sábado, março 14, 2009

Republica Electronica 2

Perceber o rizoma social

A primeira constatação que me leva a considerar mais seriamente a possibilidade e utilidade de se promover um movimento electrónico de opinião e pressão política é o estado terminal em que se encontra o sistema partidário português. A desorientação é completa. O oportunismo dos partidos e organizações corporativas (sindicatos e associações patronais) salta à vista. A corrupção perdeu a vergonha. Em suma, caminhamos para um perigoso colapso constitucional, sob o peso de uma dívida externa insuportável e a ameaça de pilhagem do que ainda resta da riqueza nacional, pelos muitos piratas à solta, num país sem rei nem roque, onde a justiça não passa de anedota.

Não creio, porém, que devamos copiar a filosofia e a arquitectura do sistema constitucional em vigor para a Internet. O problema da criação duma República Electrónica, ou de uma Democracia Virtual (qualquer destas designações me parece oportuna), não reside na desmaterialização dos vícios existentes, mas antes na descoberta de uma forma nova de perceber a vontade esclarecida dos povos e os interesses estratégicos de cada território ou rede de cidadania.

Daí que a solução exija sobretudo um esforço preliminar de conceptualização, e o recurso a estratégias computacionais de compilação e representação simbólica das complexas redes ideológicas e de vontade que formam o tecido social pós-contemporâneo.

Deveríamos, pois, começar pela elaboração de um mapa interactivo da blogosfera política e social portuguesa.

Se lá chegarmos, poderemos então criar um conjunto de filtros, algoritmos e formulários, com a missão de plasmar, visual e conceptualmente, as diferentes maiorias democráticas dinâmicas face aos temas importantes da vida colectiva.

Ou seja, ao contrário das hierarquias e compromissos típicos dos partidos políticos que regem a nossa república, teremos que descobrir o caminho para uma democracia automática, não coerciva, inteligente, e onde a energia das redes e a transparência cibernética substituam a manha do cacique, bem como a corrupção endémica associada à perversão burocrática que usurpou a democracia portuguesa.


Post scriptum — Acabo de conhecer o trabalho e linhas de investigação de Manuel Lima. Recentemente nomeado pela revista americana Creativity como "uma das 50 mentes mais criativas e influentes de 2009" (ler artigo sobre a nomeação), Manuel Lima é Interaction Designer, investigador e fundador de VisualComplexity.com: A visual exploration in mapping complex networks. Um dos seus projectos mais interesantes, dedicado a Portugal, chama-se Formas de Portugal. Quando falo de Democracia Virtual, estou nomeadamente a referir-me a este tipo de estratégias de cidadania baseadas no poder do conhecimento.

Ao contrário da pobreza franciscana da maioria dos sítios web institucionais do nosso país, e da pseudo independente Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos — CADA, criada em 2007, dois anos depois do prazo limite de transposição da directiva comunitária de 2003 e já com um processo do Tribunal Europeu de Justiça em cima, onde nem o sector privado, nem os consumidores, se encontram representados, como deviam, de acordo com o espírito da directiva comunitária sobre o Public Sector Information - PSI (Quick Guide - PDF), o projecto de Manuel Lima é um bom exemplo do tipo de resposta positiva que a cidadania criativa pode dar, contornando sem grande atrito a incompetência pública alimentada pelos esquemas manhosos do poder. No caso da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos — CADA, engendrado pelo Bloco Central.

"A informação pública em Portugal é de livre acesso a qualquer cidadão, no entanto está na sua maioria dispersa em longas tabelas estatísticas que dificilmente permitem o reconhecimento de padrões congruentes. Quando analisados pelos media tradicionais, que para uma grande maioria da população é o principal - senão o único - meio de acesso aos dados, estes são utilizados apenas para reforçar determinado argumento que nem sempre corresponde ao mais relevante para o domínio público. Neste sentido, é imperativo que a vasta informação pública seja filtrada e apresentada segundo um conjunto de perguntas e respostas que conduzam ao saber. Compreender a informação e transformá-la em conhecimento é uma inabalável forma de poder. E é este o principal objectivo de Formas de Portugal." — Manuel Lima.

