domingo, maio 05, 2019

O populista


António Costa forçou Centeno a abrir uma Caixa de Pandora. O resultado está à vista.


Parece que nenhum dos comentadores que li e ouvi até agora sobre a farsa montada por António Costa se deu ao cuidado de ler a votação convergente entre esquerda e direita da passada quinta-feira sobre a contagem integral do tempo de serviço de 99 mil professores (1). Enquanto o Partido Socialista entende agora que apenas deve considerar, para «mitigação dos efeitos do congelamento sobre certas carreiras em que se progride com base no tempo», os anos da Troika (2011-2017), já os professores, militares das Forças Armadas e da GNR, magistrados judiciais e do Ministério Público, e oficiais de justiça, ou ainda o Presidente da República, defendem a contagem de todo o tempo de serviço congelado: 9 anos 4 meses e 2 dias. O PS, vejam lá, também defendeu esta orientação em dezembro de 2017! Onde estava então a cabeça do governo de António Costa?

Ou não se conta o tempo congelado, por ter sido estabelecido em anteriores orçamentos de estado como tempo irrecuperável, ou se se pretende também aqui furar seletivamente a austeridade, por motivações de ordem meramente populista e eleitoral, então será indefensável não agregar todo o tempo de contagem desde que o relógio das progressões de carreira parou: dois durante o governo de José Sócrates, e sete anos durante o programa de estabilidade assinado com os credores.

Resumindo, a incongruência da decisão de António Costa é total. Mentindo, lançando a sua matilha mediática contra a direita, acabou por cair num charco onde provavelmente não saberá nadar. O que teve todas as características clássicas de uma manobra palaciana, está a revelar-se uma farsa sem vintém. Quanto à Geringonça, morreu mais cedo do que previ ao vê-la nascer!

A Caixa de Pandora confecionada pelo PS e António Costa teve dois momentos construtivos:
  1. A resolução da Assembleia da República n.º 1/2018
  2. A resolução do Conselho de Ministros de 4 de abril de 2019
Tratam-se de duas resoluções tipicamente populistas, anunciando a reversão de uma das medidas impostas pelo plano de austeridade desenhado pela Troika e parcialmente aplicado pelo governo que herdou a pré-bancarrota causada pela governação criminosa do PS.

Basta ler com atenção esta notícia do Público para percebermos que a imprensa, as rádios e as televisões do regime estão a ser instrumentalizadas pela máquina de propaganda e contra-informação do Governo e do PS.
Os partidos à esquerda e direita do PS juntaram-se então para votar que os dois anos, nove meses e 18 dias já previstos pelo Governo sejam contados a partir de 1 de Janeiro de 2019, embora os efeitos remuneratórios se possam só fazer sentir a partir de 2020. 
Quanto ao restante tempo (mais de seis anos), “os termos e o modo como se dará a concretização (da sua recuperação) são estabelecidos pelo Governo, em processo negocial”, o que deverá acontecer em 2020.  
Esta foi a formulação proposta pelo PSD e o CDS. Mas com uma diferença de peso: todas as considerações que faziam depender esta concretização dos “recursos disponíveis” e das “condições economico-finaceiras do país”, também propostas pelos sociais-democratas e centristas, não irão integrar o diploma aprovado pelo Parlamento. Razão? Foram chumbadas, na votação ponto a ponto, pelo BE, PCP e PS.  
Público, Clara Viana, 2/5/2019 18:10
Na redação do diploma sobre a contagem integral do tempo de serviço, PSD e CDS incluiram cláusulas suplementares de proteção orçamental que PS, PCP e Bloco conjuntamente recusaram, preferindo deixar apenas inscrita a redação mais vaga: “os termos e o modo como se dará a concretização (da sua recuperação) são estabelecidos pelo Governo, em processo negocial”. Ou seja, os deputados do PS empurraram o diploma parlamentar para uma zona de risco ao não deixarem que ficasse claro o travão orçamental implícito à sua aplicação futura. E depois votaram contra a sua redação final. O sms deve ter seguido então para António Costa: já está!

