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domingo, maio 14, 2023

Um mundo multipolar?

Mapa português (1502), dito Planisfério de Cantino

Bretton Woods and the post-Cold war solidified the position of the United States as the leading, sometimes only superpower in the financial and military world. But it didn’t always do it by force, as many assume, and it didn’t do it alone. Everything settled out that way because that is the lowest energy, the most efficient state for society to be in, and it’s going to take more than Xi’s dreams and Putin’s hallucinations to change it.

Haverá neste momento, ou nos tempos mais próximos, alguma alternativa à hegemonia norte-americana, ou euro-americana, para ser mais claro?


Teoricamente, sim, ou assim pensei nos últimos anos, até que Putin perdeu a cabeça e invadiu a Ucrânia. Seria uma espécie de Tratado de Tordesilhas 2.0. Hoje, porém, não sei como é que a China conseguiria impor aos Estados Unidos e à Europa uma nova divisão do mundo.

Quando portugueses e castelhanos se sentaram à mesa para dividir o novo mundo entre si havia um equilíbrio entre os dois países em matéria de exploração marítima de novos continentes. Os portugueses estavam mais avançados do que os espanhóis nas artes de navegação, mas a tecnologia passou por osmose para o resto da península. Os holandeses precisaram de quase três séculos para disputar o mesmo território 'descoberto' (terminologia inaugurada pelos portugueses) e 'conquistado' (a terminologia espanhola que nunca mudou...). O negócio foi, portanto, possível porque havia uma espécie de paridade tecnológica e mapas de navegação e de marear que só as elites e os marinheiros ibéricos conheciam. E também porque o tratado foi concebido e assinado entre dois estados concorrentes, mas irmanados numa mesma genealogia religiosa e cultural. No caso da China que hoje desafia a América e o resto do mundo com a sua prosápia, tal equilíbrio não existe. Pelo contrário, os países da Ásia e da África que ainda não estavam avisados para o novo perigo chinês acordaram depois da invasão da Ucrânia e depois de perceberem em toda a sua extensão a bestialidade imposta pelos cretinos prepotentes de Pequim a mais de 1,3 mil milhões de desgraçados. O senhor Xi, se queria um Tratado de Tordesilhas 2.0, tê-lo-à porventura perdido depois exibir a sua falta de inteligência (e desespero) na gestão da pandemia, piorando ainda mais as coisas à medida que se foi colocando ao lado da besta de Moscovo. Em suma, estou hoje menos convicto que seja possível dividir o planeta entre dois gigantes. 

Os Estados Unidos e a Europa sairão reforçados desta enorme e sangrenta crise em curso, ao contrário do que sopram as anafadas excrescências do marxismo retardatário da laia do Boaventura Sousa Santos e quejandos. Chomsky, por outro lado, é um moralista obtuso.

quarta-feira, junho 12, 2019

Portugal e a China

“Between 2007 and 2017, world oil consumption grew at an average annual rate of 1.0 percent.”
—in World Oil 2018-2050: World Energy Annual Report (Part 2)
by DENNIS COYNE posted on 07/26/2018. Peak Oil Barrel

O novo drama chinês


Ao contrário da economia americana—em particular a que se seguiu à guerra civil de 1861-65 e que viria a desenvolver-se de forma endógena graças ao seu imenso território despovoado e à sua decisão de atrair pessoas e capitais de todo o mundo, com larguíssima predominância de europeus—o crescimento da China depois de séculos de hibernação imperial, estimulado em parte pela inesperada visita do presidente americano Richard Nixon a Pequim em 1972 (1), baseou-se num modelo de competição comercial externa alavancada na oferta de biliões de horas de trabalho barato e desprovido de direitos sociais. Este modelo permitiu à China importar em pouco tempo todas as virtudes e vícios do capitalismo industrial e financeiro ao mesmo tempo que acumulava superavits comerciais e reservas financeiras como nenhum outro país no mundo. Este modelo foi um sucesso. Para as desenvolvidas economias americana, europeia e japonesa, na medida em que aliviaram a pressão inflacionária sistémica do petróleo (pico petrolífero americano e formação do cartel da OPEP) e do trabalho, bem como dos efeitos perversos do consumismo. Para a China, porque lhe permitiu atrair investimento, conhecimentos técnicos e encomendas como nunca vira em toda a sua história de mais de dois mil anos. Tudo correu sobre rodas enquanto o mundo crescia a bom ritmo. No entanto, à medida que as assimetrias do crescimento aumentaram, e mais países entraram numa espiral de endividamento para manter os seus níveis históricos de bem estar, o caldo azedou. O protecionismo defendido e praticado por Donald Trump é, afinal, uma resposta racional à perda de competitividade da economia americana, nomeadamente face aos países asiáticos (2).

O crescimento industrial e pós-industrial depende, em primeiro lugar, do trabalho, seja este realizado por humanos, por outros animais, por máquinas, ou por nuvens de computação. O trabalho, por sua vez, depende do consumo de energia. Quanto mais energia houver, ou seja, quanto mais esta for economicamente acessível, maior disponibilidade haverá para a criação e o crescimento. Pelo contrário, à medida que a produção de energia encarece, haverá menos condições para o crescimento. É isto que tem vindo a suceder de forma cada vez mais indisfarçável às fontes de energia que alimentaram o crescimento exponencial da humanidade desde meados do século 19: carvão, petróleo, gás natural. As chamadas energias alternativas não são alternativa, e consumir menos também não é—o que desafia o regresso do populismo verde como saída limpa para os prognósticos cataclísmicos da comunidade científica do IPCC (3) (4).



