domingo, abril 28, 2013

Seguro: obrigado, Cavaco!



Vai fermoso e mais seguro


O secretário-geral do PS já está em campanha eleitoral. O encerramento do XIX Congresso socialista assinalou para António José Seguro uma nova fase. Avançou com propostas políticas, anunciou os seus Estados Gerais e pediu uma maioria absoluta para formar Governo. Mas garantiu que, devido ao “estado de emergência” do país, mesmo com maioria absoluta, fará coligação governativa. Público, 28 abr 2013.
A unidade do PS não foi total. Fora dos 251 eleitos para a Comissão Nacional, o órgão máximo entre congressos, ficaram deputados da chamada ala socrática, como Fernando Serrasqueiro, José Lello ou André Figueiredo. Jornal de Negócios, 28 abr 2013.
A negociação para a elaboração da lista única para a Comissão Nacional acabou já o sol nascia. O que se julgava ser um processo relativamente fácil, uma vez que se tratava de uma lista única - marca da imagem de unidade com que o PS quer sair de Santa Maria da Feira -, foi uma dor de cabeça ainda maior do que manda a tradição. Expresso, 28 abr 2013.

António José Seguro comprou um seguro de vida chamado Pedro Passos Coelho. E deve a sua salvação de uma cruel execução partidária, por incrível que pareça, à criatura de Belém. É simples de entender, não é? Não? Ora vejamos:

  • A crise da coligação agrava-se sob o impacto da austeridade, a qual permite a formação de uma verdadeira fronda (incluindo personagens de todos os partidos do leque parlamentar, ex-presidentes da república, sindicatos, entidades patronais, corporações, o manipulado movimento Que se Lixe a Troika! e até o próprio Presidente da República) para derrubar o governo, apesar da sua legitimidade e da sua maioria.
  • José Sócrates instruiu António Costa para derrubar o Tó Zé num congresso antecipado, apostando na queda a curto prazo do governo. “Qual é a pressa?”, perguntou o aterrorizado secretário-geral do PS. Foi a crise de 23-30 de janeiro de 2013.
  • António Costa, um aparachic de compêndio, recua à última da hora, tendo supostamente negociado a permanência das tropas de José Sócrates em lugares-chave do partido (viu-se hoje que a garantia não era muito forte).
  • José Sócrates, impaciente, decide aterrar na RTP a 28 de março, passando deste modo inopinado ao ataque — um ataque, percebe-se agora, desesperado.
  • O previsível chumbo do Orçamento pelo Tribunal Constitucional, que viria a ocorrer a 5 de abril, é o gatilho que supostamente ditará o fim da coligação, nomeadamente por iniciativa de Cavaco Silva, recolocando o PS no centro da cena política.
  • Entretanto, o fiasco de Chipre e a chegada em força da crise financeira, nomeadamente associada às dívidas soberanas, a países como a França e Holanda, vai forçar uma flexibilização no discurso alemão e um abrandamento das exigências por parte da Troika, nomeadamente na Irlanda e em Portugal — há quem tenha cheirado isto mesmo, a tempo...
  • Por um lado, o economista presidente percebeu o que iria ocorrer depois do fiasco de Chipre, e por outro, ficou assustado com o ataque desferido por José Sócrates na entrevista à RTP e reiterado no primeiro programa da série que contratou com o infeliz Miguel Relvas (um erro colossal, certamente resultante de um conselho crasso… de quem?)
  • O Tribunal Constitucional chumba parte do Orçamento, como previsto; agrava-se a crise política; o Primeiro Ministro dirige-se a Belém, como aqui recomendámos, e exige uma clarificação de Cavaco Silva. Terá dito algo parecido com isto: Senhor Presidente, ou fica comigo ou vai ter que aturar o Sócrates. Qual prefere?!
  • Cavaco decide o que era expectável em face dos dados disponíveis, e numa breve nota enviada à imprensa assassina politicamente José Sócrates, garante estabilidade presidencial ao governo (agora só mesmo o frágil Portas poderá derrubar o governo), e lança uma inesperada rede de salvação a António José Seguro!
  • A 13 de abril confirma-se o que já se esperava, sobretudo depois das declarações de Durão Barroso na sequência do chumbo do Tribunal Constitucional: Vítor Gaspar consegue mais tempo e até o horizonte de um pequeno perdão nos juros devidos da parte do BCE (cortesia de Mario Draghi, que Vítor Constâncio anunciou urbi orbi).
  • No dia 25 de abril o Presidente da República garante solenemente a estabilidade constitucional à coligação, adverte o PS sobre a rigidez do peso da dívida, e portanto da necessidade de se poder contar com o PS para amplos consensos que venham a ser exigidos no curto e médio prazo, e desanca de forma fria os partidos que andaram nos últimos meses a organizar esperas e cercos ao presidente e a quase todos os ministros do governo.
  • A fronda, em suma, começou a desfazer-se apesar da gritaria e dos murmúrios que ainda se ouvem. A mudança de tom de Arménio Carlos —um pragmático esperto e experimentado— foi um sinal agudo desta mudança.
  • As tropas de José Sócrates e os secretários de Mário Soares montaram um verdadeiro assédio a António José Seguro durante a reunião de Vila da Feira. Este, por fim, acabou por perceber a manobra e respondeu da única maneira que tem para se livrar de José Sócrates: começando a limpar as listas.
  • Como ontem escrevi, o escândalo dos CDS (Credit Default Swap) que rebentou oportunamente na véspera desta reunião magna acabaria por ser a ajuda de Passos Coelho de que o seu amigo Tó Zé tanto precisava, e teve!
  • Dos jovens turcos que escrevem cartas, um, porventura o mais ambicioso e menos comprometido com Sócrates, Pedro Nuno Santos, foi sacrificado no altar dos equilíbrios internos.
Os tempos que aí vêm continuarão a ser muito duros. A crise do sistema político-partidário, neo-corporativista, devorista e populista que arruinou o país está longe de terminar. O processo do regime está em curso, mas em câmara lenta. Muitos chegarão em breve à conclusão de que o tempo de reformar o sistema partidário, sem o que o regime não muda, chegou. Espero que os escrevinhadores de cartas cor-de-rosa a António José Seguro percebam também que só conseguirão preservar a identidade do PS, sem cair na tentação de uma nova dissolução neoliberal nas malhas do poder, se entretanto surgirem novos movimentos políticos arejados e autónomos com vontade de fazer realmente renascer a democracia portuguesa das cinzas em que o Bloco Central a deixou.

