domingo, novembro 23, 2014

Este regime acabou



Sem uma terceira força parlamentar a gangrena continuará a crescer


Este regime, na realidade, já morreu. Falta tão só abrir os caixões e preparar o funeral. Serão as próximas eleições o momento certo do enterro, ou por urgência de higiene pública é forçoso acelerar os preparativos?

Esta deve ser a pergunta que Cavaco Silva, neste momento, faz a si próprio:
—se quero um novo Bloco Central (Passos Coelho-António Costa) para me salvar e salvar a honra do convento, então esta prisão do Sócrates veio atrapalhar tudo e quase todos. Antecipar eleições nestas circunstâncias poderia originar uma dinâmica explosiva de tumultos urbanos, dando por esta via razão aos milhões de portugueses que deixaram de votar no regime, mas que poderão estar disponíveis para eleger uma espécie de Podemos lusitano, o qual, na ocorrência, só poderá chamar-se António Marinho e Pinto e Partido Democrático Republicano (1);
— se, por outro lado, decido manter a data prevista das próximas Legislativas, dando cumprimento ao que diz a Constituição e as leis aplicáveis, não sei quem estará ainda de pé e livre para disputar as próximas eleições. O mais provável é que tanto o PSD, como o PS, já para não falar do PCP e do Bloco, percam no conjunto mais de um milhão de votos, e que o mar de abstenção se transforme num maremoto capaz de varrer de vez este regime. A menos que... apareça mesmo uma terceira força parlamentar com dimensão e jeito para compor o brinquedo da democracia num país a que escasseiam cada vez mais recursos económicos, financeiros e sobretudo morais para a manter.

O processo judicial abertamente escancarado com a prisão do ex-primeiro ministro José Sócrates, num país clubista, indigente, mal formado, corporativo e corrupto como o nosso é, ainda por cima falido, isto é, sem possibilidades objetivas de continuar a alimentar uma mole imensa de criaturas que nada produz e há décadas vive da redistribuição burocrática e partidária da riqueza confiscada a quem trabalha ou simplesmente juntou alguma poupança, ou que tem sido emprestada por credores externos, corre o risco sério de precipitar um súbito colapso do regime, em vez da sua metamorfose ordenada, na qual teriam que estar forçosamente previstas, por um lado, a substituição das gerações no poder político, económico e financeiro do país e, por outro, a alteração do xadrez parlamentar há muito acantonado entre a endogamia corrupta do Bloco Central (PS-PSD-CDS/PP) e a impotência sectária dos estalinistas e trotskistas que compõem o PCP e o dito Bloco de Esquerda.

Eu preferiria ver os movimentos da nova cidadania digital amadurecerem ao ponto de serem capazes de precipitar a criação de um novo Partido Democrata, lúcido, criativo, ponderado e decidido a mudar de alto a baixo a nossa democracia, preservando e aprofundando o seu legado positivo —a liberdade, a democracia e o estado de direito—, mas avançando rapidamente para um regime mais participativo, transparente e responsável.

Haverá tempo para uma reestruturação ordenada do regime?

O perigo de nos estamparmos numa curva apertada, que pode ser o modo como o caso de polícia com o antigo PM for conduzido, ou a crise instalada no Partido Socialista, ou as próximas Legislativas, é real.

A gangrena que atinge a nomenclatura do regime, a corja de rendeiros e devoristas que o conduziram à pré-bancarrota, é incurável. Só mesmo uma terceira força, que queremos mais democrática e transparente, poderá reconduzir as águas revoltas da nossa democracia a uma nova tranquilidade. Isto, claro, se os monstros corporativos da direita, que não deixaram de povoar o imaginário lusitano, não voltarem a despertar, uma vez mais, em desespero de causa.


POST SCRIPTUM

António Marinho e Pinto perdeu uma boa oportunidade para estar calado quando se pronunciou sobre a detenção de José Sócrates, arremetendo, como se ainda fosse Bastonário, contra Procuradores e Juízes. Quem decide, afinal, se os magistrados podem ou não ser 'humilhados' como José Sócrates? Não são os magistrados, pois não?

NOTAS
  1. Um partido em fase de legalização que tem sido reprimido pela imprensa indigente e desmiolada que temos, bem como pela corrupta indústria das sondagens que por aí anda e mente estatisticamente.

Atualização: 24 nov 2014, 20:56 WET

1 comentário:

JS disse...

"... Só mesmo uma terceira força,..."

Uma "...terceira força...", outro não escrutinável saco de gatos?.
Mais do mesmo?. Para quê?.

Porque não um grupo de 180 deputados,
eleitos uninominalmente escrutinados e fiscalizados pelo seu círculo eleitoral?.