Deutsche Bank / Market Research. October 2014. |
Europa: a maior balança corrente do planeta. Que fazer?
O BCE, depois de ter reduzido a menos que zero os rendimentos das poupanças (o PCP e o Bloco não saberiam fazer melhor), de ter começado a pagar para emprestar aos bancos que, por sua vez, cobram uma margem pelo serviço que o BCE deles espera que seja prestado aos governos europeus, quer agora radicalizar as suas medidas de estímulo financeiro perante o espectro de uma deflação e recessão/estagnação duradouras na Europa (1), apostando nas chamados ABS (Asset-backed Securities) — outrora consideradas como um dos agentes tóxicos da crise financeira (2).
Na realidade, as ABS funcionam como um estratagema de liquefação dos chamados ativos ilíquidos —hipotecas de casas, empréstimos para compra de automóveis, empréstimos para estudar, saldos dos cartões de crédito, rendas garantidas das PPP (porque não?!)— e têm por objetivo gerar liquidez onde não existe, estimulando novos apetites pelo risco, mas sem envolver diretamente operações de crédito patrocinadas pelos bancos. Ou seja, o BCE não empresta aos governos, não senhor, e trava os empréstimos bancários à economia pela via de uma supervisão e rácios de capital mais rígidos, sim senhor, recorrendo em ambos os casos ao argumento (aliás apropriado) de que tal significaria perpetuar o ciclo infernal do endividamento suicida, da especulação desenfreada e do colapso económico-financeiro, sim senhor. Mas como está desesperado, à semelhança da desesperada América de Obama, Mario Draghi propôs-se no passado dia 2 de outubro, enveredar por uma versão light do QE (Quantitative Easing), prometendo comprar ABS bem desenhados e com boa graduação, aumentando para isso a massa monetária da Eurolândia em um bilião de euros. A compra das ABS seria, porém, intermediada por brokers alheios aos bancos centrais que compõem o Eurosistema, supõe-se que para garantir maior independência na avaliação da qualidade das operações a realizar. Sim senhor.
Acontece que tudo isto poderá acabar por não ter impactos significativos na economia europeia, permitindo tão só (que digo eu?) continuar a satisfazer alguns grupos financeiros e as elites corporativas e politocratas privilegiadas.
Estamos ainda longe de perceber o alcance da crise económica e financeira em curso na Europa e no resto do mundo. Há uma era energética que chegou ao fim. Há uma era inflacionista que chegou ao fim. E há muito dinheiro, mas ninguém parece querer vê-lo desaparecer na sobreprodução, sobrecapacidade e acumulação sem destino de stocks industriais, no consumo conspícuo que só mais endividamento pode financiar (assim se importaram e venderam em 2013, no nosso sobre endividado país, mais de quatro milhões de smartphones), ou na aceleração do endividamento público que tudo arrasta e devora.
A Nota de Research de George Saravelos, que a seguir transcrevemos parcialmente, é surpreendente.
Revela-nos uma Europa com semelhanças cada vez mais preocupantes com o Japão das últimas duas décadas: excedentes comerciais e financeiros, níveis crescentes de poupança privada, endividamento público imparável, ameaça de deflação, uma moeda a caminho da desvalorização, desemprego estrutural, envelhecimento demográfico, estados cada vez mais omnipresentes e sofisticadamente autoritários, divisionismo social, uma sociedade profundamente deprimida, e concentrações de riqueza cada vez mais pornográficas.
A passagem de um paradigma de crescimento do produto na ordem dos 3-4% para uma era longa de crescimentos entre 0-1% está a ocorrer neste preciso momento, marcada por sucessivos períodos de estagnação, recessão e crescimento tímido. O desemprego estrutural acompanhado de empobrecimento individual e coletivo é, pois, inevitável, se não soubermos entretanto redefinir a função económica e social do emprego e do trabalho, e não criarmos espaço e compensações para as atividades individuais e sociais de cooperação, solidariedae e criatividade.
A Europa tem neste momento excesso de capital, capacidade produtiva e conhecimentos. É por aqui que temos que começar a olhar para os problemas que nos afligem e ver como poderemos resolvê-los, sem nos excedermos em maniqueísmo.
As contradições sistémicas existem e têm vindo a agravar-se. Ideias novas precisam-se!
Euroglut: a new phase of global imbalances
Deutsche Bank / Market Research
George Saravelos
6 October 2014
Euroglut means that as the world's biggest savers, Europeans will drive international capital flow trends for the rest of this decade. Europe will become the 21st century's largest capital exporter.
This report argues that both “secular stagnation” and “normalization” are incomplete frameworks for understanding the post-crisis world. Instead, “Euroglut” – the global imbalance created by Europe’s massive current account surplus will be the defining variable for the rest of this decade. Euroglut implies three things: a significantly weaker euro (we forecast 0.95 in EUR/USD by end-2017), low long-end yields and exceptionally flat global yield curves, and ongoing inflows into “good” EM [Emergent Markets] assets. In other words, we expect Europe’s huge excess savings combined with aggressive ECB easing to lead to some of the largest capital outflows in the history of financial markets.
Introducing Euroglut
The dust is settling on the Global Financial Crisis, and markets are now focusing on the future. One prominent line of thinking is that the new normal is “secular stagnation” - weak trend growth and very low neutral rates. Another view is that “normalization” is around the corner - growth will soon return, and policy will inevitably normalize faster, particularly in the US. In this piece, we argue that both the “normalization” and “secular stagnation” frameworks are incomplete. Instead, it is Europe’s huge savings glut - what we call euroglut - that will drive global trends for the foreseeable future. While euroglut seems similar to “secular stagnation”, the asset price conclusions are very different and far more powerful.
What is Euroglut?
Euroglut is a global imbalances problem. It refers to the lack of European domestic demand caused by the Eurozone crisis. The clearest evidence of Euroglut is Europe’s high unemployment rate combined with a record current account surplus. Both are a reflection of the same problem: an excess of savings over investment opportunities. Euroglut is special for one and only reason: it is very, very big. At around 400bn USD each year, Europe’s current account surplus is bigger than China’s in the 2000s. If sustained, it would be the largest surplus ever generated in the history of global financial markets. This matters.
Global impact
Euroglut means that as the world’s biggest savers, Europeans will drive international capital flow trends for the rest of this decade. Europe will become the 21st century’s largest capital exporter. This statement is close to an accounting identity - a surplus on the current account implies capital outflows elsewhere. Our premise is that the next few years will mark the beginning of very large European purchases of foreign assets. The ECB plays a fundamental role here: by pushing down real yields and creating a domestic “asset shortage”, it is incentivizing European reach for yield abroad. Think about policy over the next few years: at least 500bn-1trio of excess cash will be sitting in European bank accounts “earning” a negative rate of 20bps. In the meantime, asset-purchases will drive yields down across the board – there will be nothing with yield left to buy. The asset implications are huge: [...]
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NOTAS
- Five charts that show Germany is heading into recession
The Guardian, Thursday 9 October 2014 13.58 BST - Asset-backed securities: The key to unlocking Europe's credit markets?
Carlo Altomonte and Patrizia Bussoli on 24th July 2014. Bruegel.