sexta-feira, agosto 17, 2007

Nuclear 2

Yellowcake
Yellowcake - o precipitado sólido a partir do qual de processa o combustível nuclear.


O renascimento do nuclear?

O preço do urânio triplicou em apenas um ano.
Em 2040, 2050 como muito, este minério será uma raridade virtualmente inexplorável...

Apesar da bondade visionária de James Lovelock, a verdade é que o tão propalado renascimento do nuclear não tem pernas para andar. E não é por causa de questões de segurança, ou simples resistência dos povos que não querem re-edições revistas e ampliadas de Three Mile Islands, nem Chernobyl. O motivo porque a energia nuclear não será uma alternativa ao pico petrolífero mundial é muito mais simples e irredutível: não há urânio suficiente!

Ou melhor, o chamado EROEI (Energy Returned on Energy Invested) tornar-se-à desinteressante assim que a exploração das principais zonas mineiras de urânio (Austrália, Cazaquistão, Canada, África do Sul, Namíbia, Rússia, Brasil, EUA, Uzbequistão) se tornar demasiado cara e consumidora de água e de energia nos processos de escavação, processamento e enriquecimento do combustível nuclear.

As reservas conhecidas de urânio natural em 2006 somam 3.142.000 toneladas
O consumo anual de urânio é equivalente a 65.000 toneladas de urânio*
A extracção anual de urânio é 40 mil toneladas
Duração estimada das reservas: 48-50 anos

* -- 20 mil das quais têm origem no processamento de combustível a partir do arsenal abatido de 30 mil bombas nucleares da ex-URSS

Post scriptum: Recebi um comentário da Chantal Tremblay (e depois disso, referências oportunas sobre o assunto, compiladas pela Maria de Fátima Biscaia) chamando-me a atenção para a probabilidade de assistirmos a um prolongamento da era nuclear, seja por efeito de uma maior rentabilidade das futuras centrais (por exemplo, se utilizarem a tecnologia canadiana conhecida por CANDU), seja sobretudo pela entrada em cena das centrais alimentadas com tório (cuja tecnologia tem vindo a ser desenvolvida pela India) assim que o ciclo do urânio e do plutónio atingir o pico. As maiores reservas de tório encontram-se nos seguintes países: Brasil, Turquia, India, EUA, Noruega, Gronelândia, Canadá.

CANDU

(...) by avoiding the uranium enrichment process, overall utilization of mined uranium in CANDU reactors is significantly less than in light-water reactors (about 30-40% less, using current designs).

Compared with light water reactors, a heavy water design is "neutron rich". This makes the CANDU design suitable for "burning" a number of alternative nuclear fuels. To date, the fuel to gain the most attention is mixed oxide fuel (MOX). MOX is a mixture of natural uranium and plutonium, such as that extracted from former nuclear weapons. Currently there is a worldwide surplus of plutonium due to the various United States and Soviet agreements to dismantle many of their warheads, and the security of these supplies is a cause for concern. By burning this plutonium in a CANDU it is removed from use, turning it into energy. - in Wikipedia


THORIUM

Much development work is still required before the thorium fuel cycle can be commercialised, and the effort required seems unlikely while (or where) abundant uranium is available.

Nevertheless, the thorium fuel cycle, with its potential for breeding fuel without fast neutron reactors, holds considerable potential long-term benefits. Thorium is significantly more abundant than uranium, and is a key factor in sustainable nuclear energy. - in Wikipedia


Referências

Desperately seeking uranium
Article by Michael Petek
Wednesday 15th August 2007, 19:59

A little makes a lot?
By John Busby
Aug/07/2007

Introduction to CANDU systems and operation, Lecture Notes by Dr. George Bereznai (PDF)

Thorium fuel cycle - Potential
benefits and challenges IAEA-International Atomic Energy Agency (PDF)

Uranium Proved Reserves

17th IAEA Technical Meeting on Research Using Small Fusion Devices
22nd to 24th October 2007 Lisbon, Portugal
The 17th IAEA TM on "Research Using Small Fusion Devices" will be held in Lisbon, hosted by the Government of Portugal through the Centro de Fusão Nuclear of the Association EURATOM/Instituto Superior Técnico (EURATOM/IST).

OAM #231 17 AGO 2007

quarta-feira, agosto 15, 2007

Mattel Made in China

De como um apanhador de cócó
poderá levar a Mattel à falência

Croquetes para o Tannerzinho...
Lindo menino :-)
Agora é preciso apanhar o cócó...
Mas com o fantástico apanhador da Mattel é um prazer :-)
Cuidado, não engulam a pilha!! Made in China... Sold by USA...


A Mattel está a recolher mais de 18 milhões de brinquedos em todo o mundo (BBC online, 14-08-2007). O desastre começou com a recolha de bonecos e miniaturas pintados com tintas contendo chumbo (ingrediente tóxico e proibido pelas legislações de vários países, EUA, Japão e Europa incluídos), ou contendo pequenas pilhas de fácil acesso e que qualquer criança poderá levar à boca e engolir! Os personagens envolvidos nesta inesperada saga, que já levou ao suicídio do principal sócio da emprea chinesa que fabricou os brinquedos, vão desde Sarge, um jipe do filme "Cars", até Batman, Barbie, One Piece, Dog Daycare e Polly Pocket. A lista de brinquedos abrange mais de 70 produtos diferentes (BBC online) e pode não ficar por aqui.

Nos Estados Unidos e na Europa surgiram recentemente outros produtos oriundos da República Popular da China igualmente perigosos, entre os quais uma versão falsificada e tóxica da pasta dentífrica Colgate, comida para animais domésticos que envenenou e matou milhares de cães e gatos nos EUA, peixe e marisco contendo químicos ilegais e perigosos, frangos e outras aves alimentados com hormonas proibidas, em suma, um verdadeiro descalabro. Apenas se conhece a ponta deste icebergue. Mas uma coisa é certa, se o número de casos continuar a aumentar, a marca Made in China (frequentemente escondida nas zonas menos acessíveis dos produtos) poderá passar a ser sinónimo, não apenas de produto barato, frágil e mal acabado, mas também, de produto perigoso, desencadeando uma crise comercial sem precedentes entre o ávido país asiático e os seus maiores clientes e investidores: EUA, Europa e Japão.

O Ocidente ganancioso destrói as suas economias de produção em nome da produtividade, do lucro e sobretudo da especulação bolsista, exportando máquinas, sabedoria e tecnologia para os países de mão-de-obra barata (ou mesmo em regime de escravatura disfarçada.) Pressiona o Oriente para que forneça produtos cada vez mais baratos, para poder aceder a mercados cada vez mais amplos, mas também porque o consumidor ocidental, apesar das aparências, está cada dia mais pobre. Os países como a China, onde a corrupção é generalizada e não existem mecanismos de controlo à altura do crescimento económico em curso, resvalam com facilidade para o pior da economia capitalista: exploração desenfreada dos trabalhadores e total desprezo pelo consumidor final. A culpa, no fundo, é nossa...

Deixei de comer Sushi como forma de protesto contra o barbarismo japonês no que se refere à caça desenfreada e cruel do atum, da baleia, dos golfinhos e em geral de todos os grandes cetáceos. Sopa de barbatana de tubarão, uma especialidade bárbara de chineses e tailandeses, entre outros, para o que matam milhões de tubarões anualmente, com o único fito de lhes retirar as barbatanas dorsais, nunca mais! Quanto aos produtos "Made in China" (1), sobretudo alimentares e de vestuário, não obrigado.

Post scriptum - o título completo deste post deveria ser "De como um apanhador de cócó e a pedagogia escatológica de Barbie poderão levar a Mattel à falência". Na realidade, Barbie ensina aos miúdos de todo o planeta que, como postulou Lavoisier em 1789, "Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma". E assim é: Tanner, o cachorro de Barbie, papa biscoitos de cão (certamente indigestos, pois são fabricados na China.) Mais tarde, Tanner dejecta os biscoitos pelo ânus, sob a forma de caca. Depois de cuidadosamente recolhidos pelo apanhador de cócó (scooper), são higienicamente depositados no recipiente do lixo. Quando os biscoitos acabarem... vai-se ao recipiente do lixo e recicla-se a caca de Tanner, dando-a de novo a comer, como biscoitos. Uma extraordinária demonstração de pedagogia escatológica que fará certamente muito pelas fantasias eróticas do futuro. Presume-se, claro está, que as famílias mais puritanas e abastadas comprarão sucessivas recargas de biscoitos, para que o cocó não volte à boca do pobre animal.



Notas e referências

1 - Des aliments en provenance de Chine dangereux pour la santé
LEMONDE.FR avec AFP | 29.08.07 | 19h34

"Après les jouets, les tubes de dentifrice, la nourriture pour chiens et chats aux Etats-Unis, les produits à base d'herbes médicinales au Canada, c'est au tour des aliments en provenance de Chine et importés en France d'être pointés du doigt. Certains présentent des risques graves pour la santé, selon une étude du magazine L'Expansion à paraître jeudi 30 août.

Sont particulièrement incriminés des colorants interdits découverts dans des sauces ou dans des gâteaux de riz, des moisissures cancérigènes sur des fruits secs, des résidus d'antibiotiques dans des lots de miel et de poissons, des traces de mercure sur des anguilles ou encore des stocks de nouilles incluant des composants génétiquement modifiés... Une trop longue liste des ingrédients impropres à la consommation relevée par le magazine. Ainsi, pour les aliments, 263 notifications pour produits dangereux ont été relevées en 2006, selon le réseau d'alerte rapide de la Commission européenne. Et, au cours des sept premiers mois de l'année 2007, L'Expansion fait état de "209 problèmes".

En Europe, les importateurs sont responsables en matière de sécurité alimentaire. Ils doivent assurer la traçabilité des produits tout au long de la chaîne alimentaire, identifier leurs risques et alerter les autorités sanitaires en cas de doute."


OAM #230 15 AGO 2007

terça-feira, agosto 14, 2007

Aeroportos 34

PlaneStupid webpage header
Acampamento contra a expansão do aeroporto de Heathrow atrai milhares de europeus a Londres
(BBC online). Ver o sítio activista Plane Stupid. Contem com algo semelhante em Portugal para breve!


Voar para quê?

45% dos voos europeus percorrem distâncias inferiores a 500 Km (1)


"No more sustainable development; what we need is a well-planned sustainable retreat". - James E. Lovelock (Gaia, medicine for an ailing planet. Nov. 2004.)