REFERÊNCIAS

OAM 556 14-03-2009 17:20 (última actualização: 20:27)

Manif 1

Manif, 13 mar 2009. Foto: Miguel A. Lopes/LUSA

A desgraça das burocracias sindicais

A manifestação (manif) de Sexta Feira 13, do mês de Março de 2009, tal como algumas das concentrações e manifs de professores do ano passado, foram animadas e politicamente controladas pelo PCP, através do seu braço sindical, a CGTP. A panela da pressão social não se cansa, de facto, de apitar, e há portanto que canalizar a tensão para algum lado. A corrompida UGT, que não passa de um fantasma de circunstância, aninhada como sempre esteve, aos pés do governo de turno, não tem pedalada para lidar com a crise de regime que aí vem. Já o PCP-Intersindical, mesmo sem saber para onde tudo isto pode ir, tem um catecismo antigo por onde se guiar. E fá-lo sempre que as circunstâncias ou proximidade eleitoral o exigem. Resta saber para quê... dada a dimensão sistémica da crise e a falta alarmante de soluções programáticas por parte da totalidade dos actores políticos em presença.

As manifs são uma forma de catarse colectiva. Mas desta forma de catarse nasce invariavelmente uma consciência de classe mais nítida e sobretudo uma percepção partilhada dos problemas e das dificuldades. À medida que a crise das falências empresariais, familiares e pessoais alastra e o desemprego expulsa indistintamente gestores, trabalhadores liberais e operários dos seus empregos, as manifs irão engrossar — na busca de irmandade, mas também na expectativa de uma luz ao fim do túnel da depressão para onde a Europa e a América caminham a passos largos. Até mesmo a classe média, em vias de extinção, desesperada, que por enquanto vai enterrando os cabedais ainda disponíveis, em psicólogos, psiquiatras e gurus da MT, não tardará a engrossar o novo ciclo de manifs que hoje começou. E quando tal ocorrer, o radicalismo das acções de rua ganhará outra dimensão retórica e programática.

Quando os jornalistas despedidos da SIC, do Diário de Notícias, etc., e os engenheiros despedidos da Mota-Engil, da Teixeira Duarte, etc, e os bancários e gestores despedidos do BCP, do BPN, etc., já para não falar do exército de arquitectos, advogados e economistas que verão encolher dramaticamente as suas possibilidades de emprego ao longo dos próximos anos, ou décadas, então as manifs deixarão de ser uma alavanca oportunista do PCP —partido envelhecido, sem ideias e tão agarrado ao actual regime como qualquer outro partido com assento parlamentar. Quando aí chegarmos, o poder que estiver terá realmente motivos para se preocupar com o seu futuro e com o futuro da nomenclatura de que é parte.

O actual regime democrático corrompeu-se e isso está cada vez mais à vista de todos. Como se a corrupção não fosse em si mesma razão que baste para uma revolução, acresce que estamos economicamente como estava o meu avô republicano nas vésperas do 5 de Outubro de 1910 — isto é, à beira da ruína! A ilusão de que poderemos escapar airosamente da delapidação do património e da poupança em que embarcamos todos nos últimos vinte anos, porque temos o Euro, é uma das tais ideias peregrinas que só pode ter mesmo vindo dum desses economistas que acordaram há menos de um mês para a gravidade da nossa dívida externa: 200% do PIB e não 100% como ainda continuam a balbuciar (1)

É preciso uma grande imaginação para encontrar soluções. A demagogia persistente das esquerdas burocráticas (PCP e BE) não serve. A solução, pelo menos provisória, está na explosão dos dois principais partidos do Bloco Central: o PS e o PPD/PSD. E está também na emergência de um rizoma de cidadania democrática pro-activa, inteligente e tecnologicamente avançada. Chegou provavelmente a hora de tecer uma Democracia Virtual em rede, plural, dialógica, solidária, humanista, realista e criativa.


NOTAS
  1. A maioria, se não mesmo a totalidade dos economistas portugueses, tem a mania de olhar apenas para aquilo que se chama a Dívida Externa Líquida (i.e. a diferença entre o que devemos e o que nos devem), quando o número para que temos realmente que olhar é o da Dívida Externa Bruta (i.e. aquilo que estamos a dever ao estrangeiro independentemente daquilo que eles nos devem). Se por acaso quem nos deve não paga, isso não alivia em nada as nossas dívidas. Como bem sabemos todos!

OAM 555 14-03-2009 00:57

sexta-feira, março 13, 2009

Energia 4

Mexia para a rua, já!

Contas da EDP levam auditor a demitir-se

Público - 13.03.2009, Cristina Ferreira e Ana Brito

Vítor Franco saiu contra as regras contabilísticas utilizadas pela EDP nas contas de 2008. A CMVM está a acompanhar o assunto

Na origem da demissão, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, estão divergências de fundo quanto o modo como a operadora registou nas contas de 2008 os ganhos de 405 milhões de euros obtidos com a dispersão em bolsa de 25 por cento do capital das EDP Renováveis, em Junho do ano passado.

