputar responsabilidades aos pilotos pela crise da TAP. Só há uma explicação para esta celeridade: o MOPTC tem um estúdio de "maquillage" no gabinete do ministro!


OAM 267, 24-10-2007, 15:28

terça-feira, outubro 23, 2007

oGE

Almada Nascente
Almada Nascente - Atkins, Richard Rogers Partnership e Santa-Rita Arqtºs.
Rive Gauche?

Almada Nascente
Cidade da Água

Devolver o Tejo aos cidadãos e reabilitar uma zona de antigos estaleiros, desenvolvendo o conceito de cidade de duas margens, são alguns dos objectivos da Câmara Municipal com a elaboração do Plano de Urbanização da Frente Ribeirinha Nascente da Cidade de Almada, adjudicado ao consórcio internacional constituído pela WSAtkins, Santa-Rita Arquitectos e Richard Rogers Partnership, no seguimento de Concurso Público Internacional.

Com o Projecto Estratégico Almada Nascente a autarquia tem como objectivo revitalizar uma vasta área da cidade, privilegiando a sua reaproximação ao rio, com vista à criação de uma frente urbana ribeirinha.

A Câmara Municipal pretende criar uma cidade sustentável, privilegiando a arquitectura bioclimática, a utilização racional da energia e da água, o uso dos transportes públicos, a fruição dos espaços públicos e das zonas verdes.

O plano abrange uma área de 115 hectares, entre Cacilhas e a Cova da Piedade. Inclui os 50 hectares de terreno ribeirinho outrora ocupados pelo Estaleiro Naval da Lisnave, na Margueira, freguesia de Cacilhas.

Principais destaques:

Terminal de Cruzeiros
Marina
Museu do Estuário
Museu Nacional da Indústria Naval
Residências universitárias
Parque Tecnológico
Centro de Ciência e Tecnologia/ Parque das Descobertas

(do sítio web municipal sobre este ambicioso projecto)

Defendo desde 1986 ("Ex-Mater"), e 2005 (o Grande Estuário), a necessidade de um projecto ambicioso na Margem Sul do Tejo, capaz de fazer a velha Lisboa cruzar o rio em direcção a Sul. A razão é simples: para Norte, como para Oriente e Ocidente já quase tudo foi feito, quase sempre mal, bloqueando o crescimento harmonioso da capital e principal cidade-região do país.

Lisboa precisa de expandir o seu centro, mas para onde? Poderá aumentar ligeiramente a densidade da zona ribeirinha, recuperando a zona entre Santa Apolónia e Nova Moscavide (Expo), mas tal não lhe permite enfrentar o desafio de transformar a região dos grandes estuários (Tejo e Sado) num dos principais centros económico-culturais da Europa, para o que existem condições extraordinariamente favoráveis: território e clima invejáveis, paisagens naturais, urbanas e humanas únicas, e a oportunidade histórica de tornar Lisboa na indiscutível capital atlântica da União Europeia e numa das principais plataformas do diálogo intercontinental (sem o que a actual civilização acabará por extinguir-se num holocausto nuclear.)

Defendo por isso que o centro de gravidade de Lisboa passe a situar-se a meio da linha que une o Terreiro do Paço a Cacilhas, e que a partir desse centro, novos círculos concêntricos sejam traçados tendo em vista concluir até meados deste século a obra de transformar esta cidade-região numa das principais megalopolis europeias. Cinco a seis milhões de habitantes, com gentes oriundas dos quatro continentes, numa matriz pós-industrial tecnologicamente evoluída, diversificada, culta e criativa. Uma metrópole pós-carbónica solidária, pacífica e pioneira no desenvolvimento de modelos avançados de sustentabilidade económica e de cooperação democrática.

