quinta-feira, dezembro 30, 2010

Europeus, coragem!

Dólar e libra perdem guerra contra o euro
Agora é preciso limpar os cacos, resistir ao assalto fiscal e à destruição de serviços públicos essenciais, bem como controlar os bancos e colocar as burocracias partidárias na ordem



"We propose the creation of a harmonious economic community stretching from Lisbon to Vladivostok." — Vladimir Putin, ao Süddeutsche Zeitung (ler artigo no Spiegel Online de 25-11-2010)

A resposta à ofensiva das moedas falidas do eixo anglo-saxónico (EUA-Inglaterra) contra o euro, na tentativa desesperada de impedir o abandono crescente do dólar como moeda de reserva mundial, parece estar em curso de forma rápida e eficaz, embora os radares da imprensa convencional captem com dificuldade e lamentável atraso esta realidade subtil mas de importância decisiva para os deslocamentos em curso das placas tectónicas do poder mundial.

Por um lado, a SCO (Shanghai Cooperation Organization) tornou-se, de 2001 para cá (lembram-se de 2001?), numa poderosa aliança de estados euro-asiáticos. Por outro, a China começou a usar a sua moeda nas trocas internacionais com países como a Argentina, e acaba de acordar com a Rússia o abandono progressivo da divisa americana nas transacções entre estas duas potências económicas e nucleares mundiais. Esta tendência, cujo anúncio prematuro por Saddam Hussein lhe viria a custar a vida e a segunda grande invasão do Iraque pelos Estados Unidos e Inglaterra, foi retomada em Novembro passado por uma ofensiva diplomática sem precedentes de Vladimir Putin, tendo por alvo directo a Alemanha de Angela Merkel, mas visando obviamente um cenário muito mais amplo e particularmente atractivo para a União Europeia no momento em que esta enfrenta um ataque traiçoeiro e sem precedentes de Wall Street e Londres contra a estabilidade e integridade do euro. Mas mais: os emergentes BRIC, actualmente presididos pela China, acabam de incorporar formalmente no seu seio a África do Sul, transformando-se em BRICS: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (South Africa), na mesma semana em que sete países do Leste Europeu (1) anunciam a sua vontade de entrar na Eurolândia, apesar da crise (ou por causa dela...) Por fim, como que a provar a sabedoria de quem foge da nota verde, os dados mais recentes da economia dos USA, nomeadamente sobre a queda imparável dos preços do imobiliário, são de deixar os cabelos em pé (2).

Mapa da área de influência da nova aliança estratégica promovida pela China

As economias do Ocidente europeu e norte-americano estão sobre endividadas, quer no que se refere às respectivas dívidas externas, quer no que respeita às respectivas dívidas públicas. Mas o mesmo é ainda mais verdade para o Japão —onde a deflação continua a fazer vítimas, nomeadamente entre os pensionistas (3)—, não deixando de ser verdade também para muitos outros países: Austrália, Israel, Sudão, Líbano, etc. Ou seja, teremos que procurar a causa deste endividamento global em algo de mais fundamental do que as divergências —aliás praticamente inexistentes— entre sociais-democratas e neoliberais. Todos têm sido neo-keynesianos à sua maneira desde a crise petrolífera de 1973 —uns empolando mais as burocracias de Estado, partidárias e municipais, outros transformando as economias em gigantescos jogos de Monopólio, onde o dinheiro é grátis e não custa praticamente nada a fabricar (pois aflui aos mercados em formatos puramente virtuais por actos de magia electrónica e administrativa!) Em ambos os casos a receita é, por assim dizer, keynesiana: trata-se de inventar trabalho e consumo onde não existe!

Há dois factos até agora não refutados que poderão fazer alguma luz sobre a magnitude e sincronia da actual crise sistémica do Capitalismo:
  • a produção de petróleo per capita tem vindo a decair consistentemente desde 1970, 
  • e a produção de cereais per capita começou igualmente a decair de forma aparentemente irreversível desde 1980.

Outro ponto a ter em conta é o fim objectivo do colonialismo e do imperialismo ocidentais, que embora tenha começado a desaparecer lentamente no longínquo ano de 1823, por imposição da célebre Doutrina Monroe, que retirou progressivamente o "novo mundo" do domínio colonial europeu, acelerou extraordinariamente com os processos de descolonização na Ásia e em África depois da Segunda Guerra Mundial. A verdade é que este processo de implosão do imperialismo ultramarino iniciado pela Europa em 1415 (com a conquista de Ceuta por portugueses, galegos, biscainhos e ingleses), só agora está a chegar ao fim. Podemos ler estes sinais nas sucessivas derrotas da Europa e da América na Indochina, em África, e mais recentemente no Iraque e no Afeganistão. Podemos entender o alcance destes sinais desde 1960, quando os principais países produtores de petróleo formaram a OPEP, excluindo expressamente do seu seio grandes produtores com eram e ainda são os Estados Unidos e o Canadá. Podemos, enfim, ter a certeza de que algo de fundamental mudou, quando os países emergentes dos BRICS começaram a juntar os trapos, conscientes da sua importância global enquanto detentores de vastos territórios ricos em recursos naturais e humanos.

De um lado, temos a velha Europa, a parte rica da América do Norte (EUA e Canadá), e o Japão, industrializados, urbanizados, e devoradores insaciáveis de recursos. Do outro, uma imensa maioria populacional pobre, pouco industrializada, pouco e mal urbanizada, e com acesso limitado às matérias-primas, fontes de energia e bens de consumo, vivendo paradoxalmente em territórios imensos, onde se encontra boa parte dos recursos vitais para a sobrevivência do modelo de desenvolvimento e crescimento criado e desenvolvido pelas antigas potências imperiais: energia, minérios, recursos alimentares e mão de obra barata.

Era uma questão de tempo até que o mapa da divisão internacional do trabalho e do poder mudasse de geografia e de mãos. E é o que vem acontecendo de forma clara desde 1971, ano em que o presidente americano Richard Nixon descolou a divisa americana do ouro, pondo-a a flutuar num reino de arbitrariedade cambial, cujo fim negro se aproxima agora, perigosamente, do fim. O ataque indecente e traiçoeiro dos piratas de Wall Street e da City londrina contra o euro, mais não tem sido do que um último e lamentável episódio demonstrativo do que pode fazer um sistema fiduciário técnica e moralmente falido, entregue à ganância e ao crime, quando estrebucha.

China, Rússia e boa parte dos países árabes estão fartos do dólar e dos americanos. Decidiram por isso apostar na moeda única europeia. É pois provável que não deixem cair o Euro, apesar de todas as pressões e do preço que tiverem que pagar por tal decisão estratégica. Os leilões de dívida soberana que ocorrerão na Europa ao longo de todo o ano de 2011 vão ser o verdadeiro teste de esforço à nova ordem económica e financeira mundial prestes nascer.