Aquele montante foi contabilizado como "ganho na alienação de activos financeiros" e, por isso, foi incorporado nos resultados líquidos do ano passado, que atingiram o montante recorde de 1091,9 milhões de euros.

Esta opção é contestada pelo facto de a EDP Renováveis ser uma empresa estratégica, onde a EDP possui o controlo do capital. Por isso, e porque a operação de dispersão em bolsa foi feita através de um aumento de capital com um prémio de emissão de acções (que foram vendidas acima do seu valor nominal), esta linha defende que aquele montante deveria ter sido contabilizado nos capitais próprios, sem reflexo nos lucros do ano. As acções da EDP Renováveis foram vendidas a oito euros cada uma, contra um valor nominal de cinco euros.

Este critério contabilístico faria descer os lucros dos 1091,9 milhões de euros apresentados para 686,9 milhões. Neste caso, Mexia teria apresentado uma queda de 24 por cento.

A EDP vende os anéis, mais concretamente, 1/4 da EDP Renováveis, e aldraba os balanços com retórica contabilística.
  • Objectivo 1: esconder o óbvio, i.e. que a rentabilidade efectiva da empresa, apesar das ventoinhas espalhadas pelo país (ou precisamente por causa delas!) é menor do que o prometido ou espectável;
  • Objectivo 2: esconder do mercado accionista a situação real da empresa, não reflectindo devidamente o significado da venda de 25% da EDP-R: nos próximos anos a receita extraordinária da dispersão em bolsa da EDP-R, já não se registará... (o esquema das receitas extraordinárias à custa do património tornou-se aliás uma tradição desde que Manuela Ferreira Leite foi ministra das finanças);
  • Objectivo 3: proporcionar lautos vencimentos aos administradores de uma empresa estratégica nacional, onde o Estado é accionista — mas onde deveria voltar a ser o principal e maioritário accionista, contra os falhados neoliberais de Bruxelas!
Eu escrevi já várias vezes sobre este tema, sem saber, claro, da engenharia financeira barata em curso. Volto a repetir: a EDP quer construir 10 novas barragens para:
  1. disfarçar o fiasco da produtividade prometida das eólicas, pondo as eólicas a trabalhar para as barragens e estas, por sua vez, a cobrir o défice produtivo das ventoinhas;
  2. confiscar paulatinamente as bacias hidrográficas do país (Douro, Tejo, Guadiana, Mondego, Vouga, etc.) e controlar o acesso à preciosa água potável dos rios!!
Este escândalo contabilístico é muito mais importante do que parece. E mereceria uma boa agitação parlamentar, se os partidos que temos e a respectiva clientela não formassem, como formam, uma burocracia indolente e corrupta. O Louçã e o Vasco Pulido Valente escandalizam-se com o cleptómano José Eduardo dos Santos, presidente de Angola, mas nunca os ouvi falar seriamente desse escândalo maior que é termos em funções um primeiro ministro suspeito das maiores trafulhices e ilegalidades que dão cadeia — apesar de o prazo de validade do pinóquio da tríade de Macau já ter terminado! O Louçã, ainda vá, que não sabe nada da história de Portugal, e sempre teve um raciocínio quadrado, agora o Vasco, caramba! Então o homem não é historiador? Ou também é daqueles que escreve história ao sabor de quem o protege?

O PSD das PME e das Autarquias tem aqui uma excelente oportunidade para mostrar o que vale. Mas tem que fazê-lo a partir da sua actual direcção, pois os autarcas das populações atingidas pelo assalto planeado pela EDP estão virtualmente todos comprados.


Referências neste blogue:


OAM 554 13-03-2009 23:06

quarta-feira, março 11, 2009

Portugal 91

Manuel Alegre ou decide ou desaparece

Se avançar já, tem hipóteses de federar uma nova esquerda responsável (coisa que o Bloco não é); se deixar apodrecer a situação, restar-lhe-à o triste caixote do lixo da História.

Partido Socialista
Carlos Candal: “Não é pensável que o Manuel Alegre faça o que tem feito sem levar um chuto"
11.03.2009 - 10h44 PÚBLICO
O ex-deputado socialista Carlos Candal defendeu em declarações ao Rádio Clube Português (RCP) que o Partido Socialista deveria avançar com um processo disciplinar contra Manuel Alegre. “Não é pensável que o Manuel Alegre faça o que tem feito, e continue a fazer, sem levar um chuto”, disse Candal.