Precisamos de fortalecer sem demora, o eixo Lisboa-Madrid-Barcelona, bem como o eixo Lisboa-Corunha (que passa pelo Porto, Vigo, Pontevedra e Santiago). Precisamos de ligar convenientemente o Porto, que tem todas as condições para ser a capital económica do Noroeste peninsular, a Aveiro e Salamanca, como precisamos de conectar o porto de Sines à Extremadura espanhola. Precisamos de encurtar a distância entre Lisboa e Sevilha, por Vila Real de Santo António, mas também por Beja. A crescente integração económica da Península Ibérica, parte da integração europeia alargada (que um dia irá de Lisboa a Istambul e a Kiev... ou mesmo Moscovo), exige boas redes de comunicações e igualdade absoluta de oportunidades para todos os cidadãos e para todo o tipo de empresas e actividades económicas. Ora é nesta perspectiva estratégica ampla e arejada de fantasmas, que operações como a que se desenha para Almada fazem ou não sentido.

Olhando para o esquema, diria que o principal e mais difícil foi seguramente tomar a decisão que foi tomada. O passo decisivo já está e agora há que caminhar em frente, limando obviamente algumas arestas, por forma a não deixar a ideia inicial resvalar, como sucedeu e se previu que sucedesse na zona da Expo, para mais uma atabalhoada operação de especulação imobiliária. Os equipamentos culturais previstos parecem-me todos de fachada ou inviáveis. Uma zona ecológica integrada, para habitação, trabalho e lazer, parece-me uma solução óbvia. Destinada a pessoas com rendimentos médios e altos, e empresas de prestígio, com forte imagem criativa e tecnológica, não vejo como possa ser doutro modo. Agora, falta-lhe ainda uma grande referência cultural que leve os cruzeiros a querer atracar por ali, e sobretudo leve as gentes desses cruzeiros, mais a população flutuante que um dia chegará à Rive Gauche de Lisboa, em TGV ou de avião, a demandar obrigatoriamente a Almada Nascente. Eu proponho (de borla) um novo conceito arquitectónico e museológico para aquele lugar. Trata-se de uma Biosfera, quer dizer, uma estrutura ecológica, simultaneamente edifício em terra firme e ilha flutuante, cápsula de experiências vivas sobre a mãe-terra e o futuro da humanidade, laboratório simétrico do Oceanário, em suma, um novo e irresistível símbolo cultural do Grande Estuário.

Como não disse mas poderia ter dito o jovem José Manuel Durão Barroso, a ousadia alimenta os heróis.

Quem não viu Lisboa, não viu coisa boa -- dizem carinhosamente os galegos --, porque ela é a menina dos olhos da península. Que os políticos não se esqueçam disto!

OAM 266, 23-10-2007, 18:06

sexta-feira, outubro 19, 2007

Tratado Europeu 2

Alcochete, praia, 2007
Alcochete, praia, olhando para Lisboa.

Chin Chin!

Eu não sou bota-abaixista e tenho orgulho no meu país, apesar das suas evidentes misérias. Gosto de bater no toutiço daqueles que nos governam, sempre que descubro algo de muito errado nos seus actos e omissões. Estarei por vezes equivocado e serei às vezes injusto, mas esse é o preço do diálogo democrático e dos jogos políticos quando a informação disponível é parcial e se desconhecem as motivações reais das decisões. Assim sendo, pelos resultados obtidos por José Sócrates e José Manuel Durão Barroso, na sequência do enorme esforço de persuasão da chanceler alemã Angela Merkel, no que respeita à aprovação do Tratado Reformador que corrige e substitui o acto falhado que acabou por ser o Tratado Constitucional redigido pela comissão presidida por Valéry Giscard d'Estaing, parabéns pá!

Não é indiferente para um pequeno e aflito país como Portugal, que tenhamos co-produzido, mediado activamente e finalmente celebrado dois documentos tão importantes para o futuro da Europa quanto a Agenda de Lisboa e, agora, o Tratado de Lisboa, cuja ratificação recolherá muito provavelmente a unanimidade democrática dos 27 membros da União. A predisposição existente para a aprovação do documento-base da nova Europa não significa, porém, que todos os estados deixem de fazer um verdadeiro esforço para divulgar e sobretudo discutir em bases claras e pedagógicas os prós e contras do Tratado Constitucional Europeu. Se tal se fizer, não desaprovo a ideia de a ratificação do documento ficar a cargo dos parlamentos democráticos dos diversos estados europeus (1).

A Europa está numa complicada encruzilhada. Precisa de consolidar urgentemente o seu projecto territorial, que é de facto um problema de espaço vital -- económico, político e cultural--, mediando ao mesmo tempo de forma pacífica a deslocação tectónica em curso do centro do mundo, do continente americano para a Ásia... ou para a Eurásia.

