As manifestações de ontem em Portugal foram menos expressivas do que a convocada pela chamada Geração à Rasca. Foto: Roma, 15/10/2011
Os especuladores privados, os governantes aventureiros e os grupos de interesses instalados nos parlamentos podem e devem ser económica e criminalmente penalizados pelas suas responsabilidades directas na crise das dívidas soberanas europeias. Mas para além deste apuramento de responsabilidades, exigível em qualquer democracia, podem os povos, nomeadamente o português, renunciar às dívidas públicas e privadas que contraíram e que estão desde 2007 a conduzi-los ao colapso financeiro, económico e social? Foram estas dívidas resultado apenas da especulação financeira per se, ou também traduzem uma fuga em frente de economias encalhadas e o fim de uma ilusão colectiva de prosperidade alimentada ao longo das últimas três décadas por governos e regimes parlamentares cada vez mais populistas e irresponsáveis? Serão mesmo odiosas as actuais dívidas americana, inglesa, belga, francesa, italiana, espanhola, portuguesa ou grega? Creio que não. Nem sequer podemos compará-las aos casos irlandês e islandês — onde os colapsos ocorreram sobretudo por efeito de bolhas especulativas recentes, exclusivamente financeiras e claramente indexadas à ganância individual e colectiva.
“Quando um regime déspota contrai uma dívida, não para as necessidades ou interesses dum estado, mas em vez disso para reforço pessoal, para suprimir a insurreição popular, etc, esta dívida é odiosa para o povo e todo o estado. Esta dívida não obriga a nação; é uma dívida do regime, uma dívida pessoal contraída pelo governante, e consequentemente ela cai com o regime. A razão pela qual estas dívidas odiosas não podem ser ligadas ao território do estado reside no incumprimento de uma das condições que determina a legalidade das dívidas do Estado, nomeadamente que estas dívidas devem ser incorridas, e os dividendos usados, para satisfação das necessidades e interesses do Estado. As dívidas odiosas, contraídas e utilizadas para fins que, com o conhecimento do emprestador, são contrários aos interesses da nação, não obrigam a nação – quando sucede que o governo que as contraiu é derrubado – excepto quando a dívida está nos limites das reais vantagens que estas dívidas possam ser suportadas. Os emprestadores cometeram um acto hostil contra o povo, e não podem esperar que a nação que se libertou de um regime déspota assuma tais dívidas odiosas, que são dívidas pessoais do antigo governante.” — in Wikipéia, “Dívida odiosa”.
Este texto publicado na Wikipédia resume a posição do jurista russo, Alexander Sack, que formalizou pela primeira vez, em 1927, a ideia de que os Estados e os povos não são obrigados a pagar as dívidas odiosas, isto é, dívidas contraídas por regimes ilegais ou despóticos contra o interesse dos próprios povos. Não foi isto, porém, que aconteceu na Grécia, em Espanha, ou em Portugal.
Édouard Manet (1832-1883) — Exécution de l'Empereur Maximilien du Mexique (1868)
Benito Juárez, considerado o Lincoln mexicano, opôs-se e derrotou o imperador de pacotilha imposto militarmente ao país por Napoleão III, restaurando a soberania mexicana legítima e dando lugar à consolidação dos modernos Estados Unidos Mexicanos. O império ilegítimo de Maximiliano durou escassos três anos, mas contraiu enormes dívidas. Com o regresso da república, o governo de Juárez, com o apoio dos Estados Unidos da América, repudiou a dívida acumulada por Maximiliano.
Também a junta militar que viria a governar Cuba após a sua independência repudiou a dívida colonial, recusando-se apagar as dívidas contraídas nomeadamente durante a guerra de independência que culminaria na derrota espanhola em 1898.
Casos recentes de dívidas consideradas odiosas atingem os credores de países como o Iraque de Saddam Hussein. Em todos os casos, porém, o repúdio das dívidas não tem sido nunca um acto isolado do devedor, mas o resultado de alianças diplomáticas envolvidas na disputa de influências e territórios, quase sempre enquadradas por movimentos geoestratégicos regionais. A justificação para o repúdio de uma dívida odiosa pressupõe a demonstração da ilegitimidade do poder que a contraiu. Não há nenhum caso de repúdio de uma dívida soberana por parte de um estado de direito democrático.
Talvez por esta razão, o argumento do repúdio da dívida odiosa tenha vindo a ser substituído pela ideia da chamada reestruturação das dívidas soberanas, nomeadamente europeias, ou seja, por um repúdio parcial das dívidas, envolvendo os credores numa redução forçada dos dividendos e juros especulativos esperados — o chamado haircut.
Mas uma vez que o repúdio é parcial, parte muito substancial das dívidas terá mesmo que ser paga!
E o pagamento destas é induzido sob a forma de uma suspensão parcial do crédito ao devedor, de uma subida do preço do dinheiro disponível, de uma desvalorização dos activos do devedor e da correspondente venda ao desbarato dos mesmos, do assalto fiscal à poupança privada, de uma dramática destruição de empresas e de empregos, da diminuição brutal da despesa pública (com especial incidência na prestação dos serviços educativos, sociais e nas pensões), de uma diminuição duradoura dos salários, vencimentos e subsídios, e, em suma, da acentuada e prolongada perda de poder de compra da esmagadora maioria da população. Ou seja, o empobrecimento real dos países com dívidas soberanas exageradas, como o nosso, é uma inevitabilidade. O mais parecido com esta situação, é a que decorre de uma guerra perdida.
Mas assim como a Alemanha, por duas vezes em bancarrota, e por duas vezes vencida na guerra, teve que sofrer os espinhos de colossais dívidas por pagar, mas exigiu um plano de pagamentos exequível (ler este oportuno artigo de Avelino de Jesus sobre o Acordo de Londres de 1953 —Negócios online), também agora, por maioria de razão, a resolução da crise do endividamento privado e soberano europeu terá que passar por uma difícil mas imprescindível negociação.
A menor aderência à manifestação de ontem, promovida pelo Indignados, faz-me supor que começa a haver no país uma interiorização não maniqueísta do grave problema em que estamos metidos. As responsabilidades, nem são só recentes, nem são só "socialistas", nem são só dos banqueiros, nem podem ser resolvidas sem uma responsabilização partilhada, activa e exigente, e uma enorme vontade colectiva de ultrapassar a ameaça de radical empobrecimento que pesa sobre nós e sobre os nossos filhos e netos.
Nesta fase da crise devemos manter um espírito aberto às opiniões e até ao experimentalismo social. O pior que nos poderia acontecer seria continuarmos a alimentar a passividade colectiva com o pretexto de que há quem pense por nós. Não há! Não podemos mesmo confiar mais nas burocracias partidárias, sindicais e corporativas que nos conduziram alegremente até ao fosso em que estamos. O grau de paralisia oportunista da nomenclatura que conduziu a quase democracia portuguesa à bancarrota é a pior conselheira a que neste momento podemos recorrer. Daí a importância dos movimentos cívicos independentes, não apenas aqueles que se manifestam (e devem manifestar-se!) na rua, mas também, e talvez sobretudo, aqueles que começam a organizar-se nos mais modestos e invisíveis organismos sociais, desde logo em casa, no trabalho e nos bairros.