Partido Socialista
Santos Silva sugere saída de Alegre das listas de deputados
11.03.2009 - 08h00 :, Leonete Botelho e Nuno Simas PÚBLICO
Augusto Santos Silva parece ter ontem quebrado o tabu sobre se Manuel Alegre vai ou não ser candidato a deputado nas listas do PS. Tentando não comentar a entrevista do histórico socialista ao "Expresso" porque se trata de "questões que estão resolvidas", o ministro dos Assuntos Parlamentares explicou o que quer dizer: "Se eu não concordar com o programa eleitoral do PS, não me candidato a deputado. Se não concordar com a declaração de princípios do PS, não estou lá a fazer nada", afirmou no debate Cara a Cara, da TVI24.

O PS, em nome da mitigação dos próximos desastres eleitorais, tomou uma decisão: correr com Manuel Alegre. Tem todos os motivos formais para o fazer, e a conveniência é muita.

Se Alegre cindir, formará seguramente um novo partido para concorrer às próximas eleições.

Neste caso, o eleitorado que agora pensa votar nos eternos juvenis do Bloco de Esquerda, como protesto contra os piratas neoliberais que sequestraram o Partido Socialista, transformando-o num autêntico partido da grande burguesia compradora e burocrática lusitana, partir-se-à ao meio: uma metade vai para Louçã, e outra para Alegre. Se isto acontecer, o PS sem maioria absoluta que sair das próximas legislativas terá argumentos de sobra para forçar um novo Bloco Central... com o próximo líder do PSD, o neoliberal imberbe Pedro Passos Coelho — deixando as velhas esquerdas a berrar no deserto.

Resumindo e concluindo, o ponto de ruptura da actual situação política chama-se Manuel Alegre.

E o mais importante agora são os tempos de decisão. Se Manuel Alegre decidir já, poderá federar uma vasta sensibilidade da esquerda realista portuguesa para a utopia de uma renovação democrática do regime. É não apenas um sonho por que vale a pena lutar, mas sobretudo a única saída para a continuidade do actual regime democrático, antes de uma alternativa presidencialista a la française.

Se, ao contrário, continuar a hesitar, e decidir tarde de mais (por exemplo, depois das eleições europeias), o tal eleitorado da esquerda realista partir-se-à ao meio, ou inclinar-se-à mesmo mais para Louçã, do que para um retardatário hesitante, sobre o qual pairará então a sombra do oportunismo pessoal.

O tempo da decisão é agora, e não daqui a três meses, como preferem os estrategas do PS.

A hipótese de Manuel Alegre hibernar até que passe o ciclo eleitoral, com a eventual ilusão de poder então capitalizar os descontentes no interior do partido, e eleger um sucessor de Sócrates que ponha em causa a tríade de Macau, é um passo muito arriscado. A verdade é que este PS se transformou num partido do BES, do BCP e da Mota-Engil, e nada fará mudar a sua nova natureza tão cedo. O PSD, por sua vez, está a redefinir-se como um partido das PMEs e das autarquias — caminho muito rentável, política e eleitoralmente, se o souber fazer com audácia e muita criatividade. A esquerda actual, no contexto da gravíssima crise em curso, não tem soluções — apesar de atrair eleitores desiludidos.

O PCP não passa dum cadáver estalinista adiado, sem qualquer possibilidade de imaginar o futuro. Estão agarrados à burocracia que controlam, dependem do voto senil, e daí não saem.

O Bloco de Esquerda, depois das posições assumidas recentemente sobre a NATO e sobre Angola, confirma à saciedade a sua incorrigível imaturidade política e radicalismo saloio. Nada farão para além de se digladiarem por lugares e correr atrás do tumulto.

E no entanto há um grande eleitorado de esquerda, de uma esquerda inteligente e realista, que não sabe onde votar, ou mesmo se deve votar. Formas mais espontâneas, criativas e realistas de democracia em rede estão a nascer na infoesfera. Se Alegre matar a possibilidade de surgimento de um novo partido democrático com efectivo potencial de acção, a alternativa que nos resta é começar rapidamente a construir uma autêntica Democracia Virtual, cuja vitalidade e sentido de responsabilidade global conduza ao nascimento de novas formas de poder democrático efectivo, capazes de substituir a tempo o moribundo regime que actualmente conduz o país para a fossa.


