segunda-feira, janeiro 09, 2017

Soares, o último estratega



Foi Álvaro Cunhal quem deu a primeira vitória presidencial a Mário Soares.


Na próxima terça-feira o cortejo que acompanhará o corpo de Mário Soares ao Cemitério dos Prazeres será maior ou menor do que o funeral de Álvaro Cunhal? O governo “apela a todos os cidadãos que participem nas cerimónias fúnebres de Estado prestando homenagem a Mário Soares”. 

Independentemente do juízo subjetivo que cada um de nós faça sobre a personalidade em causa, a sua importância enquanto político que influenciou e muito a vida portuguesa ao longo de setenta e dois anos —em 1945 foi um dos organizadores da gigantesca manifestação de regozijo pela vitória aliada contra o nazi-fascismo — é indesmentível. A segunda metade do século 20, mas também a primeira década deste século (mais precisamente até 2012 — ‘Congresso das Alternativas’) têm em Portugal uma marca indelével que é sua. A homenagem a esta figura relevante da nossa História é, assim, inteiramente devida.

A Esquerda estava dividida em 1969 e assim se manteve até hoje. A fratura deu-se, primeiro, entre comunistas estalinistas e socialistas social-democratas, e é a principal. Depois, na sequência do Maio de 68, surgiram inúmeras seitas de extrema esquerda que só muito mais tarde dariam lugar a uma espécie de destilado radical sincrético unido pelas novas causas emergentes de uma sociedade urbana em processo de metamorfose acelerada, e a que chamaram Bloco de Esquerda.

Houve, porém, em 2012, uma espécie de milagre das esquerdas quando Mário Soares resolve aproximar-se de Francisco Louçã, e por via desta aproximação lança as bases estratégicas de uma reviravolta impensável no Partido Socialista: aliar-se aos comunistas e à esquerda radical em nome de uma luta contra os mercados, contra o diretório e a burocracia de Bruxelas, e contra a Direita. A mesma direita com quem formara governo e sobretudo com quem moldara o estado constitucional que temos. Ou seja, aos 88 anos, o único estratega que o PS alguma vez teve, perante o maremoto macro-económico e político-social que atinge de novo o país, deixando-o praticamente sem defesas face aos credores externos, aposta tudo na construção de uma espécie de Frente Popular, pronta a zarpar o país da União Europeia se a tal for forçado pelas circunstâncias!

A Geringonça não nasceu na noite em que António Costa perdeu as eleições, mas na tarde em que Mário Soares percebeu que o PS não voltaria a ser governo com alianças à direita, claras ou dissimuladas. Quem não tem cão caça com gato, e desta vez os gatos estavam à esquerda do PS. O Bloco de Francisco Louçã e Miguel Portas queriam convergir com o PS, e ao PCP, perante a erosão imparável da sua base social de apoio, que a globalização, a evolução tecnológica e depois a crise financeira aceleraram, precisavam uma vez mais de levar o PS ao poder, sob pena de cavarem dramaticamente a sua própria sepultura.

Álvaro Cunhal morrera em 2005. Soares sofrera uma encefalite em janeiro de 2013, e em junho de 2015 a sua esposa e companheira de sempre, Maria Barroso, parte. Mário Soares sabe que a sua vida se aproxima do fim. A sua última crónica no Diário de Notícias, de 29 de setembro de 2015, é um Apelo, um apelo ao voto no Partido Socialista, para remover Pedro Passos Coelho do poder.

“Os atuais governantes devastaram nestes últimos quatro anos e meio o nosso querido país. 
O próximo dia 4 de outubro, dia da eleição para a Assembleia da República, é por isso decisivo. 
Além de ser véspera do aniversário da proclamação da República, é um dia em que deve renascer a esperança no futuro. Há que inverter a marcha para o abismo com o grave empobrecimento e a crescente irrelevância internacional de Portugal a que as políticas dos atuais governantes nos conduziram. 
É inadiável, por razões patrióticas substituí-los. Não há outro caminho.”

António Costa não ganharia as eleições, mas Pedro Passos Coelho também as perdeu ao não conseguir a maioria absoluta. O que aconteceu depois e hoje pauta a navegação à vista do governo que temos é conhecido. Mas importa registar, na hora em que nos despedimos de Mário Soares, que foi ainda ele quem abriu as portas à mutação interna no regime constitucional nascido na Constituinte de 1975. Não é uma mutação constitucional, mas pragmática, que veio provavelmente para durar. Só não podemos prever se chegará a produzir os frutos que muitos desejam.