O pico da produção petrolífera na China (iniciada na década de 1960) chegaria em 2015, dependendo agora a expansão da sua economia—cujo trabalho barato compete há já alguns anos com os custos laborais do Bangladesh, do Vietname, da Índia, da Indonésia ou do México (5)—não só do uso imparável de carvão poluente (a sua principal fonte energética), como de importações maciças de petróleo do Médio Oriente, Líbia, Angola, Canadá, Venezuela, etc. Esta irremediável dependência energética forçou a China relançar sob outro nome (Belt & Road/ Faixa e Rota) a velha Rota da Seda. O objetivo desta iniciativa é claro: garantir o acesso da China aos principais mercados de energia, ao mesmo tempo que mantem bem abertas as principais rotas comerciais da Eurásia, e ainda as que se dirigem a África e ao continente americano. É um binómio compreensível, mas não são favas contadas. O crescimento acelerado da Índia, mas sobretudo a explosão demográfca africana, irão disputar à China e ao resto do mundo a partilha dos recursos energéticos, minerais e alimentares disponíveis, cujos preços, pela sua escassez progressiva (a água potável é um dos casos mais dramáticos), tendem a manter-se elevados. À medida que forem rebentando sucessivas bolhas de crédito, com especial incidência nas dívidas soberanas, a moeda de troca pela energia necessária ao crescimento económico, ou até à simples manutenção das economias de crescimento zero, será cada vez mais o resultado palpável do trabalho produtivo, ou seja, bens consumíveis, como a água, bens alimentares, e produtos tecnológicos e culturais transacionáveis. O protecionismo que cresce em todo o mundo reflete, aliás, a tomada de consciência desta nova realidade. Travar a entrada dos imigrantes da fome e da guerra na Europa e na América, ao mesmo tempo que se pilham os recursos energéticos, minerais e naturais de países e continentes inteiros não é solução. Os dilemas e a tragédia começam precisamente aqui: a população mundial estava a aumentar em 2018 pouco mais de 1% ao ano, enquanto a economia crescia ligeiramente acima dos 3% em 2017, mas o aumento do PIB per capita estimado não ia além dos 1,9%. A demografia e o envelhecimento comem, assim, boa parte da expetativa de uma melhoria agregada da prosperidade e do bem-estar sociais. Os países mais ricos já perceberam que o crescimento tem limites e que estes se sentem na carne, enquanto os países mais pobres entendem, por outro lado, que a convergência com os ricos pode não passar de um sonho de verão. Por isso arriscam viagens perigosas em direção aos Estados Unidos da América e à Europa ocidental.

The United States is the world’s largest oil consumer (20%); the European Union is the world’s second largest oil consumer 14%); China is the world’s third largest oil consumer (13%)
—in World Oil 2018-2050: World Energy Annual Report (Part 2)
by DENNIS COYNE posted on 07/26/2018. Peak Oil Barrel

Onde está a energia que propulsiona o crescimento económico?


São estas as grandes regiões da produção petrolífera mundial: Médio Oriente, Rússia e China, Mar do Norte (Noruega e Reino Unido), África, Estados Unidos, Canadá, Golfo do México, Venezuela e Brasil. Metade dos maiores produtores africanos de petróleo encontra-se na costa ocidental de um continente em expansão demográfica, nomeadamente no historicamente rico Golfo da Guiné: Angola, Nigéria, Guiné Equatorial, Congo, Gabão, Gana. Percebe-se nesta geografia a crescente importância do pequeno retângulo português e da sua vasta Zona Económica Exclusiva, não só por ser parte da União Europeia, mas também por estar situado entre as três principais placas tectónicas do planeta (euroasiática, africana, norte-americana e sul-americana), e ainda pelas suas relações históricas com países como a China, Angola, Moçambique, Brasil, Venezuela, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá. Portugal poderá tornar-se um dos principais interlocutores pacíficos do ranger das placas geoestratégicas globais. Não por acaso Estados Unidos e China parecem disputar, lado a lado, os mais recentes investimentos nos setores estratégicos portugueses famintos de capital: energia, infraestruturas de transportes, imobiliário, setores da saúde, seguros e banca.

A China, ao contrário dos Estados Unidos, que é um país muito rico em petróleo, gás natural e recursos alimentares, e da Europa, porque o maior agregado de reservas petrolíferas se encontram na sua imediata periferia, precisa de recorrer a recursos financeiros gigantescos, nomeadamente sob a forma de investimento externo e softpower, para a garantia do seu abastecimento energético externo. As alternativas endógenas de médio-longo prazo, ou são insuficientes (energia hídrica, solar e eólica), ou são letais (carvão). Ou seja, apesar de crescer mais depressa do que a América e do que o velho continente europeu, a vantagem que a China ainda leva sobre os países tecnologicamente avançados e economicamente maduros poderá não chegar para garantir por muito mais tempo o crescimento exponencial do seu consumo energético. Outros, sobretudo a África, vão precisar de petróleo, gás natural, ouro e outros metais raros... A recente formação do embrião de uma União Económica Africana mostra que o ciclo da livre espoliação dos recursos africanos está a chegar ao fim. O perigo de um regresso da China ao isolamento imperial poderá, por todas estas razões, ser menos inverosímil do que parece. A nova China não deseja um tal retrocesso. A recente concentração de poderes em Xin Jinping, e a ofensiva contra a democracia que prevalece em Hong Kong, suscitam uma reflexão profunda sobre o que estará a empurrar uma vez mais a burocracia chinesa para posições defensivas, potencialmente isolacionistas.

Nem a Rússia, nem a China, poderão controlar a Eurásia e portanto o mundo segundo a célebre teoria do Pivot Geográfico da História de Halford John Mackinder. Resta caminharmos para um Novo Tratado de Tordesilhas onde se garanta uma redistribuição justa da energia necessária ao crescimento e desenvolvimento da humanidade, sabendo que uma nova era de crescimento lento e de equilíbrio está a nascer, e que poderá ser excecionalmente criativa—ou destrutiva (6). Em vez de crescimento material, é a vez de entrarmos numa era de crescimento imaterial exponencial, científico, tecnológico e cultural.

Aprendemos pacificamente a conhecer a China ao longo de 500 anos. É a altura de a China aprender a conhecer o Ocidente com a mesma humildade.



POST SCRIPTUM — A China está a tornar-se uma enorme dor de cabeça para o mundo. Não porque os chineses sejam gente má ou aldrabona por natureza, mas porque as suas necessidades de energia, já hoje, e a prazo, são insustentáveis e em grande medida causadoras das tensões visíveis na Venezuela, em África e no Médio Oriente. Em breve, o que começou por ser o protecionismo americano será também o protecionismo europeu, africano, etc. A China precisa de energia, de matérias primas e de comida (soja, etc.) em quantidades astronómicas. Por isso onde estes recursos existem, salvo raras exceções, há milhares de chineses. O caso da Líbia foi a este título paradigmático, quer em 2011, quer em 2014.