Post scriptum — O Bloco de Esquerda (BE) tem uma deficiência genética impossível de ultrapassar: nasceu com um corpo medieval dividido entre três estalinistas, de famílias diferentes, e um líder trotsquista. Embora sejam notáveis os esforços de moderação por parte de Francisco Louçã, já da parte dos seus correlegionários estalinistas sobra o disparate e a arteriosclerose ideológica. Nesta configuração, a previsível subida eleitoral do BE terá seguramente a vantagem de retirar a maioria absoluta ao PS. Mas que não se iludam os velhos juvenis do Bloco: não são eles que atraem os votos, mas antes uma parte do eleitorado PS que ali se refugia temporária e tacticamente, para impedir —por qualquer meio— a renovação da actual maioria absoluta.

Assim sendo, se Manuel Alegre decidir abandonar o PS antes das eleições europeias, arrastando consigo muita gente socialista descontente com o take over do PS por uma tríade de piratas neoliberais e cínicos, o Bloco seria imediatamente confrontado com uma crise interna.

Os ex-maoistas são pouco dados à subtileza, e por conseguinte jamais aceitariam a integração do BE num projecto maior, partilhado com Alegre. Mas o partido do poeta —se vier a existir— exerceria uma pressão formidável sobre o BE à medida que as sondagens fossem revelando a transferência do voto inteligente para a nova esperança socialista. E aí, por uma espécie de atracção electrónica irresistível, haveria grande probabilidade de Francisco Louçã (nomeadamente por causa de todo o historial da IV Internacional) propor uma fusão do Bloco com o então emergente Partido Socialista Reconstruído. Haveria pois duas cisões e a formação de uma nova estrela no moribundo universo partidário a que chegámos. Como há muito prevejo, esta recomposição do Centro-Esquerda provocaria a precipitação da crise larvar do PSD, conduzindo mais cedo ou mais tarde a uma recomposição do Centro-Direita.

Manuel Alegre, pense bem!


OAM 553 11-03-2009 13:35 (última actualização: 12-03-2008 01:41)

terça-feira, março 10, 2009

Portugal 90

Este governo vai ser réu
Medina Carreira propõe presidencialismo para superar as "casas de meninas" da democracia, i.e. os partidos políticos. PS e PSD não são mais do que bancos alimentares — sugeriu.



O gráfico de Medina Carreira, feito a partir de números do respeitado economista José Silva Lopes, sobre a evolução do PIB português desde 1900 até hoje, é o elemento mais surpreendente e preocupante desta entrevista.




Medina Carreira, para além de reiterar as suas críticas de fundo ao actual regime político —persistência de um sistema educativo caricato, de tribunais e polícias que não funcionam, e de corrupção sistémica— volta a sublinhar que, na sua opinião e se bem o entendi, o país não tem saída no actual quadro constitucional, defendendo por isso a emergência de uma forma de presidencialismo adaptada às circunstâncias históricas e ideológicas que norteiam as democracias europeias.

Afastando embora o espectro de um golpe de Estado, teme que convulsões sociais graves possam forçar o colapso efectivo do actual sistema partidário. O que na sua opinião seria um bem, e até mesmo a única hipótese de o país tomar consciência da sua grave enfermidade sistémica e da medicação forte que terá que tomar se quiser sobreviver como país independente.

A reunião do G20 do próximo dia 2 de Abril irá ser decisiva para a evolução do nosso quadro clínico. Ou os chineses, russos, japoneses e brasileiros aceitam uma nova ordem financeira mundial, com reforço extraordinário dos poderes do FMI e Banco Mundial (o que poderia ser visto como um último fôlego da supremacia ocidental e judaico-cristã no mundo); ou, pelo contrário, o Oriente bate o pé, faz exigências, recusa subordinações, e então estaremos a caminho de um Novo Tratado de Tordesilhas, com o novo meridiano da divisão mundial do trabalho a rachar ao meio o continente africano.

Seja como for, uma coisa é certa, vêm aí medidas draconianas para os PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha), mas também para as economias falidas da Islândia, da Irlanda e do Reino Unido, já para não falar da Europa de Leste.

Está na altura de preparar soluções de contingência, nomeadamente no que toca ao bloqueado e imprestável sistema partidário português. O radicalismo imbecil do Bloco de Esquerda, seja no que se refere à sua proposta de retirada de Portugal da NATO, seja na cangocha parlamentar face à visita presidencial angolana, mostra à evidência que o tecto de crescimento eleitoral deste saco de ex-estalinistas e trotsquistas pavlovianos é meramente conjuntural e muito limitado. Limitado aos níveis patentes de iliteracia política dos seus principais dirigentes — que como quaisquer Pater familias da Intersindical ou da UGT, ganham rugas e morrem sentados nos pequenos bancos de poder que em tempo oportuno agarraram.