Swapgate cor-de-rosa

Estação de Castanheira do Ribatejo, às moscas desde 2006.
Responsabilidade: Refer; construtor: Somague.

Nunca um congresso do PS pareceu tanto uma convenção mafiosa

Há um ambiente estranho no congresso antecipado do Partido Socialista. António José Seguro não diz nada de jeito, olha para o lado, e o lado move-se como uma sombra inquieta pelos corredores e ruelas de Santa Maria da Feira, fazendo uma marcação cerrada às suas palavras, inibindo-o de decidir seja o que for que surja imprevistamente e fora da pauta dos trabalhos de um conclave sem disputa aparente. Cavaco falou, mas António José Seguro teve que esperar pelo congresso para balbuciar umas frases ininteligíveis sobre o assunto, enquanto que, entre o discurso do presidente da república no dia 25 de abril e o congresso, a sombra desmultiplicou-se em declarações bombásticas sobre a criatura de Belém e o novo governo de iniciativa presidencial. Apareceu, entretanto, a notícia de uma carta do novo ministro Miguel Poiares Maduro ao PS solicitando uma reunião. A sombra travou uma vez mais Seguro e acusou imediatamente o Governo de “encenar diálogo” (Expresso, 27 abr 2013), deixando a este último a tarefa humilhante de balbuciar aos jornalistas que a sua resposta (do PS, diz) será entregue na próxima terça-feira (TVI 24). A cereja assassina em cima do bolo dinamitado desta farsa foi oferecida por Sérgio Sousa Pinto:
“[...] o nosso principal problema é de credibilidade. Enquanto não o reconhecermos e não o enfrentarmos enquanto não nos apresentarmos neste país com protagonistas credíveis de mudança e de ruptura estaremos a falhar ao povo português” (i online, 27 abr 2013)

Este congresso Kim Il-sunguiano do PS, que apregoa mais democracia e abertura à sociedade, mas onde apenas vemos um candidato tolhido (os outros dois que tentaram, nem sequer conseguiram ultrapassar a barreira burocrática do partido), não é só uma encenação, mas uma conspiração. As sombras dos idos de março coligaram-se para atar António José Seguro de mãos e pés e deixar espaço livre a José Sócrates. O pobre secretário-geral a prazo está assustado!