GAIL TVERBERG
Seven Reasons Why We Should Not Depend on Imported Goods from China
Posted on June 12, 2019, by Gail Tverberg

If a person doesn’t understand how badly the energy situation is working out for China, or how important energy consumption is, it is easy to think that the problems China is facing are primarily tariff-related. In fact, China’s situation is a very worrisome one, with or without tariffs being added.

To fix the situation, China would need a very cheap, non-intermittent, locally produced, non-polluting additional energy source. This energy source would also need to be rapidly scalable. Such an energy resource doesn’t appear to be available.

NOTAS

1. Uma semana que mudou o mundo: “Assignment: China - The Week That Changed The World”, e “How Much Credit for China’s Rise Goes to Richard Nixon?” January 27th, 2012. Asia Society.


Posted on May 22, 2019, by Gail Tverberg

Nearly everyone wonders, “Why is Donald Trump crazy enough to impose tariffs on imports from other countries? How could this possibly make sense?”

As long as the world economy is growing rapidly, it makes sense for countries to cooperate with each other. With the use of cooperation, scarce resources can become part of supply lines that allow the production of complex goods, such as computers, requiring materials from around the world. The downsides of cooperation include:

(a) The use of more oil to transport goods around the world;

(b) The more rapid exhaustion of resources of all kinds around the world; and

(c) Growing wage disparity, as workers from high-wage countries compete more directly with workers from low-wage countries.

These issues can be tolerated as long as the world economy is growing fast enough. As the saying goes, “A rising tide lifts all boats.”

In this post, I will explain what is going wrong and how Donald Trump’s actions fit in with the situation we are facing. Strangely enough, there is a physics aspect to what is happening, even though it is likely that Donald Trump and the voters who elected him would probably not recognize this. In fact, the world economy seems to be on the cusp of a shrinking-back event, with or without the tariffs. Adding tariffs is an indirect way of allowing the US to obtain a better position in the new, shrunken economy if this is really possible.

3. “The true feasibility of moving away from fossil fuels”

Posted on April 9, 2019, by Gail Tverberg

One of the great misconceptions of our time is the belief that we can move away from fossil fuels if we make suitable choices on fuels. In one view, we can make the transition to a low-energy economy powered by wind, water, and solar. In other versions, we might include some other energy sources, such as biofuels or nuclear, but the story is not very different.

The problem is the same regardless of what lower bound a person chooses: our economy is way too dependent on consuming an amount of energy that grows with each added human participant in the economy. This added energy is necessary because each person needs food, transportation, housing, and clothing, all of which are dependent upon energy consumption. The economy operates under the laws of physics, and history shows disturbing outcomes if energy consumption per capita declines.

4. “Have We Already Passed World Peak Oil and World Peak Coal?”

Posted on February 22, 2019, by Gail Tverberg

Most people expect that our signal of an impending reduction in world oil or coal production will be high prices. Looking at historical data [...], this is precisely the opposite of the correct price signal. Oil and coal supplies decline because prices fall too low for producers. These producers make voluntary cutbacks because the prices they receive fall below their cost of production. There often are supply gluts at the same time.

This strange situation arises because prices must be high enough for the producers at the same time that goods and services made by oil (and other energy products) are inexpensive enough for consumers to afford. There is a two-way battle taking place:

(1) Prices producers require tend to rise over time, because of depletion. The easiest to extract a portion of any resource (such as oil, coal, copper, or lithium) tends to be removed first. What is left tends to be deeper, lower quality, or otherwise more difficult to extract cheaply.

(2) Prices consumers can afford for discretionary goods (such as cell phones and automobiles) tend to fall for a combination of reasons:

Wages of many workers fall because of competition from lower cost labor in other countries.

Some jobs are eliminated through the use of computers or robots.

Young people are increasingly being required to pay for higher education (beyond that which is provided free), leaving many with loans to repay, reducing their discretionary income.

Changes to US healthcare law (mostly starting January 1, 2014) lead to required health insurance premiums. While some citizens find cost savings in this approach, healthy young people often experience cutbacks in discretionary income as a result.

Rents and home prices keep rising faster than incomes.

When the discretionary income of the many non-elite workers of the world falls, they buy fewer finished goods and services. Finished goods and services are manufactured using commodities of many kinds, including oil, coal, copper, iron ore, and fresh water. When discretionary demand falls, commodity prices tend to fall. This is the problem we are encountering now. It tends to cause the prices of many commodities to fall below the cost of production. Eventually, producers decide to quit because production is no longer profitable. This is the issue that leads to peak oil, coal or copper.

5. Where in the world is cheap labor?
By David Whitford, editor-at-largeMarch 22, 2011: 10:29 AM ET
Fortune

The FLA brings together multinational companies like Nike (NKE, Fortune 500), Adidas and Hanes (HBI); universities like Princeton and Notre Dame; and NGOs like the National Consumers League and Human Rights First to end sweat-shop working conditions in factories around the world. I spoke to van Heerden last week, shortly after he returned from a trip to China, where the inflation rate has reached nearly 5%, food inflation is more than 10%, and double-digit increases in the minimum wage are suddenly the norm.

Is China still an option for global manufacturers seeking lower costs of production?

It's an incredibly fast-moving situation. Labor markets which we previously thought were inexhaustible, like China and India, have actually tightened up quite dramatically. Employers can't get workers. Wages have gone up. Add to that the energy cost increases, and the factories, the contract manufacturers, are now suddenly squeezed. So they're turning around to their buyers -- to the retailers or the brands -- and they're saying, "Hey, my prices need to go up." And the brands are saying, "Whoa! We don't think we can pass those prices on to the consumer." There's something of a train smash looming.

6. How energy shortages really affect the economy
Posted on August 27, 2018, by Gail Tverberg

The more a person looks at the story of how rising oil prices might allow oil extraction indefinitely, the less reasonable it seems. If the story about oil prices rising endlessly were true, we would have seen coal prices rise endlessly in Europe a century ago, when it was the dominant form of supplemental energy available. It didn’t happen.


Última atualização: 20/6/2019, 21:29 WET

domingo, janeiro 27, 2019

Um novo Tratado de Tordesilhas, ou?