Post scriptum (13/1/2017): não fosse o acompanhamento mediático, a coreografia desenhada por José Manuel dos Santos, e os meios a que foi possível recorrer, por serem exéquias de estado, o funeral de Mário Soares teria sido um fiasco. Não houve adesão popular digna do nome, mas apenas presenças protocolares e de serviço, pontuadas por uma adesão citadina dispersa e raramente compacta. Nem o Largo do Rato encheu! Ou seja, o número de pessoas que homenageou in situ o defunto esteve muito longe do número de militantes que o PS diz ter, quanto mais do número dos seus eleitores.  Conclusão: Mário Soares, apesar da sua imegável importância histórica, dividiu, mais do que uniu, os portugueses, sobretudo depois de ter deixado a presidência da república. Em suma, o soarismo morreu.

NOTA

Sobre Mário Soares ver esta sucinta mas esclarecedora cronologia publicada pelo CM

quinta-feira, janeiro 05, 2017

O amigo Juncker

Porto de águas profundas na Trafaria é a alternativa estratégica à estupidez partidária do Barreiro


Precisamos de mais Europa para sairmos do aperto em que estamos


European infrastructure needs more than public funding 
Europe’s leaders are stuck on the horns of a huge dilemma: how to invest more in critical infrastructure without burdening taxpayers further. Private capital is ready to invest in transport, energy, telecoms and healthcare, but existing barriers are holding it back, writes Michael Collins. 
Michael Collins is chief executive of Invest Europe. EurActiv, 2/01/2017

O problema da confiança e da estabilidade das leis e regulamentos, já para não falar do respeito pelos contratos assinados (e responsabilização de quem os assina) só pode avançar com maior, mais coerente, e equilibrada integração europeia, nomeadamente ao nível da regulação e das garantias dadas e a dar no futuro aos atores do crescimento: pessoas, conhecimento e capital. É preciso diminuir a discricionariedade populista dos poderes político-partidários e a sua omnipresença mediática, e para isto acontecer temos também que melhorar as instituições democráticas.

Portugal, um país, dois sistemas!

John Grayken - o abutre do fundo abutre Lone Star

Depois do Banif, entregar o Novo Banco a um abutre seria a dose fatal para uma Geringonça cujo estado de graça começa claramente a definhar.


Então não é que o José Maria do Espírito Santo Silva Ricciardi acaba de defender na SIC, em entrevista conduzida por José Gomes Ferreira, a nacionalização —temporária, diz o figurão— do Novo Banco?! Aquele almoço no Ritz foi uma autêntica epifania para António Costa. O PCP e o Bloco, coitados, devem deambular pelas catacumbas dos seus neurónios marxistas totally lost in translation.

Um país, dois sistemas?

Na China (Macau, Hong Kong) funcionou. O BCE manda cada vez mais no sistema financeiro europeu e nos seus bancos. Por outro lado, se os contribuintes já compraram o lixo do BES, porque não hão-de ficar agora com o lombo? Estamos numa tal emergência mundial (rotação tecnológica e sobre-endividamento) que se justifica algum experimentalismo económico, social e político. Tudo dependerá, neste caso, de Bruxelas e do BCE, pois como sabemos, a corja partidária e bancária que temos conduziu o país à condição de protetorado dos credores internacionais.

Jean-Claude Juncker vem a Lisboa nos próximos dias. A nacionalização do Novo Banco poderá obter nesta ocasião um poderoso aliado. O desairado Carlos Costa que se cuide!