A crise que afecta actualmente os Estados Unidos não é um episódio conjuntural, mas sim uma verdadeira crise sistémica, a qual revela sinais inequívocos do declínio efectivo de uma super-potência mundial, 20 anos depois da Queda do Muro de Berlim. Há quem preveja que esta perda inexorável de protagonismo e de poder vá consumir e agitar a América nos próximos 35 anos.

A tentativa em curso de fazer regressar o maniqueísmo bipolar e o terror atómico entre Washington e Moscovo volta a ser, infelizmente, a mais perigosa ameaça ao futuro da humanidade. Os Estados Unidos e a Europa exportaram boa parte da sua capacidade produtiva para a Ásia, numa lógica capitalista de pura exploração de recursos, nomeadamente humanos. Por outro lado, não acautelaram a tempo e horas as questões energéticas e as questões da própria sustentabilidade ecológica do modelo de desenvolvimento material e cultural da espécie que desenvolveram e exportaram para todo o planeta. Os problemas convergem agora no sentido da sua crescente e combinada gravidade. Que fazer?

Talvez concentrarmo-nos todos na metamorfose criativa e pacífica do actual modo de vida!



Notas
  1. Numa conversa entre José Rodrigues dos Santos, António Vitorino e João de Deus Pinheiro, esta noite, na RTP1, ouvi aquele que me parece ser o mais demolidor argumento contra os fundamentalistas do Referendo para a ratificação do tratado constitucional europeu. Deus Pinheiro, antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros, lembrou que a nossa própria Constituição (e as suas sucessivas revisões) nunca foram referendadas pelos eleitores, a não ser pela via parlamentar reforçada (maioria de 2/3).

    De facto, nenhuma pergunta clara poderia alguma vez ser submetida ao eleitorado sobre esta matéria extensa e complexa. Por outro lado, é verdade que mais de 99,9% dos portugueses, incluindo 99% dos simpatizantes do Bloco de Esquerda e 99% dos militantes do PCP, não fazem a mais pequena ideia do conteúdo do Tratado de Lisboa. Nunca o leram e não não vê-lo nunca! Nestas circunstâncias, as imbecilidades aveludadas proferidas por Joana Amaral Dias na SIC Notícias sobre o tema, tal como as vociferações neolíticas do Secretário-Geral do PCP não passam da mais pura e irrelevante demagogia. De resto, as posições já assumidas por Luís Filipe Menezes e Cavaco Silva sobre esta matéria vieram facilitar grandemente a tarefa ao actual Primeiro Ministro.

    Resta obviamente o problema do compromisso eleitoral do PS. Mas aqui, o povo dirá: -- "Tomara que o Socratintas só tivesse mudado de ideias neste assunto! ! (19-10-2007, 22:15)


Referências


Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa
Projecto do Tratado Reformador
Presidência da União Europeia, Portugal 2007



OAM 265, 19-10-2007, 13:19

Europa Cognitiva

Erasmus por Hans Holbein
Erasmo de Roterdão (1466-1536) por Hans Holbein (1497-1543).
A etapa do conhecimento

In the mid-80s, nearly 90% of European students studying abroad went to the US; ten years later, in the mid 90s, this proportion had completely reversed with only 10% going to a US university and 90% going to another European country's university. -- Europe2020, Oct.2007

Desiderius Erasmus Roterodamus, ou Erasmo de Roterdão, foi um dos filósofos da modernização do Cristianismo, movimento esse que viria a sofrer uma particular radicalização com Martinho Lutero, de cujas teorias nasceria a pouco e pouco uma Ética nova (do determinismo, do conhecimento, da razão, do trabalho e da sociedade) a que Max Weber chamaria, já no século 20, o "Espírito do Capitalismo".