Federica Mogherini, chefe diplomática da União Europeia

Maduro terá que abandonar o poder em breve


A Rússia não tem força para transformar a Venezuela numa espécie de Ucrânia. E a China também não tem interesse em precipitar os acontecimentos nesta direção. O resultado de mais um braço de ferro entre o despotismo asiático e as democracias ocidentais só pode ser um: salvar ambas as faces, do Ocidente e do Oriente, levando o senhor Maduro a passar umas férias nas Caraíbas.

O modo como a crise na Venezuela evoluir (Guterres tem que abrir os olhos!) depois do reconhecimento de Juan Guaido pela maioria dos estados americanos (12 contra 3) e pela União Europeia, deixará ver de forma bem nítida a fratura em curso na famosa globalização. O recuo dos Estados Unidos e dos seus aliados na Síria depois de uma clara vitória da Rússia e do Irão da guerra civil que destruiu boa parte daquele país, será, por assim dizer, compensado com o despedimento de Maduro e a subsequente pressão contra a excessiva presença económica, militar e diplomática da Rússia e da China naquelas paragens. As negociações, que já estarão a decorrer, suponho, sobre a revisão drástica da permeabilidade do continente americano à influência chinesa, russa e indiana, ditarão a duração e os contornos mais ou menos violentos da guerra entre Maduro e Guaido.

O equilíbrio MAD nunca esteve na realidade em causa, mesmo durante a implosão da URSS. O que sim tem estado a mudar é a posição geográfica do centro de gravidade da prosperidade mundial. No século 15, por volta de 1430, a China fechar-se-ia paulatinamente ao mundo, assustada com o eterno perigo do Norte, ou por outro motivo ainda por esclarecer. O seu hoje incensado Almirante Zheng He (1371—1433 ou 1435), depois de sete viagens memoráveis (1403, 1407, 1409, 1413, 1416, 1421, 1429) pelos mares da China, Oceano Índico, até à costa ocidental de África, que poderiam ter aberto o caminho marítimo da China até à Europa, não chegou a conhecer o Infante Dom Henrique (1394—1460), vinte e três anos mais novo, o qual, em 1415, daria início a um ciclo de expedições marítimas que acabariam por nos levar à China, em 1513-1517, e ao Japão, em 1543.

Seiscentos anos depois, a China quer refazer a Rota da Seda, por mar e terra, cruzando toda a Eurásia, mas também os mares da China, o Oceano Índico, África e o Atlântico. A sua ambição é, pois, incomensurável com as pretensões algo tacanhas do que resta do império dos czares russos. Num certo sentido, podemos dizer que Putin é, de momento, o braço armado da China nesta sua acelerada fase expansionista, mas que a imensa terra russa é também uma espécie de espaço vital futuro da China.

Daqui a dificuldade de saber onde estão os meridianos do futuro Tratado de Tordesilhas que irá regular uma nova divisão ao meio do planeta humano. Há que procurá-los, pois a alternativa a uma divisão pacífica das influências pode ser mesmo a extinção da humanidade.

Existe uma teoria diferente sobre a carnificina venezuelana (1), a qual interpreta o 'golpe' contra Nicolás Maduro como uma placagem ao acesso oriental (sobretudo da China) ao petróleo venezuelano. De um ponto de vista geoestratégico, esta interpretação decorre de uma visão que, no essencial, diz isto: os impérios marítimos e coloniais que dominaram o mundo nos últimos seiscentos anos irão ceder ao poder da grande massa continental e humana que é a Eurásia. O objetivo tático para apressar esta mudança tectónica passa, segundo os teóricos desta visão, por separar a Europa ocidental da América, forçando-a a ser apenas a península ocidental cooperante de uma Eurásia centrada nos seus grandes poderes estratégicos: Alemanha, Rússia, Irão, Índia, e China.

Vale a pena, para uma melhor compreensão deste ponto de vista, ler dois artigos recentes (de que incluímos dois extratos) escritos por Pepe Escobar e por Federico Pieraccini.

“The supreme nightmare for the U.S. is in fact a truly Eurasian Beijing-Berlin- Moscow partnership.” 
“The Belt and Road Initiative (BRI) has not even begun; according to the official Beijing timetable, we’re still in the planning phase. Implementation starts next year. The horizon is 2039.” 
[...] 
“The New Silk Roads were launched by Xi Jinping five years ago, in Astana (the Silk Road Economic Belt) and Jakarta (the Maritime Silk Road). It took Washington almost half a decade to come up with a response. And that amounts to an avalanche of sanctions and tariffs. Not good enough. 
Russia for its part was forced to publicly announce a show of mesmerizing weaponry to dissuade the proverbial War Party adventurers probably for good – while heralding Moscow’s role as co-driver of a brand new game. 
Were the European peninsula of Asia to fully integrate before mid-century – via high-speed rail, fiber optics, pipelines – into the heart of massive, sprawling Eurasia, it’s game over. No wonder Exceptionalistan elites are starting to get the feeling of a silk rope drawn ever so softly, squeezing their gentle throats.” 
— in Pepe Escobar, “Back in the (Great) Game: The Revenge of Eurasian Land Powers”, Consortium News, August 2018.



“Even if the US dollar were to remain central for several years, the process of de-dollarization is irreversible.  
Right now Iran plays a vital role in how countries like India, Russia, and China are able to respond asymmetrically to the US. Russia uses military power in Syria, China seeks economic integration in the Silk Road 2.0, and India bypasses the dollar by selling oil in exchange for goods or other currency.  
India, China, and Russia use the Middle East as a stepping stone to advance energy, economic and military integration, pushing out the plans of the neocons in the region, thereby indirectly sending a signal to Israel and Saudi Arabia. On the other hand, conflicts in Syria, Iraq and Afghanistan are occasions for peacemaking, advancing the integration of dozens of countries by incorporating them into a major project that includes Eurasia, the Middle East and North Africa instead of the US and her proxy states.  
Soon there will be a breaking point, not so much militarily (as the nuclear MAD doctrine is still valid) but rather economically. Of course, the spark will come from changing the denomination in which oil is sold, namely the US dollar. This process will still take time, but it is an indispensable condition for Iran becoming a regional hegemon. China is increasingly clashing with Washington; Russia is increasingly influential in OPEC; and India may finally decide to embrace the Eurasian revolution by forming an impenetrable strategic square against Washington, which will shift the balance of global power to the East after more than 500 years of domination by the West.”
—in “Russia, China, India, and Iran: The Magic Quadrant That is Changing the World”
by Federico Pieraccini @ Strategic Culture Foundation, 25.01.2019


Post scriptum

Acabo de ler a comunicação de Georges Soros ao Forum de Davos deste ano. Pela sua clareza relativamente à China, recomendo a sua leitura e deixo aqui um extrato elucidativo.