Referências


Resolução da Assembleia da República n.º 1/2018

Recomenda ao Governo a contagem de todo o tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que, em diálogo com os sindicatos, garanta que, nas carreiras cuja progressão depende também do tempo de serviço prestado, seja contado todo esse tempo, para efeitos de progressão na carreira e da correspondente valorização remuneratória.

Aprovada em 15 de dezembro de 2017.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.

2017-12-15 |  Votação Deliberação
[DAR I série N.º27/XIII/3 2017.12.16 (pág. 42-43)]
Votação na Reunião Plenária n.º 27 Aprovado
A Favor: PS, BE, PCP, PEV, PAN
Abstenção: PSD, CDS-PP

LINK

Resolução do Conselho de Ministros de 4 de abril de 2019

2019-04-05 às 16h43
Governo reduz efeitos do congelamento nas carreiras da Administração Pública

O Governo concluiu, no Conselho de Ministros de 4 de abril, «o processo de mitigação dos efeitos do congelamento, ocorrido entre 2011 e 2017, nas carreiras da Administração Pública que progridem em função do tempo de serviço, dando assim pleno cumprimento ao disposto na Lei do Orçamento de Estado para 2019», disse o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Tiago Antunes.

O Secretário de Estado, que falava numa conferência de imprensa para esclarecer a «aplicação prática e aos efeitos deste modelo de mitigação dos efeitos do congelamento», referiu que «a concretização do artigo 17.º do Orçamento do Estado foi feita em dois momentos».

O primeiro, «relativamente às carreiras que progridem em função do tempo e que têm uma estrutura horizontal ou unicategorial» – que é apenas a dos educadores de infância e dos docentes do ensino básico e secundário – foi a aprovação, no Conselho de Ministros de 7 de março, de «um decreto-lei (que já está em vigor) prevendo a contabilização aos professores de um tempo equivalente a 70% do respetivo módulo-padrão de progressão».

O segundo, «relativamente às carreiras que progridem em função do tempo e que têm uma estrutura vertical ou pluricategorial» – militares das Forças Armadas e da GNR, magistrados judiciais e do Ministério Público, e oficiais de justiça – foi a aprovação no Conselho de Ministros de 4 de abril de «um decreto-lei prevendo, de igual modo, a contabilização de um tempo equivalente a 70% do módulo-padrão de progressão específico de cada uma destas carreiras».

Descongelamento e mitigação

Tiago Antunes sublinhou que «o que está em causa nestes diplomas não é o descongelamento das carreiras», pois «estas – e todas as outras – carreiras da Administração Pública já estão descongeladas desde 1 de janeiro de 2018».

Este descongelamento ocorreu no Orçamento de Estado para 2018, pelo qual «todas as carreiras cuja contagem do tempo de serviço esteve congelada – isto é, cujo relógio esteve parado – entre 2011 e 2017, foram já descongeladas – isto é, o relógio voltou a contar – a partir de 1 de janeiro de 2018».

O Secretário de Estado afirmou que «este foi, de resto, o único compromisso que o Governo desde o início assumiu: o compromisso com o descongelamento», que «já cumprimos, para todas as carreiras, a partir do início do ano passado».

O Governo «nunca assumiu qualquer compromisso de recuperação retroativa do tempo que esteve congelado», disse, acrescentando que «nem podia assumir, uma vez que as sucessivas leis do Orçamento de Estado que procederam ao congelamento entre 2011 e 2017 sempre estipularam que o tempo congelado não podia vir a ser recuperado mais tarde». 

Aliás, os artigos dos sucessivos Orçamentos do Estado que o estipulavam e «cuja constitucionalidade nunca foi questionada, deram o tempo congelado como sendo irrecuperável», pelo que «a sua recuperação integral não é possível».

Reduzir efeitos do congelamento

Todavia, abriu-se a possibilidade de «mitigação dos efeitos do congelamento sobre certas carreiras em que se progride com base no tempo».

