Nenhum português deseja, quanto mais não seja por sentimento patriótico, ver a sua companhia aérea de sempre ir por água baixo. No entanto, o que aconteceu à Sabena, à Suiss Air e vai acontecer à Alitalia, demonstra que algo de profundamente drástico está a afectar o velho panorama das chamadas companhias de bandeira. Esse algo é o resultado inevitável de três tendências e dois constrangimentos muito fortes: por um lado, a globalização, o desenvolvimento da União Europeia e o crescimento económico acelerado dos BRIC (China, India, Rússia, Brasil, Emiratos Árabes Unidos, etc.); por outro, os efeitos do pico petrolífero, a par do colapso da moeda americana e da liquidez artificial nos mercados mundiais (1).
Os três primeiros fenómenos estão na origem do aumento exponencial e simultâneo da concorrência e da concentração capitalistas à escala global. O quarto factor, é sobretudo um constrangimento catastrófico cuja percepção empresarial e pública só agora começou a ter verdadeira importância psicológica e a afectar as decisões económicas. Finalmente, a queda do dólar e o rebentamento das bolhas financeiras estão a gerar inflação à escala global e uma vasta retracção do crédito disponível, apesar da chuva de dólares e euros com que a Reserva Federal e o Banco Central Europeu têm regado os aflitos bancos de ambos os lados do Atlântico. O colapso do mercado imobiliário dos Estados Unidos (Subprime) e da Europa foi apenas o prenúncio de algo muito mais grave para a economia mundial: o rebentamento iminente da bolha financeira, formada sobretudo no chamado mercado de derivados, através da congeminação dos mais variados estratagemas de criação de liquidez virtual e acumulação infinita de dívidas, com a interesseira ajuda do Japão, que através do chamado carry trade tem vindo a financiar as suas exportações com empréstimos a taxas de juro negativas ao resto do mundo, com especial destaque para os importadores americanos e europeus, ao mesmo tempo que estimulou toda a espécie de casinos especulativos em volta da compra e venda de divisas!
Todos estes factores, que são duradouros, podendo mesmo um deles --o pico petrolífero-- determinar a implosão geral das actuais filosofias de crescimento económico, conspiram, no que ao transporte aéreo diz respeito, na direcção da concentração e redução drástica do número de grandes operadores, com as consequentes falências e fusões. Por outro lado, haverá uma procura crescente de aeronaves cada vez maiores e mais eficientes do ponto de vista dos respectivos custos operacionais (nomeadamente energéticos). Nesta mesma lógica, as grandes cidades aeroportuárias darão progressivamente lugar a interfaces aeroportuárias muito mais leves e baratas (basicamente, duas pistas paralelas com 4,8Km de comprimento e 60 a 90 metros de largura, apoiadas por um aeroporto espartano mas bem servido por linhas férreas diversas (metropolitano e metro de superfície, comboios suburbanos) e autocarros eléctricos (trolleys ou movidos a motores eléctricos).
No caso português, a solução é óbvia: reformar inteligentemente a Portela (correndo previamente com as actuais administrações da TAP, ANA e NAER) e transformar, até 2010, a Base Aérea do Montijo, numa aerogare complementar da Portela, especializada nas companhias de baixo custo e no transporte de carga, devidamente servida por uma frota de autocarros e táxis eléctricos, além de novas e rápidas ligações fluviais ao Terreiro do Paço. É para isto que os fundos comunitários devem ser imediatamente reorientados (com aplauso seguro da Comissão Europeia e de todos nós!) Não precisamos de Alcochete! E não precisamos de uma nova travessia do rio Tejo a montante da actual Ponte 25 de Abril!
A anunciada aliança e possível fusão entre a American Airlines, a British Airways e a Ibéria é um sinal de alarme que soou com força. As causas de semelhante cenário foram já explicadas. Mas face ao timing da coisa, e sabendo-se como se sabe que os prejuízos da TAP não pararão de subir até ao fim deste ano e nos anos que se seguem, pois o petróleo poderá chegar aos 500 USD pb antes de 2013, ou mesmo em 2011 (ler artigo anterior), a crise da TAP entrou numa fase pré-comatosa. A anúncio de uma greve para o próximo dia 19 de Julho, a par do discurso errático de Fernando Pinto e da hesitação governamental, que tenderão a congelar os problemas até às próximas legislativas, prenunciam um fim súbito e feio para a TAP.