Remarks delivered at the World Economic Forum 
Davos, Switzerland, January 24, 2019 
“China is not the only authoritarian regime in the world but it is the wealthiest, strongest and technologically most advance. This makes Xi Jinping the most dangerous opponent of open societies. That’s why it’s so important to distinguish Xi Jinping’s policies from the aspirations of the Chinese people. The social credit system, if it became operational, would give Xi total control over the people. Since Xi is the most dangerous enemy of the open society, we must pin our hopes on the Chinese people, and especially on the business community and a political elite willing to uphold the Confucian tradition.” 
—in Georges Soros
NOTAS



  1. Este relatório anual do Observatorio Venezolano de Violencia dá bem a dimensão da crise política, social e humanitária desencadeada pela ditadura de Nicolás Maduro.

Atualizado em 28/1/2018, 13:05 WET

sábado, setembro 01, 2018

Lisboa > Vladivostok

Hillary Clinton exhales while testifying before the House Select Committee on Benghazi on October 22, 2015.
Photo: JOSHUA ROBERTS/REUTERS/Newsweek (cropped)

Lembram-se do que disse Putin quando veio a Portugal? Pois foi: uma Europa de Lisboa até Vladivostoque! Por alguma razão o TGV ficou no tinteiro :(
Relentless Russophobia is paired with supreme fear of a Russia-Germany rapprochement – as Bismarck wanted, and as Putin and Merkel recently hinted at. The supreme nightmare for the U.S. is, in fact, a truly Eurasian Beijing-Berlin-Moscow partnership. 
[...] 
The New Silk Roads were launched by Xi Jinping five years ago, in Astana (the Silk Road Economic Belt) and Jakarta (the Maritime Silk Road). It took Washington almost half a decade to come up with a response. And that amounts to an avalanche of sanctions and tariffs. Not good enough. 
[...] 
Were the European peninsula of Asia to fully integrate before mid-century – via high-speed rail, fiber optics, pipelines – into the heart of massive, sprawling Eurasia, it’s game over. No wonder Exceptionalistan elites are starting to get the feeling of a silk rope drawn ever so softly, squeezing their gentle throats.
— in Pepe Escobar, “Back in the (Great) Game: The Revenge of Eurasian Land Powers”
Consortiumnews, August 29, 2018

 

Este mapa que venho desenhando desde 2008 já teve mais 235 mil acessos.


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quinta-feira, setembro 17, 2015

Síria, uma crise fabricada

Aylan Kurdi. Ilustração @ Antimedia

Quem engendrou e quem quer lucrar com a crise dos refugiados?


O mais deprimente mesmo foi ver como o presidente da União das Misericórdias Portuguesas, e o veterano Rui Marques, e mais não sei quantos espertos da solidariedade saltaram imediatamente para a frente televisiva, cheios de ideias e compaixão pelos refugiados. Na realidade, o que estas criaturas piedosas não deixaram de ver em primeiro lugar foram os milhões de euros que a UE (9.000 euros por refugiado acolhido) e o governo português (aqui o montante não foi ainda anunciado) terão que desembolsar por causa desta crise, criada, em primeiro lugar, pelos belicistas americanos e israelitas, mas com o apoio sonâmbulo, desde o início da guerra civil na Síria, dos indigentes políticos que pusemos à frente dos destinos desta desmiolada Europa.

Não temos 308 governos municipais? Não temos 3.092 freguesias? Não temos centenas de edifícios escolares vazios, abandonados ou à venda? Não contam as nossas Forças Armadas com mais de 3.000 efetivos, boa parte dos quais em estado de prontidão operacional? Não existem várias unidades hospitalares no recém concentrado Hospital das Forças Armadas? Não sai tudo isto dos impostos que pagamos, e da sobre dívida que suportamos? Não é precisamente nestas ocasiões que o estado deve cumprir a sua missão com eficácia e brilho? Então porque é que se levantou o indecoroso circo da desgraça alheia e se escancararam os microfones aos profissionais da piedade remunerada?

A União Europeia está cercada de fogos postos pelos Estados Unidos e por Israel

A colonização americana da Europa ocidental está em pleno curso, por via da tentativa sistemática de destruição do euro, através das guerras artificiais implantadas no Iraque, Afeganistão, Líbia, Ucrânia, Síria, etc., das sanções e tensões artificiais envolvendo o Irão, África mediterrânica, África subsariana, e ainda por meio do grande abraço de urso que é a famosa Parceria Transatlântica (TTIP), de que a frota de empresas globais já desembarcadas na Europa é uma antecipação clara do que nos espera: Standard & Poor's (S&P), Moody's, Fitch, Google, Facebook, Twitter, Microsoft, Apple, Fox, Disney, Remax, Era, Century 21, ou a mais recente e escandalosa Uber!

Na realidade, o que está em curso é a preparação de uma nova divisão do mundo em duas metades: uma metade ocidental liderada pelos Estados Unidos, que inclui todo o continente americano, a Europa ocidental, incluindo a Finlândia, Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, Moldávia, Roménia e Turquia, a península da Arábia e todo o continente africano; e uma metade oriental, com vértice na China e na Rússia, e abrangendo um número indeterminado de países, de que se excluem, para já, o Japão e a Austrália...

A morte de Aylan Kurdi, que na realidade fugia do auto-proclamado Estado Islâmico (ISIS), e não de Bashar al-Assad, tal como a morte de tantos outros meninos e meninas parece, pois, um dos altos preços a pagar por um novo Tratado de Tordesilhas.

Presidente sírio acusa Ocidente de usar dois pesos e duas medidas sobre migrantes
AFP - Agence France-Presse/ Diário Pernambuco, Publicação: 17/09/2015 09:09 
Bashar Al-Assad afirmou que os países ocidentais choram pelos refugiados sírios ao mesmo tempo em que alimentam a guerra que os expulsa para o exílio

"É como se o Ocidente chorasse com um olho pelos refugiados e com o segundo mirasse neles com uma arma", declarou o chefe de Estado sírio, durante uma entrevista à imprensa russa, divulgada nesta quarta-feira.