A primeira coisa a exigir do poder não são férias pagas, nem subsídios de natal, nem viagens de borla, nem universidades gratuitas, mas sim trabalho! O governo é responsável, não só por impedir o colapso bancário do país, mas também pela criação directa de emprego produtivo para os mais de 500 mil desempregados actuais. Só o que pagamos a mais nas facturas da EDP daria para criar mais de 200 mil empregos produtivos! O Estado português já não pode ser um lender of last resort, pois está falido, mas pode, se gerir melhor o que tem, e negociar seriamente com os credores, ser um empregador de último recurso (não confundir com manter ou aumentar o funcionalismo público actual), desde que assuma as suas responsabilidades democráticas.
Para tal terá que imaginar o futuro, evidentemente, em vez de se perder no atendimento dos telefonemas das ratazanas atarantadas que não largam as tetas orçamentais.
Diminuir a intensidade energética da nossa economia, aumentar drasticamente a eficiência energética dos nossos edifícios (a começar pelos públicos), requalificar as cidades, criar uma nova rede ferroviária de bitola europeia para mercadorias e passageiros, requalificar os portos e relançar a indústria naval (navios de cabotagem, navios de recreio, acessórios náuticos, etc.), desenvolver o turismo residencial e sustentável, lançar um programa de defesa e valorização responsável da floresta portuguesa (com especial incidência no pinheiro e nas espécies de grande valor económico, como o sobreiro e a azinheira, o castanheiro, etc.), ou apostar na recuperação da agricultura em minifúndio, pela via das fileiras ecológica e dinâmica, são caminhos que, ao contrário dos modelos burocráticos, clientelares e especulativos da macro-economia ainda vigor, poderão fazer rapidamente a diferença e tirar o país da fossa para onde a irresponsabilidade, corrupção e cobardia de uma nomenclatura egoísta e populista atirou o país.
Se o orçamento é de guerra, então Passos Coelho deve formar um Gabinete de Crise
A comunicação de 13 de Outubro de Pedro Passos Coelho deixou o país em estado de choque. Mas não nos atingiu a todos por igual. Os que continuarem desempregados em 2012 e 2013, e que serão certamente mais de quinhentos mil, perderão muito mais do que os que conservarem os seus empregos, nomeadamente a esmagadora maioria dos setecentas mil funcionários públicos e equiparados. É quase certa uma perda de rendimentos, nomeadamente daqueles que trabalham para o Estado e empresas públicas, na ordem dos 30%, o que não pode deixar de ter consequências dramáticas nas suas vidas e na economia. Mas não é o mesmo que uma perda de 100%!
No entanto, se as corporações, nomeadamente sindicais, resolverem apostar contra este governo, e desencadearem um política de terra queimada, o resultado será desastroso para todos, e cairemos rapidamente numa situação bem pior do que a grega. Em 1974-1975, a balbúrdia revolucionária que permitiu a reorganização das clientelas do novo regime constitucional saído do golpe militar que derrubara a ditadura, e sobretudo a captura burocrática do Estado, custou ao país toda a poupança em divisas acumulada por Salazar ao longo de quatro décadas. Como se fosse pouco, desde 1975 para cá as reservas de ouro do Banco de Portugal passaram de cerca de 865 toneladas para 382 toneladas. E só não houve ainda novo desbaste governamental porque a legislação europeia associada à moeda única o impede.
O regime só aprendeu, muito rapidamente, a fazer uma coisa: gastar.
Gastar em 1974-75 as divisas que havia, para alimentar o PREC; gastar depois mais de metade das reservas de ouro acumuladas por Salazar, para consolidar a quase democracia que nos tocou viver em permanente festa populista; gastar os fundos do primeiro quadro comunitário de apoio, em fantasias de formação e estradas; gastar aos soluços os fundos que vieram mais recentemente, pois começou a faltar a capacidade de financiar as participações indígenas nos projectos subvencionados por Bruxelas; gastar o endividamento acelerado do país durante a vertigem pirata e suicida do consulado de José Sócrates.
Ao que parece, o novo moralista do PS, António José Seguro, conseguiu de Passos Coelho um silêncio negociado sobre os responsáveis que levaram o país à bancarrota, a troco, presumo, de um apoio parlamentar mais ou menos estável à coligação regulada pela Troika. Se é como imagino, é pena, e será muito mau para um governo que precisa de demitir depressa e bem quem fez tão mal ao país, o armadilhou e, continuando nos lugares que ainda ocupam alegremente, apenas aumentará a resistência ao imprescindível saneamento institucional do regime.
Embora só tenhamos ouvido das palavras pesadas do primeiro ministro os principais indicadores da dieta forçada que será aplicada ao pessoal do Estado, do sector público empresarial, e ainda aos reformados e pensionistas, tudo leva a crer que algumas medidas urgentes de alteração, suspensão e eliminação dos conselhos de administração e outros corpos dirigentes de muitos organismos públicos e para públicos serão concretizados ao longo de 2012 e 2013, a par do apertão imposto ao comum dos portugueses. Doutro modo, isto é, se o actual governo cedesse à força instalada e organizada dos privilegiados e grupos de pressão que entorpecem há décadas este país, não levando a cabo a necessária remoção da nomenclatura que o capturou e quase destruiu, o actual governo acabaria por se revelar incapaz de desarmadilhar os vários bloqueios institucionais que ameaçam, cada vez mais, a própria sobrevivência do regime.
O caso, por exemplo, do lóbi cavaquista que persiste desesperadamente na defesa do embuste imobiliário da Ota em Alcochete (o chamado Novo Aeroporto de Lisboa), ou o desse escândalo sem nome que é o saque monopolista anual de 2,546 mil milhões de euros realizado pela EDP através das facturas eléctricas pagas por todos nós, em nome duns supostos custos de interesse económico geral (ler PDF da ERSE, nomeadamente o gráfico da p.32), não podem ser omitidos pelo mesmo governo que ontem anunciou as medidas draconianas que anunciou. O que pagamos na factura da EDP de cada mês, que nada tem que ver com a energia que consumimos, equivale a qualquer coisa como 28% da massa salarial da Função Pública! Nem a venda da posição estatal na EDP pode servir de pretexto para ocultar este assalto dissimulado ao bolso dos contribuintes e às normas de concorrência comunitária. A imprensa portuguesa tem mantido um pesado silêncio sobre este escândalo. Está na hora de emendar a mão.
O gráfico que deveria sentar Sócrates, Zorrinho e Mexia no banco dos réus.
(clicar no gráfico para ampliar)
Gabinete de Crise
Mas não tenhamos ilusões: quer a situação interna, quer a situação internacional, apesar dos entendimentos de última hora entre Durão Barroso e Angela Merkel, irão colocar Portugal sob uma pressão financeira, económica, social e política de que não temos memória.