O tráfego aéreo não pára de crescer, sobretudo devido ao turismo de massas e à emergência do fenómeno Low Cost, que começou por revolucionar o negócio do transporte aéreo e projecta-se, num horizonte que vai até 2011, para novas áreas de oportunidade: transporte ferroviário, marítimo e fluvial, aluguer de automóveis, hotelaria, organização de viagens, seguros e casinos online!

Tudo isto se deve, em grande parte, a três fenómenos concomitantes, mas transitórios:
  • a explosão económica da Ásia à custa de trabalho humano virtualmente gratuito e aparentemente inesgotável, de que o crescimento do turismo mundial é reflexo;
  • a globalização dos mercados financeiros;
  • e o consumo livre de energias e matéria primas não renováveis.
Se não estivéssemos já a sofrer na pele as consequências deste crescimento irreflectido, patente, por exemplo, no catastrófico Verão por que estamos a passar, dir-se-ia que um tal modelo de prosperidade, de que apenas 10% da humanidade usufrui plenamente, teria um horizonte de vida confortável pela frente. Mas como a realidade, infelizmente, é a que é, teremos que pensar muito em breve nas limitações objectivas crescentes que se colocarão à circulação de pessoas e bens por esse mundo fora (e a essa cada vez mais bizarra prática hedonista a que chamamos turismo). O preço dos combustíveis será uma delas, dificilmente mitigável no curto prazo; a outra, ainda mais difícil de atalhar, é o aquecimento global e as alterações climáticas que provoca, imprevisíveis no tempo, no espaço, na dimensão destrutiva e com graves consequências para o frágil equilíbrio deste grande organismo que é a Terra.

Há muito que os anos 2030, 2050 e 2100 (ao virar da esquina) têm vindo a ser sugeridos pelos mais diversos estudos científicos (de M. King Hubbert a James Lovelock, passando por Donella Meadows e o Clube de Roma) como pontos de inflexão, seja na viabilidade do actual modelo de crescimento demográfico, económico e civilizacional, seja na própria estabilidade física e ecológica do planeta. Estas previsões deveriam levar-nos a pensar seriamente nas nossas opções de futuro e nos correspondentes investimentos, tornando-nos mais activos junto daqueles em quem votamos e de quem esperamos que governem no interesse público. Infelizmente não é o que está a acontecer. Pelo contrário, aquilo que vemos à nossa frente parece-se cada vez mais com a última valsa no salão nobre do Titanic!

Se tivermos que fazer uma travagem brusca no consumo de combustíveis fósseis, por onde iremos começar? Pelos automóveis privados e autocarros urbanos e suburbanos? Pelos veículos pesados de transporte de mercadorias? Pelos barcos? Ou pelos aviões?

Pelo comboios eléctricos (ou magnéticos) sobre carris, pelos autocarros eléctricos (os Trolleys, lembram-se?), pelos velhos Eléctricos da Carris, e pelas diversas modalidades de metropolitano (pesados, ligeiros, subterrâneos, de superfície ou aéreos) não será certamente, pois não usam petróleo, nem gás natural. Se não se inventar nada que seja capaz de sequestrar os gases com efeito de estufa no momento da sua libertação pelas actuais frotas mundiais de carros e de aviões, creio bem que as medidas de emergência começarão por este lado, ainda que paulatinamente e sempre a reboque das crises. Primeiro, onerando o uso destes meios de transporte, depois restringindo-o administrativamente.

Os aviões serão as primeiras vítimas (aplicando-se-lhes em breve os impostos de que estão isentos e há muito recaiem sobre os demais consumidores de hidrocarbonetos). Os efeitos sociais das restrições serão, porém, muito mais graves no caso dos automóveis, afectando centenas de milhões de pessoas e intermináveis fileiras da actividade económica global. Se não tiverem sido criados meios de transporte alternativos movidos a energia eléctrica, a hidrogénio ou mesmo a energia nuclear, até à crucial, inevitável e cada vez mais próxima decisão de parar boa parte da frota mundial de veículos movidos pela combustão de energias fósseis, assistiremos a convulsões sociais de proporções gigantescas, que nenhuma "lei anti-terrorista", nem forças policiais e militares, serão capazes de sustar. E o problema é que uma parte muito significativa destes meios de transporte irá colapsar, independentemente do que os políticos forem capazes de fazer até lá. Se não por efeito da subida incomportável dos preços dos combustíveis, será pelos custos crescentes derivados dos riscos de catástrofe, ou pela estagnação económica mundial decorrente do inevitável abrandamento do crescimento asiático, que já hoje ameaça os equilíbrios geo-estratégicos globais, por efeito da pressão que exerce sobre os mercados financeiros, energéticos, de matérias primas e da própria alimentação!

Temos pois que analisar com extrema cautela o alcance e o retorno previsível dos mega-investimentos em infra-estruturas aeroportuárias. A pressão dos banqueiros e das grandes empresas de construção neste assunto tão sensível é o último argumento a ter em conta por qualquer governo responsável. Por mim, a intuição e os dados que afluem todos os dias dizem-me que a prioridade deve ir imediatamente para a revisão urgente da actual política de transportes. Das prioridades que se me afiguram cada vez mais evidentes, destaco a necessidade de adequar os aeroportos existentes à conjuntura numa perspectiva temporal até 2020, deixando a reserva de Alcochete para reapreciação ulterior. Destaco, por outro lado, como prioridade emergente, a necessidade de dotar o país de uma rede ferroviária inter-urbana, urbana e suburbana suficientemente apertada para competir com os demais meios de transporte no prazo de uma década.

Mas como a gravidade dos problemas que teremos que enfrentar no futuro imediato não se restringe à temática dos transportes, antes se plasma nela por efeito da crise energética global e dos modelos de sociedade que temos, duas outras questões terão que ser revistas com a máxima urgência: a autonomia energética e a autonomia e segurança alimentares. Numa primeira avaliação, teremos que pensar à escala europeia. Mas à medida que as distâncias ficarem mais caras, seremos forçados a contar, cada vez mais, com o potencial interno de produção e distribuição alimentar. Destruir os solos aráveis ou comprometer os mares e os rios no que têm de vida, potencial nutritivo e capacidade de produção energética, em nome de uma sociedade de serviços condenada (e de que o turismo será a primeira vítima) será o nosso mais do que certo suicídio se entretanto não formos capazes de fazer deflectir tal trajectória irresponsável e criminosa.
"We are like passengers on a large aircraft crossing the Atlantic Ocean who suddenly realize just how much carbon dioxide their plane is adding to the already overburdened air. It would hardly help if they asked the captain to turn off the engines and let the plane travel like a glider by wind power alone. We cannot turn off our energy-intensive fossil-fuel-powered civilization without crashing, but we need something much more effective than the Kyoto Agreement. My hope lies in that powerful force that takes over our lives when we sense that our tribe or nation is threatened from outside. In wartime we accept without question the severest of rationing and will readily offer our lives. Perhaps when the catastrophes of the intensifying greenhouse become frequent enough we will pull together as a global unit with the self-restraint to stop burning fossil fuel and abusing the natural world." - James E. Lovelock (Gaia, medicine for an ailing planet. - Nov. 2004.)
Actualização (22-08-2007)

CML adopta modelo Portela +1 (Alcochete)

O executivo da Câmara de Lisboa aprovou ontem, numa reunião que se prolongou por sete horas, a proposta da vereadora Helena Roseta que visa exigir do Governo que no estudo comparativo que o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) está a desenvolver sobre o novo aeroporto da capital seja incluída a alternativa Portela + 1 (hipótese Alcochete). Todas as forças votaram a favor, menos o PS, que se absteve. “Porque achou que se devia abster”, justificou o presidente, António Costa. (in Correio da Manhã)

COMENTÁRIO: talvez fosse melhor deixar em aberto o "+1"...

O essencial é activar nos próximos 2-4 anos um aeroporto no Montijo, destinado às Low Cost, com o que se aliviaria de imediato a pressão sobre a Portela, prolongando-se ao mesmo tempo a vida do Aeroporto Internacional de Lisboa (na versão Portela + Montijo). Esta estratégia permitira deslocar a prioridade dos investimentos na política de transportes para a ferrovia (Alta Velocidade e Velocidade Elevada) e para os portos, tendo como horizonte de acção o período 2007- 2020. Caso a pressão do transporte aéreo continuasse a aumentar (o que duvido), a reserva de propriedade do campo de tiro de Alcochete lá estaria para acolher então o projecto de um cidade aeroportuária que, por volta de 2025, substituiria de vez a solução Portela+1.

Muito em breve, quer dizer, ao longo de todo o ano de 2008, se verá o impacto efectivo da Alta Velocidade ferroviária no transporte aéreo entre Madrid e Barcelona. Daí haverá que retirar conclusões práticas para a definição das nossas prioridades relativamente às modalidades de transporte mais económicas, mais rentáveis e mais sustentáveis.

Por outro lado, a entrada em funcionamento do novo aeroporto (privado) de Ciudad Real (denominado Madrid Sur), no final deste ano, bem como a modernização/expansão operacional do aeroporto de Badajoz e a sua transformação numa base da Ryanair, prevista para meados de 2009, serão outros tantos dados decisivos para avaliar qual a melhor estratégia de adaptação as rápidas mudanças de paradigma no transporte aéreo e ferroviário.

A posição adoptada pela Câmara Municipal de Lisboa é oportuna e relevante. Sobretudo porque a abstenção do respectivo presidente, António Costa, tem um claro significado político.


Carambola Jardim pode entornar dromedário


No rescaldo da bagunça que actualmente vive o aeroporto da Portela, por exclusiva incompetência e má política do governo e das suas ANA e TAP e Groundforce (que apesar de maioritariamente espanhola, tem a TAP como sócia), a inaudita ANA resolveu atacar o aeroporto da ilha de Porto Santo. Má jogada!

O nosso Alberto da Madeira, em plena forma, disparou: os aeroportos do arquipélago são património regional e quem neles manda é o governo eleito da ilha. Por conseguinte, despedir pessoas e fechar o aeroporto em certas horas, em nome da produtividade, nem pensar. O que é preciso, diz o macho da Madeira, é arrumar com a inviável TAP... e criar uma nova companhia! Andar com remendos não vai resolver nada na velha, ruinosa e ingovernável TAP.