Curiosamente, Putin, líder de facto de um imenso país despovoado e a caminho de uma perigosa depressão demográfica, já terá percebido que a China é um aliado de circunstância. Tornar pois possível a grande Europa de Lisboa a Vladivostoque é agora o grande desígnio "secreto" da Rússia (4), que os portugueses deverão acarinhar com o mesmo entusiasmo que deverão colocar na rápida entrada da Turquia numa Eurolândia que tem tudo a ganhar com a sua abertura a Leste. Uma nova Europa com mil milhões de habitantes e uma longa história cultural poderá fazer a diferença que falta na recomposição planetária dos equilíbrios entre as grandes regiões humanizadas. E no fim, Portugal até poderá deixar de estar na periferia —se souber transformar-se numa pequena mas importante potência diplomática mundial. Bom ano, Portugueses!

REFERÊNCIAS
  • A V.O. de Mark Blyth on Austerity, encontra-se acessível na Videoteca deste blogue, ou no portal Vimeo.

NOTAS
  1.  "Sept pays candidats pour rejoindre le club. Par Fabrice Nodé-Langlois". Le Figaro (27/12/2010)
  2. "Investors Attempting to Dump Bonds Push Bid Index Near Record: Muni Credit", By Brendan A. McGrail, Bloomberg, Dec 27, 2010.
    ROBERT SHILLER: "If House Prices Keep Falling This Fast, The Economy Is Screwed", Business Insider, Dec 29, 2010.
  3. Japan to cut pension benefits amid deflation. Japan Today, Tuesday 21st Dec, 08:18 AM JST
  4. Sobre isto mesmo escrevemos, a pretexto da cimeira Europa-Rússia celebrada durante a presidência portuguesa da UE em Lisboa, em Outubro de 2007, o seguinte:
    A cimeira Europa-Rússia que hoje tem lugar em Portugal, no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia, na conjuntura explosiva que o mundo está a atravessar, tem uma importância crucial para o futuro imediato do próprio projecto europeu. Ou a Europa descola diplomaticamente da América e defende os seus interesses regionais de forma inteligente e clara, ou permanece atrelada às manobras inglesas (e agora também do garnisé francês), deixando os proto-fascistas da Casa Branca conduzirem o planeta para uma III Guerra Mundial. Mesmo que limitada, mesmo que não alastre imediatamente a todo o planeta, uma guerra de mini-nukes (contra o Irão, por exemplo) levará necessariamente a um novo Tratado de Tordesilhas, desta vez entre os EUA e a Rússia-China, por cima dos escombros materiais e ideológicos de uma Europa decapitada de qualquer protagonismo nos próximos duzentos anos. O contrário desta possibilidade passa pela existência de uma terceira posição estratégica independente, protagonizada pela Europa, em nome da racionalidade, da distensão e da cooperação mundial. Não é assim tão difícil. — in "Rússia, Vladimir Putin, um novo príncipe" (O António Maria, 25-10-2007.)

    Última actualização: 30-12-2010 12:02

quarta-feira, dezembro 29, 2010

Only Shoes

"Portuguese shoes the sexiest industry in europe"

Calendário Portuguese Shoes 2011 da APICCAPS

Calendário Portuguese Shoes 2011 da APICCAPS

Calendário Portuguese Shoes 2011 da APICCAPS

Já ouviram falar desta campanha? A CHICOTE, não. Mas chegámos ao seu miolo através do conhecido sítio de talentos Beance Network, onde descobrimos o excelente trabalho de Frederico Martins (fotógrafo de moda) e Fernando Bastos Pereira (estilista). O prometido Calendário Portuguese Shoes 2011 da APICCAPS, a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos, com sede no Porto e fundada em 1975, ainda não saiu a público, mas quando sair queremos ser contemplados!

Num país sempre visto como conservador, de tamancos, analfabeto funcional e com mulheres de buço, esta campanha promete encostar os nossos detractores à parede. E com que argumentos!

O passo de ganso da Dominatrix que abre, cremos, o mês de Janeiro de 2011, não é, como o ano que aí vem, para brincadeiras. Ou, melhor, é só para quem estiver disposto à alta escola portuguesa de cavalaria. Por sua vez, o David criado pela dupla Frederico Martins/Fernando Bastos Pereira, é absolutamente divinal. Ficamos sem saber se estamos em Florença, se no preâmbulo de um retrospectiva de Robert Mapplethorpe. Engano nosso — são só sapatos!

Para o ano negro que aí vem, a ofensiva dos industriais de calçado do norte de Portugal não poderia ser melhor sinal de esperança para quem imagina, para quem desenha, para quem transforma a matéria, para quem sabe seduzir as vítimas do bom gosto, e para quem gosta de Ferraris —claro!

A CHICOTE não poderia estar mais babada com esta campanha. Podemos levá-la debaixo do braço, e entrar em qualquer sítio decente deste planeta, dizendo que vimos de uma praia à beira-mar plantada, onde há gente linda, artistas incógnitos, e trabalho. Muito trabalho pela frente. Não morremos de frio, os nossos aeroportos e portos não fecham, nem com ventos, nem com tempestades de neve, e temos a a mais genuína slow food da Europa. Welcome, and get use to it!

Para os que ainda não sabiam, aqui ficam alguns dados para as estatísticas (APICCAPS dixit):
  • A indústria portuguesa de calçado coloca no exterior mais de 90% da sua produção, o equivalente a 1.300 milhões de euros anuais.
  • O calçado português chega, actualmente, a 132 países, nos cinco continentes. Nos últimos cinco anos, o crescimento acumulado das exportações ascende a 6,1%, isto é, três vezes mais do que a generalidade da economia portuguesa.
  • O sector do calçado em Portugal engloba 1.300 empresas, responsáveis por mais de 34 mil postos de trabalho.
  • O sector do calçado é o mais internacionalizado da economia portuguesa.
  • A APICCAPS em parceria com a AICEP e o apoio do Programa Compete, está a ultimar a mais extensa e ousada campanha de promoção de sempre, num investimento total de 10 milhões de euros.
  • A campanha Portuguese shoes the sexiest industry in europe chegará a Las Vegas, Tóquio, Moscovo e Xangai.
  • Em 2011, pela primeira vez, a indústria portuguesa de calçado vai investir na Austrália, na Índia e na Turquia.
  • Mais de 140 empresas participarão em mais de 70 fóruns da especialidade em 16 mercados distintos, numa verdadeira volta ao mundo em menos de 365 dias.
 É caso para dizer: Se Maomé não vai até a montanha, a montanha vai até Maomé — CHICOTE.

Publicado sob autorização da CHICOTE.