Há uma guerra em curso entre a moeda americana (com o apoio da libra) e o euro, cujos desenvolvimentos são imprevisíveis. Muito brevemente poderemos estar confrontados com dilemas ainda mais abruptos e sem saída aparente do que aqueles que já hoje atrofiam, por exemplo, as decisões do actual governo sobre as privatizações e/ou reestruturações das empresas públicas sobre endividadas (TAP e o restante sector de transportes públicos, EDP, etc.), ou sobre a política fiscal a seguir. Não vejo, aliás, como Passos Coelho poderá, a partir do próximo ano, governar este país em estado de emergência sem formar um gabinete de crise com poderes excepcionais devidamente aprovado no parlamento.
A situação compadece-se cada vez menos com o teatro político-partidário que nos conduziu à bancarrota. É urgente encontrar um mecanismo capaz de lidar excepcionalmente com um tempo que é de excepção. Um Gabinete de Crise, presidido naturalmente pelo primeiro ministro, e composto pelos ministros das finanças, da economia, transportes e emprego, da justiça, da administração interna e dos estrangeiros, teria por missão tomar em cada momento crítico as decisões urgentes que as circunstâncias impusessem, colectivamente ponderadas, ainda que num círculo governamental mais estreito.
É bem possível que um futuro Gabinete de Crise precise de uma maioria constitucional para adoptar algumas medidas excepcionais sem ter que se submeter previamente a um processo de revisão da cartilha desconexa que rege o actual regime, quase democrático e populista. Mais do que mudar a Constituição, será preciso assegurar que esta deixe de ser um empecilho, pela sua rigidez, à necessária agilidade e prontidão da acção executiva em período de emergência como aquele que estamos atravessando, e que irá durar pelo menos mais três ou quatro anos.
POST SCRIPTUM: o Expresso publicou finalmente este Sábado um artigo, no suplemento Economia, sobre o escândalo do negócio da energia no nosso país. A informação está lá, mas distorcida!
Os destaques foram editados para amaciar a gravidade do assalto dissimulado ao bolso dos contribuintes, não fosse o senhor Mexia telefonar ao tio Balsemão a protestar. Em vez de destacar tudo aquilo que pagamos na factura eléctrica mensal que não é energia, mas subsídios à RTP-RDP-Lusa, às autarquias, às regiões autónomas, à ERSE, ou compensações às centrais de ciclo combinado pela não importação de gás e carvão e pelo pára-arranca do processo produtivo (pois quando as eólicas injectam energia na rede, a produção a gás e carvão é interrompida), ou compensações à EDP sempre que esta não venda a energia que precisa para gerar lucros e remunerar os seus accionistas (onde está o risco do negócio? não há, é um monopólio!), rendas dos défices tarifários, etc. etc. Pior, o Expresso insinua que os portugueses não pagam o preço real da energia que consomem, lançando uma vez mais a culpa da crise para o cidadão comum que paga impostos. Mas então não é óbvio que se os contribuintes pagassem apenas a energia, em vez de subsidiarem generosamente os negócios monopolistas privados e de Estado, o défice tarifário deixaria, pura e simplesmente de existir? O défice tarifário actual é de €1,8 mil milhões, mas os Custos de Interesse Económico Geral são €2,546 mil milhões!
O Expresso diz que com a magnífica receita de Sócrates-Mexia o país poupará este ano 1030 milhões de euros. Pergunto, como? As facturas da EDP provam o contrário! Mas sabem uma coisa? A EDP ainda vai dar-nos muitas surpresas desagradáveis, antes de ser vendida ou desfeita. As Dulces Pássaros e os Zorrinhos deste mundo serão recordados como o que realmente são: nódoas de um regime insolvente e que perdeu toda a credibilidade democrática.
Os aviões civis podem aterrar hoje mesmo no Montijo, sem qualquer problema, nem quaisquer custos acrescidos. No entanto, uma metamorfose mais elaborada do aeródromo militar do Montijo (1) e a sua transformação no aeroporto Low Cost de Lisboa seria da máxima conveniência, até para almofadar as vibrações negativas decorrentes da improvável privatização da TAP, ou, como é opinião minha e de muita gente, de um spin-off da empresa, que a mantenha nas mãos do Estado, mas sob um regime de administração mais inteligente, eticamente irrepreensível e espartano!
Manobras desesperadas do lóbi cavaquista do embuste imobiliário da Ota em Alcochete montaram uma verdadeira barragem de tiro ao Álvaro (como alguém escrevia com graça) em volta deste tema e de outros que muito incomodam a nomenclatura que nos conduziu à bancarrota. Não nos esqueçamos, porém, que um tal Fantasia, da SLN/BPN, vizinho da rainha de Belém na urbanização da Coelha, adquiriu 250 milhões de euros de terrenos à volta do prometido NAL de Alcochete, quinze dias antes de Sócrates anunciar o abandono do NAL na Ota!
Mas vamos ao que interessa: Montijo, sim ou não?
Será que não bastaria, para já, entregar o Terminal 2 da Portela às Low Cost, e deixar as vinte mangas do Terminal 1 para a TAP e restantes companhias de bandeira, em vez de partir para obras necessariamente caras na Margem Sul? Há quem diga que a Ibéria, única interessada na compra da TAP, teria exigido a saída das Low Cost da Portela, para assim evitar a concorrência agressiva da easyJet e da Ryanair. Duvido que esta questão tenha estado em cima da mesa, pois suspeito que o essencial ainda não foi discutido: quem paga a dívida acumulada de 2,4 mil milhões de euros? quem despede o pessoal a mais (dois mil a três mil funcionários)?
Mas enfim, admitamos que o velho tema de uma segunda pista paralela à pista norte/sul da Portela, a construir na excepcionalmente bem colocada base aérea militar (NATO) do Montijo, acabou por ganhar a notoriedade que sempre mereceu na Blogosfera como alternativa decente ao estuporado NAL da Ota, Rio Frio ou Alcochete. Salvo a ameaça dos flamingos, dos corvos do mar, das garças e dos maçaricos-de-bico-comprido, protegidos por lei, tudo parece fazer do Montijo uma saída milagrosa para o actual aperto governamental em matéria de privatizações rápidas. A dimensão do endividamento das empresas públicas e da EDP (mais de 87 pontes Vasco da Gama!) tornou-se uma armadilha muito perigosa para este governo, o qual só poderá evitá-la com sucesso se demonstrar grande capacidade de manobra, decisão firme e imaginação.
Transformar a base aérea do Montijo num aeroporto Low Cost, a um passo da Ponte Vasco da Gama, e a vinte minutos do Terreiro do Paço, mas também com excelentes vias de comunicação em direcção à Costa da Caparica, Tróia e Algarve, já para não mencionar a proximidade à futura estação terminal do Transiberiano, no Pinhal Novo (é uma aposta da Blogosfera!), será certamente uma inesperada mas eficaz opção para atacar o impasse da TAP com um gambito infalível sobre os futuros herdeiros da companhia.