Ele tem razão. E mais, se decidir pôr os aeroportos da Madeira nas mãos das Low Cost, bye bye TAP!

O Relatório da Comissão do Sistema Aeroportuário, nomeada por despacho do Ministro das Obras Públicas - ORIENTAÇÕES ESTRATÉGICAS PARA O SISTEMA AEROPORTUÁRIO NACIONAL -, de 30 de Junho de 2006, é todo um cardápio da ligeireza de quem aconselha o actual governo.


Já para o Montijo!
"As previsões de longo prazo do ACI (Conselho Inernacional de Aeroportos) apontam para uma duplicação do número de passageiros aéreos, que deverão chegar aos nove mil milhões em 2025" - Público, 19-08-1007.
Isto quer dizer que, sendo optimistas, Lisboa poderá esperar cerca de 25 milhões de passageiros em 2025. Distribuam-se 12 milhões pela Portela (i.e. menos do que o movimento em 2006) e 13 milhões pelo Montijo (voos Low Cost), e temos o problema resolvido. Entretanto, façam-se os estudos sobre o NAL na margem esquerda do Tejo, com tempo, e se for caso disso, decida-se a sua construção para entrar em funções em 2025 ou 2030.

Se o governo insistir nas megalomanias tecnicamente infundadas dos alfaiates que tiram as medidas à estratégia aeroportuária nacional, o país e Lisboa perderão a oportunidade de aproveitar o actual boom do transporte aéreo de baixo custo (que jamais pagará as taxas absurdas no NAL), perderão competitividade a ritmo acelerado e desastroso para Badajoz, Ciudad Real e Madrid, e acabarão por fazer descarrilar toda a política de transportes do país nas próximas duas décadas!

Eu sei que andam por aí muitos Migueis de Vasconcelos, deserdados da educação, que ainda comem com os cotovelos em cima da mesa e transportam pentes no bolso traseiro das calças, mas cuidado: Portugal ainda tem janelas!


Madrid-Marraqueche ligado pelo AVE em 2027-30...

Espanha e Marrocos decidem construção de túnel rodoviário e ferroviário entre Tarifa e Tânger. (Swiss Info)

Este projecto confirma as ambições de Madrid na frente atlântica europeia.
A concretização desta visão geo-económica tem passado, nos últimos 26 anos (a Espanha entrou na NATO em 1981), pelo aumento constante da sua influência económica em Portugal, no Reino Unido (onde tem vindo a adquirir bancos e empresas tão importantes como a BAA, ou seja, a companhia que é dona dos 7 aeroportos ingleses mais importantes, além do aeroporto de Nápoles), e agora na Holanda (onde disputa com o Barclays a aquisição do maior banco flamengo, o ABN-Amro). A possível criação de um Banco do Mediterrâneo, projecto acarinhado sobretudo pela Catalunha e políticos portugueses atentos, vai na mesma direcção e pretende contrabalançar o peso da França no norte de África (cuja iniciativa está a ser fortemente retomada pelo novo presidente francês, Nicolas Sarkozi).

As investidas e tomadas de posição em grandes empresas na América Latina, e mesmo a evidente aproximação ao mercado norte-americano, são outras tantas marcas da nova prioridade estratégica do país vizinho: tornar-se o principal protagonista da frente euro-atlântica. Para tal, as costas portuguesa e marroquina são, na verdade, imprescindíveis.

Portugal deve ter bem presente que uma tal estratégia por parte de Madrid será impossível de concretizar sem a sua cooperação. Estando o Brasil no pelotão dos países emergentes do BRIC, e do G8+5 , é bom de ver que a responsabilidade portuguesa é bem maior do que parece à primeira vista.

A importância estratégica de Portugal volta a estar uma vez mais assente em três pilares cuja soberania e controlo não pode, sob nenhum pretexto, alienar:

1 - a frente atlântica - o mar, os portos, os aeroportos e a necessidade de reforçar os laços com a Galiza;
2 - as plataformas marítimas do continente e dos arquipélagos da Madeira e dos Açores
3 - a língua portuguesa

Se um dia houver Ibéria, a capital será Lisboa e portuñol a respectiva língua franca :-) Nesse T ibérico, a testa da ponte euro-atlântica será formada pelo eixo luso-galaico e o tronco que a suporta não poderá deixar de estender-se ao longo do eixo transiberiano entre Lisboa, Madrid e Barcelona.


Demitam os gajos da ANA! E o dromedário das obras públicas, também!!


Se outro facto faltasse para acabar de vez com a Ota, a actual crise financeira mundial pode muito bem ser o golpe de misericórdia numa das ideias mais tortas deste país. Agora, nem Ota, nem Alcochete! A única coisa a fazer é ampliar a Portela rapidamente e em força, e operacionalizar o Montijo para as Low Cost. Precisamos, no entanto, de gente competente à frente de uma operação de emergência. Os boys que por lá se arrastam, com bons salários e sempre de cócoras, devem ser urgentemente dispensados.

O Aeroporto de Málaga, o mais antigo de Espanha que continua a operar na sua localização original e com uma pista só (desde 1919), é o quarto mais movimentado daquele país, com 13 milhões de passageiros em 2006 (1 milhão mais do que a Portela). A primeira fase de um plano de expansão que prevê duplicar a sua capacidade para 20 milhões de passageiros até 2010 inaugurou em 24 de Julho passado (El País, 24-07-2007.) Em 2010 este aeroporto passará a ter duas pistas e uma estação multimodal subterrânea por onde passarão comboios suburbanos, o metro e...o AVE!
Ora aqui está um modelo de referência para quem não é rico, como nós, e tem que deixar de espremer sistematicamente o contribuinte, corromper as "elites" e engordar o BES e outras instâncias pouco recomendáveis.


Excitações


Só incompetência? Ou plano intencional para favorecer o embuste da Ota?
Público (16-08-2007). "Estamos preparados para situações normais, não como esta", diz o director da Portela. Das oito passadeiras rolantes que transportam as malas na parte das chegadas, metade são de concepção antiga e servem apenas dois voos de cada vez, prevendo-se que sejam substituídos em Setembro. Os restantes servem quatro aviões ao mesmo tempo.

A falta de equipamentos adequados é visível no terminal de bagagens em transferência, um pequeno prefabricado junto às posições de estacionamento dos aviões de longo curso, onde, nas primeiras horas da manhã, se concentra uma boa parte da actividade. Com uma dezena de voos de longo curso a chegarem entre as 6h30 e as 9h00, cada um com 500 a 600 bagagens no porão, estão ali, no máximo, 20 trabalhadores (por falta de espaço para mais), que têm de separar as bagagens à vista, lendo as etiquetas das malas e encaminhando-as para o voo final ou para a aerogare.

É que neste terminal não existem sensores de leitura óptica, o que "aumenta a margem de erro", salienta o porta-voz da Groundforce, António Matos. A isto, juntam-se os bloqueios das tapetes (passadeiras rolantes) nas máquinas de raio x das bagagens de porão, que acabam por operar 600 malas por hora, face a uma capacidade prevista de escoamento de 900 a 1200.
O director do aeroporto reconhece a falta de sensores de leitura óptica para a bagagem em transferência, mas diz que o investimento da empresa se fez de acordo com as necessidades apontadas pelos prestadores de serviços de handling e pelas companhias aéreas, a começar pela TAP.

As lacunas na formação de trabalhadores de assistência em escala contratados temporariamente para combater os "picos" da época alta é outra das falhas apontadas pelos responsáveis do aeroporto e pela TAP. A maioria dos 400 trabalhadores temporários contratados pela Groundforce como reforço para o Verão está concentrada em Lisboa e representa praticamente um terço do total ao serviço da empresa na Portela.

Já André Teives chama a atenção para os dados recolhidos pelo sindicato no sistema interno do aeroporto: entre Janeiro e Março, cerca de 41 por cento dos atrasos da TAP foram devidos a problemas da própria companhia aérea e outros 41 por cento a atrasos nos voos com passageiros em trânsito, que iam apanhar outro avião na Portela. Outros 9,2 por cento foram da responsabilidade da ANA e à Groundforce cabe 4,8 por cento.

Se um ou mais aviões com muitos passageiros se atrasarem muitas horas, quando chegam ao aeroporto podem já não ter o número de trabalhadores que, ao início da manhã, ali estavam para descarregar os aviões."Estamos a falar de uma companhia aérea que não cumpre o seu próprio planeamento, por falta de meios disponíveis", afirma André Teives.

Ampliado el aeropuerto de Málaga (El País, 24-07-2007)

La ministra de Fomento, Magdalena Álvarez, inauguró ayer la ampliación de la terminal T-1 del aeropuerto de Málaga y los nuevos edificios de aparcamientos y de Aviación General, en los que se han invertido más de 160 millones de euros.
Estas obras están incluidas en el Plan Málaga, que prevé invertir más de 1.000 millones de euros hasta 2010 para duplicar la capacidad actual del aeropuerto: 13 millones de pasajeros por año.

En la T-1 se ha ampliado la sala de facturación con nueve nuevos mostradores, hasta un total de 29; se han incorporado tres nuevas puertas de embarque a la ya existente; se ha creado un tercer canal de tratamiento de equipajes, y se ha remodelado la fachada exterior, con una inversión de siete millones de euros.

El nuevo edificio de aparcamientos P-1 tiene siete plantas, dos de ellas subterráneas, con unas 2.500 plazas. Este edificio de aparcamientos ha supuesto una inversión de más de 150 millones de euros, cifra en la que se incluye una nueva estación para autocares y nuevos viales que aún se encuentran en ejecución.

Por último, la nueva terminal de Aviación General acogerá los vuelos privados, los aerotaxis y la escuela de vuelos, tiene más de 3.400 metros cuadrados y ha costado 4,7 millones de euros.

El Plan Málaga se encuentra actualmente a un 30% de ejecución y prevé una nueva terminal.



Notas

1. Uma compilação rápida de exemplos que confirmam a afirmação de que boa parte dos voos europeus, que aliás ocorrem dentro da Europa, percorrem distâncias perfeitamente ao alcance de transportes terrestres movidos a energia eléctrica não oriunda da combustão de hidrocarbonetos.