Eis o que reza o comunicado do Banco de Portugal, autêntico trombone onde ninguém consegue já segurar uma informação:

Comunicado do Banco de Portugal sobre o processo de venda do Novo Banco
04 jan. 2017

O Banco de Portugal, no cumprimento do seu mandato relativamente ao processo de venda do Novo Banco, concluiu com base nos elementos disponíveis nesta data que o potencial investidor Lone Star é a entidade mais bem colocada para finalizar com sucesso o processo negocial tendente à aquisição das ações do Novo Banco e decidiu convidá-lo para um aprofundamento das negociações.  
A estabilidade do sistema financeiro e o reforço da confiança no futuro do Novo Banco são objetivos do processo de venda que o Banco de Portugal está a conduzir. No momento atual da negociação, a proposta do potencial investidor Lone Star é a que mais assegura estes objetivos mas apresenta condicionantes, nomeadamente um potencial impacto nas contas públicas, que se procurarão minimizar ou remover no aprofundamento das negociações que agora se inicia. 
Esta nova fase de negociações com o potencial investidor Lone Star não exclui a melhoria das propostas dos restantes potenciais investidores que entregaram propostas no âmbito dos dois procedimentos de venda – Procedimento de Venda Estratégica e Procedimento de Venda em Mercado - e que já mostraram disponibilidade para o fazer.
Lisboa, 4 de janeiro de 2017.

LINK

PS: Entretanto, no dia 5/1, Pedro Santana Lopes escreveu no Jornal de Negócios uma crónica que repete ipsis verbis o recado de Ricciardi. É improvável que não tenha sido previamente combinado. Seja como for, esta colagem ao PCP e ao Bloco não deixa de ser cómico-trágica. No fundo, também eu defendo, no estado a que coisa chegou, a nacionalização temporária do Novo Banco!

segunda-feira, janeiro 02, 2017

Política Sueca (2015-2017)


Política Sueca: 10 de outubro de 2015 - 1 de janeiro de 2017.


A última emissão foi para o ar na madrugada de 1 de janeiro de 2017 (ver em RTP Play).

Não poderemos continuar a analisar o fascinante e perigoso ano de 2017 no Política Sueca, pois este programa de televisão acabou na madrugada do ano que agora começa. Cada um dos protagonistas terá certamente outros palcos onde revelar as suas ideias e análises, pelo que a amizade construída ao longo de mais de um ano de prestações televisivas na RTP3 é certamente terreno fértil para futuras aventuras.

Foram 57 edições, mais ou menos semanais, cujos horários mudaram talvez demasiadas vezes e sem aviso, mas onde foi possível exercer análise política séria, sem agendas partidárias escondidas, nem encomendas — em suma, independente.

Caminhámos sem rede, tentando esclarecer a complexa situação política nacional que emergiu do fim do Memorando de Políticas Económicas e Financeiras, conhecido como Plano da Troika, o qual teve início em maio de 2011 e terminou em maio de 2014, e foi subscrito por Portugal, pelo FMI, pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu. Dos 78 mil milhões de euros disponíveis sob a forma de empréstimo, Portugal viria a gastar 75 mil milhões.

A consequência mais relevante do otimismo económico registado em 2014, coincidindo com o início da queda abrupta do preço do petróleo (junho de 2014), permitiria ao PSD ser o partido mais votado nas eleições de 4 de outubro de 2015, apesar da enorme contração no défice orçamental acordado no mencionado Memorando.

Esta vitória eleitoral foi, porém, insuficiente, deixando ao PS a oportunidade de levar a cabo uma aliança parlamentar improvável, com o PCP/PEV e com o Bloco de Esquerda, a qual viria a dar origem ao atual governo PS apoiado por uma maioria parlamentar de esquerda e extrema esquerda. Esta inesperada bi-polarização do poder político, de certo modo antecipada e desejada por Mário Soares, muito antes de António Costa ter sido colocado na direção do Partido Socialista, é a principal ocorrência política que recorrentemente exigiu a nossa análise política.

O segundo grande tema debatido no Política Sueca foi a profundíssima crise financeira e bancária do país, que os colapsos sucessivos do BES e do Banif e a crise profunda da Caixa Geral de Depósitos viriam a evidenciar de forma dramática. O Banif foi literalmente oferecido ao Santander num momento em que este precisava urgentemente de reforçar os seus capitais. Hoje, quase metade do sistema financeiro português é propriedade de não nacionais. Um panorama bem diferente, portanto, dos retratos cor-de-rosa que os mais variados responsáveis do país —Governador do Banco de Portugal, Governo PS liderado por José Sócrates, Presidente Aníbal Cavaco Silva e o então Conselheiro de Estado e comentador político Marcelo Rebelo de Sousa— pintaram sobre o nosso 'sólido e moderno' sistema bancário.