"O Ocidente (...) apoia os terroristas desde o início da crise e (aponta a responsabilidade do que acontece) para o regime ou o presidente sírio", ressaltou em sua primeira reação à tragédia dos migrantes.

O regime de Damasco chama de "terroristas" todo os seus opositores: dissidentes políticos que escolheram a luta pacífica, rebeldes que pegaram em armas e os jihadistas, incluindo os do grupo Estado Islâmico (EI).

"Se a Europa está tão concentrada no futuro dos refugiados, deveria parar de apoiar o terrorismo", insistiu Assad. Muitos países europeus apoiam a oposição "moderada" a Assad, mas que lutam contra os jihadistas do EI.

Mais de 500 mil migrantes atravessaram as fronteiras da União Europeia entre janeiro e agosto deste ano, contra 280 mil em 2014, segundo a agência europeia Frontex.

Read This Before the Media Uses a Drowned Refugee Boy to Start Another War
Antimedia, Dan Sanchez. September 8, 2015

Warmongers in government and the media are perversely but predictably trying to conscript Aylan’s corpse into their march to escalation. They are contending that Aylan died because the West has not intervened against Syria’s dictator Bashar al-Assad, and that it must do so now to spare other children the same fate.

Um, no, Aylan’s family were Kurdish refugees from Kobani who had to flee that city when it was besieged, not by Assad, but by Assad’s enemy: ISIS.

And ISIS is running rampant in that part of Syria only because the US-led West and its regional allies have given them cover by supporting and arming the jihadist-dominated uprising against Assad.

The West has been intervening in Syria heavily since at least 2012. Indeed, it is Western intervention that has exacerbated and prolonged the conflict, which has now claimed a quarter of a million lives.

terça-feira, junho 16, 2015

O papel da Europa


A minha previsão


O novo Tratado de Tordesilhas (2.0) será desenhado à custa de guerras vicariantes (proxy wars) entre os Estados Unidos e o Japão, de um lado, e a China e a Rússia, do outro. A Europa, se a União Europeia não sair da letargia estratégica em que se encontra, poderá ver ressurgir profundas divisões entre os seus países. No entanto, se Merkel, Hollande e Juncker conseguirem atrair Cameron para um plano de reforço estratégico da Europa (uma ideia avançada pelo GEAB deste mês), as coisas poderão evoluir doutra maneira, possibilitando um declínio lento, mas pacífico, da hegemonia americana, e a emergência de um status quo equilibrado e duradouro entre o Ocidente e o Oriente.

União Europeia / Reino Unido / Estados Unidos – União, desintegração, reinvenção: A grande transformação sistémica do OcidenteGEAB, Junho 2015.
Nesta edição do GEAB a nossa equipa decidiu concentrar-se sobre as características [da] reorganização em curso em três actores do mundo Ocidental : a União Europeia, o Reino Unido e os Estados Unidos, três «uniões» políticas que terão impreterivelmente de se reinventar para se tornarem compatíveis com a ordem multipolar. Estimamos que esse processo de reinvenção está já em curso, colocando finalmente o Ocidente sobre a via da sua indispensável transformação sistémica.
Russia will take part in multinational navy drills in disputed South China Sea
Published time: May 30, 2015 20:27, Edited time: June 01, 2015 08:58/ RT

Speaking on Saturday in Singapore, Antonov announced Russia's planned participation in the May 2016 drills which have a focus on counter-terrorism and naval security.

Antonov also said he was concerned about stability in the region, naming the US as the main destabilizing factor. He said that Washington's policies have been aimed against Russia and China: "We are concerned by US policies in the region, especially since every day it becomes increasingly focused on a systemic containment of Russia and China."

Russia and Turkey agree on Turkish Stream onshore route

Published time: February 09, 2015 09:59/ Edited time: February 10, 2015 08:47, RT
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Gazprom and Turkey have agreed the general route for the onshore section of the Turkish Stream pipeline. The first line of the 180 kilometer pipeline is expected to be completed by December 2016, according to company CEO Aleksey Miller.


Putin: Russia to boost nuclear arsenal with 40 missiles

BBC, 16/6/2015

It is part of a wide-reaching programme to modernise the country's military.

The move comes after the US proposed increasing its military presence in Nato states in Eastern Europe.

Nato has condemned the Russian announcement, saying the move amounted to "nuclear sabre-rattling" and was "unjustified" and "dangerous".

Tensions are high over Russia's role in the conflict in eastern Ukraine.


Um novo excecionalismo... chinês

China Completes Island Construction, Will Now Build Military Facilities
Zero Hedge, Submitted by Tyler Durden on 06/16/2015 18:10 -0400.

China said it is shifting work on disputed South China Sea islets from the dredging of land to the construction of military and other facilities as it pushes forward with a program that has aggravated tensions with the U.S. and neighbors.

Analysts say the imminent end to China’s island-building work could signal a willingness to seek compromise with Washington and rival claimants in the South China Sea, even as it demonstrates Beijing’s ability to unilaterally dictate terms in the long-standing dispute.

“This is a step toward halting land reclamation, which the U.S. has demanded, and at the same time, China can tell its people that it has accomplished what it wanted to do,” said Huang Jing, an expert on Chinese foreign policy at the Lee Kuan Yew School of Public Policy in Singapore.

“China unilaterally started the land reclamation and now China is unilaterally stopping it,” Mr. Huang said. “China is showing that—as a major power—it can control escalation, that it has the initiative, and that it can do what it sees fit for its interests.”



Última atualização: 17/6/2015, 01:22 WET

segunda-feira, janeiro 26, 2015

Syriza coliga-se à direita

Panos Kammenos e Alexis Tsipras durante o encontro desta manhã, em Atenas. No final da reunião, o líder do partido Gregos Independentes confirmou a existência de um acordo para a formação de um Governo /  LEFTERIS PITARAKIS/AFP/Getty Images

Syriza coliga-se com partido anti-austeritário de direita


Este é o primeiro soco no estômago da esquerda macumbeira indígena. O atónito Costa, o manhoso PCP e os desmamados esquerdistas do Bloco de Migalhas, exultavam ontem, ainda que discretamente, com a vitória retumbante do albergue espanhol de extrema-esquerda a que chamaram Syriza.