O Secretário de Estado recordou que «o Governo não tinha assumido qualquer compromisso» sobre este tema, acrescentando que «comporta elevados custos orçamentais, que não estavam previstos». 

O quadro de sustentabilidade financeira que foi alcançado, levou o Governo a procurar «dar resposta a este problema, encontrando uma solução que atenuasse os efeitos mais gravosos do congelamento sobre certas carreiras».

Este processo «conduziu ao racional dos 70% do módulo-padrão», isto é, do tempo de progressão em cada uma das carreiras, «que pretende mitigar as consequências de um congelamento que havia sido declarado como irrecuperável».

Tiago Antunes sublinhou também que «a solução encontrada visa assegurar a equidade entre todas as carreiras», sendo o racional aplicado «exatamente o mesmo para todas as carreiras que progridem em função do tempo» e baseando-se «no que já sucedeu relativamente às outras carreiras que progridem em função de pontos de avaliação de mérito».

Como funciona

O chamado racional é um modelo «que concede a todas as carreiras em questão 70% do respetivo módulo-padrão» da progressão que esteve congelada até 2018 e seria, por isso, perdida.

«Estes 70% vão depois projetar-se sobre as especificidades e o distinto ritmo de progressão de cada carreira, o que dá origem a diferentes períodos de tempo a recuperar em cada carreira», disse o Secretário de Estado. 

Porém, «todos esses diferentes períodos de tempo decorrem da aplicação da mesma regra, garantindo-se assim um tratamento equitativo entre todos os trabalhadores da Administração Pública».

Tiago Antunes explicou ainda que os diplomas que permitem a mitigação das carreiras aprovados a 4 de abril e o decreto-lei aplicável aos educadores e professores têm uma única diferença.

Esta diferença prende-se «com o momento da contabilização do tempo a recuperar, diferença essa que resulta da distinta natureza das carreiras em causa: num caso, uma carreira horizontal, nos demais casos, carreiras verticais». 

Mas «porque a mecânica encontrada para as carreiras verticais é também passível de aplicação aos docentes, decidimos conceder a estes a possibilidade de opção entre um figurino ou outro», disse ainda.

Trabalhadores abrangidos

O número de trabalhadores abrangidos, incluindo os que progridem devido ao descongelamento de carreiras desde 2018, será de 60 mil em 2019, disse o Secretário de Estado do Orçamento, João Leão.

Com os diplomas de mitigação dos efeitos do congelamento, o número de progressões «vai mais do que duplicar» - 30 mil dos quais serão educadores e professores. 

Impacto orçamental

João Leão afirmou também que o impacto da mitigação será de 40 milhões de euros em 2019 e de cerca de 100 milhões de euros em cada ano entre 2020 e 2021, chegando a 240 milhões de euros. Nestes cálculos, «incluímos quer os professores, quer as carreiras cuja progressão depende do curso tempo».

«Estes custos acrescem ao impacto do descongelamento» ocorrido a partir de 2018, pelo que «teremos em 2019 e 2020, valores particularmente elevados de custos com progressões». 

As Finanças estimam «que em 2019, o custo geral com as progressões (que envolve também esta recuperação do tempo) seja de 480 milhões de euros, próximo de 2,5 % da despesa com pessoal na Administração Pública». Em 2020, «estimamos um valor próximo dos 500 milhões de euros, também cerca de 2,5% da despesa com pessoal». 

A partir de 2021 a evolução e o crescimento deste valor «começa a normalizar, atingindo a sua normalização a partir de 2022». 
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carreiras, administração pública, orçamento do Estado

Conferência de imprensa sobre a mitigação dos efeitos do congelamento das carreiras na Administração Pública, Lisboa, 5 abril 2019 (foto: João Bica)


Assunção Cristas aos militantes

O QUE O GOVERNO SOCIALISTA TENTA FAZER ESQUECER

O Governo assumia apenas 7 anos de congelamento – da Troika até hoje – e tentou fazer esquecer que foi o Governo Socialista de José Sócrates quem congelou as carreiras dos professores, em 2005 e em 2011.