A tríade de Macau persiste na sua inglória tentativa de arruinar o país, envolvendo-o em grandes obras inúteis, para as quais não tem dinheiro. A tríade pressiona assim o gaúcho da TAP para que continue a pôr no ar aviões vazios (i.e. com passenger load factors a roçar ou mesmo abaixo dos 50%), perdendo cada vez mais dinheiro, só para segurar alguns Landing Slots que as Low Cost estão mortinhas por comprar. Isto mostra até onde pode chegar a mentira, a contra-informação e o comportamento corrupto da tríade de Macau na sua tentativa canina de bem servir os tubarões para quem trabalha e de onde recebe as gratificações suficientes para não ter que andar de Metro. Só que a sua vã tentativa de demonstrar a saturação da Portela chegou ao fim, a partir do momento em que a blogosfera conseguiu levar o caso à janela televisiva. Conseguimos travar a Ota, e conseguiremos travar o fecho da Portela!
Mas conduzir os políticos profissionais até soluções ponderadas e sábias no que se refere ao sistema de transportes e mobilidade, não resolve por si só o problema sério da TAP.
A TAP não tem nenhuma possibilidade de sobreviver como está. Quer dizer, com tantos trabalhadores quanto a easyJet, a Ryanair e a Air Berlin juntas, mas prestando menos de um décimo do serviço que aquelas três companhias juntas prestam, a TAP é pura e simplesmente inviável. Por outro lado, na Europa não tem nenhuma possibilidade de competir com os preços das companhias de baixo custo, que já ocupam em força os mercados de Faro e Porto, e se preparam para tomar em breve conta das rotas de Lisboa e Funchal. Por fim, no que se refere às rotas de longo curso (África e Brasil), nada garante a sua sobrevivência, antes pelo contrário. A nova aliança entre a American Arlines, a British Airways e a Ibéria atacará mais cedo ou mais tarde estes nichos da TAP. Até as Low Cost, nomeadamente a Ryanair, já anunciaram que vão competir, com toda a agressividade de que são capazes, no mercado de longo curso, sobretudo nas rotas atlânticas -- Ryanair Long-haul flights have "blowjobs" included!
Uma parte da blogosfera, onde me incluo, acredita que só uma solução combinada entre uma boa decisão sobre a infraestrutura aeroportuária e uma boa decisão sobre o futuro da TAP poderá salvar a companhia portuguesa dum naufrágio vergonhoso.
Sobre o aeroporto, a solução defendida há muito, a que a actual crise petrolífera veio dar mais razão, passa por manter o Aeroporto da Portela (renovado e com novas administrações) e activar a Base Aérea do Montijo para as Low Cost e cargueiros aéreos.
Sobre a TAP, a solução não passa por segmentar internamente a oferta, de que o novo programa "Liberdade de Escolha -- Um Voo, Cinco Formas de Viajar" é exemplo condenado ao fracasso, mas sim por segmentar a companhia!
A TAP poderia subdividir-se em três companhias, abarcadas embora pelo mesmo grupo: TAP Eurásia, TAP África e TAP Américas. A primeira, seria uma companhia Low Cost típica, e as outras duas, companhias Low Cost intercontinentais com sofisticadas e generosas classes executivas. Esta solução exige porém decisões difíceis: por um lado, a busca de fortes parceiros financeiros nos três continentes referidos (Eurásia, África e Américas); por outro, uma reestruturação de alto a baixo do actual grupo, começando por dispensar todos os administradores que nada fazem a não ser cobrar ordenados escandalosos e mordomias indecorosas. Em vez de despedimentos de pessoal, o que terá que haver, para sermos justos, usando parte da necessária injecção de liquidez, são reformas antecipadas e reciclagem profissional exigente. Por fim, o que não faz parte do negócio principal deverá ser alienado.