Mas se, mesmo assim, ninguém quiser casar com a TAP, pagando o correspondente dote, resta uma solução viável: fazer um spin-off bem feito do Grupo, vender o que não presta ou não serve a sua matriz genética (voar!) e criar uma TAP Low Cost com base operacional no futuro Pink Flamingo Airport (Lisboa-Montijo)! Na Portela, o hub Brasil-Europa, que o gaúcho soube construir a pulso (concedo-lhe este notável feito, mas condeno-o pela falência da empresa!), ganharia novas asas para voar, beneficiando das melhorias aeroportuárias em curso, de que falta todavia fazer o prolongamento do taxiway para evitar o cruzamento de pistas e passeios desnecessários das aeronaves uma vez em terra e a caminho das mangas.
Ao contrário do que acontece com as opções OTA, Rio Frio e Montijo A, a situação especifica do Montijo B permite encarar a possibilidade de operação quase imediata para reduzidos níveis de movimentos e passageiros, sem ampliação da pista, desde que não fosse utilizada por wide bodies nem por narrow bodies de maior capacidade, ou seja, no caso da TAP, não poderia operar com os Lockeed, nem com os 737-300, podendo contudo operar com os 737-200 e os Airbus 310 e 320, efectuando-se um reforço da pista, caminho de circulação e plataforma para 2/3 aeronaves, no montante de 750 000 contos.
[...]
A primeira questão que se coloca no caso da operação conjunta, refere-se às implicações resultantes em termos de controlo de tráfego aéreo diferindo, para as várias hipóteses de localização em análise, da seguinte forma :
Rio Frio - Com a orientação de pistas definida e atendendo ao afastamento físico desta localização face à Portela não se preveem problemas operacionais, derivados da operação conjunta, para além da necessidade de coordenação com mais uma entidade.
Montijo A (Orientação de pistas Norte/Sul) - Apesar da maior proximidade à Portela a orientação de pista paralela à actual pista principal, permite operar como um único aeroporto, não se prevendo que existam restrições ao tráfego com significado, embora exija um maior esforço de articulação e coordenação.
Ota - Atendendo a que ambas as pistas ficarão num mesmo eixo Norte/Sul, coincidente com os principais fluxos de tráfego da TMA de Lisboa, as descolagens da 03 na Portela interferem com as aproximações à 01 na Ota e, inversamente, as descolagens na pista 19 da Ota interferem com as aproximações à 21 na Portela.
Montijo B (Orientação de pistas Este/Oeste) - Situação mais complexa porque as linhas de aproximação da actual pista 03 na Portela, com a 08 no Montijo, se cruzam num ponto onde as aeronaves se encontram na trajectória final antes da aterragem. Também nas descolagens da pista 21 na Portela e da 26 no Montijo existe o mesmo tipo de conflito, bem como em caso de descolagem ou aproximação falhadas. Cada situação de conflito introduz uma redução de 5% na capacidade de pista. Face aos análogos regimes de ventos a atribuição das pistas em uso 03 ou 21 na Portela corresponderá, respectivamente, às 08 e 26 no Montijo.
Interior dos modernos catamarãs que ligam o Montijo a Lisboa. Foto: Rui Rodrigues.
O futuro metro do Aeroporto (que já deveria ter inaugurado há mais de um ano!) levará praticamente o mesmo tempo a chegar ao Terreiro do Paço que o catamarã que liga o Montijo ao mesmo Terreiro do Paço, ao Cais do Sodré ou ao apeadeiro fluvial da Expo. E convenhamos que entrar em Lisboa pela grande porta do estuário do Tejo não tem preço!
Para os serviços aeroportuários da capital seria, por sua vez, uma boa oportunidade para deslocar o entalado terminal de carga da Portela para o Montijo, onde gozaria de inúmeras vantagens operacionais. Para a TAP e para a Groundforce, por fim, esta extensão do aeroporto para a Margem Sul seria um modo evidente de salvar algumas centenas de postos de trabalho inexoravelmente ameaçados pelo estado de falência e enorme endividamento (2,4 mil milhões de euros) a que os criminosos políticos do Bloco Central deixaram chegar o Grupo TAP.
NOTAS
Os aeródromos militares do Montijo, Alverca, Ota e Sintra, e a quimera a que chamam Figo Maduro, existentes na cintura da área metropolitana de Lisboa, deixaram há muito de fazer qualquer sentido, além de, pela cativação de espaço aéreo que exigem, atrapalham inutilmente a aviação civil na cidade-região que é a capital do país. Por um lado, a frota de aviões e helicópteros da Força Aérea encontra-se numa situação quase caricata: alguma aeronaves nunca saíram dos caixotes e serviram apenas para reposição de peças, e outras viram recentemente os seus prazos de validade caducarem sem nenhuma alternativa no horizonte. Numa palavra: a força aérea portuguesa não existe! E como não existe não deve continuar a gastar dinheiro com pessoal, patentes e subsídios em nome dos fantasmas a que chama bases aéreas militares. À excepção das bases militares das Lajes, Monte Real e Beja, onde o esforço de manter uma força aérea militar operacional deveria concentrar-se, o resto pode e deve pura e simplesmente ser desactivado, colocado ao serviço do interesse público civil, se for oportuno, ou mantido em regime de espaços estratégicos adormecidos (com custos de manutenção reduzidos ao mínimo).
Terceira grande falência bancária europeia, paga pelos contribuintes!
E a pergunta que ocorre fazer é esta: se a mesma receita for aplicada aos países e bancos falidos que estão na lista escondida da insolvência europeia, quem impedirá uma mais do que certa insurreição democrática contra o assassínio fiscal da Europa?
Uma insolvência de mais de 100 mil milhões de euros, mas como é um banco, não se fala mais nisso!
Há uma coisa chamada derivados financeiros “over-the-counter” (OTC), isto é, contratos de futuros realizados fora de qualquer escrutínio público, e que na sua maioria estão albergados nas caves incógnitas dos bancos! O valor nocional destes negócios imperceptíveis, segundo o Bank of International Settlements (BIS), era em 2010 da ordem dos 600 biliões de dólares (1), e o valor comercial bruto destes mesmos contratos andava pelos 21 biliões de dólares. Ou seja, há um mercado de apostas agressivas, em grande medida especulativas, ou fazendo mesmo parte de gigantescos esquemas Ponzi, que vale qualquer coisa entre 1/3 e 10x o PIB mundial. Este enorme buraco negro financeiro, para onde se precipitam as várias bolhas especulativas depois de rebentaram (bolhas imobiliárias, bolhas soberanas, bolhas cambiais, etc.), é o principal vórtice da crise sistémica em curso. Não há, pura e simplesmente, liquidez suficiente no planeta para tapar este buraco. E no entanto, é preciso tapá-lo antes de se poder reabrir a janela do crescimento.