Se o princípio é o descongelamento, o CDS não aceita este branqueamento das decisões de José Sócrates nem a desresponsabilização socialista.

Uma coisa é o tempo do congelamento, outra, diferente, é o pagamento. Sendo que não está nem nunca esteve em causa o pagamento de retroativos.

O QUE O CDS PROPÔS

Durante um ano e meio o CDS exigiu que o Governo revelasse os custos detalhados dos descongelamentos das carreiras da Administração Pública. Não pode agora acusar de irresponsabilidade quem durante um ano e meio escondeu, de todos, os custos da sua própria política.

O CDS propôs que o pagamento dependa do crescimento económico, da sustentabilidade do sistema, das aposentações, da avaliação e da negociação do estatuto da carreira dos professores.

A Esquerda – incluindo o PS – chumbou demagogicamente todos estes critérios responsáveis e que garantiam a justiça para todos os contribuintes.

O QUE O CDS CHUMBOU

O CDS chumbou as propostas do Bloco e do PCP da garantia do pagamento dos 9 anos 4 meses e 18 dias, nos próximos 7 anos.

O QUE O GOVERNO SOCIALISTA JÁ TINHA APROVADO

A contagem de 2 anos e 9 meses e 4 dias, aprovados em Conselho de Ministros e promulgados pelo Presidente da República.

O QUE MUDOU COM A VOTAÇÃO DE ONTEM

O tempo de serviço destes 2 anos e 9 meses e 4 dias é “creditado” na carreira dos professores, embora o pagamento (da futura progressão na carreira) respeite o Orçamento do Estado de 2019 e seja diferido para 2020.

Não há impacto neste Orçamento e o impacto futuro será dos 2 anos e 9 meses e 4 dias que o próprio Governo aprovou.

O QUE FOI APROVADO ONTEM

O âmbito do congelamento foi de dois períodos, num total de 9 anos, determinados pelos Governos Sócrates; foram mantidos os 2 anos 4 meses e 9 dias que o governo e Presidente da República tinham garantido; o pagamento destes 2 anos respeita integralmente o OE de 2019; tendo sido chumbados os critérios do CDS para a negociação, ficou apenas a indicação de que será o próximo Governo a ter de negociar a forma.

AS MENTIRAS QUE CORREM

SOBRE O CONGELAMENTO DE CARREIRAS APROVADO POR JOSÉ SÓCRATES
É VERDADE QUE O CDS APROVOU O PAGAMENTO AOS PROFESSORES?

É mentira. O CDS chumbou as propostas do Bloco e do PCP da garantia do pagamento dos 9 anos 4 meses e 18 dias, nos próximos anos.

ENTÃO, MAS O CDS NÃO APROVOU QUE SE TEM DE PAGAR 9 ANOS?

É mentira. O CDS confirmou aquilo que este governo quis fazer esquecer: que os professores têm a sua carreira congelada desde José Sócrates – por isso são 9 anos e não os 7 que o Governo de António Costa quer fazer passar.

É VERDADE QUE SE VÃO PAGAR 9 ANOS DE RETROATIVOS?

É mentira. Não está nem nunca esteve em causa o pagamento de retroativos.

É VERDADE QUE O CDS APROVOU UM CALENDÁRIO PARA O PAGAMENTO AOS PROFESSORES?

É mentira. O CDS votou contra o calendário proposto pelo Bloco e pelo PCP.

É VERDADE QUE A VOTAÇÃO DE ONTEM TRAZ ENCARGOS PARA ESTE ORÇAMENTO DE ESTADO?

É mentira. Não resulta de ontem nenhum encargo além do que este Governo já aprovou. Uma coisa é o tempo do congelamento, outra, diferente, é o pagamento.

É VERDADE QUE A VOTAÇÃO DE ONTEM É UMA IRRESPONSABILIDADE ORÇAMENTAL?

É mentira. O CDS há um ano e meio que exige ao Governo as dos efeitos detalhados do descongelamento. Só agora o Governo diz que são 800 milhões de euros sem explicar como. Não resulta de ontem nenhum encargo além do que o que este Governo já aprovou.