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Ficha técnica
Client: APICCAPS
Photography: Frederico Martins
Styling: Fernando Bastos Pereira
Make-up: Patricia Lima
Hair styling: Rui Rocha
Photo assistant : Pedro Sá
Retouching: LaLaLandstudios

terça-feira, dezembro 28, 2010

Finanças Pessoais

2011-2020: poupar, proteger, diversificar
principais aplicações para as auas poupanças
  1. Habitação própria — se contraiu um empréstimo para comprar a sua casa, o ideal é livrar-se tão cedo quanto possível da hipoteca. Livre-se de encargos prescindíveis e de hipotecas que possam afectar a posse do bem em consequência de uma subida empinada das taxas de juro e dos preços de bens essenciais como a energia e a água. A médio-longo prazo (10—20 anos) o Euro irá perder paulatinamente valor, os juros irão subir, e as pensões de reforma e outros subsídios verão diminuir significativamente o respectivo poder de compra. Faça um somatório de todos os encargos que tem com a sua casa (hipoteca, consumos de energia, água e telecomunicações, condomínio e manutenção geral) e simule os impactos que poderão ter nas suas receitas uma inflação real de preços e juros sobre empréstimos na ordem dos 10% ao ano. Não se esqueça que uma moeda como a Libra inglesa, por exemplo, tendo o ouro como padrão de referência, perdeu 400% do seu valor desde 1971 (Why I keep buying Silver and Gold, by Bengt Saelensminde, in MONEY WEEK).
  2. Trabalho — é um bem cada vez mais raro, e enquanto a tecnologia for alimentada por energia fóssil barata, não haverá regresso em massa ao trabalho, isto é, ao trabalho das nossas mãos, braços, pernas e cérebros. Esta realidade é ainda mais séria no Ocidente, cujas indústrias têm emigrado a ritmo acelerado para a China, a nova fábrica do mundo. No entanto, é preciso ter em conta que a energia fóssil barata está à beira do fim. Depois, só energia cara, muito cara mesmo. Preservar o pouco trabalho que há, ainda que auferindo menos dinheiro pela sua realização, vai tornar-se um questão cada vez mais crítica para as economias pessoais e familiares.
  3. Ouro e prata — o valor destes metais não pára de subir e é de crer que continuará a ser uma das melhores aplicações para a poupança que formos conseguindo. Habitue-se a fazer pequenas poupanças semanais, sobretudo nos consumos supérfluos, aplicando-as em pequenas moedas de ouro e prata. Para uma introdução ao investimento em metais preciosos, leia-se este actualizado A beginner's guide to investing in gold, publicado pelo MONEY WEEK. Não é sem motivo que a Índia comprou duzentas toneladas de ouro ao FMI em Novembro de 2009 (in The Prudent Investor).
  4. Terra — as necessidades alimentares que hoje são preenchidas com produtos variados e a preços razoáveis, sobretudo nos países ricos do Ocidente, poderão deparar-se em breve, no prazo de uma década, com falhas de abastecimento inimagináveis nos dias que correm, e uma inflação galopante. Quando esta escassez, motivada pela carestia do petróleo e do gás natural, ocorrer, ou antes, quando esta escassez inevitável se tornar visível no horizonte, a corrida às terra ricas em nutrientes, aptas a gerar alimentos, atingirá proporções nunca vistas —nem nas grandes corridas ao ouro. O momento para investir em terrenos com potencial agrícola, sobretudo nas zonas próximas dos grandes centros urbanos, é agora! 
  5. Amizade — as tensões sociais tendem a agravar-se à medida que a escassez energética aumenta, provocando a inflação e o endividamento geral dos indivíduos, famílias, nações e estados. A tentação dos governos, depois das democracias ocidentais terem degenerado em aparelhos burocráticos, populistas e minoritários, cada vez mais musculados (os estados de excepção, sob a forma de leis anti-terroristas, ou de estados de alarma, regressaram ao nosso quotidiano), é apropriarem-se, por via de leis arbitrárias (ainda que sufragada por parlamentos e dirigentes políticos cada vez mais corruptos), ou à força, da riqueza alheia. Fazem-no já sob a forma de um verdadeiro terrorismo fiscal, da desvalorização do dinheiro, do ataque directo ao Estado Social que os impostos já não conseguem suportar, e preparam-se mesmo para desencadear no futuro operações em massa de expropriação directa da propriedade privada, alegadamente em nome do interesse público. O anúncio pelo actual ministro da agricultura português, rapidamente abafado, da expropriação de terrenos florestais para posterior entrega a empresas privadas "especializadas", foi um balão atirado para o ar para estudar reacções. Mas a verdade é que o assunto estava, está e estará em cima da mesa das burocracias democráticas que, não tenho dúvidas, se preparam para a eventualidade de uma estatização forçada da riqueza, nomeadamente agrícola e florestal. É este tipo de desestruturação social, que em breve poderá tomar conta das economias a braços com a tragédia de um bem comum exausto (o petróleo e o gás natural baratos), que as sociedades civis de todos os países terão que enfrentar. Os povos que souberem criar rapidamente laços de amizade e cooperação, baseados na proximidade e na organização em rede, poderão talvez conseguir travar a barbárie, e reconduzir as nações a um novo ponto de equilíbrio. Daí a importância de promover, desde já, a acumulação dessa nova riqueza imprescindível ao futuro da humanidade: a amizade.