Por fim, três agradecimentos: à RTP, ao Daniel Deusdado, que imaginou o programa e nos convidou a fazê-lo, e à brilhante profissional que moderou com grande segurança jornalística o Política Sueca: Sandra de Sousa.

Ao público fiel e crescente que nos seguiu semalmente, um grande abraço e votos de um próspero e feliz Ano Novo.

António Cerveira Pinto
Cristina Azevedo
Nicolau Pais
Ricardo Jorge Pinto


terça-feira, dezembro 27, 2016

Portugal 2015 — evolução do regime

Júlio César [em duplicado]; 13 de julho de 100 a.C. – 15 de março de 44 a.C.

600 anos depois da conquista de Ceuta

Do rotativismo a dois (Bloco Central) passámos a uma espécie de cesarismo bicéfalo civil e demo-populista, apoiado numa maioria parlamentar pendular suportada por duas instituições simbióticas de sinais opostos — na versão que hoje conhecemos, um PS de 'centro-esquerda' e um Presidente da República de 'centro-direita'.

No dia em que o PCP e o Bloco virem as suas proporções parlamentares reduzirem-se para metade das que hoje detêm —os seus votos tenderão a fugir para o PS e sobretudo para a direita—, e o CDS/PP duplicar a sua atual representação parlamentar —sem com esta subida prejudicar a força eleitoral central do PSD—, haverá condições para uma alternância entre o atual cesarismo bicéfalo civil de centro-esquerda para um cesarismo bicéfalo de centro-direita.

Quando é que tal rotação irá ocorrer?

Muito provavelmente quando a Geringonça sucumbir à pressão das dívidas pública e externa, e do consequente agravamento do nosso cada vez menos autónomo sistema financeiro, ambos induzidos por uma subida dos preços da energia, das matérias primas e do dinheiro. Poderá ocorrer já em 2017, mas o mais provável é que aconteça nas próximas eleições legislativas, em 2019.

Esta é uma razão suficiente para Pedro Passos Coelho apoiar a candidatura de Assunção Cristas à Câmara Municipal de Lisboa. E condição bastante para supor que Marcelo Rebelo de Sousa cumprirá apenas um mandato, e que o próximo presidente da república será de centro-esquerda.

Verdes ilusões


O esgotamento do nosso modelo energético é a principal causa dos nossos problemas presentes e futuros


Euan Mearns has shown that in Europe, countries that use large amounts of wind and solar tend to have very high residential electricity prices. This comparison strongly suggests that when costs are charged back to consumers, they are very high. (In the US, subsidies tend to be hidden in the tax system instead of raising prices, so the same pattern is not observed.) 
[...] 
It seems to me that going forward, a completely different approach is needed, if we want to evaluate which energy products should be included in our electricity mix. The low energy prices (for oil, natural gas, coal, and electricity) that we have been experiencing during the last 30 months are a sign that consumers cannot really afford very high electricity prices. Analysts need to be looking at various scenarios to see what changes can be made to try to keep costs within the amounts consumers can actually afford to pay. In fact, it probably would be helpful if building of new generation could be reduced to a minimum and existing generation could be kept operating as long as possible, to keep costs down. 
[...] 
A Long-Term Role for Solar PV
It appears that our civilization is reaching limits. In fact, it seems likely that our current electric grid will not last many years–probably not as long as people expect solar panels will last. We also know that in past collapses, the only thing that seemed to partially mitigate the situation was radical simplification. For example, China transported goods in animal-powered carts prior to collapse, but changed to transporting goods in wheelbarrows, after it collapsed about the third century A. D.
Building on this idea, the place for intermittent renewables would seem to be off the electric grid. They would likely need to operate in very small networks, probably serving individual homes or businesses. For example, some homeowners might want to set up 12 volt direct current systems, operating a few LED lights and a few specially designed 12 volt direct current appliances. Businesses might want to do more. The problem, of course, comes in maintaining these systems, as batteries degrade and other parts need to be replaced. It would seem that this type of transition could be handled without huge subsidies from governments.
The belief that we can maintain our current electric grid system practically indefinitely, using only wind + solar + hydroelectric + biomass, is almost certainly a pipe dream. 
in EROEI Calculations for Solar PV Are Misleading
Posted on December 21, 2016, by Gail Tverberg
https://ourfiniteworld.com/2016/12/21/eroei-calculations-for-solar-pv-are-misleading/

quinta-feira, dezembro 08, 2016

Portugal, 2017



Política monetária do BCE sem alterações significativas.
FMI analisa às apalpadelas, e não acerta