É VERDADE QUE É UMA CEDÊNCIA AOS SINDICATOS DOS PROFESSORES?

É mentira. O CDS fez chumbar a proposta do pagamento faseado das esquerdas e propôs que este dependesse do crescimento económico, da sustentabilidade do sistema, das aposentações, da avaliação e da negociação do estatuto da carreira dos professores.

ESTÁ ANTÓNIO COSTA A DIZER A VERDADE?

Depois de 4 anos deste Governo, depois das promessas quebradas, das de um ministro das finanças que diz uma coisa em Portugal e outra em Bruxelas, acha que esta farsa – desmentida por todos os outros partidos, ainda é credível?

ENTÃO O QUE FOI APROVADO ONTEM?

Que o congelamento foi de dois períodos, num total de 9 anos, determinados pelos Governos Sócrates; foram mantidos os 2 anos 4 meses e 9 dias que o Governo e Presidente da República tinham garantido; o pagamento destes 2 anos respeita integralmente o OE de 2019; tendo sido chumbados os critérios do CDS para a negociação, ficou apenas a indicação de que será o próximo Governo a ter de negociar a forma.

NOTAS

  1. Há no ensino pré-escolar, básico ou secundário mais de 145 mil professores. Ou seja, esta guerra diz apenas respeito a uma parte do professores.

segunda-feira, abril 15, 2019

A bolha que empobrece

Vítor Gaspar
Imagem original @EPA (editada)


Enquanto o Fed e os bancos centrais do Japão, UE e UK continuarem a manter as taxas de juro próximas de zero, e a comprar dívida pública e privada (esta, de forma disfarçada), a bolha da dívida global continuará a inchar. Portugal está a ser uma das cobaias nesta experiência. Já todos percebemos, porém, que o perdão das dívidas de uns (governos, especuladores e piratas) traduz-se em austeridade para a maioria, e empobrecimento inexorável das classes médias. A revolta dos coletes amarelos em França é o sinal mais eviente disto mesmo. O silêncio mediático e analítico sobre este fenómeno apenas revela que os intelectuais de hoje não passam duma massa indigente de cabotinos sem ideias e nenhuma coragem. Em Portugal, alguém dirá um dia basta! E quando isso acontecer, preparem-se...

FMI. Esforço de Portugal para pagar dívida e défice será dos maiores até 2021
Em três anos, Portugal precisa de pagar mais de 92 mil milhões de euros em dívida e défice. Esforço ronda os 43% dpo PIB. É o sexto maior num grupo de 26 países ditos avançados. DN

Riscos associados ao refinanciamento de dívidas elevadas não desapareceu, diz Vítor Gaspar.  ECO.

segunda-feira, abril 08, 2019

China, Trade & Power

Mao Zedong - a Longa Marcha ainda não terminou.

Nem capitalismo, nem democracia


Se a China não é um país comunista, então o que é? Não é uma economia capitalista, nem uma democracia. Os americanos classificam-na como um regime revisionista, querendo porventura traduzir com esta expressão a ideia de que a China mistura num mesmo país dois sistemas de produção antagónicos sob um poder despótico protagonizado por um chefe gerado nas entranhas de uma burocracia milenar.

A China imperial esteve praticamente isolada entre as muralhas naturais e artificiais que delimitam o seu vasto território, desde o século 15 até ao fim do século 20. No século 19, a expansão industrial e comercial da Europa e do Japão sujeitariam a China a uma abertura forçada ao exterior, expondo-a a guerras e invasões para as quais não estava, nem poderia estar preparada. Foram tempos difíceis e de humilhação que Beijing certamente não esqueceu. As duas Guerras do Ópio (1839-60) declaradas pelos ingleses, e mais tarde a Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-45), levariam a China para os braços do marxismo-leninismo de inspiração estalinista, e sobretudo para a área de influência económica da então URSS, de cujos hidrocarbonetos dependiam para sair do marasmo medieval em que ainda viviam. Só a descoberta e exploração do petróleo chinês, em Daqing, no ínicio da década de 1960, iria abrir uma janela de oportunidade única a um velho império destruído por mais de um século de guerras, revoluções e fome extrema. Depois da morte de Mao (1976), o visionário Deng Xiaoping encaminhou a China, que se libertava a passos largos da dependência energética dos russos, para o futuro que hoje se conhece. O mundo ocidental de então agradeceu!