sexta-feira, dezembro 24, 2010

Ao Pai Natal

Uma das muitas campanhas da Coca Cola que universalizaram Pai Natal

Querido amigalhaço,

Em vez do incenso e mirra que os Reis Magos sempre trazem no dia 6 de Janeiro de cada ano (o ouro, pelo contrário, tem desaparecido a olhos vistos!), o povo desgovernado da Lusitânia preferia outros presentes neste Natal. Aponta então:
  1. a privatização da RTP, pois, como sabes, esta televisão de propaganda governamental nada faz que as televisões privadas não façam melhor e mais barato para todos os contribuintes;
  2. a privatização da TAP, pois, como sabes, além de estar tecnicamente falida, e há muito não passar de um centro de custos do regime pago pelos contribuintes, nada faz que as companhias privadas de aviação não façam melhor e mais barato;
  3. a conservação do Aeroporto da Portela por muitos e bons anos, pois, como sabes, esta infraestrutura goza de qualidades ímpares, está muito longe da saturação (se é que alguma vez chegará a semelhante estado), e tem vindo a ser beneficiado com centenas de milhões de euros de investimentos ao longo da última década, dos quais destaco as novas 25 mangas para encosto de aeronaves, e a abertura no próximo ano da estação de Metro do Aeroporto;
  4. a privatização da CP (que não da REFER), em regime de concessão, por concurso público internacional, com cláusulas de serviço público asseguradas, e por períodos nunca superiores a 35 anos, dos regimes de exploração do transporte ferroviário de pessoas e mercadorias, pois, como sabes, a CP está falida e será por isso incapaz de responder aos novos desafios criados pelas redes europeias de mobilidade ferroviária;
  5. a privatização dos transportes urbanos, em regime de concessão de exploração, por concurso público internacional, com cláusula de serviço público asseguradas, e por períodos nunca superiores a 35 anos, pois, como sabes, o Metro de Lisboa, Porto e Margem Sul do Tejo, Carris, e os STCP estão falidos, e são coutadas partidárias incontroláveis;
  6. a privatização dos portos e aeroportos, em regime de concessão de exploração, por concurso público internacional, com cláusulas de serviço público asseguradas, por períodos nunca superiores a 35 anos, pois, como sabes, a competitividade destas infraestruturas é nula ou mesmo negativa, na exacta medida em que não prestam contas da sua rentabilidade ao país, e são, na verdade, mais umas tantas coutadas do regime partidocrata e clientelar que temos;
  7. a privatização das florestas de domínio público, em regime de concessão de exploração, por concurso público internacional, com cláusulas de serviço público asseguradas, por períodos nunca superiores a 35 anos, pois, como sabes, milhares de hectares de floresta ardem todos os anos, boa parte dela por incúria manifesta do nosso Estado;
  8. a privatização da recuperação e exploração dos patrimónios imobiliários municipais, por concurso público internacional, com cláusulas de serviço público asseguradas, por períodos nunca superiores a 35 anos, pois, como sabes, boa parte das casas em ruína nas cidades de Lisboa e Porto, para não mencionar outras cidades mais pequenas, é propriedade municipal ou de grandes instituições e bancos, imunes, por definição, ao bom senso e às leis;
  9. a privatização integral das áreas de ensino, nomeadamente universitário, que não tenham relevância estratégica para o país;
  10. o encerramento de todas as secretarias de estado, direcções-gerais, repartições, institutos, e empresas públicas sem razão de existência e provas de vida efectivas à luz de uma necessária e urgente redefinição das funções do Estado numa sociedade, a nossa, que caminha inexoravelmente para o empobrecimento;
  11. a diminuição do número de deputados, câmaras municipais e freguesias urbanas para patamares de razoabilidade democrática e de eficiência;
  12. criação de um corredor de convergência fiscal e orçamental na União Europeia, por forma a impedir a propagação das desigualdades sociais em curso, a perpetuação de elites e nomenclaturas burocráticas no poder, e a captura das nações pelas máfias financeiras que proliferam por essa Europa fora.
Se puseres tudo isto logo à meia-noite no meu sapatinho, não precisaremos, nem do FMI, nem de roubar os abonos de família aos casais que ganham 800 euros por mês, nem de assassinar as classes médias do meu país. Se puseres tudo isto logo à meia-noite no meu sapatinho, quando te reformares poderás vir para o meu país, que será então um jardim à beira-mar plantado, cheio de surfistas divertidos, peixe fresco, produtos biológicos pelo país inteiro, nada de nevões como os que te empurram para Sul, muito Sol até, e um povo pacífico, discreto e que não gasta mais do que tem.

O teu amigo, Portugal.

POST SCRIPUM

25 dez 2010 — Sabiam que o Pai Natal que nós hoje celebramos alegremente é um dos grandes ícones do consumismo imaginado e disseminado mundialmente pela Coca Cola? Pois é, antes da Coca Cola pedíamos prendas ao Menino Jesus e aos Reis Magos!
26 dez 2010 — Quando se escreve privatização, privatizar, privado/a quer-se sobretudo sublinhar a necessidade de libertar o bem público da sua apropriação, definhamento e mesmo destruição burocráticos, libertação essa que poderá tomar a forma de iniciativa privada (empresarial ou cooperativa) subordinada ao respeito e promoção do bem comum, de gestão temporária privada (empresarial ou cooperativa) de serviços públicos, ou mesmo de parcerias público-privadas, sempre que estas sigam regras de transparência e prudência contratual indiscutíveis.

terça-feira, dezembro 21, 2010

2013-2015

Um casamento inseparável
Apesar dos amuos e setas atiradas, são inseparáveis.

Mesmo que o país seja forçado a declarar falência e a reestruturar a sua dívida pública, mesmo que o FMI e o Fundo Europeu de Estabilização Financeira, de braço dado, desembarquem na Portela e se instalem no Pestana Palace durante três anos, mesmo que o desemprego chegue aos 20% e os vencimentos da administração pública sejam congelados até ao fim da legislatura, mesmo que a indignação e violência sociais desçam às ruas, mesmo que..., aposto que José Sócrates levará o seu mandato até ao fim.

Só uma dissolução do parlamento poderia interromper o curso desta malfadada história portuguesa. Mas a quem interessaria tal decisão? A Cavaco Silva reeleito, para quê? Só se fosse para colocar o Passos de Coelho no lugar de Sócrates. Mas este cenário é a última coisa que interessa ao actual e futuro presidente da república! Com Sócrates, tudo o que correr mal, é com o PS e com Sócrates. Com Passos de Coelho, que Cavaco sempre desprezou (um cábula que se arrastou demasiado tempo pelas esquinas do sombrio aparelho laranja, à espera de um vazio de poder), tudo o que corresse mal cairia em cima do novo primeiro ministro, em cima do PSD, mas também em cima de Cavaco Silva. Só um masoquista iria por este caminho. Nunca um frio homem de carreira como reconhecidamente é o actual e futuro presidente Cavaco Silva. Além do mais, como pateticamente reconheceu o actual líder parlamentar laranja ao Expresso de Sábado passado, o PSD ainda não está preparado para ser governo.

Não está, nem estará! E a explicação é esta: assim como Mário Soares destruiu o PS, deixando-o degradar-se até à condição de um mero aparelho partidário, habitado por sombras, pequenas ambições, desgraçados à procura de emprego, e piratas, de onde a mais leve manifestação de inteligência e criatividade é imediatamente capturada para fins práticos, ou desligada do sistema, também Cavaco Silva destruiu o PSD, lançando sobre aquela imensa federação de autarcas sem história, nem futuro, e os cortesãos de Lisboa e Porto, o estigma de uma quase insuperável anestesia mental. Só esquecendo estes dois grandes vultos da recente e desgraçada história portuguesa, os dois maiores partidos portugueses —os únicos a quem o povo entrega as rédeas do poder— poderão ressuscitar. Quer dizer, só depois de 2015, quando a partida de Cavaco encerrar de vez um grande ciclo de expansão e declínio da nossa História, assistiremos ao colapso e eventual renascimento do actual e caduco sistema partidário.

O ciclo histórico que começa em 1415, com a conquista de Ceuta, termina simbolicamente depois do último grande Quadro Comunitário de Apoio da União Europeia, em 2013, e no fim do segundo mandato de Cavaco Silva, em 2015, ano em que Portugal figurará nas estatísticas como o país mais pobre de toda a União Europeia. Só então teremos mesmo batido no fundo. Os protagonistas principais deste naufrágio são conhecidos: José Sócrates e Aníbal Cavaco Silva. A gente do CDS-PP, PCP e Bloco de Esquerda, apesar das responsabilidades que também tiveram, é irrelevante para o desfecho.

A primeira candidatura de Manuel Alegre à presidência da república foi um oportunidade perdida para antecipar a inevitável reestruturação do corrupto e inoperante quadro partidário que temos. Como perdida foi a oportunidade de recompor o centro-direita e a direita do espectro partidário português quando Manuela Ferreira Leite ascendeu ao topo directivo do PPD-PSD. À época defendi que teria sido útil ao país partir os dois maiores partidos do imprestável sistema rotativo que temos em quatro.