Estará a TAP preparada para a metamorfose que a salvará da implosão à vista?
Receio bem que não. E apenas por uma única causa: a inexistência de um ambiente favorável à cooperação.
A democracia actual não passa de uma plutocracia assistida por mecanismos democráticos corrompidos, onde predominam burocratas representando minorias activas --corporações empresariais, profissionais, universitárias e sindicais-- e a burocracia de Estado. A democracia transformou-se há muito num teatro de sombras adversativas (adversariais), onde a análise e resolução dos problemas dão lugar invariavelmente às arenas políticas dos jogos de retórica. Ninguém olha ninguém nos olhos e diz ao que vem. Limitam-se, estas ridículas e infecciosas criaturas da democracia contemporânea, a repetir os seus terços e a comprar votos com dinheiro falso. Daí o bloqueio geral provocado pelo diálogo de surdos em que se transformaram os regimes democráticos em que votamos cada vez menos. Daí o meu receio sobre a capacidade de a TAP resolver o seu problema, que é em primeiro lugar um problema de todos aqueles que trabalham nesta empresa, da mais mal paga telefonista ao administrador-executivo. Na realidade, só depois vêm os governos, os políticos, os clientes e os eleitores. Mas serão eles capazes de perceber e aceitar esta verdade?
A primeira condição para chegar a uma verdadeira plataforma colaborativa para a resolução do impasse da TAP, é sentar, sem hierarquia, nem preconceitos, duas pessoas sorteadas entre cada um dos sectores e departamentos da empresa (incluindo os sindicatos, a administração e o departamento jurídico.) Nessa assembleia as pessoas, sentadas aleatoriamente à volta de uma grande mesa, deveriam usar da palavra --olhos nos olhos-- de forma rotativa e sequencial. Cada pessoa deveria começar por identificar-se, explicar o que faz na empresa, o que espera dela, e quais os prejuízos que um eventual fecho da mesma, ou o seu despedimento, causariam à sua pessoa e às pessoas que lhe são próximas. O essencial é que cada um falasse verdade, sem medo das consequências que as suas palavras, por mais duras que fossem, viessem a ter sobre qualquer um dos participantes. Se esta assembleia algum dia acontecesse, tenho a certeza que um grande e comovedor silêncio se seguiria ao fim da primeira rodada de intervenções. Passado o momento de comoção e o intervalo para café, seguir-se-ia uma segunda ronda de intervenções sequenciais, desta vez sobre o tipo de metamorfose por que a TAP teria que passar para se salvar como empresa, sem violentar irremediavelmente as expectativas e os direitos de quem nela trabalha. A agitação entre os presentes atingiria certamente aqui um dos seus mais elevados e dramáticos picos psicológicos. Tempo para novo intervalo. A terceira parte desta convenção seria dedicada a unificar os pontos de acordo numa declaração conjunta dirigida a todos os membros da empresa. De algum modo, esta iniciativa elevaria os patamares de análise dos problemas e de decisão para níveis nunca antes imaginados. Em vez de negociação e confronto, caminhar-se-ia então para uma solução razoável pela via de uma cooperação tendo em vista harmonizar os interesses de cada um e a sobrevivência da TAP. Parece utopia, mas não é! E mais: ninguém se atreveria a travar tal dinâmica, uma vez começada.
ÚLTIMA HORA
- TAP anuncia suspensão de 61 frequências semanais de voos a partir de Outubro, i.e. depois da época alta (ver mapa dos cancelamentos). O inesperado da decisão é a mesma abranger, não apenas e como era esperado pela blogosfera, os voos internos e para o resto da União Europeia, por absoluta incapacidade de competir com as Low Cost (só nas pontes aéreas entre Lisboa e Madrid serão anuladas 7 frequências, o mesmo ocorrendo com a ligação Lisboa-Barcelona), mas já e também, os voos transatlânticos para o Brasil e os Estados Unidos!