Basta olhar para a balança comercial da China desde o início deste século para percebermos que algo mudou drasticamente na sua relação com o resto do mundo. Voltarão os superavits comercial e financeiros da China a ser um problema para o resto do mundo, e em especial para os Estados Unidos e a Europa ocidental? O Departamento de Defesa americano, num relatório de dezembro de 2018, revela poucas dúvidas sobre o potencial da nova ameaça. Trade is power!

China Balance of Trade
source: tradingeconomics.com

Assessment on U.S. Defense Implications of China’s Expanding Global Access
December 2018 
China seeks to be the world leader in artificial intelligence by 2030. [...] 
President Xi and other leaders (...) link the China Dream to two high-profile centenary goals: achieving a “moderately prosperous society” by the 100th anniversary of the CCP in 2021, and building a “prosperous, strong, democratic, civilized, harmonious, and beautiful modernized socialist strong country” by the 100th anniversary of the establishment of the People’s Republic of China (PRC) in 2049. At the 19th Party Congress in October 2017, President Xi also enumerated objectives for the “basic realization of socialist modernization” by 2035, which included China becoming one of the most “innovation-oriented” countries, significant enhancement of the country’s soft power, and continued economic prosperity. [...] 
China wants to shape a world consistent with its authoritarian model—gaining veto authority over other nations’ economic, diplomatic, and security decisions. [...] 
China’s attempts to gain veto authority over other countries’ decisions, and its coercion directed at U.S. allies and partners in particular, will likely threaten U.S. posture and access if not addressed. [...] 
The National Security Strategy states that the United States faces growing political, economic, and military competition with China, and that this is a long-term challenge demanding sustained national attention, prompting a whole-of-government focus on this issue. [...] 
The Department of Defense will continue to assess the military implications of China’s expanding global access and ensure the Department provides combat-credible military forces needed to fight a war and win, should deterrence fail. 
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POST SCRIPTUM

Este artigo foi publicado ontem, 8 de abril, às 00:59. Por coincidência, a expansão global chinesa foi tema de debate entre Miguel Sousa Tavares e Paulo Portas, ao fim do dia, num telejornal da TVI. Portas exibiu os seus pergaminhos de ex-ministro da defesa, de ex-ministro dos negócios estrangeiros e de ex-vice-primeiro ministro, desenhando uma mapa dos investimentos estratégicos da China na Europa. Adiantou que a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China não é uma novidade de Trump, pois vem da presidência Obama, e que o mais provável será a China ceder nalgumas das reivindicações dos americanos e dos europeus, nomeadamente na reciprocidade em matéria de investimentos em setores estratégicos: energia, portos, aço, etc., bem como na questão dos direitos humanos e controlo da comunicação social. O modo como a guerra em volta da Huawei, líder das novas redes 5G, evoluir será a pedra de toque do tit-for-tat que o Ocidente tenciona opor à expansão dum país que não aprendeu ainda a lidar com a liberdade individual das pessoas, nem a considerá-las, por isso, cidadãs.

Atualização: 9/4/2019, 11:43 WET

sexta-feira, abril 05, 2019

Um passe de demagogia

Populismo de um governo que anda de Mercedes e BMW

Mas não só...


A lógica da gentrificação, acelerada também por causa da degradação do parque imobiliário dos centros urbanos das principais cidades portuguesas—cortesia da política de rendas condicionadas seguida ao longo de um século—, é esta: os residentes dos referidos centros urbanos, com rendimentos decrescentes, ou já muito degradados, serão expulsos para as periferias urbanas, com ou sem Bloco, com ou sem ajuda do PCP. Ambos os partidos demonstraram, aliás, que também se têm lambusado com este fenómeno especulativo, cientes porventura da sua inxorabilidade.