Distâncias entre cidades (em Km)

Londres-Paris (414)
Londres-Amsterdão (494)
Londres-Bruxelas (328)
Londres-Antuérpia (337)
Paris-Berna (556)
Paris-Frankfurt (592)
Paris-Colónia (508)
Frankfurt-Praga (552)
Madrid-Lisboa (638)
Madrid-Barcelona (628)
Madrid-Sevilha (538)
Madrid-Málaga (544)
Madrid-San Sebastian (469)
Madrid-Santander (393)
Madrid-Bilbau (395)
Madrid-Valencia (352)

Lisboa-Porto (313)
Lisboa-Faro (299)
Lisboa-Braga (366)
Lisboa-Aveiro (244)
Lisboa-Caia (236)
Lisboa-Coimbra (196)
Lisboa-Leiria (129)
Lisboa-Castelo Branco (258)

Porto-Braga (53)
Porto-Viana do Castelo (71)
Porto-Valencia (124)
Porto-Vila Real (116)
Porto-Bragança (253)
Porto-Aveiro (68)


OAM #229 14 AGO 2007

domingo, agosto 12, 2007

Aeroportos 33

Airport System Handling
O estilo terceiro-mundo da Portela é da exclusiva responsabilidade da ANA e do lóbi da Ota.

Bagagem perdida

ANA, TAP, Bloco Central e Governo devem ser responsabilizados pelo caos actual nos aeroportos portugueses

O aeroporto Sá Carneiro continua perigosamente sem ILS (Instrument Landind System), nem taxiway decente, o que diminui drasticamente a sua operacionalidade em épocas de nevoeiro cerrado e aumenta o intervalo entre cada aterragem ou descolagem para uns inacreditáveis 10 minutos (restringindo estupidamente o número de "slots" disponíveis...) Tudo isto, porque até agora cuidaram apenas da premiada aerogare, mas não da eficiência, produtividade e segurança da pista! Quem é responsável quem é? Pois uma velha amiga da onça chamada ANA.

Mas a ineficiência "estratégica" desta empresa pública dirigida há décadas por boys do Bloco Central (e não por gestores independentes e competentes seleccionados por concurso público adequado), não fica por aqui. A degradação económica, funcional e estética do aeroporto da Portela, cuidadosamente planeada para atingir os objectivos irresponsáveis do lóbi da Ota, sem qualquer brio na imagem do país e da sua capital, e prejudicando sem o mínimo pudor milhões de utentes, chegou ao completo descalabro e vergonhoso ridículo daquilo a que poderíamos chamar "Operação Verão 2007. Objectivo: arrumar de vez com a Portela!"

Primeiro, foi a inauguração, em Agosto (!) e sem quaisquer testes prévios, do já tristemente famoso Terminal 2. Não podia ter corrido pior, e logo em plena presidência portuguesa da União Europeia. O que vale é que os eurocratas não passam por aquele terminal doméstico.
Segundo, perdem-se qualquer coisa como 8600 malas por mês nos aeroportos administrados pela ANA, 4000 das quais na Portela! E se alguém pretender fazer uma reclamação contra tamanha falta de profissionalismo e de urbanidade, o mais provável é dizerem-lhe que não têm o Livro de Reclamações à mão.

Vale a pena ler estes extractos de três artigos recentes sobre a extraordinária incompetência da entidade pública que administra, sem prestar contas cidadãs, os principais aeroportos nacionais (Portela, Sá Carneiro, Faro, Funchal, Ponta Delgada, Horta, Santa Maria e Flores), e promove, enquanto Grupo ANA e através da NAER, o Novo Aeroporto de Lisboa (NAL).

90 mil malas perdidas desde o início do ano

"Desde o início do ano, perderam-se mais de 90 mil malas nos aeroportos portugueses. Mais de 400 por dia. O drama repete-se todos os verões milhares de bagagens perdidas nos aeroportos, passageiros enfurecidos a reclamar, companhias aéreas sem mãos a medir.

Ontem à tarde, no Aeroporto do Porto havia mais de 500 malas sem dono, espalhadas pelos corredores junto ao serviço de Perdidos e Achados. Em Lisboa, o cenário não era melhor. O novo terminal 2 (para voos domésticos) "ainda não está afinado" e os efeitos reflectem-se no Porto.

Embora haja picos de afluência, o problema é geral. As 90 mil malas perdidas desde Janeiro correpondem a 8600 pessoas insatisfeitas, todos os meses, a reclamar junto dos serviços de perdidos e achados dos aeroportos. Os números são da empresa de "handling" Groundforce, que opera em todos os aeroportos (incluindo Porto Santo e Funchal) e que detém uma quota de mercado de 85%. No Porto, ao grande fluxo de malas habitual em Agosto, somou-se um episódio que veio gerar a confusão." -- Inês Schreck (Jornal de Notícias, 09-08-2007)

Raio X do aeroporto faz "atrasar e perder malas"

"A empresa de handling Groundforce, que faz o processamento de cerca de 70% das bagagens no aeroporto da Portela, em Lisboa, queixa-se que as instalações e as infra-estruturas daquela aerogare, do tempo da II Guerra Mundial, "não têm capacidade para permitir tratar de toda a bagagem em tempo útil, acabando por não seguir viagem junto com os passageiros. O serviço atrasa-se, as malas têm de ser expedidas nos voos seguintes e algumas perdem-se".

Quem denuncia estas situações ao DN é o porta-voz da Groundforce, António Matos, que diz ter-se registado "um agravamento desde o ano passado, devido à saturação do aeroporto e também porque a TAP - Transportadora Aérea Portuguesa passou a fazer mais voos de ligação com transferências". -- Daniel Lam (DN online, 12-08-2007)

Triagem manual na Portela. De quem é a culpa?

"Para o subdirector do aeroporto de Lisboa a ANA, as empresas de assistência em terra aos aviões (Groundforce e Portway) e as companhias aéreas têm de «partilhar» as responsabilidades pelas situações de atrasos e extravio de bagagens.

Isto porque, conforme explicou, «o aeroporto de Lisboa está a funcionar no limite das suas capacidades», pelo que «qualquer desequilíbrio provoca uma situação de ruptura que pode fazer parar todo o sistema»."

"Durante uma visita de três horas que pretendeu «mostrar a complexidade do sistema de transporte de bagagens», o subdirector do aeroporto de Lisboa afirmou que é no sistema que encaminha a bagagem dos passageiros que fazem escala em Lisboa (Sistema de Transferência de Bagagens - TBT) que se registam mais complicações.

«O TBT tem capacidade para processar 900 bagagens por hora, mas no pico do tráfego (entre as 6h e as 9h30), quando chegam os voos intercontinentais, que exigem níveis de segurança mais apertados, a situação complica-se», explicou o subdirector do aeroporto de Lisboa.

Neste sentido, João Nunes anunciou que no final do primeiro semestre de 2008 já estarão concluídas as obras de ampliação do TBT, cuja alteração mais significativa consiste na substituição do sistema de triagem de bagagem manual por um sistema automático." (Sol, 13-08-2007)

A ANA responde laconicamente que está tudo bem.
Para quando a famosa gestão por objectivos e a imprescindível responsabilização (e castigo se for o caso) dos bem pagos administradores das empresas públicas?!

Ponham o Montijo (1) a funcionar quanto antes!


Post scriptum

14-08-2007 23:38 - A trapalhada das malas perdidas nos aeroportos portugueses já chegou aos telejornais. Como o visado da notícia da RTP2 foi exclusivamente a TAP, presumo que as agências de comunicação andem a montar uma estrangeirinha ao Fernando Pinto (quem lhe mandou alinhar com a privatização da PGA?)

O problema das malas que não chegam, não afecta só Portugal. No aeroporto europeu melhor classificado em matéria de handling, Barcelona, 18 em cada 1000 malas não chegam ao seu dono no momento esperado. Já em Heathrow, o pior aeroporto europeu neste tipo de trapalhadas (desde que é administrado por espanhóis?), 54 de cada mil malas costumam passear-se por outros tabuleiros e aeroportos antes de chegarem às mãos de quem delas desespera.

Uma das causas deste género de incompetência e destruição de valor (do tempo e da paciência dos passageiros e de quem com eles deveria interagir, da prestação de serviços que acaba por não ocorrer ou atrasar, etc.) respeita obviamente ao crescimento do tráfego aéreo, sobretudo no Verão. Mas há outra explicação e essa tem que ver com a produtividade especulativa que colonizou um serviço público chamado transporte aéreo. A lógica desta colonização é simples de perceber: investir o menos possível em infraestruturas, em manutenção, em planeamento e sobretudo em recursos humanos, de modo a mostrar os famosos números verdinhos dos paineis bolsistas. Crescer por aquisições, não perceber nada dos assuntos e vender o negócio na primeira oportunidade, eis a ameaça crescente da selvajaria liberal que assaltou a economia mundial. O passageiro, no fundo, que se f... !

No entanto, não tem que ser assim. Os governos e os estados têm obrigações para com os respectivos povos. A China, por exemplo, fuzilou há umas semanas atrás um ministro que andava a brincar com a segurança alimentar do país. No Sábado passado, o senhor Zhang Shuhong, um dos donos da chinesa Lee Der Toy Company, depois de lhe terem devolvido 1,5 milhões de brinquedos por ele fabricados para a gigante norte-americana Mattel, pintados com uma tinta que continha um pigmento tóxico --ver últimas notícias! (CNN-Mattel, 14-08-2007)--, apareceu pendurado de uma corda no interior da sua fábrica. A produtividade não tem só direitos, também tem deveres...



Notas
1 - Se o ministro da defesa não fosse um choninhas já tinha alugado por dez anos o Montijo à Ryanair, ou a easyJet. Assim arranjava uns euricos para a sua tropa fandanga e falida, e de caminho ajudava o turismo nacional, além de forçar um repensamento radical da actual (inexistente) política de transportes lusitana. Esperem que o AVE chege a Barcelona e se inaugure o novo aeroporto privado "Madrid Sur-Ciudad Real", e vão ver como isto começa tudo a andar num virote... e o beduíno vai para a rua.



OAM #228 12 AGO 2007 (actualizado em 14-08-2007)

segunda-feira, agosto 06, 2007

Aeroportos 32

Pista de 4000m e taxiway do novo aeroporto Madrid Sul-Ciudad Real
Pista e taxiway do aeroporto Madrid Sur-Ciudad Real. Inauguração: Outubro 2007.

Madrid Sur, a 200 Km de Madrid!