Ambos puseram em causa os formalismos mais ortodoxos e hipocritamente piedosos do decadente Império Apostólico Romano, que impediam o livre pensamento e a livre circulação de ideias, de pessoas e de mercadorias na sociedade burguesa que se expandia então rapidamente. Mas se a metodologia de Martinho Lutero funda, de algum modo, uma tradição reformista revolucionária na Europa, a de Erasmo de Roterdão, pelo contrário, prossegue um caminho mais intelectual, centrado na proposta de uma libertação puramente cognitiva do pensamento, supondo convictamente que a verdade não pode se não resultar da liberdade. Talvez por isso o nome deste filósofo humanista flamengo viesse a ser escolhido, alguns séculos depois, para nome de um dos programas educativos com maior sucesso alguma vez lançado na Europa depois da própria criação das universidade -- o programa Erasmus.

Este programa de circulação de estudantes universitários pelas instituições de ensino superior europeias começou em 1987. Em 1990, movimentou 20 mil estudantes. Em 2004-05 o número subiu para 120 mil.

The development of a global European academic system centred on the strong inter-academic networks born from Erasmus resulted in a proliferation of partnerships between EU establishments and universities from other continents (in the UNESCO's 2004 top-ten academic destinations, there were 5 EU countries: UK, France, Germany, Spain and Belgium). Meanwhile Asia is becoming a prominent academic destination due to the growing importance of this continent on a global scale. In 2006, EU member states welcomed twice more foreign students than the US (over 1,200,000 versus 560,00048), an evolution parallel with the growing loss of educational market shares suffered by US universities. -- Europe2020, Oct.2007

A perda de influência dos Estados Unidos no mercado mundial do conhecimento e da formação é igualmente atestada pela crescente importância dos masters, doutoramentos e demais programas de pós-graduação europeus, e ainda pela importância crescente das universidades asiáticas, nomeadamente na China, Japão e India. No entanto, o poder de atracção das universidades europeias é, segundo o Europe2020, o facto mais destacável na evolução recente a nível mundial do fenómeno da formação e investigação. Na Europa, esta tendência condicionará cada vez mais a criação de redes, ou ligas de universidades e centros de formação avançada, ordenadas por rankings da qualidade e prestígio, com efeitos evidentes na competitividade educacional intra-europeia. Nos próximos vinte anos, segundo o Europe2020, uma tal perspectiva deverá estimular e condicionar fortemente as decisões dos estudantes, professores, investigadores, gestores e investidores envolvidos na economia do conhecimento.

Não sei se o contrato realizado entre o governo português e o MIT foi a decisão mais oportuna, sobretudo atendendo ao atribulado processo seguido e ao silêncio que se lhe seguiu. O que sei é que temos uma janela de oportunidade que não devemos desperdiçar, sobretudo agora que os bifes do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional) acabam de ser lançados às feras da subsidio-dependência e do subsídio-oportunismo lusitanos.

Os milhões que até hoje se delapidaram na educação e na formação profissional pagas pelos fundos comunitários, de nada ou para pouco serviram. Houve muita roubalheira e descaramento e ninguém foi preso. Esperemos que desta vez sirva para preparar convenientemente a integração das nossas melhores instituições de ensino e formação técnico-profissional nas competitivas redes cognitivas em gestação por essa Europa fora.

Para tal, será necessário apostar forte num conjunto limitado de escolas, institutos e programas de excelência, sobretudo nas áreas que podem fazer a diferença do nosso desenvolvimento no contexto europeu: investigação e tecnologias avançadas aplicadas aos têxteis, calçado e acessórios; ciências e tecnologias do mar; energias alternativas; ciências genéticas e biotecnologias; ciências médicas; ciências e tecnologias da alimentação; informática e sistemas computacionais; ambiente; sustentabilidade; agricultura biológica e turismo.

É preciso, por outro lado, usar de um grande profissionalismo e criatividade na gestão desta importante virtualidade do QREN. A constituição de um colégio de comissários supervisores dos processos de aprovação de projectos, com a responsabilidade e a independência que a simples vinculação a direcções-gerais politicamente condicionadas e governos a prazo nunca poderão assegurar, faria toda a diferença.