Alexis Tsipras acaba de coligar-se à direita, depois de um discurso de vitória onde anunciou a fidelidade ao euro e reformas (não disse, mas serão obviamente estruturais) na Grécia, a par de um programa de renegociação da dívida num quadro europeu alargado de maior racionalidade, capacidade de decisão e solidariedade, que o BCE, aliás, teve o cuidado de antecipar na mesma semana, quando percebeu o resultado inevitável das eleições gregas, e futuramente das eleições espanholas e... francesas. Como dizem os chineses, perder a face é uma uma derrota inaceitável e tudo devemos fazer para evitá-lo.

O que se está a passar na Europa é mesmo a derrocada dos que conduziram o continente até à beira do precipício. Para estes não há, nem poderá haver, novas oportunidades!

A metamorfose dolorosa está a meio, falta ainda muita imaginação para eliminar os vícios e sobretudo a corrupção estrutural dos regimes democráticos capturados pela aliança espúrea entre o capitalismo pirata mais especulativo e a generalidade das burocracias partidárias que capturaram os estados e as instituições em benefício próprio. Não nos esqueçamos que o senhor Ricardo Salgado financiava a Fundação Mário Soares, tal como financiava anualmente a Festa do Ávante!

Esta vitória do Syrisa, e a coliçação esquerda-direita anunciada, vão ser de uma enorme importância para avaliarmos o que foi e é inevitável nos programas austeritários de redução do endividamento excessivo (e especulativo) dos governos, das empresas e das famílias, já realizados, e o que pode e deve mudar à luz de uma Europa menos dominada pelo pensamento quadrado da Alemanha.

A Grécia da nova coligação quente-e-fria vai ter que bater o pé ao BCE, à Alemanha e aos satélites desta na Europa. Para isto irá desencadear uma dinâmica de coesão estratégica no sul da Europa, da Albânia até Portugal, passando obviamente pela Itália, Espanha, e França. Curiosamente, contará com aliados imprevistos, como o Reino Unido, os Estados Unidos e sobretudo a Rússia. Esta quer acabar com a passagem do seu gás natural pela Ucrânia, deixando o país em cacos ao cuidado da senhora Merkel e respetivos sobrinhos, e quer passar a abastecer a Europa através, precisamente, da Grécia (ler Guerra e Gás, e Guerra e Gás 2).

A Alemanha, com a sua proverbial falta de sabedoria diplomática, estragou uma vez mais o seu sonho imperial. A Eurásia com capital em Berlim morreu. Se outra Eurásia houver, que russos, indianos e chineses desejam, voltará a estar centrada nas potências atlânticas e mediterrânicas da Europa ocidental, na Rússia e na.... China. Os Estados Unidos terão que se contentar, a prazo, com a nova divisão do mundo (a que venho chamando Tordesilhas 2.0)

Quanto a Portugal, já é tempo de aparecer uma nova força política que anuncie o fim da velha ordem.

Uma medida imediata para mudar este país: acabar com a profusão de carros oficiais, reduzindo para metade toda a despesa suportada pelos contribuintes com automóveis do Estado, autarquias e empresas públicas. Os políticos devem usar os transportes públicos, tal como a maioria dos cidadãos que os elegem. O exemplo vem, aliás, da China, que acaba de anunciar mais esta medida de necessária austeridade (CCTV, 26 jan 2015).

ÚLTIMA HORA

Sem maioria absoluta, Alexis Tsipras não perdeu tempo para encontrar o parceiro de coligação: Panos Kammenos e o seu partido conservador, nacionalista, anti-Troika e algo xenófobo, Gregos Independentes. O líder do Syriza já tomou posse como novo primeiro ministro da Grécia.

Em Portugal, uma coligação destas daria uma aberração do género: Bloco de Esquerda+MRPP+Nova Democracia (PND). Vai ser lindo observar o atónito Costa, o manhoso PCP e os desmamados esquerdistas do Bloco de Migalhas a comentar o pragmatismo, certamente ousado, de Alexis Tsipras!

Atualização: 26 jan 2015, 15:17 WET

sexta-feira, janeiro 16, 2015

Guerra e Gás (2)

O mapa geoestratégico do gás move-se rapidamente na Eurásia
(clicar para ampliar o mapa)

Syriza agradece a Obama e Putin!


A Guerra do Gás está ao rubro! A Rússia anunciou anteontem que desviará os gasodutos de abastecimento do seu gás à Europa para a Turquia, com entrada... pela Grécia!

O Syriza abriu ontem, seguramente, duas garrafas de Champagne — pois ganhou, de repente, dois aliados: Obama e Putin!

E agora? Quem irá pagar as despesas da Ucrânia?

A castanha rebentou ou vai rebentar em breve na boca da Alemanha. É o preço da gula e de não respeitar os interesses dos vizinhos: Rússia e Turquia, por um lado, o sul da União Europeia, por outro.

A Tratado de Tordesilhas 2.0 é a única alternativa a uma Terceira Guerra Mundial.

EurActiv: European Commission Vice President Maroš Šefčovič was told in Moscow Wednesday (14 January) that Russia would shift all its gas transit from Ukraine to Turkey, and that EU customers should buy this gas at the border with Greece.

According to press reports, Šefčovič, who visits Russia for the first time since he was appointed Commission Vice-President for the Energy Union, said he was “very surprised” by the Russian move.

Russia recently abandoned plans to build the South Stream gas pipeline via the Black Sea to Bulgaria, and blamed Sofia for having obstructed the project.

Uma das consequências da mudança de paradigma energético em curso é esta: dentro de poucos anos teremos os preços do petróleo indexados ao preço do gás natural, e não o inverso, como sempre sucedeu desde que o petróleo era a energia dominante. O barril do petróleo poderá muito bem estabilizar nos 40-60 dólares, ou até menos!

A produção de petróleo estagnou há muito, sendo que parte do aumento da produção registada se deve a outros produtos que não o crude (por exemplo, o GTL, e alguns refinados, etc.), bem como à incorporação de petróleo pesado e caro ao cômputo geral da produção. Se o preço do barril estabilizar abaixo dos 60 dólares, o mais provável é que muito do petróleo vendido no mercado de futuros jamais venha a ser produzido!