Over-the-counter (OTC) derivatives
are contracts that are traded (and privately negotiated) directly
between two parties, without going through an exchange or other
intermediary. Products such as swaps, forward rate agreements, and exotic options
are almost always traded in this way. The OTC derivative market is the
largest market for derivatives, and is largely unregulated with respect
to disclosure of information between the parties, since the OTC market
is made up of banks and other highly sophisticated parties, such as hedge funds.
Reporting of OTC amounts are difficult because trades can occur in
private, without activity being visible on any exchange. Wikipedia.
Enquanto a gritaria se focaliza nos suínos soberanos do sul da Europa (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha), alguns bancos (BPN, Dexia, Erste?) abrem colossais crateras no sistema financeiro europeu sem suscitar, paradoxalmente, qualquer alarido. Os bancos colapsam e os governos criam espontaneamente do nada a liquidez virtual necessária para serenar as situações. Mas será que conseguem sarar estas enormes feridas abertas, ou apenas estancam momentaneamente a sangria, rezando para que a hemorragia fique por ali?
Dizem que o problema é tão só um problema de confiança dos agentes, e de retoma do crescimento. Sem a primeira, a circulação monetária abranda, aumenta o risco de emprestar e de investir, e aumentam também as dúvidas sobre a rentabilidade dos investimentos e a consistência dos projectos económicos; sem crescimento, por sua vez, a riqueza estagna, não se reproduz, e portanto seca a fonte de alimentação da própria liquidez do sistema (ainda que, ao contrário do que o obreirismo serôdio de Cavaco Silva quer fazer crer, o crescimento americano e europeu das últimas quatro década tenha sido muito mais estimulado pelo consumo e pelo endividamento do que pela produção de bens transaccionáveis!)
Como sair deste círculo vicioso?
Uma vez que o panorama da crise não é uniforme à escala mundial, uma das soluções possíveis é levar os países excedentários nos respectivos orçamentos públicos, comércio, produção industrial e reservas financeiras e cambiais, a absorverem, ainda que indirectamente, parte das dívidas soberanas e parte dos activos especulativos envenenados que ameaçam destruir o sistema bancário americano e europeu. Esta solução, acompanhada de um corte de cabelo de 50-60% nas expectativas de rendimento de uma boa mão cheia de especuladores privados e institucionais, e de brutais programas de austeridade, bem como da reforma dos grandes governos ocidentais, é talvez o único caminho que poderá estancar o cancro e criar espaço para uma reestruturação ordenada da globalização.
Este caminho implica, porém, uma transferência inexorável de poder para os BRIC, sem o que estes países considerariam o resgate dos Estados Unidos e o resgate da Europa como derradeiras manifestações imperiais de colonialismo. Estará o Ocidente disposto a passar por esta espécie de inesperada humilhação? Só para satisfazer os planos imediatos da Alemanha, creio que não. Mas neste caso...
Tendo em vista as actuais tendências demográficas mundiais, o pico do petróleo e o fim da energia barata, e ainda os efeitos crescentes das alterações climáticas, parecem-me evidentes quatro coisas:
a hegemonia do dólar chegou ao fim;
o modelo especulativo do capitalismo financeiro também chegou ao fim;
o modelo de crescimento baseado no consumo e no endividamento implodiu;
a globalização neoliberal fracassou e perdeu legitimidade.
Vamos pois ter que verificar a origem efectiva das dívidas e pagar apenas as que foram legitimamente contraídas. Vamos ter que negociar prazos razoáveis para a liquidação das dívidas justas e repudiar as dívidas especulativas, impondo aos especuladores o tal haircut de 50-60%. Finalmente, depois de repartir os prejuízos da crise com alguma equidade, teremos que exigir uma refundação global da economia e do direito dos povos à felicidade.
Entre uma fase e outra os governos, como o nosso, têm basicamente três obrigações:
honrar os contratos soberanos com os credores;
reformar drasticamente o Estado e rever todos os contratos leoninos feitos contra o interesse público;
lançar um vasto programa de emprego público temporário orientado para as prioridades estratégicas da nossa economia.
Não se trata de criar mais burocracia, mas de esvaziar o Estado do excesso de burocracia, criando ao mesmo tempo oportunidades temporárias de trabalho para centenas de milhar de cidadãos. O tempo do governo ou do Estado como lender-of-last-resort esgotou-se na própria crise do endividamento soberano. A única missão construtiva que neste momento dramático só o Estado poderá desempenhar com sucesso é a de empregador de última instância (employer-of-last-resort). É por aqui, e não conspirando contra o actual governo como o têm vindo a fazer o actual presidente da república, a oposição parlamentar e os milhares de parasitas desta democracia populista (de que um Expresso cada vez mais indigente se arvorou em megafone), que chegaremos a algum porto minimamente seguro.
NOTAS
Apesar das confusões sistemáticas que Cavaco Silva faz entre milhares de milhão e biliões, em Portugal (e não só) é assim: um bilião é um milhão de milhões, ou seja 10E12, enquanto que mil milhões, como a expressão indica, são 10E9. No entanto, sempre que vemos escrito billion (EUA, RU, etc.) ou bilhão (Brasil), o número em causa é um milhar de milhão 10E9. Para mais informação sobre esta confusão frequente na nossa imprensa e entre os nossos economistas (!) ver este artigo na Wikipédia.
A última fornada de piri piri que o generoso arbusto do meu jardim me concedeu neste Verão quente de 2011 foi religiosamente colhida esta tarde. Enquanto experimentava uma infusão de chá verde com rebentos de alecrim, folhas jovens de hortelã vulgar, folhas de erva príncipe e uma pitada de açúcar (deliciosa infusão!), o Google ajudava-me, como sempre, numa pesquisa muito especial: encontrar a verdadeira origem do piri piri africano (1) e, claro está, uma boa receita para preparar um molho picante que tonifique as artérias e propicie aquele ponto de equilíbrio entre prazer e dor que nenhum cosmopolita dispensa. Os ingredientes da receita são estes: piri piri, gengibre, limão e alho. E o autor da receita chama-se Oporto, uma empresa fundada por um australiano de origem portuguesa, António Cerqueira, que agrupa mais de uma centena de restaurantes de fast-food, especializada em Galinha à Africana, pequenos-almoços com ovos, hamburgers, wraps e rolls de frango, nunca frito, mas sempre fresco e grelhado.
Nando's — uma cadeia de restaurantes nos cinco cantos do mundo
Mas não é apenas a bem sucedida Oporto's que mostra como a gastronomia e a iconografia lusitanas podem, por assim dizer, retomar os aromas da globalização sem precisar de virar as costas ao que pode fazer a diferença num mundo altamente competitivo como o actual.
Em 1987 Robert Brozin e o portuense moçambicano Fernando Duarte compraram um restaurante chamado Chickenland, situado em Rosettenville, na zona sul de Joanesburgo. Mudaram-lhe o nome para Nando's, o restaurante do Nando. E especializaram-se num material gastronómico: o frango — grelhado com piri piri, cortado e apresentado das mais variadas maneiras, espetadas de frango, pipis e até frango na cataplana com arroz. O logo, como não podia deixar de ser, é um derivativo sem complexos pequeno-burgueses do Galo de Barcelos! Toda uma lição para as aberrações gráficas sucessivas da "Marca Portugal".