O rodopio mediático das tropas de Sócrates e de Soares no congresso do PS contrasta com os discursos medíocres e sem alma dos fracos turcos que escreveram a tal carta aberta ridícula a António José Seguro. E contrasta ainda com a apatia de seita estampada no semblante indigente dos congressistas.

Foi enternecedor ver o jovem Tiago Silveira falar dos desempregados e dos pobres — em nome da tal carta-aberta. Talvez pudesse levar os pobres de espírito deste pais, congressistas incluídos, a passear no Gianzo, um iate topo de gama que comprou ao dono da Tecnovia com empréstimo da CGD (Correio da Manhã, 17 out 2012).

Sinais contraditórios

Ao juntar as peças deste labirinto de sombras ouvimos o coro repetir a cada hora que passa o fim do diálogo com o governo, a necessidade de deitar o governo abaixo, e a radiosa alternativa de esquerda que o PS tem pela frente: “Edite Estrela defende alianças à esquerda para alcançar governo maioritário” (i online, 27 abr 2013). Mas a mesma Edite, madrinha omnisciente do partido cor-de-rosa, afirma no mesmo dia, desta vez ao semanário dum aliado na fronda criada contra o governo de coligação, que “Portas é o político mais poderoso do país” (Expresso, 27 abr 2013), sugerindo que é sua a chave que abre ou fecha a porta à sobrevivência de Passos Coelho. Há aqui uma contradição, pelo menos aparente: afinal com que diabo está o Partido Socialista disposto a coligar-se: Louçã, ou Portas?

Edite Estrela, na realidade, está a defender um futuro governo PS+CDS, mas embrulhado com uma prata populista de esquerda (virtual, claro), para enganar os jovens tolos do PS que devem a sua vida míope a José Sócrates, mas escrevem cartas-abertas a António José Seguro.

Enigma

Tudo isto parece-me lógico. Não entendo, porém, a tensão e a pressa. Qual é a pressa?

Recebi hoje um álbum de fotografias sobre mais um deserto deixado por aí por José Sócrates, à semelhança do aeromoscas de Beja. Trata-se da estação de caminho de ferro, mandada construir pela Refer em Castanheira do Ribatejo, que custou 30 milhões de euros, sumptuosa, inaugurada ainda em obras, que está às moscas desde 2005, e que se tornou por isso um problema de segurança, caminhando para uma rápida deterioração (ler notícias do Mirante aqui, e aqui).

Talvez comece agora a entender o que move a sombra neste soturno congresso do PS. Talvez seja a entrada em ação da parte do Memorando da Troika que até agora foi boicotada, e que por não ter sido cumprida induziu o conhecido exagero nas doses de austeridade. Refiro-me ao ataque às rendas excessivas da corja rendeira, e à renegociação das ditas parcerias público-privadas (PPP). É que depois de Cavaco Silva ter fechado a porta a uma dissolução do parlamento (salvo se o PP abandonar o governo), começou a caça ao legado catastrófico e potencialmente explosivo dos governos de José Sócrates. O regresso de Paris pode ter sido, afinal, apressado e com consequências imprevisíveis.

A procissão dos swaps ainda vai no adro, mas já deu para perceber duas coisas: é um buracão colossal, recheado de má administração e de mais do que prováveis operações ilícitas ou até criminosas.

Vamos ver quem é que no PS, no PCP ou no Bloco quererá investigar o ‘swapgate’. Com tanto namoro hipócrita à esquerda por parte das tropas socratinas e soaristas, vai ser difícil...

As operações swap realizadas pelo Santander-Totta com o governo de José Sócrates começaram em 2005 (Sol, 27 abr 2013). António Vitorino é Presidente da Mesa da Assembleia-geral do Banco Santander Portugal (1998 - 1999) e do Banco Santander Totta desde 2005. Parece-me razoável perguntar-lhe o que tem a dizer sobre este negócio entre o Estado, através de um governo liderado por um colega de partido, e um gigante financeiro privado, onde desempenha uma função de topo. Soube dos swaps?