Draghi prossegue a política monetária do chamado Quantitative Easing como única ferramenta disponível para evitar um colapso sistémico de consequências imprevisíveis. Fará alguma retenção no volume das aquisições de dívida pública, bancária e de alguns setores empresariais, entre abril e dezembro de 2017 (de 80 para 60 mil milhões de euros/ mês), ajudando assim a agenda eleitoral de Angela Merkel, mas promete desde já, se for necessário, intensificar em 2018, em volume, ou em duração, este mesmíssimo programa de Quantitative Pleasing: taxas de juro a zero ou abaixo de zero, aquisições maciças de dívida pública e privada, em suma, monetização de uma parte muito substancial da super-dívida que pesa sobre a maioria dos países do planeta, incluindo a rica Europa.

Sobre Portugal convém destacar o seguinte:
  • vai crescer menos do que a União Europeia em 2016-2017 (1,3% contra 1,7%) e em 2018-2019 (1,2% contra 1,6%), 
  • terá uma inflação ligeiramente acima da média dos países da União Europeia: 0,5% contra 0,2% em 2016, 1,4% contra 1,3% em 2017, 1,6% contra 1,5% em 2018.
  • a rentabilidade das OT10 (3,51% em 11/11/2016) continua muito acima da média europeia e mais do dobro das obrigações espanholas (1,474% em 11/11/2016).
  • no entanto, a nossa dívida total (pública e privada) em % do PIB é a terceira mais pesada do mundo, só ultrapassada pela da Irlanda e pela do Japão. O que significa que estamos demasiado expostos à evolução das taxas de juro e de câmbio, e aos preços da energia (petróleo) e das matérias primas.
Este gráfico do McKinsey Global Institute é demasiado claro!

No prazo da atual legislatura, os ventos são pois razoavelmente favoráveis à Frente Popular Pós-Modenra instalada no poder. A menos que haja uma alteração radical no sistema mundial e na adaptação económico-financeira em curso, haverá condições para o PCP e o Bloco de Esquerda continuarem a suportar o governo de António Costa, ainda que à custa de uma menorização acelerada do peso eleitoral destes pequenos partidos. Se o PS consolidar a sua maioria autárquica no final de 2017, sobretudo se for à custa do PSD e do CDS, haverá condições para uma renovação da atual solução governativa, possivelmente com a entrada do PCP e do Bloco no próximo governo —única forma de obviarem a sua já evidente erosão eleitoral.

Mas se o PCP continuar a perder câmaras para o PS a história será outra. É bem possível que haja um acordo entre o PS e o PCP para proteger as câmaras do PCP... em troca de candidatos comunistas fracos em Lisboa, claro!

Já agora convém dizer o seguinte: apesar de existir um Bloco Central Eleitoral, não haverá regresso ao Regime de Bloco Central, e muito menos a um Governo de Bloco Central.

A separação de águas foi iniciada por Pedro Passos Coelho e prossegue com a geringonça. O que começamos a ter em seu lugar é uma espécie de Grande Coligação camuflada, onde António Costa se dedica a aplicar a famosa tática do salame ao PSD, e o Presidente da República, percebendo o perigo da dialética agressiva da chamada 'esqueda' contra a designada 'direita', decidiu recentemente refrear o seu entusiasmo pela geringonça.

Faz bem Passos Coelho em fustigar Marcelo Rebelo de Sousa, por forma a forçar o Presidente da República a decidir que papel quer desempenhar neste jogo.

Por sua vez, o contexto internacional e nacional pode definir-se pela seguinte frase que ninguém diz, mas que os poderes instalados praticam:

— há que ir ensopando o buraco negro das dívidas... aumentando a pressão fiscal sobre a economia paralela, continuando a confiscar paulatinamente a poupança das famílias e, desejavelmente, reorganizando o uso das disponibilidades orçamentais, tendencialmente decrescentes, em prol de uma estratégia de renovação económica, social e cultural, eficiente e sustentável.