O Nando's (ver artigo no Wikipedia) foi considerado pela revista Advertizing Age uma das trinta marcas mais escaldantes de 2010, e entre os factores de diferenciação desta cadeia gastronómica conta-se o sentido de oportunidade e inteligência das suas acções de marketing de guerrilha.
Dois exemplos mais de que os portugueses sabem triunfar desde que os deixam em paz.
NOTAS
Todos os chilli são originários da América central e do sul, e foram trazidos para a Europa pelos exploradores portugueses e espanhóis. Os portugueses, nomeadamente, fizeram-no chegar a África, Índia, Ceilão, Tailândia e China. O piri piri é um cultivar do Capsicum frutescens, ou do Capsicum chinense, pequeno, vermelho quando maduro, muito picante e cuja planta onde se desenvolve chega a medir mais de dois metros de altura (como aquela que tenho no meu pequeno jardim).
Deveríamos ir todos um mês para a Austrália, ou para Vancouver, experimentar os franguinhos da Nando's Chicken Vixens ;)
Foz Coa, gravura rupestre.
A luta contra a barragem e pela preservação das gravuras foi um dos poucos combates culturais realizados em Portugal nas últimas décadas
Fiquei a saber hoje que o Francisco José Viegas, actual secretário de estado da cultura, nasceu no Pocinho. Mais um transmontano certamente duro de roer! A malta da cultura que comece rapidamente a puxar pela imaginação, em vez da gritaria histérica do costume.
A geração de lapas que se alimentou nos últimos 30 anos da seiva orçamental do país, sem sequer se aperceber a que se deveu tanta generosidade, deve dar agora lugar aos mais novos, mesmo sabendo todos nós que este últimos vão apanhar apenas migalhas.
Conhecendo-se, no entanto, a propriedade mais notória das lapas, recomenda-se que estas sejam removidas das rochas onde estão agarradas de forma decidida e sem aviso.
Aplique-se, pois, uma gestão puritana ao sector, se quiserem salvá-lo de uma morte súbita. Não é preciso inventar nada. Basta copiar o exemplo holandês. Nem um euro público deve ser gasto sem se saber para quê, porquê e sob que patrocínio técnico e intelectual.
Já agora: nem os EUA, nem a Alemanha, Reino Unido ou Japão —os países culturalmente dominantes do planeta— têm ministérios da cultura. Porque continuam os nossos desmiolados jornalistas a fazer perguntas tontas sobre este particular não-assunto?
Na Holanda, por exemplo, há um ministério da educação, ciência e cultura, e para o sector específico da cultura o ministério conta com o apoio de um Conselho para a Cultura, independente, renovado de quatro em quatro anos — ou seja, uma solução civilizada e racional.
Não é preciso inventar nada. O que faz falta é não ter medo de decidir.
Se não faltam Mourinhos, nem Barrosos, porque deixámos cair Portugal? Foto: autor desconhecido
... deixou de haver margem de manobra para o despesismo corrupto, para a irresponsabilidade política e para a indecência manifesta. O tempo das vacas gordas dos Fundos de Coesão chegou ao fim. Malbaratámos esta oportunidade única de organizar as nossas vidas? Os políticos passaram o tempo a tomar conta de si mesmos? Deixaram o país de tanga e sem ideias? Vem aí um ciclo irreversível de recessões e uma imparável curva ascendente nos custos da energia e do dinheiro? Que fazer com os políticos que temos? Para já, vigiá-los de perto e sem descanso!
— in O António Maria, “Sócrates 3”, 26-09-2004.
Os ladrões fazem necessariamente parte da crise, mas esta última tem tais proporções que é melhor começar a perceber as suas verdadeiras causas, se quisermos encontrar os pensos, os antibióticos e a cura da mesma —antes da próxima que há-de vir! Por outro lado, alguém terá um dia que explicar como é que um país tão pequeno quanto Portugal, mas com gente de tão boa fibra e em lugares invejados por todos (Ronaldo, Mourinho, Barroso, Damásio, Borges, Osório, Constâncio, Guterres, Siza, etc.) se deixou apanhar por uma matilha de penduras ignorante, irresponsável, gananciosa, corrupta e indolente, capaz, como foi, de deixar Portugal à beira da extinção.
Não fora a saudada invasão da Troika, e já estaríamos todos arrumados. Não fora esta última, e os estrangeirados e jovens independentes que Passos Coelho teve o bom-senso de convidar para o governo de maioria que o eleitorado exigiu nas urnas, já teriam sido triturados pela malta que fez do regime saído do golpe militar de 25 de Abril uma democracia oportunista, centrada no umbigo dos partidos, burocrática, familiar, populista e inimputável.
A provocação insidiosa sistemática contra Álvaro Santos Pereira e Nuno Crato, vinda de quem esconde desesperadamente o fruto roubado, e dos eternos papagaios da esquerda mumificada, amplificada diariamente pela indigente e falida imprensa que temos, dá toda a dimensão do pânico que se apoderou da criminosa nomenclatura que levou o país à falência. Chegou a hora de exigir um julgamento mais detalhado desta tribo!
E no entanto, a solução dos nossos problemas, uma vez afastados e responsabilizados os seus mais directos agentes e mandantes, é muito menos um problema de pessoas, do que uma questão sistémica.
Tenho andado a reler um livro magnífico de Hyman Minsky, publicado em 1986, chamado Stabilizing an Unstable Economy. Ele escreve, entre uma interminável série de observações de extrema pertinência e rigor analítico, isto:
“Cover-ups, however, have repercussions, as do bail-outs. Protecting and bailing out bankers affect the subsequent performance of the economy. The interventions, beginning with the credit crunch of 1966, to protect financial institutions from the life-threatening effects of their behavior have led to an economy that fluctuates, over a period of varying length, between financial crises and accelerating inflations. The authorities, frightened of the unknown consequences of the failure of giant banks, intervene to protect them when they are at hazard, which implies that the giant banks are too big for a noninterventionist, free-market economy.”
O capitalismo financeiro dominado pela especulação e pelos esquemas Ponzi, e desde meados da década de 1960, por uma tendência para a inovação em grande medida desenvolvida e posta em prática à escala mundial sob o patrocínio de meia dúzia de famílias do dinheiro, é propenso a um género novo e mal dominado de bolhas e crises cíclicas que já nada tem que ver com os ciclos económicos de produção e consumo de bens transaccionáveis que foram causa de grandes dramas sociais nos séculos 19 e até meados do século 20.