OAM 264, 19-10-2007, 02:22

terça-feira, outubro 16, 2007

OE2008

Basta de ilusionismo!
Portugal: sobre o Orçamento de Estado de 2008 (OE2008)
16-10-2007. Look at Japan: that depression is entirely driven by the people at the top wanting to make money no matter what, while running a 0% system. It literally crushes people to death under such a regime. Japan's domestic economy isn't growing, only their export economy and the wealth of the elites running these Japanese export corporations. -- Elaine Meinel Supkis, Goldman Sachs: Traitors And Con Artists.
Portugal, um país em recessão grave e endividado até ao tutano, tem que dizer "Basta!" à retórica governamental e partidária, exigindo dos políticos uma linguagem clara e transparente sobre a situação real do país e as alternativas que teoricamente se nos oferecem.

Por exemplo:

O BNP Paribas Energy Commodities Export Project, no seu relatório de Novembro de 2006 --WTI & Brent Quaterly Price Outlook 2007-2008-- previa que o Brent estaria próximo dos US$65 no final de 2007. Em Setembro deste ano, a mesma entidade limita-se a constatar que o barril ultrapassou os US$80, não fazendo previsões para os tempos mais próximos!

O governo português elaborou um Orçamento de Estado para o ano 2008 tendo por referência um preço médio do Brent de US$74,9...

No entanto, o crude (US light, sweet crude rose) chegou hoje (16-10-2007) aos US$88, e o Brent, aos US$83,99, i.e. mais 9 dólares do que a referência usada nos cálculos optimistas da equipa de Sócrates! É só fazer as contas para vermos qual o impacto da previsível conjuntura energética mundial em 2008 nos exercícios trapezistas da actual maioria, para se perceber a gravidade da situação.

Como diz Medina Carreira, é preciso, de uma vez por todas, falar verdade aos portugueses e explicar de uma forma simples, e não dissimulada (como ocorre na ditirâmbica ilusionista do OE2008), o que pode e não ser dito, o que deve e não ser feito, e sobretudo, o que tem que ser poupado nas mordomias, fretes, derrapagens propositadas e escandalosos desvios da riqueza nacional para os bolsos privados de especuladores financeiros, empresas portuguesas sob protecção negociada --de que a roubalheira das chamadas Parcerias Público Privadas é o mais recente estratagema (1)-- e boys do Bloco Central (2).

Apontar os holofotes da conivente comunicação social para o feito adamastórico de a actual maioria prometer reduzir o défice para os 3% é uma pura mistificação das dificuldades do país.

O que parece importante sublinhar é que a nossa Dívida Pública, ou Dívida Bruta Consolidada das Administrações Públicas, é, segundo a própria previsão optimista da actual maioria, de 104.607 milhões de euros -- isto é ~64,4% do PIB, o que equivale a uma dívida média por cada português activo de cerca de 18.747 euros.

Por sua vez a Dívida Externa portuguesa, um dado que não aparece referido em nenhuma parte do relatório do OE2008, era em Setembro de 2006 (CIA World Factbook) de 272.200 milhões de dólares, ou seja, a valores actuais, cerca de 206.756 milhões de Euros. Em 2006 esta dívida externa, a 22ª mais alta dos 200 países considerados nas estatísticas da CIA, representava entre 129,5% e 153,9% do PIB, consoante consideremos valores GDP (OER), ou GDP (PPP). A pergunta óbvia é esta: quanto representa nas actuais projecções do OE2008? Não sabemos!

Também não sabemos que quantidade efectiva de ouro existe nas reservas do Banco de Portugal, com capacidade de garantir os empréstimos externos: 462 toneladas, 417 toneladas, 166 toneladas, ou nem isso?!

Sabemos, no entanto, que os encargos líquidos com parcerias público-privadas (PPP) no sector das concessões rodoviárias vão somar no próximo ano 860,1 milhões de euros (704 milhões dos quais, para as célebres SCUT do Cravinho!) E que o governo tenciona prosseguir com este tipo de negócios ruinosos com a meia dúzia de consórcios económico-financeiros --construtoras e bancos (3)-- com quem o actual regime político parece viver na mais encantada e ruinosa simbiose.

E sabemos também que a liquidez está a desaparecer rapidamente debaixo dos colchões especulativos da bolsa. O valor do PSI20 cai paulatinamente. O BCP está a transformar-se numa espécie de "Casa Pia" do sector bancário lusitano. O Montepio treme que nem varas verdes diante do maremoto hipotecário que ainda está para chegar sob a influência dos ventos tempestuosos do iminente crash imobiliário espanhol. Ou seja, toda a gente quer jogar no casino do petróleo e das commodities, mas quando decide levantar a massa para jogar, descobre que o cofre, afinal, está vazio! Não é Joe?