A economia já não consegue arrancar nos termos da ida 'price revolution', que durou desde 1886/87 até 1973/2008. Entrámos numa era de crescimento real* ténue (entre 0 e 1%), desinflação (inflação entre 0 e 2%), desemprego estrutural, mas também de acelerada inovação tecnológica, social e... cultural.

A hipertrofia dos governos e dos estados sociais vai ceder necessariamente a sua hegemonia burocrática a uma nova realidade económica, política e social em acelerada gestação: empresas globais (como esta onde escrevo e publico os meus textos), generalização dos mapas democráticos (como, por exemplo, este), bancos automáticos, lavandarias automáticas, lojas online, restauração em modo auto-serviço, mobilidade em rede com ou sem condutor, telemedicina, universidades online, e o fim do jornalismo como o conhecemos até ao seu presente estrebuchar indigente no pântano do endividamento que perde dia a dia as suas proteções político-partidárias. O mundo mudou no dia em que o Presidente dos Estados Unidos dispensou os média tradicionais (hierárquicos e centralizados/ broadcast) e passou a usar o Twitter!

Continuará a haver lugar para as pessoas, pois o consumo das máquinas não dá lucro, e sim despesa. Mas lá que a transição em curso, sobretudo a metamorfose social e cultural, é e vai continuar a ser dolorosa, vai. Por isso defendo a criação de um Rendimento Básico Incondicional, eliminando do estado social os intermediários da fome.

Por fim, a Trumpnomics vai forçar o princípio dos vasos comunicantes na globalização.

O mundo já não é bipolar, nem unipolar. A globalização só tem um caminho viável à sua frente: reconhecer que a produtividade, o comércio, a política e a força militar mundiais passaram a definir, de modo ao mesmo tempo complementar e diferenciado, grandes placas geo-estratégicas: EUA, China, Rússia, Brasil e Europa Ocidental (até ver...).




* O crescimento real das economias é menor do que os números dos respetivos PIB dão a entender. Desde logo porque uma parte crescente do consumo que conta para o crescimento tem sido alimentado pelo sobre-endividamento privado e público.


EXCERTOS DO BCE E DO FMI

BCE
As regards non-standard monetary policy measures, we will continue to make purchases under the asset purchase programme (APP) at the current monthly pace of €80 billion until the end of March 2017. From April 2017, our net asset purchases are intended to continue at a monthly pace of €60 billion until the end of December 2017, or beyond, if necessary, and in any case until the Governing Council sees a sustained adjustment in the path of inflation consistent with its inflation aim. If, in the meantime, the outlook becomes less favourable, or if financial conditions become inconsistent with further progress towards a sustained adjustment of the path of inflation, the Governing Council intends to increase the programme in terms of size and/or duration. The net purchases will be made alongside reinvestments of the principal payments from maturing securities purchased under the APP. [...] 
The key ECB interest rates were kept unchanged and we continue to expect them to remain at present or lower levels for an extended period of time, and well past the horizon of our net asset purchases. [...] 
This assessment is broadly reflected in the December 2016 Eurosystem staff macroeconomic projections for the euro area, which foresee annual real GDP increasing by 1.7% in 2016 and 2017, and by 1.6% in 2018 and 2019. Compared with the September 2016 ECB staff macroeconomic projections, the outlook for real GDP growth is broadly unchanged. The risks surrounding the euro area growth outlook remain tilted to the downside. [...] 
According to Eurostat’s flash estimate, euro area annual HICP inflation in November 2016 was 0.6%, up further from 0.5% in October and 0.4% in September. This reflected to a large extent an increase in annual energy inflation, while there are no signs yet of a convincing upward trend in underlying inflation. Looking ahead, on the basis of current oil futures prices, headline inflation rates are likely to pick up significantly further at the turn of the year, mainly owing to base effects in the annual rate of change of energy prices. Supported by our monetary policy measures, the expected economic recovery and the corresponding gradual absorption of slack, inflation rates should increase further in 2018 and 2019.
This pattern is also reflected in the December 2016 Eurosystem staff macroeconomic projections for the euro area, which foresee annual HICP inflation at 0.2% in 2016, 1.3% in 2017, 1.5% in 2018 and 1.7% in 2019. By comparison with the September 2016 ECB staff macroeconomic projections, the outlook for headline HICP inflation is broadly unchanged. [...] 
The implementation of structural reforms in particular needs to be substantially stepped up to reduce structural unemployment and boost potential output growth in the euro area. Structural reforms are necessary in all euro area countries. The focus should be on actions to raise productivity and improve the business environment, including the provision of an adequate public infrastructure, which are vital to increase investment and boost job creation. [...] 
Fiscal policies should also support the economic recovery, while remaining in compliance with the fiscal rules of the European Union. Full and consistent implementation of the Stability and Growth Pact over time and across countries remains crucial to ensure confidence in the fiscal framework. At the same time, it is essential that all countries intensify efforts towards achieving a more growth-friendly composition of fiscal policies. 
in “Introductory statement to the press conference”
Mario Draghi, President of the ECB,
Vítor Constâncio, Vice-President of the ECB
Frankfurt am Main, 8 December 2016
Link
Expanded asset purchase programme 
The expanded asset purchase programme (APP) includes all purchase programmes under which private sector securities and public sector securities are purchased to address the risks of a too prolonged period of low inflation. It consists of the 
—third covered bond purchase programme (CBPP3)
—asset-backed securities purchase programme (ABSPP)
—public sector purchase programme (PSPP)
—corporate sector purchase programme (CSPP) 
Monthly purchases in public and private sector securities amount to €80 billion on average (from March 2015 until March 2016 this average monthly figure was €60 billion) 
in ECB/ Asset purchase programmes