Numa economia de capital intensivo, como nunca existiu, assente também no consumo igualmente maciço de combustíveis fósseis baratos, com destaque crescente para o petróleo e o gás natural, centrado no crescimento e expansão de indústrias e sistemas comerciais para escalas nunca vistas, nada se pode realmente fazer, com impactos económicos e sociais significativos, sem os bancos e sem fundos de investimento. Sem os bancos convencionais, de depósitos e empréstimos, mais ou menos transparentes, mais ou menos regulados, mais ou menos supervisionados, mas também sem os bancos informais, sociedades de investimento crípticas e outras formas cada vez mais enervantes de "shadow banking". A dimensão dos grandes projectos, que começaram ainda no século 19 com as redes ferroviárias, prolongando-se depois no século 20 com as grandes barragens hidroeléctricas, as redes cada vez mais apertadas e extensas de autoestradas e a indústria automóvel associada, foi exigindo um sistema financeiro cada vez mais universal e ao mesmo tempo especializado para lidar com a dimensão e variedade imparáveis dos projectos emergentes ao longo de todo o século 20. Minsky, que actualizou de forma honesta a teoria de Keynes, tem razão quando defende ao longo de quase quatrocentas páginas, a natureza intrinsecamente instável do capitalismo na era da sua expansão financeira. Sem reconhecer e perceber esta característica será sempre mais difícil lidar com as crises, e será sempre mais fácil reduzir os problemas ao clássico maniqueísmo Esquerda/Direita e Ricos/Pobres, esperando no meio da algazarra, e por vezes de criminosas tragédias humanas, que a tempestade passe.
Há um ponto que Hyman Minsky, na sua aguda análise, seguramente por razões de método, omite: a causa material do activismo especulativo e da inovação financeira nas sociedades capitalistas intensivas, financeiras e tecnologicamente avançadas. Poderão as necessidades gigantescas de financiamento explicar a voragem incontrolada dos derivados financeiros? Seria interessante escutá-lo, se fosse vivo, sobre a crise das dívidas soberanas, as quais deixaram de ser um problema típico de estados colonizados e de países falhados, para notabilizarem tão tristemente as economias desenvolvidas da América e da Europa. Como podem governos sobre endividados, numa economia globalizada, desempenhar cabalmente a função de "lenders of last resort"? Se o uso insistente desta faculdade perder eficácia, precisamente por causa da globalização e dos algoritmos de especulação (High-frequency trading), que acontece? Poderá a esfera financeira da economia sobreviver a uma explosão demográfica planetária, com impactos inevitáveis na produção, distribuição e consumo dos bens transaccionáveis? Poderá esta esfera ignorar os efeitos da exaustão relativa dos recursos energéticos e naturais? Quais os impactos da deslocalização das unidades produtivas à escala global na lógica financeira do capitalismo? Esta é provavelmente uma das perguntas de um bilião de euros da crise que continua a agravar-se diante de todos nós.
“The prices in German supermarkets are about half of what they are in Belgium, Italy or Spain.” — Antonio S. Mello
Esta verificação consta da conferência do professor de finanças da universidade de Wisconsin, Antonio S. Mello (1), dada este mês em Nova Iorque. A compilação de dados eventualmente desconhecidos sobre a situação estrutural das finanças portuguesa é mais um contributo útil para a compreensão, longe de estar completa, das causas do nosso endividamento soberano, doméstico e empresarial, da falência bancária escondida e da perda de crédito internacional da nossa economia. Mas o mais surpreendente são duas das conclusões a que chegou:
“Too little investment in the last fifteen years to expand and upgrade the tradables sector. No money to do it now!”
“What periphery countries need is stabilization with growth, not stabilization at the expense of growth.”
Conclusão: a ajuda financeira externa deve dirigir-se preferencialmente às empresas, e não aos bancos, para o financiamento intensivo (pois doutro modo seria inútil, e puramente cosmético) da produção de bens transaccionáveis, e não para recapitalizar os bancos com mais cheques em branco, de que resultaria inevitavelmente o imediato recomeço do financiamento especulativo do Orçamento de Estado — e do consumo. Mas como fazer isto? Montando linhas de crédito preferenciais para as PME? Para todas? Como definir critérios de prioridade? Quanto tempo precisaríamos para ver resultados? Resistiríamos até lá?
Talvez possamos cruzar este meu entendimento da comunicação de Antonio Mello, com o Big Government de Minsk, no ponto em que este propõe, ainda que por períodos limitados, a intervenção do governo na qualidade de criador, já não da liquidez ilimitada, que no caso português não existe e seria inviável obter do BCE, mas de emprego ilimitado, a preços controlados, orientado para obras de interesse estratégico evidente: substituição da actual rede ferroviária de bitola ibérica por uma nova rede de bitola europeia, eficiência energética, requalificação urbana, gestão integrada e sustentável da floresta, atendimento de populações idosas sem recursos, etc.
“The current strategy seeks to achieve ful employment by way of subsidizing demand. The instruments are financing conditions, fiscal inducements to invest, government contracts, transfer payments, and taxes. This policy strategy now leads to chronic inflation and periodic investment booms that culminate in financial crises and serious instability. The policy problem is to develop a strategy for full employment that does not lead to instability, inflation and unemployment.
The main instrument of such a policy is the creation of an infinitely elastic demand for labor at a floor or minimum wage that does not depend upon long- and short-run profit expectations of business. Since only government can divorce the offering of employment from the profitability of hiring workers, the infinitely elastic demand for labor must be created by government.” (Minsky, op. cit.)
Neste caso, o encolhimento doloroso do estado burocrático, mas que libertaria fundos para uma política activa de emprego temporário e por objectivos, a custos controlados, teria um propósito social que as políticas meramente financeiras não poderão suprir na totalidade. Basta reparar nas constatações de Antonio Mello sobre a importância do crescimento económico, ou melhor dito, da falta dele, no agudizar das crises irlandesa e espanhola, na rigidez cultural do mercado de trabalho europeu (que contrasta claramente com a fluidez dos fluxos financeiros), ou ainda no estado crítico em que se encontram as nossas empresas privadas em matéria de endividamento, para que o problema do pleno emprego deixe de ser um eterno campo de retórica e demagogia, e seja estudado seriamente pelos economistas e pelos políticos profissionais.
“What is interesting is that a country can become a highly indebted country, not because of higher primary deficits. Ireland and Spain did not run budget deficits before 2009! They run primary surplus. They also had relatively low Debt to GDP ratios. The key factor is fall in growth coupled with bank bailouts which had a very large negative effect on government net worth.” (Author’s adaptation of W. Easterly in “Growth Implosions, Debt Explosions”)
[...]
“One would expect pressure for realignment from the labor market. As the German export sector reaches full capacity, wage costs should rise more than the Eurozone average. This is not happening. One would expect German workers to seek higher wages outside the country. But the European labor market remains extremely fragmented. Little internal migration. Causes? Housing, pension systems, language, culture, non-matching skills. German wage moderation can persist uncorrected for years.”
[...]
“With Net debt 16 X EBIT, Portuguese companies spend 96% of their pre-tax earnings just to service their debts, with interest rates at 6%! As rates climb, a number of these companies will find it increasingly hard just servicing their debts.” (Mello, op. cit.)