A ala socialista do PS deixava o aparelho, há muito capturado pela tríade de Macau, entregue aos piratas, e conquistava o Bloco de Esquerda e parte o PEV para a formação de um novo partido socialista, capaz de incorporar e desenvolver os novos pensamentos políticos em formação, fruto da necessidade urgente de abordar de forma transparente e corajosa aquilo a que se vem chamando desde 1968, A Tragédia dos Comuns. O PS restante acabaria por entrar em colapso, pelo menos parcialmente, e em dois actos eleitorais (o que já passou e o que vai ocorrer em Janeiro próximo) ter-se-ia enfraquecido mortalmente a tríade de Macau, e reduzido substancialmente a capacidade de captura que as clientelas económico-financeiras do poder exercem sobre os dois principais partidos.

No PSD teria sido útil uma separação de águas entre Santana Lopes e Manuela Ferreira Leite, isto é, entre o PPD e o PSD. O partido urbano de barões, baronetes e cortesãs que é o PSD continuaria na Lapa, mas o PPD do campo, das vilas e aldeias, dos pequenos proprietários agrícolas e empresários industriais que têm ainda algo de seu, duros de roer, muitos deles de fibra bem republicana e até anti-clerical (era assim o meu avô), sairia a terreiro reivindicando aquilo que Paulo Portas só sabe e pode fazer em falsete. Há muito abandonado pela democracia dos corredores, este PPD tem e terá cada vez mais vontade de se fazer representar no parlamento. Vai ser provavelmente necessário esperar por alguém que não se deixe seduzir pela sereias do nepotismo clientelar. Como disse, alguém que não precise, que tenha algo de seu, histórico, familiar e inalienável.

Nada disto aconteceu, e agora resta-nos esperar pela implosão do sistema. Como não creio que a Alemanha perca de novo a cabeça, perdendo de novo a Europa, a União lá irá andando aos solavancos, entre americanos falidos, russos corruptos e chineses ansiosos. Só por isso não teremos de novo os militares na rua, outro golpe de Estado, ou uma revolução.

O actual PSD de Passos de Coelho não é nada. E por ser coisa nenhuma, o eleitorado português, por mais enojado que esteja com o Pinóquio que duas vezes elegeu para primeiro ministro, deixá-lo-à desgovernar Portugal até 2013, em matrimónio inseparável com o imprestável reCavaco.


POST SCRIPTUM

(23 dez 2010 17:11) O "i" de hoje transmite a opinião de Eduardo Catroga sobre a necessidade de remover Sócrates e o PS do poder. Mas onde obteve o "i" a opinião do douto negociador? Não diz....
Pois eu acho que, dada a urgência na disseminação do argumento, é uma resposta a este post ;)
Se o FMI vier... diz Catroga....
Mas o FMI já cá está! Além do mais, demonizar o FMI é uma estratégia sem futuro: primeiro porque António Borges (do PSD) é o BOSS europeu do Fundo; e depois, porque o director executivo do FMI é um socialista francês, que o PSF quer apoiar na próxima corrida presidencial, contra Sarkozy. Logo, este argumento não pega. Como se faltasse algo para ser espúrio, recorde-se ainda que o reCavaco ainda há dois dias disse para quem quisesse ouvir que ele conhece muito bem o FMI — pois trabalhou para o dito -- ou seja, reeleito, será um mediador vigilante das negociações.

(22 dez 2010 20:38) Excluo da aposta feita neste Post duas possibilidades: a de uma moção de confiança por iniciativa de Sócrates, e a de uma moção de censura proposta seja por que partido for. A primeira, por razões óbvias, conhecendo a personagem; e a segunda, porque se for de iniciativa do PSD ou do CDS, a "esquerda" votará contra a "direita", e não antevejo nenhuma iniciativa do PCP, ou do Bloco, no sentido de derrubarem Sócrates. Quem tomar a iniciativa de propor uma moção de censura desaparecerá do mapa eleitoral, ou mergulhará o respectivo partido (derrotado na própria iniciativa) em convulsão interna. Assim sendo, os sequiosos autarcas falidos do PSD terão que esperar... por 2013... pelo menos!

domingo, dezembro 19, 2010

2011

Classes médias de todo o mundo, uni-vos!
O ano de 2011 vai ser péssimo, e em 2012 a Europa poderá colapsar

Camilla Parker-Bowles e Príncipe Carlos atacados por estudantes, em Londres

A declaração do "estado de alarma" em Espanha, o ataque ao carro onde seguiam Camilla Parker-Bowles e o Príncipe Carlos de Inglaterra, e a multiplicação em cadeia de protestos violentos em várias cidades europeias, são sinais claros de que dificilmente evitaremos o colapso económico e financeiro das economias ocidentais, em curso desde 2007, mas cujos efeitos mais catastróficos só serão sentidos no decurso dos próximos anos, e por um período de duração imprevisível.

Desejo a todos um feliz Natal, e faço votos de um próspero Ano Novo. Mas seria irresponsável se não alertasse os meus leitores para a gravidade da situação económica, financeira e política actual, que o ano de 2011 irá muito provavelmente agravar até níveis que não queremos sequer imaginar.

As medidas governamentais dos vários estados europeus, que em nome da salvação de um sistema financeiro corrupto, sobre-endividado e à beira da falência, desenham afinal aquela que poderá ser a maior expropriação fiscal simultânea dos povos europeus de que há memória, e a primeira tentativa de destruir literalmente a classe média pela via de decisões levadas a cabo por instâncias sem legitimação democrática suficiente, e sem qualquer consulta democrática às vítimas da espoliação anunciada, irão inevitavelmente esbarrar com uma resistência social, política e cultural de massas, crescente, sofisticada, e a prazo tão brutal quanto a brutalidade do saque que as nomenclaturas político-partidárias e financeiras aliadas decidiram desencadear contra os povos europeus em nome de uma globalização falida e insustentável. A alternativa não estará certamente nas velhas receitas das burocracias de esquerda instaladas, tão responsáveis quanto os partidos centristas de direita ou social-democratas, pelo estado de degradação a que chegaram as democracias ocidentais. Onde estará, então?

Antes de ver as saídas para esta verdadeira crise sistémica do Capitalismo, teremos que reconhecer os verdadeiros problemas que enfrentamos. E são, no essencial, três — dois que afectam estruturalmente o futuro da humanidade, e um que diz respeito sobretudo a uma alteração dramática da divisão internacional do trabalho.

O primeiro problema, provavelmente sem saída, é o da escassez progressiva de recursos energéticos relativamente baratos, baseados no carvão, no petróleo e no gás natural. A produção per capita de petróleo tem vindo a cair desde 1970, e a capacidade de produção mundial de petróleo barato esgotou-se, segundo a própria Agência Internacional de Energia, em 2006 (Does Peak Oil Even Matter? by David Murphy).