Parece que o primeiro ministro português andou a desculpar-se perante os construtores civis a propósito do atraso no arranque dos projectos do Novo Aeroporto de Lisboa e da rede ferroviária de Alta Velocidade (Sol, 04-08-2007). Se é verdade, dá pena e revela o desnorte crescente do actual governo em matéria de economia e mobilidade. Até agora, a sua propaganda em ziguezague apenas conduziu a acrobáticas cangochas sobre o assunto. Primeiro, foi o embuste e a estupidez da Ota. Depois, o dromedárico grito sobre a hipótese de um novo aeroporto na Margem Sul: "Jamais! Jamais!!", disse o ministro com vários grãos na asa. Agora repete que Alcochete talvez, mas que a "Portela+Montijo", nem pensar! A Portela seria assim para fechar em 2017 e até lá, se este inenarrável senhor continuasse à frente da pasta ministerial que alegremente espezinha, a ANA e a sua tropa fandanga (Groundforce e quejandos) continuariam a praticar as suas sevícias sobre os milhões de passageiros que aturam atónitos os interiores indigentes da aerogare, as esperas intermináveis das malas, ou o seu extravio. Para reclamar, chega a ser necessário chamar a polícia! Que tal começar por colocar esta gentinha na ordem?

Enquanto Sócrates corre a enterrar o primeiro tijolo e 32 milhões de euros numa nova infraestrutura aeroportuária em Beja, lugar por onde não passa nenhuma autoestrada, nem qualquer comboio rápido (já para não falar da Alta Velocidade), e que até ao momento não encantou nenhuma Low Cost, a Espanha atrai a Ryanair (1) para o aeroporto renovado de Badajoz, cujo tráfego deverá, no mínimo, duplicar até 2011, e ainda para aquele que será o primeiro aeroporto internacional privado do país vizinho, situado em Ciudad Real, com inauguração prevista para o próximo mês de Outubro. Inicialmente baptizado "Don Quijote", por situar-se em Castilla-La Mancha, acabaria por adoptar a denominação definitiva de Aeroporto Madrid Sur - Ciudad Real (2), apesar de distar 200 Km da capital espanhola. E sabem porquê? Porque ficará apenas a 50mn de distância de Barajas (3). Considerado o aeroporto mais central da Espanha, com apenas uma pista de 4 Km, será servido pela autovia Lisboa-Valência (Lisboa-Badajoz-Mérida-Cidade Real-Albacete-Valência) e o primeiro ligado à rede de Alta Velocidade AVE.

Visto o problema do transporte aéreo deste prisma, i.e. de acordo com a nova e arrasadora lógica comercial das companhias Low Cost, e tendo presente a prioridade dada por nuestros hermanos à sua rede ferroviária (através de duas decisões cruciais: fazer de Madrid o centro de uma rede de Alta Velocidade estendida a toda a península ibérica até 2020, e migrar progressivamente a sua rede em bitola ibérica para a bitola europeia), Portugal só tem uma saída: agir com decisão e rapidez na resolução do binómio Low Cost-Alta Velocidade (4). Quer dizer, resolver o problema da adequação da actual estrutura aeroportuária ao desafio das Low Cost, antes da chegada da Alta Velocidade a Lisboa-Pinhal Novo (2013). O problema está bem encaminhado no Porto e na Madeira, sobretudo porque as companhias de baixo custo preencheram os vazios e as oportunidades aí geradas, respectivamente pela modernização do aeroporto Sá Carneiro (e a abundância de Slots disponíveis) e pelo fim dos improdutivos monopólios da TAP e da SATA, para já, no Funchal e em Porto Santo. Em Lisboa, porém, reina a mais completa confusão e não se sabe se existirá alguém no gabinete de José Sócrates a pensar neste sério problema. Que os lóbis puxam pelas mangas do pobre engenheiro de aviário, é patente e obsceno. Mas não é disso que o país precisa!

Atendendo à urgência de uma tomada de decisão que não comprometa ainda mais as ligações inteligentes que teremos que saber construir com a Espanha nos planos económico, físico e cultural, diria que a decisão estratégica sobre um futuro e novo grande aeroporto internacional para servir a região portuguesa dos grandes estuários (Tejo e Sado) deverá recair na apontada alternativa do campo de tiro de Alcochete. As candidaturas, os concursos internacionais e os trabalhos podem e devem começar imediatamente! Entretanto, enquanto estudos, projecto e construção avançam e não avançam, será necessário cuidar depressa e bem da resposta ao desafio das Low Cost. Para tal, não vejo, como não viu primeiro Rui Rodrigues (5), e hoje não vê cada vez mais gente atenta ao problema, outra solução que não passe por criar imediatamente uma base para as companhias de baixo custo no Montijo (porque não sob a forma de uma desactivação temporária da base militar e respectivo arrendamento a um consórcio privado de concepção-construção-exploração da nova base Low Cost?), ao mesmo tempo que se ajusta o projecto de expansão da Portela a esta nova realidade.

Falta ainda um pormenor: como viabilizar os necessários consensos nesta tão intrincada matéria, tão ferida já de susceptibilidades? Talvez fosse bom criar um organismo intergovernamental de duração limitada, ágil e bem assessorado, independente dos lóbis no terreno, com um prazo curto para análise e produção de resultados. Os estudos preliminares de ajuda à decisão estão quase todos feitos. Basta criar uma matriz conceptual capaz de extrair objectivamente as boas decisões da massa de informações disponíveis. Uma mediação activa entre os vários pontos de vista em confronto seria crucial para atingir, de facto, a melhor decisão. É disso que se trata e é isso que os participantes nesta discussão pública, que já vai longa, sinceramente esperam.



Notas

1 - Ryanair - destinos europeus (mapa interactivo).
A Ryanair, que anunciou em Julho um crescimento de 21% relativamente ao ano anterior, acaba de estabelecer duas novas bases de operações em Espanha, respectivamente em Alicante (passando de 6 para 17 rotas) e Valência (passando de 10 para 21 rotas.) Entretanto, afirmou em 08-08-2007 que não quer a Alitália nem dada. Talvez venha a preferir a TAP... depois dos despedimentos na PGA!

2 - Aeroporto Madrid Sul - Ciudad Real (inicialmente denominado aeroporto Dom Quixote)

El Aeropuerto Madrid Sur-Ciudad Real es un nuevo aeropuerto de España, que actualmente se está construyendo entre Ciudad Real y Puertollano. Cuando esté operativo al finales de 2007 será el primer aeropuerto internacional privado de España. La inversión alcanza los 1.100 millones de euros. Se espera que sea inaugurado el 28 de Octubre.

El aeropuerto tendrá una sola pista de 4.000 metros de longitud, 60 metros de anchura y una orientación 11/29, que permitirá dar servicios a vuelos nacionales e internacionales, así como una calle de rodadura de 3000 m de longitud. Parte de las instalaciones se dedicarán a vuelos privados y deportivos. El complejo tendrá un área de mantenimiento, un helipuerto y una zona industrial de 10 km².

Además será el primer aeropuerto español conectado al sistema AVE. Su capacidad estimada es de 2 millones de pasajeros al año.

3 - O atraso médio das partidas nos aeroportos europeus anda pelos 45 mn (Rui Rodrigues). Isto significa uma distância de 180Km em Alta Velocidade ferroviária (a 250Km.) No entanto, se somarmos aqueles 45mn à pelo menos meia hora poupada no check-in efectuado num aeroporto Low Cost, então estamos a falar de distâncias AV próximas dos 300Km! É por isso que a minha filha, que vive em Madrid, apanhou o avião de Madrid até Lisboa, mas regressará a partir do Porto à capital espanhola. Ou que um inglês amigo, actualmente a viver na Suécia, me visitou entrando pela Portela, e regressa a Estocolmo saindo do Porto, que aproveita para visitar, num voo directo da Ryanair. Enquanto os indígenas que tomam decisões neste país ao Deus dará não perceberem estas realidades comezinhas, não vamos lá!

4 - Linha de Alta Velocidade ou de Velocidade Elevada?

Concordo com Ferreira do Amaral (ler nomeadamente entrevista dada à revista Magazine de Maio/Junho 2007) e outros na necessidade de ponderar o projecto de Alta Velocidade em Portugal, nomeadamente no que se reporta à alternativa Alta Velocidade (TGV, AVE, rodando a médias de 280 Km/h) versus Velocidade Elevada (TALGO, Alfa Pendular, ou mesmo o AVE, rodando a médias de 200 Km/h). As ordens de grandeza dos investimentos na construção da linha, no material circulante, na operação, na manutenção e na segurança são distintas (ao que parece, mais 5% no caso de o terreno ser plano, podendo quadriplicar os custos, se for montanhoso), não havendo vantagens nos tempos ganhos em distâncias inferiores a 600 Km, sobretudo se houver paragens intermédias como é o caso dos projectos Lisboa-Madrid (Mérida, Cáceres, Badajoz, Évora, Pinhal Novo ou Poceirão) e Lisboa-Porto (Coimbra, Aveiro), sempre que os comboios circulem a velocidades médias entre os 200 e os 220 Km/h (e não 280 Km/h), como será o caso da linha de transporte misto de velocidade elevada previsto entre Madrid e Lisboa. A Velocidade Elevada (Alfa Pendular, etc.) pode atingir médias na ordem dos 200Km, pelo que a hipótese de um AV Lisboa-Porto perde todo o sentido (outra discussão é saber se precisamos, ainda assim, de uma nova linha férrea dedicada entre as duas cidades, para transporte rápido e frequente de passageiros.) Já no que se refere ao AV Lisboa-Madrid, a questão é mais espinhosa, pois trata-se de uma decisão conjunta de dois países, já tomada e confirmada em sucessivas cimeiras ibéricas. Neste caso, o projecto tornar-se-à rentável se for assegurado um movimento anual da ordem dos 6 milhões de passageiros. Se atendermos a que mais de 14 milhões de espanhóis visitam anualmente Portugal, e ainda ao crescente grau de integração das economia ibéricas, a intuição (e as previsões optimistas da RAVE) dizem-me que a opção AV entre Lisboa e Madrid poderá ter pernas para andar. Aliás esta ligação ferroviária, complementada por dois grandes hubs aeroportuários peninsulares --Madrid-Barajas e Lisboa-Alcochete (ou localização próxima desta)--, mais as plataformas logísticas do Caia, Castanheira do Ribatejo e Poceirão, e ainda a rede de portos de Lisboa, Setúbal e Sines, vão no sentido de um reforço mais equilibrado das três grandes cidades-região da península: Lisboa, Madrid e Barcelona. Esta visão mais ampla dos problemas é essencial para enquadrarmos devidamente decisões de curto prazo, como seja, por exemplo, a de garantir competitividade aeroportuária relativamente ao novo paradigma do transporte aéreo (Low Cost), através da adaptação dos aeroportos da Portela e do Montijo ao fenómeno Low Cost, até que o novo aeroporto internacional de Lisboa esteja construído e operacional, lá para 2017 ou 2020. Uma última precisão: se a velocidade dos comboios que farão a ligação "AV" entre as capitais ibéricas estiver sujeita ao limite máximo de 220 Km/h, então estaremos, de facto, a falar de uma linha de "Velocidade Elevada", e não de "Alta Velocidade"...