As atenções têm estado sobretudo concentradas no Estado, mas quando começarmos a conhecer a real situação dos bancos, e de algumas empresas, como a EDP e várias grandes construtoras, perceberemos então melhor os dilemas que temos pela frente até ao fim desta década.
O estado da União... Europeia
Alguma coisa muito forte fez despertar Durão Barroso. Basicamente, na mensagem ao Parlamento Europeu, disse duas coisas: precisamos de por as instituições financeiras, nomeadamente os bancos, a contribuir para a resolução da crise das dívidas soberanas europeias; e precisamos e contrapor as instâncias europeias eleitas aos namoros oportunistas entre alguns governos da União. A mensagem nunca foi tão clara da parte deste astuto político e corredor de fundo.
“Much has been said about the alleged vulnerability of some of our banks. European banks have substantially strengthened their capital positions over the past year. They are now raising capital to fill the remaining gaps identified by the stress tests in summer. This is necessary to limit the damage to financial market turbulence on the real economy and on jobs. Over the last three years, we have designed a new system of financial regulation. Let's remember, we have already tabled 29 pieces of legislation. You have already adopted several of them, including the creation of independent supervising authorities, which are already working. Now it is important to approve our proposals for new rules on:
derivatives;
naked short selling and credit default swaps;
fair remuneration for bankers.
These propositions are there, they should be adopted by the Council and by the Parliament. The Commission will deliver the remaining proposals by the end of this year, namely rules on:
credit rating agencies;
bank resolution;
personal responsibility of financial operatives.
So we will be the first constituency in the G20 to have delivered on our commitment to global efforts for financial regulation.
Honourable members, In the last three years, Member States - I should say taxpayers - have granted aid and provided guarantees of € 4.6 trillion to the financial sector. It is time for the financial sector to make a contribution back to society.
That is why I am very proud to say that today, the Commission adopted a proposal for the Financial Transaction Tax. Today I am putting before you a very important text that if implemented may generate a revenue of above € 55 billion per year. Some people will ask "Why?". Why? It is a question of fairness. If our farmers, if our workers, if all the sectors of the economy from industry to agriculture to services, if they all pay a contribution to the society also the banking sector should make a contribution to the society. And if we need – because we need – fiscal consolidation, if we need more revenues the question is where these revenues are coming from. Are we going to tax labour more? Are we going to tax consumption more? I think it is fair to tax financial activities that in some of our Member States do not pay the proportionate contribution to the society. It is not only financial institutions who should pay a fair share. We cannot afford to turn a blind eye to tax evasion. So it is time to adopt our proposals on savings tax within the European Union. And I call on the Member States to finally give the Commission the mandate we have asked for to negotiate tax agreements for the whole European Union with third countries.”
Não, isto não é um discurso do PCP, nem sequer do Bloco de Esquerda, dois papagaios ressequidos que a nossa democracia preserva no formol parlamentar de São Bento. É a voz de muitos estados da União que já não suportam o paternalismo da falida América, nem estão dispostos a ver entrar pela porta do cavalo, uma federação de estados subordinada a Berlim e acolitada (como sempre!) por Paris. Em breve haverá 28 estados soberanos unidos por um ideal e muitos interesses sob a bandeira da União Europeia — e não ficaremos por aqui.
É este, precisamente, o temor do eixo anglo-americano, responsável por uma descarada e injusta guerra financeira contra o euro. Wall Street e a City londrina têm tentado tudo para levar o BCE e a União Europeia a entrar no mesmo galope suicida do Quantitative Easing. A ideia é realmente contaminar o euro com a síndrome monetarista do dólar, por forma a obrigar a uma revalorização compulsiva da moeda chinesa, mas não do iene! Claro que as burocracias corruptas, cobardes e ineptas de boa parte das democracias populistas da União, quase todas a um fio da falência, querem mais dinheiro, juros mais baixos, e que o Casino de Lisboa volte a distribuir fichas sem limite aos viciados da casa. É ilegal!
A seu tempo, quando os governos populistas sobre endividados da União acolherem as reformas institucionais inadiáveis, cortarem nas gorduras indecentes dos estados, e substituírem as elites governamentais por gente nova, politicamente arejada e sem almoços por pagar, a criação de um mercado de obrigações na Eurolândia será justificada e necessária, assim como uma política monetária mais generosa por parte do BCE. Precipitar agora esta medida seria um suicídio, ao contrário do que pensa a rainha de Belém. A ideia peregrina lançada com ar professoral por Cavaco Silva na entrevista a Judite de Sousa, sobre a urgência de transformar o BCE num emissor de liquidez ilimitada, num lender of last resort, só podia mesmo ocorrer a uma mente perdida em compromissos inconfessáveis. Para este tipo de keynesianismo de pacotilha está o FED, muito obrigado!
Do que nós precisamos mesmo é de renovar a nomenclatura económico-financeira, político-partidária e institucional portuguesa, incluindo na procissão de limpeza contabilística a falência de uma série de empresas ruinosas e a venda de outras a quem tiver biografia, transparência de processos e idoneidade para as retomar e fazer crescer. Os "cadernos de encargos" exigidos pela rainha de Belém não serão certamente aqueles de que o país precisa.
A renovação eleitoral das elites irá ocorrer na Europa a partir de agora. Na realidade, Portugal deu o pontapé de saída nesta matéria, e os resultados não poderiam ter incomodado mais a nomenclatura, do governo aos média, passando pelas burocracias corporativas e sindicais, bem como pelas castas culturais. Se não me enganar, o importante a partir de agora não serão as siglas partidárias, mas a mudança efectiva de discurso, de objectivos e de comportamento na acção política de quem se propõe exercê-la.
“Comme je l'ai dit, au fond de la crise que nous avons maintenant, c'est un problème politique. C'est un test de notre volonté de vivre ensemble. C'est pourquoi nous devons approfondir l'Union européenne, c'est pourquoi nous avons construit des institutions communes. C'est pourquoi il faut garantir l'intérêt européen. Et la réalité aujourd'hui c'est que la coopération intergouvernementale n'est pas suffisante pour sortir l'Europe de cette crise, pour doter l'Europe d'un avenir. Tout au contraire, un certain intergouvernementalisme risque de mener à la renationalisation et à la fragmentation. Un certain intergouvernementalisme pourrait être la mort de l'Europe unie telle que nous la voulons.”
Hyman P. Minsky foi um teórico da economia capitalista, que embora acreditasse no Big Government, sempre se opôs, quanto mais não fosse, por razões técnicas, ao excesso de burocracia, bem como ao crescimento alimentado sistematicamente pela via do consumo, do emprego público não produtivo, e do endividamento descontrolado, obtido, a partir da década de 1980, através do recurso a uma desregrada inovação financeira. Vale a pena conhecer melhor este verdadeiro continuador de Keynes.
“Only an economics that is critical of capitalism can be a guide to successful policy for capitalism.” (Minsky, op. cit.)
NOTAS
“The EU and the € Crisis: Growth Imbalances, Growth Implosion, Debt Explosion” Antonio S Mello — September, 2011