O segundo problema, provavelmente sem saída, é do escassez progressiva dos recursos alimentares, cuja produção para uma população mundial à beira dos sete mil milhões de almas é impossível de conseguir sem o recurso a adubos, pesticidas, máquinas e tecnologias, nomeadamente de transporte, que dependem criticamente dos combustíveis líquidos de origem petrolífera, ou do gás natural. A produção per capita de cereais, por exemplo, tem vindo a decair desde o princípio da década de 1980. A recente escassez de açúcar nas prateleiras dos supermercados, ou a subida dos preços do café, na sequência de colheitas menos generosas, para além dos movimentos especulativos que inevitavelmente desencadeiam, são sintomas claros, não apenas de uma inflação imparável, mas de verdadeiras crises de abastecimento e do espectro inevitável do racionamento que num futuro próximo afectará a distribuição dos bens de consumo essencial.

Estes dois picos produtivos, por si sós, condenam a população humana mundial a uma paragem, seguida de inversão, do crescimento exponencial de que foi capaz ao longo dos últimos 200 anos. Infelizmente, os cenários conhecidos desde 1972 a este propósito (nomeadamente, Limits to Growth) são em geral catastróficos, antevendo uma queda abrupta da população mundial no intervalo entre 2030 e 2050, certamente longe do cenário optimista das previsões da ONU, que situam a população mundial em 2050 na casa dos 9 mil milhões de seres humanos.

O terceiro problema fundamental que, somado aos dois anteriores, está na origem do actual pandemónio económico, financeiro e social, é o fim de uma era de desenvolvimento económico, tecnológico, social e cultural, cujos pressupostos históricos remontam ao início da expansão ultramarina da Europa, e que podemos situar exactamente no ano de 1415 — data da conquista da cidade de Ceuta pelas tropas portuguesas, galegas, biscainhas e inglesas, comandadas por João I de Portugal. Foi a partir de Ceuta que a Europa pós-medieval iniciou o grande ciclo da globalização, colocando-se rapidamente no topo da cadeia alimentar e na vanguarda do desenvolvimento tecnológico mundial. Sem o domínio militar dos pontos estratégicos do planeta, sem a afirmação imperial, sem a subjugação de nações e povos inteiros, sem a colonização secular de vastas regiões do planeta, e provavelmente sem o Capitalismo laico e liberal, a Europa jamais teria acumulado a riqueza suficiente que lhe permitiu libertar o tempo, as pessoas e os recursos que estiveram na origem da Revolução Industrial e da Modernidade Cultural que nos trouxe até aqui.

Acontece, porém, que as mesmíssimas dinâmicas que estiveram na origem do desenvolvimento tecnológico e da acumulação capitalista da Europa ocidental, acabaria por gerar as condições de libertação dos povos e nações subjugadas pelo Colonialismo —um processo longo, cujo desenlace acabaria por ter lugar entre a criação da OPEP, em 1960, e a formação da SCO (Shanghai Cooperation Organization) em 2001, depois das sucessivas aproximações estratégicas iniciadas pela China em 1996 (The Shanghai Five) e que culminaria na formalização de uma aliança militar estratégica em Junho de 2001, integrando numa mesma aliança China, Casaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e Uzebequistão. O número de países entretanto atraídos por esta iniciativa não cessa de aumentar: Bielorússia, Arménia, Moldávia, Ucrânia, Afeganistão, Irão, Paquistão, Índia, Mongólia, Sri Lanka, Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura, Tailândia, Brunei, Burma (Myanmar), Camboja, Laos, e Vietname. A chacina de 11 de Setembro ocorreu três meses depois da formalização do SCO. E em resposta ao misterioso ataque do misterioso Bin Laden, montou-se a grande guerra assimétrica mundial contra o terrorismo, palco e pretexto para a invasão, ocupação e saque do Iraque, e para o cerco ao Irão. Coincidências? Nos jogos de poder não há coincidências!

O resultado desta derradeira vaga bélica do Ocidente em defesa de privilégios inaceitáveis e impossíveis de manter, numa espécie de tentativa desesperada para segurar um império de areia, saldou-se, está a saldar-se, num fiasco monumental, não apenas militar e estratégico, mas sobretudo económico e financeiro! O resultado hoje evidente da aventura militar pós-colonial do Ocidente europeu e norte-americano é a bancarrota iminente dos Estados Unidos da América, do Reino Unido, e de uma série de países da União Europeia. Se o USD não fosse ainda, para mal de quem os tem, uma moeda de reserva mundial, já americanos e ingleses tinham ido ao tapete, ou tentado lançar o mundo numa guerra terminal. Assim são as mentes doentias que comandam estes impérios em ruína!


Que fazer?

As opções são dramaticamente limitadas, e implicam no mínimo uma racionalização forçada à escala planetária dos recursos disponíveis. Mas será possível atingir este objectivo? Quem está disposto a prescindir de bens, facilidades e privilégios em nome de uma espécie de pobreza generalizada? Só mesmo os que já são pobres! Os demais lutarão com tudo o que tiverem à mão pelos direitos adquiridos. E se isto é verdade à escala do indivíduo, não é menos à escala dos países e alianças de países — sobretudo, e paradoxalmente, nas democracias! Ou seja, uma das fugas possíveis à tragédia dos comuns é a iminência de uma guerra global pelos recursos energéticos e naturais. E porque alguns dos actores mundiais estão efectivamente falidos, não podendo pois competir pelos ditos recursos numa base económica convencional, em caso de pressão externa insuportável, poderão deixar-se tentar e rasgar as convenções da ordem financeira mundial, renunciando ao pagamento das dívidas, seja através de uma reestruturação fraudulenta das mesmas, seja colocando os contadores electrónicos do casino mundial das finanças a zeros. A consequência duma tal atitude aventureira será inexoravelmente uma escalada bélica irreversível e a guerra.

O crescimento dos salários, e o aumento progressivo dos benefícios sociais e das regras de segurança no trabalho, ao longo de décadas, potenciaram dois fenómenos que a prazo condenariam as sociedades dos Estados Unidos e da Europa ocidental a uma espécie de fim do trabalho: a substituição do labor humano pela rotina das máquinas, e a fuga de capitais em busca de mão-de-obra barata, tornada possível e apetecível à medida que os governos foram destruindo as barreiras alfandegárias que outrora filtravam e taxavam a circulação do dinheiro e das mercadorias. A exportação literal das economias dos países ricos e poderosos da América do norte e da Europa ocidental para as regiões e países ricos em matérias primas ou trabalho baratos, ocorrida nos últimos trinta anos, em grande medida graças à abundância de petróleo barato (apesar da crise de 1973-74), conduziu a uma alteração radical da divisão mundial do trabalho, com implicações dramáticas nas balanças comerciais e de pagamentos dos principais países produtores e consumidores de bens transformados. As novas economias emergentes especializaram-se na produção de bens transaccionáveis, e as velhas economias industriais especializaram-se, por sua vez, na produção de bens virtuais e serviços, no consumo irracional e no endividamento. O desastre teria fatalmente que ocorrer um dia.

Se nada se fizer, o equilíbrio regressará pela via dos impactos catastróficos dos aumentos imparáveis dos preços da energia, dos transportes, das matérias primas, e dos bens de consumo essenciais. No entanto, para evitar um ajustamento trágico das economias dos vários cantos do planeta, é possível, e sobretudo desejável, regressar a formas razoáveis de proteccionismo das economias regionais e nacionais. Seria mais racional, justo e eficiente do que deixar a guerra financeira mundial actualmente em curso seguir o seu perigoso curso de insensibilidade e ganância.