Actualizado em 10-07-2007 18:20

PS: Sobre este tema vale a pena ler o encarte "País Positivo" de Julho-Agosto, 2007, saído no Público de 10-07-2007, no qual se monta um verdadeiro memorandum em prol da Alta Velocidade.

5 -
Low Cost em Badajoz impõe escolha do Montijo.

A companhia aérea de baixo custo Ryanair escolheu o aeroporto de Badajoz, em Espanha, como nova base, pois considerou que aquela infraestrutura possuía todos os requisitos para os objectivos da empresa em servir a Extremadura espanhola e a região de Lisboa. Existe também a possibilidade do exemplo ser seguido, brevemente, pela Air Berlim. Aquilo que era apenas uma hipótese, a existência de uma base de Low Cost na fronteira portuguesa, passou, agora, a ser uma certeza absoluta. Esta nova base estará operacional dentro de dois anos, em meados de 2009, prevendo-se investir, apenas, 12 milhões de Euros, ficando este aeroporto com uma capacidade de 20 posições de estacionamento, sobretudo para o Boeing 737-800, que é o modelo de avião mais utilizado pela Ryanair. Convém recordar que, em Beja, serão gastos 32 milhões de Euros, sem se saber se alguma companhia aérea de baixo custo o vai utilizar em 2008. Rui Rodrigues, Público online, 30/07/2007.

Obrigado: a Rui Rodrigues e a Rui Manuel Vieira dos Santos, pelas dicas e informações que deles colhi para este postal.

OAM #227 06 AGO 2007

sexta-feira, agosto 03, 2007

Desastres

Aspecto dos corredores do Hospital Clínico de Barcelona. Fonte: EFE

O Estado necessário

No dia 1 de Agosto de 2007 uma ponte com 8 faixas de rodagem situada à entrada da cidade de Minneapolis, no estado norte-americano do Minnesota, colapsou, arrastando para o meio do rio que atravessa, cerca de 50 veículos. Morreram provavelmente mais de 30 pessoas neste desastre. Tal como no caso da ponte de Entre-os-Rios (que colapsou em 5 de Março de 2001, matando 70 portugueses), relatórios técnicos apontaram para problemas de manutenção e fadiga de materiais. No caso da ponte do Minneapolis, tais problemas foram ainda agravados por problemas estruturais de concepção, conhecidos dos administradores das autoestradas da região (entretanto demitidos.) As pontes americanas, outrora o orgulho de toda uma engenharia pioneira, precisam de um investimento em manutenção na ordem dos 9 mil milhões de USD durante 20 anos. O investimento, porém, não tem ido além dos 2 mil milhões...

Os apagões eléctricos repetem-se um pouco por todo o mundo, sendo mesmo diários, semanais ou mensais em alguns países africanos e da América Latina. Porém, os casos bem vivos na nossa memória ocidental e europeia, do chamado Northeast Blackout of 2003 (ver OAM de 16-08-2003), do apagão italiano do mesmo ano e ainda do que há precisamente uma semana tirou a luz a mais de 10 mil habitantes da cidade e área metropolitana de Barcelona, durante, pelo menos, dois dias, demonstram que o problema deixou de ser uma mazela do Terceiro Mundo, e ameaça tornar-se um escândalo crescente nas sociedades ditas ocidentais, democráticas e desenvolvidas.

A tragédia ocorrida no aeroporto de Congonhas, no passado dia 17 de Julho, da qual resultaram 200 vítimas mortais, não foi resultado de um erro humano, mas sim o resultado de uma acumulação de erros, ineficiências acumuladas e de uma enorme irresponsabilidade política por parte das autoridades brasileiras (de que resultaram aliás a demissão do ministro da defesa do país e a própria interdição do aeroporto.)

O possível colapso da economia estado-unidense, provocado pela acumulação criminosa de todos os défices que um país pode contrair (comercial, de pagamentos e público), e de que a implosão do sector imobiliário (e a provável falência de muitos fundos de pensões e seguros de saúde) é a manifestação mais imediata, dramática e preocupante, encontra-se de momento semi-estancado (numa espécie de Unidade de Cuidados Intensivos) pelo conjunto das demais economias fortes do planeta (sobretudo China, Europa e Japão), as quais temem pelas consequências económicas (1), e sobretudo político-militares, de um cenário de derrocada súbita da nota verde. A resposta até agora desenhada pelos estrategas mais agressivos dos EUA tem passado por uma desestabilização geo-estrtatégica sem precedentes do mundo actual, destinada a fazer funcionar a única indústria que ainda parece residir no território norte-americano: a indústria da morte tecnológica sistemática e em massa. A venda de mais de 60 mil milhões de dólares de armamento a Israel, Arábia Saudita, Egipto e outros países amigos naquela que continua a ser a mais rica plataforma petrolífera do planeta, mostra até que ponto os Estados Unidos são, de facto, e talvez por necessidade estratégica, os principais, se não únicos, responsáveis pela corrida armamentista iniciada sob o pretexto da ameaça terrorista mundial e o perigo iraniano.

Como se tudo isto não fossem notícias suficientes de um Verão abrasador (os efeitos na Roménia, Grécia e Itália têm sido tremendos), temos a Europa (nomeadamente o Reino Unido) e o Sul da Ásia (20 milhões de deslocados pelas cheias na India, Nepal, Bangladesh) a registar chuvas e inundações sem precedentes, ao mesmo tempo que uma seca milenar afecta gravemente a Austrália, e os mais devastadores incêndios de que há memória assolam a Europa e as Canárias.

Nos aeroportos portugueses e em muitos outros, perdem-se bagagens por causa da completa irresponsabilidade de empresas como a Groundforce, certamente mais preocupada com a globalização da empresa-mãe, a Globália, do que com o vexame de quem protesta junta dos balcões incompetentes da TAP e da ANA.

Um apagão informático, causado pela ineficiência da Portugal Telecom, deixou 600 caixas Multibanco da grande Lisboa inoperacionais, entre as 11 e as 17 horas do dia 1 de Agosto, i.e. quando milhares de alfacinhas se preparavam para ir de férias!

Desgraçados, em suma, os que cairem na tentação de firmar um contrato por telefone com a TV Cabo ou qualquer outra grande empresa portuguesa. Sem saberem como, compram o que não sabem, e o que não querem, e depois, mesmo quando é patente o logro em que cairam (o serviço prometido não funciona, o preço não foi bem explicado, etc...), para anularem o contrato que tão facilmente "assinaram" de boca, vão ter que passar as passas do Algarve. Por telefone, nem pensar! Ninguém lhes aceita reclamações ou anulações de contrato. Por e-mail, também não. Só por fax (coisa que já ninguém usa, como toda a gente sabe), ou por carta registada. E depois, o mais provável, é continuarem a pagar o que não querem e o que não funciona, até que a kafkiana máquina de uma qualquer destas corporações cotadas em bolsa resolva, enfim, atender devidamente os protestos.

A globalização, apesar da euforia propagandística das agências de comunicação e da publicidade (que vendem a alma ao Diabo a cada segundo que passa), começou a estrebuchar. O sintoma mais evidente é este: como apenas vive da especulação bolsista, sabe cada vez menos de produtos e interessa-se cada vez menos pelos ditos, deixando-os apodrecer, e deixando ao cuidado dos seus poderosos exércitos de advogados corruptos a tarefa de litigarem com os desgraçados consumidores.

Mas a prova de que as coisas podem começar a mudar está não apenas na posição do governo espanhol face aos provedores responsáveis pelo apagão de Barcelona, mas também no modo como as autoridades policiais e judiciárias norte-americanas lidaram com o cartel promovido pela British Airways para expoliar (desde 2004) os passageiros e empresas que recorriam ao seus serviços, através de sobretaxas combinadas com outras companhais aéreas (nomeadamente a Virgin Atlantic.) Surpreendentemente apanhado pelas malhas da investigação policial norte-americana, o principal operador aéreo de sua Magestade não só se expôs a um ridículo de proporções planetárias como espera uma multa de 350 milhões de Libras Esterlinas.

Em Portugal, a decisão sem precedentes da Autoridade da Concorrência, de multar em 38 milhões de Euros a PT Comunicações, do grupo Portugal Telecom, por abuso de posição dominante, chega igualmente em boa hora. A contestação que a PT pretende mover contra a AdC não passa de um erro de miopia que acabará por pagar caro.

De uma forma ou de outra a cidadania vai começar a reagir ao descalabro da especulação financeira generalizada, começando por desmascarar e condenar publicamente os sórdidos conluios entre a imbecilidade política e a lógica autofágica da globalização. Talvez seja bom os governos democráticos começarem a perceber que a festa está mesmo prestes a terminar. Ponham as barbas de molho e comportem-se!

O Estado Providência faliu e em seu lugar emergiu, sob o alto patrocínio das corporações virtuais do Capitalismo, aquilo a que um arguto e preocupado pensador conservador português (Prof. Adriano Moreira) chamou "Estado exíguo" - quer dizer, Estado incapaz, impotente, subjugado e tendencialmente corrupto. A esta espécie de liquefacção dos sistemas democráticos de poder, e dos próprios estados e nações, que ameaça a própria sobrevivência das tipologias racionais e jurídico-legais herdadas da Mesopotâmia, da Grécia, de Roma e das tradições judaica, cristã e muçulmana, entre outras, precisamos de opor a ideia de um Estado necessário, nem mínimo, nem providencial; apenas atento, suficiente, fiável, fraterno, inteligente, justo e dotado de uma racionalidade democrática seminal. Um Estado acima dos governos que o devem respeitar e servir em nome, não apenas da vontade popular que os elege, mas sempre e também do interesse geral.