Esperam-se, pois, muitas cenas e muitos capítulos nesta telenovela de Sopranos. Nada de ilusões: António Costa não passa de uma manobra de distração.

sábado, abril 27, 2013

Democracia participativa

String Figures and How to Make Them. A Study of Cat's Cradle in Many Lands (1962) by Caroline Furness Jayne (LINK)

Incluir, criar, expandir
Sobre o contributo, bem-vindo, do Movimento Cidadania e Democracia Participativa

“El modelo clásico de partido tenía una cierta inspiración religiosa, como ya insinuó Gramsci, mezclando doctrina, rito y didactismo en relación a una población a instruir y a convencer. El interregno en el que estamos nos muestra transformaciones radicales en los medios de comunicación, más fragmentación y al mismo tiempo nuevas vías de articulación social, más énfasis en la autonomía personal, rechazo a liderazgos incontrolados y un conjunto de demandas políticas más imprevisibles y complejas. Al mismo tiempo, la gente está más preparada, surgen nuevas experiencias y hay mucho conocimiento accesible y compartido.” El País/ Joan Subirats.

A próxima democracia será o princípio de uma nova era —de menor crescimento, mas de maior criatividade, cultura e justiça— ou não será. A menos que estejamos à espera da derrocada dos regimes democráticos vigentes —envenenados pela corrupção, pela submissão encapotada à ganância financeira do capitalismo, pelo populismo, pelo excesso de concentração de poderes, pela invasão contínua das esferas de autonomia da cidadania, e pela irresponsabilidade governativa— será ainda preciso retomar os seus velhos e corrompidos aparelhos para, do seu interior, promover a inadiável reforma constitucional e política das instituições. Precisamos de uma Democracia 2.0, mas não sobre os escombros das democracias doentes que ainda suportamos.

O tempo desta metamorfose é agora! E o modo deverá assentar —creio que estamos todos de acordo— numa ideia simples: cooperação. Ou seja, permitir a necessária abertura de espírito para que os vários ritmos da metamorfose se interliguem e venham a produzir a necessária síntese criativa. Um desses ritmos é o do desenho do modus operandi da próxima democracia. Como deveremos organizar a ação daqueles que esperam e desejam contribuir para a emergência de uma democracia inteligente e justa, a tempo de impedir a derrocada completa do status quo?

O Movimento Cidadania e Democracia Particpativa, que partilha do nosso entusiasmo simultaneamente crítico e construtivo, realizou já um trabalho notável no que diz respeito ao desenho, por assim dizer, da formação da vontade democrática numa Democracia 2.0. Antes de mais, pois, convido-vos a analisar as suas propostas.


MCDP—A organização de um partido diferente


MCDP—O Conselho Nacional

Estes dois organogramas e as explicações que os acompanham são seguramente uma excelente base de partida. Podemos compará-la, nomeadamente com as práticas em curso de partidos que comungam ideias semelhantes e que já estão envolvidos numa praxis que tem vindo a fazer a diferença em países como o Canadá e a Itália, entre outros. Refiro-me, por exemplo, ao NPD, ou ao Partito Democratico italiano, que acaba de formar um novo governo em Itália.

Seria interessante que o Movimento Cidadania e Democracia Participativa promovesse ele mesmo um seminário de análise comparativa dos organogramas, teóricos e em funcionamento, que satisfazem os critérios que todos partilhamos para a emergência de democracias mais inteligentes e participativas.


©António Cerveira Pinto
Escrito para o Partido Democrata

quinta-feira, abril 25, 2013

O que diz Cavaco

A sombra azul de Soares.

Esquerda Cómoda, à rasca

Para além da algazarra monocórdica do costume, o que importa realçar é a descolagem de Belém do golpe de estado populista que Mário Soares, o PCP e o Bloco, em sintonia com a maioria das corporações, oligopólios e rendeiros do regime (da banca ao setor energético), que vivem todos, sem exceção, do orçamento do Estado (e da miséria crescente de milhões de portugueses), imaginaram ser possível levar a cabo ainda antes das eleições autárquicas.

Curiosamente, esta evolução dos acontecimentos, para muitos inesperada, veio criar condições ímpares para a consolidação da direção socialista de António José Seguro — e para o grande dilema que agora enfrentam as tropas de José Sócrates e o Bloco.

Ao PS de Seguro interessa cada vez mais deixar a coligação fazer o trabalho sujo que tem que ser feito, de uma maneira ou doutra, sofrendo todo o ónus da destruição de poupanças, de empregos e de contratos sociais insustentáveis formalmente celebrados ao longo de três décadas de prosperidade ilusória e de consolidação de um neocorporativismo institucional sem precedentes.