FMI (os acertos das previsões —políticas— têm uma qualidade duvidosa. Basta comparar as previsões de setembro com as de dezembro e junho deste ano)

Portugal’s near-term outlook has improved, primarily on the back of an acceleration of exports seen in the third quarter of 2016. This higher-than-expected growth outturn followed relatively subdued activity in the preceding two quarters. However, a continuation of strong growth that is broad-based would be needed to conclude that a sustained shift to a faster-paced recovery is underway. The authorities’ 2016 fiscal targets are within reach, and the current account is projected to remain in a small surplus. Against the background of improved consumer confidence, the near-term risks to the macroeconomic outlook are broadly balanced. The medium-term outlook, however, remains broadly unchanged and is vulnerable to shocks, given the high stock of public and private debt, continuing banking sector weaknesses, and persistent structural rigidities. This calls for ambitious efforts to improve the resilience of the financial sector, ensure durable fiscal consolidation, and raise the economy’s growth potential 
1. Recent macroeconomic developments point to a near-term rebound from the subdued activity in the first half of the year. Real GDP grew by 1.6 percent (year-on-year) in the third quarter—up from 0.9 percent in the first half of 2016—driven primarily by net exports. The labor market has continued to strengthen, and the unemployment rate has declined to the pre-crisis level of 10.5 percent. Staff now expects economic activity to expand by 1.3 percent in both 2016 and 2017. Looking further ahead, the economy’s high level of indebtedness and persistent structural rigidities are expected to constrain growth at around 1.2 percent over the medium term 
2. Based on the latest data, staff estimates a fiscal deficit of around 2.6 percent of GDP in 2016, implying an expansion of 0.4 percent of GDP in structural primary terms. The authorities’ strong efforts at containing intermediate consumption and public investment well below budgetary allocations have mitigated the impact of a sizeable revenue underperformance on the headline deficit. Gross public debt is projected to reach 131 percent of GDP at the end of 2016. 
3. The recently-approved 2017 budget aims for a further reduction in the fiscal deficit, to 1.6 percent of GDP. Based on the specified measures, staff projects a fiscal deficit of 2.1 percent of GDP—an implied primary structural tightening of 0.1 percent of GDP—with public debt remaining elevated at 130 percent of GDP. Under staff’s macroeconomic assumptions, achieving the authorities’ fiscal deficit target would require an additional structural effort of 0.4 percent of GDP. A consolidation effort based on durable expenditure reforms would be more supportive of growth than relying on compression of public investment. 
in “Portugal: Staff Concluding Statement of the Fifth Post-Program Monitoring Mission”
December 8, 2016
Link 
“IMF Executive Board Concludes 2016 Article IV Consultation with Portugal”
September 22, 2016
Link 
“Portugal: Concluding Statement of the Fourth Post-Program Monitoring and 2016 Article IV Consultation Discussions”
June 30, 2016
Link

Última atualização: 31/12/2016 23:12  WET