OAM 552 10-03-2009 11:01

segunda-feira, março 09, 2009

Portugal-Angola

Boas notícias

CGD e Sonangol criam banco comum

09-03-2008 (Diário de Notícias) — Parceria luso-angolana. No âmbito da visita oficial de José Eduardo dos Santos a Portugal, os dois países vão intensificar as relações financeiras, criando um banco luso-angolano. Os accionistas avançam com um capital de 800 milhões de euros

Capital detido a 50% por cada um dos accionistas

A Sonangol e a Caixa Geral de Depósitos (CGD) vão criar em conjunto um banco luso-angolano. Com base nesta parceria, as duas instituições serão accionistas (50% do capital para cada uma) de um banco universal, que terá especial enfoque na banca de investimentos e possuirá um capital social inicial de mil milhões de dólares (cerca de 800 milhões de euros).

... Através das formas jurídicas adequadas de direito angolano, a futura instituição criará entidades de investimento, que irão apoiar e participar em projectos de desenvolvimento da economia angolana. Segundo as mesmas fontes, será dada preferência a iniciativas promovidas por entidades empresariais angolanas, portuguesas ou parcerias luso-angolanas.

A política externa e a diplomacia económica são o melhor deste governo PS. E salvo opinião contrária, ou alguma surpresa desagradável (que não vislumbro), a notícia da criação de um novo banco de investimento, fundado em partes iguais pela Caixa Geral de Depósitos e pela Sonangol, é uma boa notícia, e é sobretudo um sinal de que a individuação estratégica do nosso país vai no bom sentido, ou pelo menos no sentido que eu e certamente a maioria dos atlantistas há muito defendem. O Atlântico é o nosso espaço vital, sobretudo porque é na triangulação entre o Brasil, a Venezuela, Portugal, Angola e o Golfo da Guiné que reside a real possibilidade da Comunidade de Língua Portuguesa emergir a médio prazo como um novo e importante actor mundial. Há problemas de direitos humanos, de democracia, de corrupção em todos estes países? Pois há! Mas já pensaram no que os respectivos movimentos de cidadania contaminados em rede poderão fazer pela melhoria civilizacional destes povos, e na marca que poderão ajudar a criar no quadro de uma globalização mais justa e prudencial que venha a suceder ao colapso estrondoso da pirataria neoliberal?

Hoje acordei bem-disposto ;-)


Post scriptum
— Ou muito me engano, ou já não será preciso nacionalizar o BCP, cujas acções não param de cair. O novo banco de investimento encarregar-se-à de o papar brevemente — até porque a Caixa, que realizou nos últimos anos uma série de operações altamente especulativas e de duvidosa legitimidade, está sem dinheiro. E sem dinheiro deixa de poder amparar o projecto financeiro da tríade, e de continuar a comprar acções ao BCP.


BCP quer vender-se ao BBVA
Esta tinha-me escapado!
Em Janeiro (28), e cito o Diário de Notícias online:

Depois da 'guerra' de 2007, um grupo de accionistas do BCP tenta resolver o 'buraco' de 2 mil milhões de euros, ou seja, as imparidades que provocaram junto de alguns bancos portugueses. A meta é vender ao BBVA, mas o banco espanhol só admite a hipótese com o aval das autoridades...

Um grupo de accionistas do Banco Comercial Português (BCP) está a tentar convencer o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (BBVA) a comprar o conjunto das suas participações no banco, que perfaz actualmente cerca de 25% do capital.

Segundo o DN apurou, estes accionistas - onde se inclui a Teixeira Duarte, Joe Berardo, Manuel Fino, o Banco Privado Português (BPP), a Moniz da Maia, a Logoplaste, a Têxtil Manuel Gonçalves e João Pereira Coutinho - terão contraído empréstimos junto da banca portuguesa para comprar acções do BCP, nomeadamente durante a "guerra" para o controlo do banco em 2007.
... Só a CGD contará com imparidades entre mil e 1,2 mil milhões de euros.
... Os accionistas vendedores (que esperam a adesão de outros accionistas) estão a contar com a negociação da operação a um preço de 1,8 euros por acção.

Espanhóis e angolanos fizeram bem em esperar. E se esperarem mais umas semanas vão poder comprar o BCP por 1 euro!