Vai ser bonito observar, nas próximas semanas, como conduzirá a actual oposição parlamentar a discussão deste orçamento cartola, recessivo por todos os poros, e que promete mais sacrifícios para todos, excepto, claro está, para os boys do Bloco Central, alguns dos quais têm ainda o desplante de continuarem a explicar-nos semanalmente na TV como vai o mundo!


NOTAS
17-10-2007. 20:20
  1. Sobre a Parceria Público-Privadas entre o Estado português e a Fertagus (empresa que explora o combóio da ponte 25 de Abril, entre Roma-Areeirio e Setúbal) vale a pena ler estas conclusões da auditoria do Tribunal de Contas de Junho de 2002 (N.º 24/2002 - 2ª SECÇÃO)

    Quanto ao modelo da Concessão (VER PÁG. 17)

    O actual modelo de concessão é o resultado de nova orientação governamental, tomada a partir de Março de 1997 e que conduziu à transformação de um projecto inicialmente idealizado como auto-sustentável financeiramente, isto é, a pagar pelos utentes, num projecto a cargo do Estado, ou seja, só viável com os pagamentos a efectuar pelos contribuintes, situação esta bem patente na decisão de alargamento do objecto da concessão às Estações do Fogueteiro e Setúbal (Praias do Sado).

    5.2. Quanto ao processo de concurso (VER PÁG. 18)

    O facto do Consultor Financeiro da Comissão do Concurso, como representante do Estado concedente, ter sido o autor da metodologia de avaliação dos concorrentes, e,posteriormente, após a adjudicação, passar a fazer parte integrante do sindicato de bancos/consultores do concorrente Fertagus suscita reservas quanto à transparência do processo, tanto mais que haviam sido solicitados compromissos de exclusividade a todos os consultores do Estado que colaboram no lançamento do concurso. Nos termos das Bases da concessão, o Estado assegura a adequada compensação à REFER, sempre que ocorram, para o concessionário, reduções – ou até isenção – da taxa devida pela utilização da infra -estrutura, por força de variações no volume de tráfego abaixo do limite inferior da banda de referência. Isto significa que o concessionário não assume qualquer encargo relativo ao pagamento da taxa de utilização da infra-estrutura desde que o volume de tráfego se situe abaixo do limite mínimo da banda de tráfego inferior. O Estado acaba, assim, por substituir-se ao concessionário, nas obrigações decorrentes do pagamento à REFER da utilização das infra-estruturas ferroviárias. Acresce que o Estado, ao assumir este encargo por conta do concessionário, está não só a reduzir os benefícios económicos do contrato para os contribuintes, como a condicionar a maximização da racionalidade económica da gestão privada.

    Acresce que o regime de pagamento da taxa de utilização pelo Estado concedente acaba por consubstanciar uma forma indirecta de subsidiar os custos de exploração da Fertagus relativos ao pagamento da taxa de utilização da infra-estrutura, o que não deixa de suscitar reservas quanto ao respeito pelos princípios comunitários da concorrência.

    COMENTÁRIO (RR): Com contratos destes todos nós podiamos criar empresas!

  2. Além do consultor financeiro seleccionado (a KPMG), a Rave anunciou ter contratado também o assessor jurídico para a Alta Velocidade, que será a Jardim Sampaio Caldas, liderada pelo ex-ministro e actual deputado socialista Vera Jardim. Jornal de Negócios, 17-10-2007.

  3. Construtoras e PSD alinhados num pacto para o investimento...
    As construtoras consideram que "é benéfico para o país que os dois partidos do arco do poder façam um pacto" para definir o investimento em grandes obras públicas para o médio prazo. O novo líder do PSD, Filipe Menezes, propôs em Torres Vedras um pacto alargado a todos os partidos parlamentares e o PS admite falar do assunto, se o que estiver em causa forem os grandes investimentos. Jornal de Notícias, 17-10-2007.

OAM 263, 16-10-2007, 19:06