Os centros urbanos serão progressivamente ocupados por uma nova classe média alta e por novos ricos, de origem nacional e estrangeira, e por um exército de fantamas sem pátria chamados fundos imobiliários.

Mas como são precisos trabalhadores na cidade, sobretudo no vasto setor dos serviços, os novos ocupantes das cidades estruturadas pagarão um adicional ao imposto de renda, com o qual os governos municipais e o governos centrais e regionais financiarão os transportes públicos, podendo até torná-los gratuitos para os novos proletários suburbanos.

Por enquanto, as medidas de António Costa e da Geringonça (PS+PCP+Bloco) soam apenas a demagogia e populismo. Mas existe uma racionalidade cínica na sua origem, a qual configura uma estratégia de mitigação da perigosa e crescentemente tumultuosa erosão das classes média. Chama-se gentrificação.

Na medida em que os residentes empobrecidos, inquilinos e proprietários, já não dispõem de rendimentos suficientes para a reposição do capital imobiliário exaurido, nem muito menos para investir em novos equipamentos, os governos municipais, também eles sob ameaça de falência, são forçados a escolher a nova eugenia pós-industrial, i.e. a substituir o capital morto ou moribundo por capital vivo, rentabilizando cada átomo e cada bit da cibercidade.

É assim que todo o espaço urbano entrou numa cornucópia de valorização especulativa.

A tal ponto que, em breve, para se circular, estacionar, trabalhar, dormir, fazer compras ou disfrutar dos bens culturais de uma cidade, a mesma será segmentada de forma dinâmica e infinitesinmal, sendo o valor de cada uma das suas novas enteléquias medido por parquímetros físicos e virtuais. Estes contadores debitarão os novos acessos à cidade, incluindo os tempos produtivos, as deslocações e os tempos de espera, nas nossas carteiras eletrónicas. Sem a validação destas carteiras seremos, aliás, impedidos de entrar nas cidades.

A segmentação dos escritórios em plantas livres ou cubículos de co-working é a mais recente e melhor demonstração desta hiper-valorização dos centros urbanos e seus equipamentos, bem como da rápida sub-urbanização extensiva das novas mega-cidades. Não haverá mais espaço na cidade, mas apenas espaço-tempo em regime de high frequency trading!

O passe social será, pois, no futuro, uma espécie de cintura sanitária que autoriza e vigia os novos proletários nas suas idas e vindas aos locais de trabalho nas novas metrópoles pós-contemporâneas, por períodos rigorosamente vigiados por parquímetros que penalizam cada tempo de espera, de devaneio, ou de mera curiosidade cultural desinteressada. O tempo de permanência nas novas e deslumbrantes catedrais urbanas terá um custo crescente, instantaneamente debitado no nosso número único de identificação fiscal, social, cultural e criminal.

O passe gratuito não passa, pois, de uma ilusão, mas de uma ilusão necessária à paz social de um género de democracia em fase terminal.

A endogamia

Common fruit fly females prefer to mate with their own brothers over unrelated males.
Wikipedia.

... e a degradação da espécie partidária


A endogamia partidária é o acasalamento de indivíduos geneticamente próximos e do mesmo partido político. Resulta num aumento da zigosidade, que pode aumentar as hipóteses dos descendentes serem afetados por genes recessivos ou problemas de má-formação ética. Isto geralmente conduz a uma depressão endogâmica partidária, a qual conduz invariavelmente à degradação genética, cognitiva, e moral da Política.