A Caixa está pois a arder em mais de mil milhões de euros — fora o que já enterrou no BPN e no BPP! A alternativa, portanto, é criar um banco luso-angolano que fique com o espólio, os balcões e a carteira de clientes dos bancos falidos (BCP, BPN, BPP). Deve ser isto que o José Eduardo dos Santos veio realmente fazer a Portugal. Entretanto, vamos ver se esta operação relâmpago vai ou não conduzir à formação da próxima incubadora da tríade de Macau... Lindo: o PS será o partido da grande burguesia parasitária do Estado, e o PSD fica, enfim e apenas, com as PMEs!


OAM 551 09-03-2009 10:47 (última actualização: 10-03-2009 01:00)

sábado, março 07, 2009

Crise Global 64

Porquê não nacionalizar?

O colapso bolsista das grandes empresas e bancos portugueses é uma evidência estatística que diz muito mais sobre as reais perspectivas dos grandes investimentos anunciados pelo governo, do que as trocas de mimos entre universitários e entre jornalistas sobre a moralidade de uma iminente nacionalização de parte substancial da banca portuguesa. Por sua vez, as operações de propaganda governamental, pela sua crescente falta de credibilidade, começam a ser irrelevantes para a evolução da conjuntura, e sobretudo para a mitigação inteligente do impacto tremendo que a actual crise sistémica do Capitalismo está a ter no nosso país.

Tenho muitas dúvidas sobre as tentativas de salvar a dedo bancos, gestores de fortunas e grandes empresas "nacionais" — nomeadamente através das tropelias anti-mercado do governo socratintas, escandalosamente expostas na forma como rasgam a ética democrática e a própria lei, no seu afã de empolar artificialmente os activos nocionais de empresas à beira da falência.

Os casos recentes da aprovação parlamentar da bateria de barragens com que a EDP e a espanhola Iberdrola pretendem controlar o sistema energético, e sobretudo as principais reservas de água doce do país, ou ainda o caso da tentativa de colocar o negócio do solar térmico obrigatório ao colo da Martifer (grupo Mota-Engil) e da Vulcano, dão bem a medida do que são capazes os piratas que nos governam. Temo, porém, que nem assim se salvem do pior.

Para termos uma ideia da gravidade da situação, basta olhar para os números que rapidamente compilei a propósito da evolução dramaticamente negativa das cotações dos principais bancos e de algumas das empresas mais relevantes do país:
  • BCP — 12 meses: 2,15 - 0,56 (-74%) -- em 2001 chegou a valer mais de 5,8 euros)
  • BES — 12 meses: 12,62 - 4,48 (-64,5%) -- em 2007 chegou a valer mais de 18 euros)
  • BPI — 12 meses: 3,64 - 1,34 (-63,2%) -- em 2007 chegou a valer mais de 6,80 euros)
  • Altri — 12 meses: 4,75 - 1,48 (-68,8%) -- em 2007 chegou a valer mais de 7,30 euros)
  • Cimpor — 12 meses: 6,20 - 3,00 euros (-51,6%)
  • Martifer — 12 meses: 9,04 - 2,65 (-70,7%)
  • Mota-Engil — 12 meses: 5,94 - 2,10 (-64,65%)
  • Soares da Costa — 12 meses: 1,91 - 0,52 (72,78%) -- em 2007 chegou a valer mais de 2,8 euros
  • Teixeira Duarte — 12 meses: 1,77 - 0,41 (-76,8%) -- em 2007 chegou a valer mais de 4,1 euros; -- perde 349 milhões no BCP e na Cimpor.
  • EDP — 12 meses: 4,22 - 2,06 (-51,2%) -- em 2001 valia 3,55 euros
    EDP Renováveis — 8 meses: 6,30 - 5,81 (-7,78%)
A fraqueza destas empresas e bancos decorre sobretudo do montante de produtos derivados especulativos e tóxicos que foram adquirindo durante a orgia bolsista e de crédito fácil que varreu da atenção das pessoas o facto de o Ocidente se ter vindo a sobre endividar ao longo dos últimos vinte anos. Ninguém esteve interessado na avaliação dos riscos sistémicos que uma tal economia de casino — cheia de esquemas Ponzi por toda a parte — comportava. Agora é tarde para reparações de pormenor. Só mesmo a nacionalização, temporária ou definitiva, de bancos e empresas poderá impedir o colapso das economias ocidentais, sobretudo as mais frágeis, como é o caso da portuguesa.

Mesmo a euforia bacoca do senhor Mexia, a propósito dos seus extraordinários êxitos na expansão da EDP, são pouco menos do que falaciosos. As acções perderam valor (mais de 50% no caso da EDP, e quase 8% nos oito meses que é cotada a EDP Renováveis) e a dívida da empresa ascende a uns astronómicos 13 890 milhões de euros!