O crescimento anunciado de voos para África é uma fraca compensação para as perdas pesadas que se anunciam depois de iniciado o declive das prestações da TAP no médio curso. Como opina quem sabe, a diminuição das frequências de voo numa dada rota costuma ser o prelúdio do seu abandono a curto prazo. Muitos dos voos europeus da TAP servem sobretudo ligações entre o Brasil e a Europa. Logo, se abrandar o trânsito entre Portugal e o Brasil, e diminuir ao mesmo tempo o vai-e-vem dos brasileiros entre o seu país e a Europa, a principal mina de ouro da TAP secará inexoravelmente. Seja porque atingimos o limite do endividamento, porque os cartões de crédito vão começar a doer, ou porque os pacotes turísticos financiados sabe-se lá como, ou por quem, têm os dias contados, a verdade é que a recessão mundial será para todos! A ponte africana jamais poderá cobrir as perdas da ponte brasileira, até porque os controlos europeus sobre a imigração vão apertar e muito! A TAP caminha rapidamente, como temos vindo a alertar, para uma encruzilhada fatal! De nada vale, governo e sindicatos, meterem a cabeça na areia. Quanto mais tardarem a pensar seriamente na situação, e decidirem assumir uma estratégia para a crise, pior. - Rui Rodrigues revelou no Público de 08JUL2008 (ver PDF) mais um claro exemplo da má gestão praticadas pela ANA e pela TAP no uso (ir)racional da Portela. Desta vez, depois de ter sido demonstrado em trabalho anterior a mentira da falta de Slots, fica-se a saber que a TAP praticamente não usa as mangas do aeroporto de que é a principal companhia, obrigando passageiros e bagagens a viagens penosas, morosas e absurdas entre a nova placa de estacionamento dos aviões e a gare do aeroporto. Mais uma decisão que não será tola de todo, porque teve e tem um objectivo: demonstrar o indemonstrável esgotamento da Portela.
A pressão do petróleo vai continuar alta até, pelo menos, 2013, segundo afirmou o director executivo da Agência Internacional de Energia (7-7-2008, IEA). Haverá milhares de despedimentos na indústria aeronáutica e algumas companhias irão falir até lá. A União Europeia irá impor novas restrições e taxas aos produtores de CO2, com especial destaque para a aviação comercial e respectivos passageiros. Ou seja, até 2013, haverá uma diminuição dos voos e do número de viajantes partindo e chegando à Portela. Nunca a tão apregoada saturação do aeroporto de Lisboa!
NOTAS
- Sobre a dimensão da crise financeira em curso vale a pena ler os dois artigos a seguir citados, publicados pela insuspeita Bloomberg:
European Banks May Need EU90 Billion, Goldman Says
By Alexis Xydias and Ambereen Choudhury
July 4 (Bloomberg) -- European banks may need to raise as much as 90 billion euros ($141 billion) to restore their capital after the U.S. subprime mortgage collapse caused credit markets to seize up, according to Goldman Sachs Group Inc.
... The European banks Goldman tracks have lost $900 billion of their market value since the credit crisis began last year. Anshu Jain, head of global markets at Deutsche Bank AG, said this week that that contagion is "by no means over," and Europe's banks have lagged behind the U.S. in raising money from investors.
... Goldman's analysts said in their report that "access to liquidity, capital adequacy and post-crisis profitability are the key areas of near to medium-term uncertainty" for European banks.
Global financial stocks have led declines that wiped about $11 trillion from equity markets worldwide this year. Credit-related losses, surging oil prices and rising inflation have also stoked concern policy makers will have to raise borrowing costs as the global economy slows.
LBO Defaults May Rise as About $500 Billion Comes Due
By Neil Unmack
July 4 (Bloomberg) -- Leveraged-buyout loan defaults may be "significantly higher" than ratings companies' estimates as about $500 billion of debt used to fund the takeovers comes due, the Bank for International Settlements said.
Companies bought by private-equity firms worldwide must repay the high-risk, high-yield loans and bonds by 2010, the Basel, Switzerland-based bank said in a report today, citing Fitch Ratings data. They may find it hard to raise the cash because of a slump in demand for collateralized debt obligations that pool the loans, BIS said.
OAM 387 05-07-2008, 17:17