Uma definição menos metafórica diria que a endogamia partidária é uma forma de eugenia social, através da qual se procede a uma paulatina seleção dos "bem nascidos" (a "família socialista", "social democrata", "centrista", "comunista", etc.) para fortalecimento geral de um determinado grupo social, ou de mero poder, hierarquizado, cuja sobrevivência e fortalecimento dependem, em grande medida, desta espécie de continuidade genética partidária. Noutro plano (o do colapso seletivo da classe média americana), mas que concorre para este mesmo argumento, vale a pena ler Coming Apart, The State of White America, 1960-2010, de Charles Murray. Aqui se descreve como a eugenia económica e cognitiva tem vindo a estilhaçar seletivamente a sociedade americana nas últimas décadas, à medida que as classes médias e o "sonho americano", nascidos do petróleo barato e abundante, da expoliação colonial, da revolução industrial, e da expansão económica que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, entraram em declínio, dando lugar a um novo e poderoso fenómeno de segregação económica, social, política e cultural.


 

Marcelo diz que “vale a pena rever a lei” quanto a nomeações de familiares
Observador, 4/4/2019, 21:17

O problema não está, no entanto, nos casos particulares, mas no padrão genético da coisa.

É aqui que a endogamia tem tecido o regime que se seguiu ao colapso da ditadura, clonando em modo 'democrático' o corporativismo salazarista, ressuscitando o jornalismo situacionista (lamentáveis as prestações dos comentaristas da RTP/SIC e os alinhamento noticiários da RTP/SIC) e retomando uma forma de rotativismo partidário na forma do chamado Bloco Central. Não deixa de ser uma ironia vermos o PCP e o Bloco juntarem-se ao arco do poder no branqueamento do PS e do que acaba por rebentar como o grande escândalo político que explica como foi possível os bancos e os oligopólios indígenas terem rebentado com o país, deixando o povo encalacrado até, pelo menos, 2040.

Era tão simples evitar tudo isto com uma lei simples sobre conflito de interesses!


Atualização: 6/4/2019 12:30 WET

quarta-feira, abril 03, 2019

O que é a democracia?


Resposta rápida


Se alguém assassinasse Trump, a Rainha de Inglaterra, ou António Costa, os três países a que estes políticos pertencem continuariam as suas vidas sem sobressaltos de maior depois dos funerais e dos declarados dias de luto nacionais. Se alguém assassinasse Putin, Xi Jinping, ou Nicolas Maduro, os regimes dos países que estes senhores comandam entrariam inexoravelmente em colapso. É esta a diferença entre democracia e ditadura. Podemos interpretar esta ideia como um corolário da teoria urbanística de Gonçalo M. Tavares sobre a velocidade das ditaduras e a lentidão das democracias.

A 11 mil metros de altitude, entre Bruxelas e Lisboa. 30-03-2019

terça-feira, abril 02, 2019

Atrair milionários ou vender a independência a patacos?

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Irá a Espanha ficar com 100% das barragens portuguesas?

“O regulador espanhol que supervisiona a energia e outros setores quer fazer passar uma proposta que vai impor metas às energéticas através de rácios, limitando desta forma a remuneração a entregar aos investidores e o nível de dívida destas empresas.”
Negócios, 5/2/2019

“A energética vai reforçar o investimento em renováveis e redes nos países onde está presente, e Portugal não será exceção. Quanto à compra de novos ativos, como as barragens da EDP, garante que “considera sempre todas as opções”.”
Jornal de Negócios, 1/4/2019

A dívida da EDP é gigantesca (como há muito vimos alertando): mais de 16 mil milhões de euros! Daí a alienação de ativos. Só que entregar a concessão das barragens da EDP a Espanha é uma daquelas linhas vermelhas que só políticos e governos traidores atravessam, sem cuidar das consequências. Se o governo português não bloquear esta pretensão dos senhores Mexia e Manso, 100% das principais barragens portuguesas estarão nas mãos dos espanhóis (Iberdrola). Onde é que as nossas corrompidas elites têm a cabeça? Nos bolsos, suponho!


Centrais hidroelétricas portuguesas em operação: 73

EDP: 63 centrais hidroelétricas; 35 parques eólicos

Iberdrola: 0 centrais hidroelétricas; complexo hidroelétrico do Alto Tâmega (3 barragens em construção: 2023); 3 parques eólicos.


Atualizado: 2/4/2019, 17:01 WET