O tempo do gás natural e da eficiência chegaram. Tudo irá mudar, desde logo no mercados financeiros, onde a especulação generalizada das últimas décadas chegou ao fim.


POST SCRIPTUM

Green light for TAP, amber for hydrocarbon tenders.
ekathimerini, 3/2/2015 (23:08)


Atualização: 6/2/2015, 00:13 WET

sábado, outubro 25, 2014

Putin fez hoje um sério aviso à navegação mundial

Tordesilhas 2.0


Rússia e China preparam-se para guerra paulatinamente arquitetada pelos EUA em nome da hegemonia perdida

Financial Times, 24-10-2014
Putin unleashes fury at US ‘follies’

Russian president Vladimir Putin on Friday accused the US of undermining the post-Cold War world order, warning that without efforts to establish a new system of global governance the world could collapse into anarchy and chaos.

In one of his most anti-US speeches in 15 years as Russia’s most powerful politician, Mr Putin insisted allegations that its annexation of Crimea showed that it was trying to rebuild the Soviet empire were “groundless”. Russia had no intention of encroaching on the sovereignty of its neighbours, he insisted.

The Daily Beast, 28-04-2014
New U.S. Stealth Jet Can’t Hide From Russian Radar
America’s gazillion-dollar Joint Strike Fighter is supposed to go virtually unseen when flying over enemy turf. But that’s not how things are working out.

The F-35 Joint Strike Fighter—the jet that the Pentagon is counting on to be the stealthy future of its tactical aircraft—is having all sorts of shortcomings. But the most serious may be that the JSF is not, in fact, stealthy in the eyes of a growing number of Russian and Chinese radars. Nor is it particularly good at jamming enemy radar. Which means the Defense Department is committing hundreds of billions of dollars to a fighter that will need the help of specialized jamming aircraft that protect non-stealthy—“radar-shiny,” as some insiders call them—aircraft today.

A Rússia está de volta, recomenda-se e afirma que o Big Brother americano é um fator de risco para a paz mundial... e que o dólar americano já era. O sistema de segurança global está minado assegura Putin (TASS). Será que os alemães ouviram a mensagem, ou querem levar mais uma tareia, desta vez por andarem de cócoras e ao serviço dos falcões e piratas financeiros de Washington e Londres?

Bem fez Passos Coelho em exigir hoje em Bruxelas maior autonomia energética na Europa e o fim do bloqueio energético dos 'socialistas' franceses à ferrovia e capacidade de exportação energética da Ibéria.

A propósito, que diz o pascácio 'socialista' sobre isto? Vai convocar mais uma comissão de sábios indígenas para entreter o seu vazio de ideias e esconder o desempenho de uma agenda que não controla, mal conhece e lhe é servida a conta gotas por quem o colocou na posição em que está?

Portugal vai ser palco de uma disputa entre os Estados Unidos e a China, por causa do Atlântico e por causa da sua posição estratégica, nomeadamente em matéria de energia e transportes, face à Europa transibérica. Curiosamente os ditos 'socialstas' já estão no bolso de Washington.

Madrid também não augura nada de fiável em matéria de lucidez estratégica.

Quer queiramos quer não a atual aliança governativa é a que mais convém à nova neutralidade de que Portugal precisa para poder ter um papel diplomático na nova bipolariação geoestratégica que já está a caminho. Vai haver inevitavelmente um Tordesilhas 2.0. Resta saber se sem, ou com uma proliferação bélica estremamente perigosa provocada pela estratégia americana no mundo.

E os patriotas do PCP que pensam sobre isto?




POST SCRIPTUM

EUA ou China-Rússia?

Equidistância e neutralidade ativa (apesar de sermos membro fundador da NATO e de fazermos naturalmente parte desta aliança atlântica) é a posição que melhor serve os nossos interesses. Portugal deve posicionar-se como uma pequena mas importante Suíça diplomática, invocando as suas longas e pacíficas relações com o mundo. Devemos defender a paz entre as religiões do Livro.

Por outro lado, garantir os direitos territoriais na Plataforma Continental de Portugal, também conhecida por Mar Português, é a prioridade estratégica mais relevante que temos pela frente. Nisto a Rússia, a Dinamarca, o Canadá e os EUA são naturalmente nossos aliados. Nenhuma cedência a Madrid nesta matéria! Apesar do anedotário em volta do negócio dos submarinos, a verdade é que a sua compra foi uma decisão estratégica absolutamente certeira. A vigilância-defesa do Mar Português (radares, submarinos, corvetas, lanchas rápidas, forças especiais de intervenção e aviação dedicada) é uma prioridade absoluta, que tem que ser garantida sem hesitações nem carnavais partidários pelo meio, nem que tenhamos que reduzir a Assembleia da República a oitenta deputados, o número de municípios para menos de metade, retirar o estado das áreas educativas superiores não prioritárias (e são muitas), e colocar os deputados, mais 2/3 da população a usarem regularmente os transportes coletivos urbanos, suburbanos e interurbanos.

Devemos apostar na Diplomacia, mas sendo tão firmes quanto Salazar foi.

Temos que manter e fortalecer a aliança com a Inglaterra, estabelecida em 1386 pelo Tratado de Windsor. O centro do mundo continua a ser a Europa, ou melhor, a Eurásia, o resto são ex-colónias destinadas a implodir, mais século, menos século. Não aprenderam nada. Nunca morreram. Nunca ressuscitaram!

quarta-feira, abril 16, 2014

Tordesilhas 2.0



Coisas que estão em marcha e outras que deveriam, mas tardam...


  • Este mapa Google é uma carta onde tenho registado informações que ajudam a pensar o estado do mundo. 
  • A eurocidade Elvas-Badajoz é uma projeção de intenções que fazem sentido numa Península Ibérica em processo avançado de integração económica. Há até uma proposta de itinerário e metamorfose museológicos para a futura eurocidade.
  • As linhas cinzentas assinalam com razoável precisão a nova rede ferroviária de Alta Velocidade da Eurásia (que os Estados Unidos muito gostariam de sabotar).
  • As linhas azuis assinalam algumas das principais rotas intercontinentais do transporte do petróleo e outros recursos vitais.
  • A linha vermelha é uma linha de fratura geoestratégica em formação a que chamo Tordesilhas 2.0.