Mas para aqui chegarmos será preciso mudar de políticas e de políticos, rapidamente. A captura dos principais governantes e políticos europeus e americanos pelas hienas do sector financeiro impede fundamentalmente a recuperação de qualquer racionalidade no sistema. A racionalidade dos mercados é uma racionalidade especulativa, incompatível com o interesse público. Nem sequer serve os interesses estratégicos dos países onde se instalam, ao contrário do que sucede nas economias emergentes, onde a direcção estratégica da economia continua a ser essencialmente política. Entregues, como estamos, a sistemas piramidais de especulação e endividamento crónico, sem produção, nem trabalho, Estados Unidos, Inglaterra e União Europeia estarão em breve num beco sem saída e à beira de revoluções sociais e políticas imprevisíveis, súbitas e com uma capacidade desconstrutiva sem paralelo. A acção monumental da Wikileaks foi provavelmente o primeiro aperitivo da imaginação revolucionária insuspeitada da classe média no momento da revolução por vir. Talvez seja isto mesmo que precisamos. Classes médias de todo mundo, uni-vos!


REFERÊNCIAS

As notícias dos últimos dias mostram duas realidades preocupantes: nem a  China, nem os mercados especulativos ocidentais, compram as manhas retóricas dos governos europeus em volta da crise das dívidas soberanas. Por outro lado, Basileia informa o mundo que a fragilidade bancária da Europa e dos Estados Unidos é bem mais séria do que parece. Antes de 2019, os bancos destas regiões do planeta não estarão em posição de se recapitalizarem!

Chinese credit rating firm Dagong Global gives Ireland BBB for sovereign debt credit rating
People's Daily Online, December 06, 2010

Chinese credit rating firm Dagong Global Credit Rating assessed the sovereign credit rating of Ireland at BBB in its third sovereign or regional credit rating report released Monday.

Dagong's credit rating of Ireland is lower than that given by Moody's, Standard and Poor's and Fitch.


Mercados financeiros não dão tréguas
Jorge Nascimento Rodrigues, Sábado, 18 de Dezembro de 2010, Expresso online.

O impacto da Cimeira dos 27 em Bruxelas foi nulo. Risco de default e juros no mercado secundário continuam a subir nos países em apuros da zona euro. Várias commodities estão com disparos de preços. Café, esta semana, atingiu um valor que não se verificava há 13 anos


Ireland's credit rating slashed five notches
Guardian.co.uk, Friday 17 December

Moody's had previously rated Ireland as AA2 – the third highest level. Today's downgrade to BAA1 leaves its sovereign credit rating just three places above "junk status", and follows a similar move by fellow ratings agency Fitch last week.


Basel Would Have Left Banks With $797 Billion Capital Shortfall
By Jim Brunsden - Dec 16, 2010, Bloomberg

Basel bank regulators said rules on capital requirements would have forced financial institutions to raise 602 billion euros ($797 billion) of capital had they been in place at the end of last year.

Lenders would also have had a 2.89 trillion-euro shortfall in the funds needed to guard against a run on deposits had the planned Basel Committee on Banking Supervision’s rules been in place at the start of 2010, the panel said in a statement on its website today. The committee agreed in July to phase in the capital and liquidity rules by 2019 in a bid to mitigate their effect on banks emerging from the credit crisis.


Global systemic crisis: Second half of 2011 - Explosion of the Western public debt bubble
Global Europe Anticipation Bulletin (GEAB #50) - Dec 16, 2010.

The second half of 2011 will mark the point in time when all the world’s financial operators will finally understand that the West will not repay in full a significant portion of the loans advanced over the last two decades.

For LEAP/E2020 it is, in effect, around October 2011, due to the plunge of a large number of US cities and states into an inextricable financial situation following the end of the federal funding of their deficits, whilst Europe will face a very significant debt refinancing requirement, that this explosive situation will be fully revealed. Media escalation of the European crisis regarding sovereign debt of Euroland’s peripheral countries will have created the favourable context for such an explosion, of which the US “Muni” market incidentally has just given a foretaste in November 2010 (as our team anticipated last June in GEAB No. 46) with a mini-crash that saw all the year’s gains go up in smoke in a few days. This time this crash (including the failure of the monoline reinsurer Ambac) took place discreetly since the Anglo-Saxon media machine succeeded in focusing world attention on a further episode of the fantasy sitcom "The end of the Euro, or the financial remake of Swine fever". Yet the contemporaneous shocks in the United States and Europe make for a very disturbing set-up comparable, according to our team, to the "Bear Stearn" crash which preceded Lehman Brothers’ bankruptcy and the collapse of Wall Street in September 2008 by eight months. But the GEAB readers know very well that major crashes rarely make headlines in the media several months in advance, so false alarms are customary! — in GEAB #50, December 2010.


Market alarm as US fails to control biggest debt in history
By Liam Halligan - Dec  11,  2010

US Treasuries last week suffered their biggest two-day sell-off since the collapse of Lehman Brothers in September 2008. The borrowing costs of the government of the world’s largest economy have now risen by a quarter over the past four weeks.

(…) While the UK isn’t ensnared in monetary union, gilt yields have also spiralled 18pc since the start of November – to 3.55pc. British Government debt is officially £1.05 trillion. We are fast approaching a debt-to-GDP ratio of 100pc, compared to 30pc just a decade ago. If you add off-balance-sheet liabilities to Government estimates, including the bank bail-outs which disgracefully remain “off the books”, the UK already owes more than an entire year’s national income. In the medium-term, this is surely incompatible with a Triple AAA credit rating.  — in The Telegraph.

ÚLTIMA ACTUALIZAÇÃO: 19 dez 2010 22:47

sábado, dezembro 11, 2010

Metamorfose ou barbárie

Ver quadro ampliado
A fome veio para ficar, e poderá levar à morte e a um decréscimo demográfico na ordem dos 2,5 mil milhões de pessoas até 2050

Antes de voltar ao tema da nova rede ferroviária de "bitola europeia" (UIC) em Portugal, e à importância da interoperabilidade em qualquer estratégia actualizada de mobilidade multi-modal de pessoas e mercadorias, explicando pela enésima vez que a construção de um novo aeroporto internacional em Alcochete não passa de uma fuga em frente do clientelar modelo económico-financeiro que levou Portugal à bancarrota —o que farei no próximo artigo— retomo o célebre tema dos limites do crescimento, do não menos célebre relatório de Dennis L. Meadows, Donella H. Meadow e Jørgen Randers —Limits to Growth (1972)—, a partir de três recentes contribuições sobre o tema: 

By Tom Whipple  
Wednesday, December 08 2010 01:50:22 PM

In case you missed it, a couple of weeks back the International Energy Agency in Paris got around to disclosing that the all-time peak of global conventional production occurred back in 2006. Despite that fact that this declaration was tantamount to announcing the end of the 250-year-old industrial few in the mainstream media noted the event and it was left to obscure corner of cyber space to ponder the meaning of it all.