Para se ter uma ideia de quão gigantesca é esta dívida da EDP, basta pensar que chegaria para pagar o novo aeroporto de Lisboa e respectivas acessibilidades, a nova ponte sobre o Tejo, e ainda todas as linhas de TGV anunciadas: Porto-Vigo, Porto-Lisboa e Lisboa-Madrid.

Se considerarmos, por outro lado, que uma parte muito significativa dos investimentos da EDP foram realizados nos Estados Unidos, uma economia em fase acelerada de colapso, parece-me curial suspeitar do efusivo optimismo do senhor Mexia, actual CEO do grupo. Por mim, este optimismo, regado com alguns bons milhares de euros em P&R, serviu apenas para proteger com fogo fátuo a pilhagem dos rios e a destruição anunciada de parte do Douro Vinhateiro (que a UNESCO classificou Património Mundial da Humanidade) plasmada no criminoso Plano Nacional de Barragens aprovado pelo parlamento zombie que temos. Espero que o Manuel Maria Carrilho faça alguma coisa em Paris para contrariar este novo assalto à beleza e economia insubstituíveis da grande bacia do Rio Douro.

Ao contrário das dúvidas metafísicas manifestadas pelas cabecinhas confusas dos nossos economistas mais agarrados ao sistema, nacionalizar bancos e empresas não tem nada de extraordinário, como bem sublinha Joseph Stiglitz (1) no seu comentário acutilante às medidas titubeantes com que Barak Obama pretende atacar a crise de sobre endividamento e o colapso financeiro dos Estados Unidos.

Os argumentos favoráveis a uma inadiável nacionalização parcial do sistema financeiro e económico do país são basicamente dois:
  1. não podem ser os contribuintes a pagar as aventuras especulativas e os crimes praticados na e pela banca portuguesa — não só por óbvias razões de ética democrática, mas ainda pelo simples facto de que uma tal operação de salvamento dos piratas financeiros conduziria irremediavelmente o país para um colapso fiscal, económico, político e social, ainda este ano, ou em 2010...;
  2. as potências emergentes, com grandes fundos soberanos, ouro e superavit comerciais, credores, como a China e o Japão, do Ocidente, dispõem em geral de economias e sistemas financeiros razoavelmente nacionalizados, ainda que operando segundo as regras da chamada "livre concorrência" capitalista. O primeiro, o quarto e o quinto bancos do top 10 mundial são todos chineses: Industrial & Commercial Bank of China; China Construction Bank e Bank of China. Por sua vez os sectores económicos e financeiros da Rússia, do Irão, das petro monarquias do Médio Oriente, de Angola e até do Japão, ou são claramente públicos, ou pertencem às elites do poder económico-financeiro e político que clara ou disfarçadamente mantêm um estrito controlo de propriedade e acção sobre os sectores estratégicos dos respectivos países.
O argumento da superioridade da economia liberal de mercado sobre a economia social de mercado caíu pela base (2). E a necessidade, por outro lado, pode muito!



NOTAS
  1. Stiglitz: Obama Has Confused Saving the Banks with Saving the Bankers.

    AMY GOODMAN: Should the banks be nationalized?

    JOSEPH STIGLITZ: Many of the banks clearly should be put into, you might say, conservatorship. Americans don't like to use the word "nationalization." We do it all the time. We do it every week.

    AMY GOODMAN: Explain.

    JOSEPH STIGLITZ: Well, if banks don't have enough capital so that they can meet the commitments they've made to the depositors, at the end of every week the FDIC looks at the balance sheet, and it says, "You don't have enough capital. You're not allowed to continue." And then what they do is they either find some other bank to take it over and fill in the hole, or they take it into government control—it sounds terrible, to take it into government control—and then sell it.

    And that's what other countries have done when they faced this kind of problem—the countries that have done it well. One of the important lessons is this is the kind of thing can be done well, could be done badly. And the countries that have done badly have wound up paying to restructure the bank 20, 30, 40 percent, even 50 percent of GDP. We're on our way to that kind of debacle. But that shows you how bad things can be, how costly it can be, if you don't do it well.

    -- in "Nobel Prize-Winning Economist Joseph Stiglitz: Obama Has Confused Saving the Banks with Saving the Bankers". February 25, 2009 By Joseph Stiglitz. Democracy Now.

  2. Vale a pena ver e ouvir esta hilariante crónica de Jon Stewart no The Daily Show, sobre a histeria da CNBC contra as nacionalizações dos bad banks e contra a ajuda aos afectados pelas execuções de hipotecas.

OAM 550 08-03-2009 03:22