Actualizado em 07-08-2007



Post scriptum - Um surto de Febre Aftosa acaba de ser detectado no Sul do Reino Unido, obrigando Gordon Brown a regressar de férias. BBC online 03-08-2007.

Notas

1) Se uma pessoa ficar sem emprego e deixar de poder pagar a hipoteca da sua casa, o mais provável é que fique sem ela e sem o dinheiro que lá enterrou. Isto é, na rua! Se este drama se multiplicar por milhares, ou centos de milhar de casos (por efeito do desemprego crescente, da falta de criação de novos empregos, da quebra do poder de compra, da falência e fechos de empresas e, finalmente, de uma subida das taxas de juro), os bancos que emprestaram o dinheiro de forma aventureira (é o caso dos famosos empréstimos de 2ª categoria --subprime--, onde muito investimento especulativo --hedge funds-- foi realizado ao longo da última década), entram num beco cuja saída mais comum é a falência. Foi o que aconteceu já a várias entidades norte-americanas, abraços com mais de 2 milhões de hipotecas incobráveis (ConsumerAffairs), e acaba de ocorrer ao banco alemão IKB, a quem, para evitar a inevitável falência, foi concedido um empréstimo de 8100 milhões de euros. Este empréstimo foi realizado na sequênia de uma intervenção política directa do governo alemão, através do banco público KfW, em consórcio com algumas grandes instituições bancárias europeias: Crédit Suisse, Société Générale, Barclays, BNP Paribás e Deutsche Bank. A ameaça de derrocada do sistema financeiro mundial ("crise sistémica"), muito por causa das suas próprias filosofias especulativas, e no imediato, do historial de verdadeira pirataria político-financeira dos EUA, é conhecida desde, pelo menos, Fevereiro de 2006 (embora só muito tarde e a más horas os média convencionais tivessem começado a fazer-se eco do problema real que temos entre mãos --sabe-se lá porquê!!). Não se percebe, em toda esta trapalhada, porque deve o cidadão que deixa de pagar as prestações da casa que comprou e hipotecou, ficar sem a mesma, quando o banco que especulou e foi à falência merece um segunda oportunidade. Dirão os hipócritas, que é para salvar o sistema financeiro! Eu diria que a razão é outra: trata-se de assegurar que o dito banco falido possa continuar a espoliar os seus clientes das casas que deixaram de pagar, salvando assim a lógica especulativa do actual sistema económico. Mas se houver mais um, dois ou dez IKBs na Europa, na Ásia e no Médio Oriente, que ocorrerá? Quem irá então escrever as cartas de conforto? E não há uma regra comunitária que impede apoios públicos a empresas em situação económica difícil? O NÃO dos franceses e holandeses à constituição europeia --que jaz e arrefece-- talvez fosse mesmo o prenúncio de dificuldades muito mais sérias e difíceis de ultrapassar. Coitado do Socratintas.

Actualização de referências (
10-08-2007 0301)
1) Mortgage concerns hit US markets (BBC online)
2) China threatens 'nuclear option' of dollar sales (Telegraph online)
3) Rival to Nato’ begins first military exercise (Times online)
4) Market Meltdown. Cramer à CNBC no seu melhor: "Bernanke has no idea how bad it is out there." -- YouTube (07-08-07)
5) Stock Market Meltdown, by Mike Whitney. (Global Research)

OAM #226 02 AGO 2007

quinta-feira, julho 19, 2007

Aeroportos 31

Lóbi da Ota especula com desastre de Congonhas

Uma nova tragédia aérea esteve iminente ontem de manhã (19-07-2007) no Aeroporto de Congonhas, na zona sul da cidade de São Paulo, onde no dia anterior um Airbus 320 da empresa brasileira TAM derrapou ao aterrar e colidiu com um prédio da própria empresa no outro lado da avenida, matando cerca de 200 pessoas. Um avião também da TAM, desta feita um Fokker 100 cheio de passageiros, abortou a aterragem no último instante, quase quando tocava a pista, indo aterrar, 15 minutos depois, no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, na área metropolitana. - Correio da Manhã, 20-07-2007.

A Ana Lourenço, cuja performance jornalística tem vindo a subir a pique desde que começou a operar a solo, não esteve bem nos telejornais de quarta-feria à noite (18-07-2007) da SIC Notícias. Não esteve, de facto, nada bem na entrevista a Marques Mendes. Parecia ausente e quase disléxica. Percebi depois o que se teria passado: foi forçada a fazer um frete ao director daquele canal de televisão, Ricardo Costa, a propósito da tragédia aérea de São Paulo. Pior ainda, tal frete terá sido uma encomenda da agência de comunicação João Líbano Monteiro, contratada pela NAER para propagandear o NAO (novo aeroporto da Ota), e resumiu-se ao seguinte: entrevistar uma das muitas ratas de sacristia do lóbi da Ota, neste caso a que dá pelo nome de Comandante Sousa Monteiro, para conseguir provocar um paralelismo alarmista entre o desastre aéreo de Congonas, que vitimou até agora 184 pessoas, com os supostos perigos de manutenção do aeroporto da Portela onde está.

Sousa Monteiro é um desses morcegos mediáticos que, como outros opinocratas do estilo, costumam levantar voo ao fim da tarde para zunirem litanias sobre assuntos de que são supostamente especialistas, mas que servem invariavelmente interesses poderosamente alavancados por finanças sem fundo. Têm quase sempre um ar decadente e sedento de sangue fresco. São, na realidade, Nosferatus de pacotilha. O grave é que os MCS que temos e as agências de comunicação que operam a intermediação dos tráficos de influências, actuem impunemente e sobretudo revelem uma ausência completa de ética institucional e de vergonha profissional. Em vez de ouvirem representantes oficiais das profissões envolvidas, no caso do desastre aéreo brasileiro, pilotos, construtores de aeroportos e gestores, preferiram consultar um cadáver. O cadáver salivou uns hieróglifos venenosos sobre as semelhanças (inexistentes!) entre o aeroporto de São Paulo e o aeroporto de Lisboa, curiosamente depois da "deixa" de Ana Lourenço, e o efeito pretendido pela Líbano Monteiro foi, em suma, conseguido. O cheque da NAER (pago por todos nós!) chegará seguramente a horas.

Sobre aquele que é considerado o mais mortífero acidente aéreo da América Latina, falta saber ainda o essencial: que sequência de erros provocou o acidente? Só depois de aberta e analisadas as gravações da "caixa negra" do avião é que haverá dados seguros para uma avaliação do sucedido. Até lá, compreensivelmente, as instituições e as pessoas responsáveis escusam-se a tecer comentários, que serão sempre levianos. Só mesmo a SIC de Ricardo Costa teria a falta de tino e bom gosto para se adiantar numa comparação disparatada entre a tragédia de São Paulo e os perigos da Portela, onde, como se sabe, em 65 anos de operação ininterrupta, apenas houve um acidente mortífero, e mesmo esse foi, como toda a gente sabe, uma sabotagem destinada a assassinar o primeiro ministro e o ministro da defesa de Portugal.

O aeroporto de Congonhas, sendo o principal aeroporto doméstico brasileiro e aquele que movimenta mais passageiros por ano (15 milhões), encontra-se no meio de um dos mais populosos bairros da cidade de São Paulo, a ponto de o seu endereço ser a Avenida Washington Luís! As pistas estão à mesma cota da cidade que o rodeia, parecendo mais uma das suas alamedas (ver mapa), o que não sucede obviamente na Portela (1). Congonhas tem duas pistas: a 17R/35L, com 1939 metros (aquela onde se deu o despiste fatal), e a pista 17L/35R, com 1436 metros. A Portela, por sua vez, também tem duas pistas, só que bem maiores e com escapatórias mais extensas: a 03/31, com 3805 metros, e a 17/35, com 2400 metros. O aeroporto doméstico de São Paulo, onde outro desastre fatal, em 1996, vitimou 99 pessoas, tem sido palco de numerosos incidentes e pequenos acidentes, ao contrário do aeroporto da Portela, onde felizmente, até hoje, não houve nenhum problema de segurança digno de referência. Um acidente aéreo é sempre possível, mas pouco provável. Quando ocorre, o número de vítimas é imprevisível, e dado que a maioria dos aeroportos estão nas imediações das cidades, as quais, por sua vez, tendem sempre a crescer na direcção daqueles, por mais distantes que tenham sido inicialmente localizados, não faz qualquer sentido, e é mesmo escandaloso, provocar o alarme social, usando os poderosos meios de comunicação de massas, a este respeito. Se ainda por cima, tais "actos noticiosos" se revelarem como puras operações de contra-informação, destinadas a vender um dado produto com a chancela de um organismo público, então estamos perante um óbvio delito de abuso de poder, o qual deve ser averiguado e punido exemplarmente se se comprovar ter havido intenção de manipular a natural credulidade dos cidadãos.

A tentativa de aproveitar a tragédia de Congonhas para prosseguir um marketing desonesto a favor da construção de um novo aeroporto na Ota deve ser condenado como um acto macabro e como uma inadmissível demonstração do abuso de poder que começa a campear na nossa democracia. Se a agência de comunicação contratada pela NAER para vender o embuste da Ota foi efectivamente responsável por induzir a esquálida criatura chamada Comandante Sousa Monteiro a dizer os disparates que disse a pedido de Ana Lourenço, creio que alguma instituição deste país terá a obrigação de investigar o caso e esclarecê-lo cabalmente.

Post scriptum - Parece difícil de crer, mas é verdade: a TAM é uma companhia de aviação sem os mínimos requisitos de segurança! Muito mais mortífera do que a TAAG angolana... por exemplo! Que pensam os eurocratas de Bruxelas desta comparação inevitável?
Para além dos óbvios problemas de segurança decorrentes da péssima manutenção dos aeroportos brasileiros, a cargo da Infraero, uma empresa pública irresponsável, provavelmente sub-financiada e com dívidas monumentais (tudo suposições razoáveis que não tenho tempo de verificar, mas que os jornalistas portugueses fariam bem investigar --em vez promoverem as operações de contra-informação do lóbi da Ota), a TAM é uma empresa inqualificável. Para quando a sua interdição, Senhor Lula da Silva?

Portugueses que viajam para o Brasil, cuidado com os voos internos!!
Ver este incrível Power Point sobre os sucessivos desastres da TAM, um dos quais vitimou o próprio dono desta companhia aérea!!!