It is also worth noting that oil is back in the vicinity $90 a barrel and even Wall Street economists, who are paid to be eternally optimistic, are starting to talk about going for $110-120 a barrel in the next year or so.

In the meantime, the talking heads, pundits and even hard-headed reporters chatter on about the slow but persistent economic recovery that is supposed to be taking place. As the effects of last year's near-trillion dollar stimulus start to be felt, every statistical twitch upward is hailed as proof that normalcy will soon return. Realists, however, call this twitching "bottom-bouncing" and are convinced that far worse is yet to come.

The Century of Famine
by Peter Goodchild  
02 March 2010

Famine caused by petroleum supply failure alone will result in about 2.5 billion above-normal deaths before the year 2050; lost and averted births will amount to roughly an equal number.

In terms of its effects on daily human life, the most significant aspect of fossil-fuel depletion will be the lack of food. “Peak oil” is basically “peak food.” Modern agriculture is highly dependent on fossil fuels for fertilizers (the Haber‑Bosch process combines natural gas with atmospheric nitrogen to produce nitrogen fertilizer), pesticides, and the operation of machines for irrigation, harvesting, processing, and transportation.

(…) No matter how much we depleted our resources, there was always the sense that we could somehow “get by.” But in the late twentieth century we stopped getting by. It is important to differentiate between production in an “absolute” sense and production “per capita.” Although oil production, in “absolute” numbers, kept climbing — only to decline in the early twenty-first century — what was ignored was that although that “absolute” production was climbing, the production “per capita” reached its peak in 1979.

By Glider Guider
May 2007

At the root of all the converging crises of the World Problematique is the issue of human overpopulation. Each of the global problems we face today is the result of too many people using too much of our planet's finite, non-renewable resources and filling its waste repositories of land, water and air to overflowing. The true danger posed by our exploding population is not our absolute numbers but the inability of our environment to cope with so many of us doing what we do.

(...) Peak Oil is fundamentally a liquid fuels crisis.  We use 70% of the oil for transportation.  Over 97% of all transportation depends on oil.  Full substitutes for oil in this area are unlikely (I'd go so far as to say impossible). Biofuels are extremely problematic: their net energy is low, their production rates are also low, their environmental costs in soil fertility are too great.  Crop based biofuels compete directly with food, while cellulosic technologies risk "strip mining the topsoil" at the production rates needed to offset the loss of oil.  Electricity will be able to substitute in some applications such as trains, streetcars and perhaps battery powered personal vehicles, though at significant cost in terms of both flexibility and economics.  There is no realistic substitute for jet fuel.

Sem levarmos a sério o que está realmente em causa quando se fala do fim do petróleo barato, será difícil percebermos o dramatismo sem precedentes da contagem decrescente que nos conduzirá a todos até ao fim da civilização industrial baseada no uso intensivo do carvão, do petróleo e do gás natural, como fontes energéticas insubstituíveis do nosso bem-estar "moderno" e da nossa expansão como espécie. Se, pelo contrário, olharmos sem medo para as realidades energéticas e demográficas que temos pela frente, então será mais fácil descortinarmos tudo aquilo que já não pode ser realizado até ao fim, e o muito que teremos que fazer para sobrevivermos à metamorfose inevitável que em breve nos espera.

A prioridade das prioridades, na minha opinião, é mitigar, mitigar e mitigar a nossa dependência colectiva e generalizada do petróleo e seus derivados — o que significa baixar abruptamente a intensidade energética das nossas economias, e aumentar de forma e a um ritmo igualmente drásticos a eficiência energética activa e passiva de todos os edifícios, equipamentos e sistemas usados pelo homem.

O modelo de desenvolvimento dos chamados países ricos do planeta —especialmente nos Estados Unidos, Canadá e Europa Ocidental, mas também no Japão— assentou, desde a primeira grande crise petrolífera (1973), no desenvolvimento de uma economia de serviços, consumista e pseudo-Keynesiana, alavancada através de um imperialismo financeiro com pés de barro, e de uma sobre-exploração de vastas comunidades humanas ultramarinas cujo rendimento, porém, viria a ser crescentemente capturado pelas elites dos países que estrategicamente consentiram essa gigantesca transferência de trabalho e conhecimento do Ocidente para o Oriente.

Aquilo que o Japão começou a não poder fazer mais, isto é competir em preços salariais com a China, transformou numa agressiva política de destruição das suas próprias taxas de juros e de desvalorização do iene (o chamado Yen carry-trade)— tornando-se desta forma um dos principais agentes mundiais das múltiplas bolhas especulativas que conduziram ao actual estado de ruína das finanças empresariais, domésticas e soberanas do Ocidente. Em Portugal, como no Reino Unido, Espanha, França, Itália, Estados Unidos e na própria Alemanha, as economias e as sociedades estão verdadeiramente trilhadas por moles imparáveis: a mole da bolha do endividamento exponencial e especulativo das economias, e a mole dos preços imparáveis do petróleo e dos factores de produção que dele dependem criticamente, directa ou indirectamente: matérias primas minerais e alimentares, mobilidade de pessoas e mercadorias, e os próprios salários do trabalho produtivo (que estando a descer paulatinamente nos "países ricos" desde os anos 70, estão, por outro lado, a subir de forma constante nos "países pobres"!)

Nabucco in 'David vs. Goliath' battle for Azeri gas
Published: 10 December 2010

Pressure is growing on the Nabucco consortium to reveal its hand over its tender for Azeri gas. The winner, to be announced in April, will be master of Europe's Southern Gas Corridor, designed to bring gas from sources other than Russia.

Uma das dúvidas mais sérias do momento prende-se com o futuro da União Europeia. Sem governo económico comum, e sem harmonização e nivelamento fiscais em todo o território comunitário, as tensões em volta do euro poderão mesmo provocar o seu colapso e a desintegração da União. Se isso acontecer, regressaremos às velhas alianças regionais, e às velhas tensões diplomáticas.

Em todo o caso, os desafios impostos pelo declínio na produção de petróleo per capita (constante desde os anos 70), e pelo declínio da produção de cereais per capita (constante desde o início da década de 90), sobretudo num panorama mundial onde a poupança se concentra hoje nos chamados países emergentes —exportadores de energia fóssil, matérias primas, produtos transaccionáveis e trabalho—, e já não nos sobre endividados "países ricos" do Ocidente, são de tal modo dramáticos que não podemos tolerar por muito mais tempo o populismo, a ignorância e a corrupção reinantes nas nossas cada vez mais caricatas democracias parlamentares. Algo teremos que fazer para nos prepararmos para o embate do futuro. Os sistemas políticos irão colapsar em breve. Temos que nos preparar para tal evento, e sobretudo temos que nos preparar desde já para criar as alternativas de poder civilizadas e culturalmente avançadas que terão que enfrentar a passagem para uma espécie de futuro anterior.