Notas
1 - "A pista mais pequena do aeroporto da Portela, em Lisboa, a 17/35, tem 2400 metros e a do Funchal, na Madeira, 2631 metros. 'O aeroporto de Congonhas é doméstico, realiza apenas voos de ligação das companhias brasileiras, e a pista tem 1940 metros, ou seja, a pista mais pequena da Portela, que é um aeroporto internacional, tem mais 500 metros que a de Congonhas', explicou ao CM o comandante Cruz dos Santos, da Associação Portuguesa de Pilotos de Linha Aérea." in O Correio da Manhã, 20-07-2007.

Actualizações

20-07-2007, 22-07-2007


OAM #225 19 JUL 2007

quarta-feira, julho 18, 2007

Portugal 3

Jose Saramago, escritor
José Saramago: escritor português, cidadão espanhol. Foto: EFE
Ibéria, capital: Lisboa

"Não sou profeta, mas Portugal acabará por integrar-se na Espanha" - José Saramago in Diário de Notícias online, 15.07.2007
Não fora o homem estar eterna e agradecidamente enamorado de uma linda sevilhana chamada Pilar del Rio, que muitíssima importância teve para o êxito internacional do escritor ribatejano, e o assunto do seu reiterado iberismo mereceria, de facto, extenso debate, em vez da urticária que atacou imediatamente alguns arautos profissionais da portugalidade. No entanto, o "sentido de oportunidade" da sua entrevista ao Diário de Notícias, fazendo-a coincidir com a visita do rei de Espanha a Portugal no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia, teve o esperado condão de excitar os espíritos fracos de ambos os lados da fronteira. O El País (1) excita-se sempre nestas ocasiões e descobre, espantado, que Portugal existe (e continua a ser apetecível), e o Manuel Alegre (que parece ter-se esquecido dos seus mais recentes compromissos com o movimento de cidadãos que desencadeou, e sobretudo com parte importante da base militante e simpatizante do PS) fez previsivelmente ouvir a sua voz adamastórica: "Ele (Saramago) tem a responsabilidade de ter ganho o Nobel da Literatura com a língua portuguesa".

Saramago regressa às "portadas" dos jornais e televisões, e à netosfera, com uma questão típica do século 19: o iberismo. Homens de uma bem mais notável craveira intelectual que Saramago, refiro-me a Miguel de Unamuno, Antero de Quental, Teófilo Braga e António Sérgio, ou mesmo a escritores seus contemporâneos, como Miguel Torga, António Lobo Antunes e Eduardo Lourenço, sonharam ou sonham igualmente com formas mais ou menos evoluídas de iberismo. O já desaparecido José Rodrigues Miguéis, num dos seus deliciosos bilhetes postais publicados no extinto Diário Popular, falava, mais limitadamente, de uma nova quimera que baptizou com o nome Portugalícia. Em suma, se durante tantos séculos fomos aliados dos ingleses, para nos defendermos dos castelhanos, depois da vergonhosa Conferência de Berlim (1884-1885) e do ultimato inglês a Portugal, rejeitando o Mapa cor-de-rosa (com que Portugal pretendia assegurar uma boa presença na partilha colonial do continente africano então em curso pelas principais potências europeias), tal ideal estratégico chegaria irremediavelmente ao fim. Por outro lado, a decadência mais geral e profunda dos povos peninsulares, verberada por Miguel de Unamuno, tornar-se-ia uma realidade cada vez mais pesada de consequências, tanto para os povos ibéricos como para os dois estados que os protagonizam. A Espanha deixou entrar Napoleão no seu território a pretexto de obrigar Portugal a cumprir o bloqueio contra os ingleses, a decadente corte lusitana, em consequência desta invasão francesa, fugiu para o Brasil. Mais tarde, a derrota espanhola de 1898, na disputa com os Estados Unidos pelo controlo do continente americano, mergulharia este país num declínio económico e político de que só sairia após a morte de Franco. Perdidos os impérios coloniais espanhol e português, findas as ditaduras oportunistas que emergiram da crise finissecular em ambos os países, criada a União Europeia, nada mais natural do que repensar as relações entre os vários povos ibéricos, entre as várias nações históricas da península e entre os dois estados que há muitos séculos protagonizam as suas alegrias e as suas tristezas. Tudo isto pode e deve ser feito, com tempo, com cautela, com transparência e sobretudo com elasticidade. Mas daí a alimentarem-se ilusões sobre uma nova união ibérica vai um passo de gigante demasiado improvável. A menos que a capital dessa união seja Lisboa, claro!

Post scriptum: Há um argumento falacioso, muito bem montado por alguns estrategas do iberismo castelhano, expresso aliás num recente artigo de Santiago Petschen, que convém desmontar a tempo de evitar excessivos optimismos face à utopia de dissolver o secular bicefalismo geo-estratégico da jangada ibérica. Petschen resume-o de forma fina e sedutora:
"Há alguns anos, depois de uma exposição que li no Instituto de Defesa Nacional de Lisboa, num português macarrónico, dialoguei com os militares sobre as relações entre os espanhóis e os portugueses e surgiram algumas queixas. Perguntei então: estão de mal com os galegos? A resposta imediata foi: não! Estão de mal com os andaluzes? Também não. Mal com os catalães? De maneira nenhuma. Mal com os bascos? Absolutamente, não. E continuei: os estremenhos, os aragoneses, inclusive os manchegos e os madrilenos. Para com todos os mencionados mostraram os dialogantes a sua simpatia. Só apareceu um cliché, resquício de irredutibilidade, o dos castelhanos velhos. Disse-lhes então: os senhores não têm nada a temer. Portugal e Castela a Velha contam com um número parecido de quilómetros quadrados. Mas sobre a mesma extensão encontram-se, em Portugal, dez milhões de habitantes e em Castela a Velha pouco mais de dois milhões. A estatística, tão favorável a Portugal, produziu no auditório desconhecedor do dado uma surpresa. Dissipou-se, com isto, uma percepção errónea." - "O iberismo", Santiago Petschen, Prof. catedrático de Relações Internacionais na Univ. Complutense de Madrid, in DN online.
Como é evidente, o problema do poder não se mede hoje em dia pelo critério demográfico, particularmente se estão em causa escalas tão exíguas. O que conta hoje e no futuro próximo são as grandes concentrações urbanas (Madrid, Lisboa-Porto, Barcelona-Valencia) e os sectores-regiões económico-financeiros, logísticos, tecnológicos, de serviços e político-militares, que as mesmas representam e controlam. Neste sentido, seria imperdoável tolerar que a ingenuidade prevalecesse sobre o realismo dos jogos de estratégia em curso. Madrid pretende hegemonizar radialmente a península ibérica - e para isso, tudo tem feito, no sentido de transformar a capital espanhola numa super-metrópole política e financeira. Lisboa, com o Porto e Barcelona (e Bilbao), não estarão jamais dispostos a sucumbir a esta estratégia, e por isso continuarão a desenvolver esforços para consolidar, sob todos os pontos de vista, os aneis atlântico e mediterrânico, de que a sobrevivência estratégica da península afinal depende. A União Europeia irá passar nas próximas décadas por duras provas à sua consistência estratégica e à sua governabilidade interna, sobretudo por causa das questões energéticas, ambientais, mas também das que respeitam à imediata questão do alargamento. Deverão a Turquia e Marrocos integrar-se na União Europeia, como pretende a Alemanha e vários estados da União (entre eles, Portugal e Espanha), ou, pelo contrário, formar com o resto do Magrebe uma União Mediterrânica, como quer Sarkozi? É ou não do interesse europeu chamar a Ucrânia para a União? Se os EUA atacarem o Irão, e a Rússia sair em defesa deste, que fará a Europa? Qual Europa? Portugal é um estado independente há 868 anos; a Espanha é um reino unificado e independente há 538 anos. Vamos pois deixar, para já, as coisas como estão, e um dia, quando a Europa for o que promete, voltemos então a discutir a organização política da Ibéria.

Post scriptum (11-08-2207): O El País de 22 de Julho publicou duas páginas inteiras a propósito da excitada discussão sobre a união ibérica. Uma delas, assinada por Miguel Mora, leva o mesmo título que o artigo d'O António Maria: Iberia, capital Lisboa. Como o artigo do El País foi publicado 4 dias depois, presumo que se trata de um feliz sentido de oportunidade.

O artigo do El País suscitou mais de 250 comentários, a maioria deles revelando um olhar justo sobre os portugueses e uma percepção crítica da arrogância mini-imperialista de alguns políticos provincianos de Madrid. Vale a pena lê-los.

Já agora, um aviso: a Espanha que apareceu na cimeira das Lajes, ao lado do Reino Unido, dos EUA e de Portugal no papel de anfitrião (que valeria a Durão Barroso o cargo que agora ocupa com entusiasmo) --mas que o mesmo El País e a generalidade dos média espanhóis trataram de apagar das fotografias-- não foi um erro de casting. O eixo Paris-Berlim-Varsóvia, que procura activamente estender-se até Kiev, afasta o Reino Unido e a Espanha do novo centro de gravidade da Europa pós-Ialta e pós-Versailles. Daí a agressividade económica da Espanha face aos países de um e outro lado do Atlântico (Portugal e Reino Unido, Cuba, Venezuela, Colômbia, Brasil, Argentina...) A cimeira das Lajes assinala, não tenhamos dúvidas, uma mudança de 180 graus na geo-estratégia da Espanha. Assim, e apesar do recuo táctico ocorrido na sequência do massacre do 11 de Março de 2004, levado a cabo pela Al Qaeda, e da consequente mudança de governo, a verdade é que Madrid não tem outra alternativa para o seu próprio protagonismo europeu que não passe por assumir uma crescente presença na parceria transatlântica entre os Estados Unidos (e o continente americano em geral) e a Europa. Daí que para Aznar, como para Zapatero, o acesso ao mar português seja um objectivo estratégico lógico, relativamente ao qual Madrid se mostra cada vez mais ansioso. Dos governantes lusitanos espera-se, neste novo contexto, duas coisas: que não andem a dormir e que não sejam corruptos (i.e. traidores!) Até porque do outro lado do Atlântico as potências dominantes ou falam inglês... ou português.



Notas

1 - El País -- Link 1 Link 2


OAM #224 18 JUL 2007