Não há saída para o buraco negro do endividamento (1) cavado por décadas de populismo, ganância corporativa e partidocracia, que não passe por uma redução do peso paquidérmico do Estado, pela libertação fiscal da sociedade e pelo fim da canga partidária sobre a vida económica, institucional e cultural dos portugueses.

Há, sim, Estado a mais. Há, sim, partidos a mais nas nossas vidas (2). Há, sim, uma oligarquia económico-financeira e polipartidária que vive criminosamente à custa do esmagamento da criatividade social, empresarial e cultural dos portugueses. Há, sim, um regime em fim de vida que é preciso substituir por uma democracia transparente, responsável e justa.

Post scriptum

Os opinocratas de serviço exibiram ontem a sua indignação perante o discurso do Presidente. Criticaram-no por dinamitar as pontes com os partidos da esquerda cómoda. Mas não criticaram o golpe de estado palaciano que esteve em curso contra a maioria governamental; mas não criticaram o cerco de rua montado pelo PCP e pela Intersindical ao Presidente da República, aos ministros em funções e ao próprio parlamento!

Cavaco, que chegou a confundir-se com a fronda neocorporativa e populista anti-Troika, cedo percebeu que a maré iria virar depois do alívio vindo de Bruxelas e de Frankfurt na sequência do fiasco de Chipre e da deterioração da situação em França e na Holanda. Cedo percebeu que o regresso de Sócrates, depois dos dois ataques virulentos que este desferiu contra o seu comportamento e carácter, mudara as circunstâncias. Uma coisa seria a queda de Passos Coelho, estando Seguro à frente do PS, outra muito diferente seria provocar a queda do governo de coligação sabendo que está em curso uma guerra civil dentro do PS, onde Almeida Santos, Mário Soares, Manuel Alegre e José Sócrates são aliados! Aníbal Cavaco Silva, seja pelo seu apurado instinto de sobrevivência, ou porque Durão Barroso lhe explicou a situação, deu meia volta, anunciou o fim da telenovela das eleições antecipadas, foi premiado com a nomeação de um apoiante seu para o governo —Miguel Poiares Maduro (pdf)— e depois, como mandam os manuais, perseguiu o inimigo! Só mesmo os cagarros da nossa indigente imprensa não perceberam, ou não querem perceber.

Noticias ao Minuto - O controverso discurso de Cavaco

O chefe de Estado apelou aos partidos para que definam as suas estratégias além dos calendários eleitorais, dizendo ser “uma ilusão pensar que as exigências de rigor orçamental irão desaparecer no fim do programa de ajustamento, em meados de 2014" e alertando que, se persistir uma visão imediatista, “de nada valerá ganhar ou perder eleições, de nada valerá integrar o Governo ou estar na oposição".

"É essencial alcançar um consenso político alargado que garanta que, quaisquer que sejam as concepções político-ideológicas, quaisquer que sejam os partidos que se encontrem no Governo, o país, depois de encerrado o actual ciclo do programa de ajustamento, adoptará políticas compatíveis com as regras fixadas no Tratado Orçamental que Portugal subscreveu", defendeu, num discurso que foi sendo pontuado por vários apartes das bancadas da oposição.

Cavaco defendeu ainda existir hoje uma “fadiga de austeridade” no país – mas pedindo que não se explore a ansiedade e inquietação dos cidadãos -, pediu que o desemprego seja uma “prioridade da acção governativa” e destacou, apesar das “consequências gravosas” do programa de assistência financeira, os objectivos alcançados e o sentido de responsabilidade revelado pelos portugueses.
Jornal de Negócios - Seguro prudente...

O secretário-geral socialista, António José Seguro, afirmou hoje que, durante o congresso do PS, haverá bastantes oportunidades para discutir "as consequências políticas" do discurso do Presidente da República na sessão solene do 25 de Abril.

[...] Perante a insistência nesta questão, o líder do PS apenas acrescentou que compreendia o interesse da comunicação social.

"Mas também compreendem que na sexta-feira, quando se iniciar o congresso, no sábado durante os trabalhos do congresso e no domingo, terei várias oportunidades de intervir e pode ter a certeza satisfarei a curiosidade", afirmou.

NOTAS

A lei geral é esta, o resto é demagogia de piratas.
  1. Não há regra sem exceção, mas regra é regra: quanto mais deves (acima de um certo patamar) menos cresces:. A propósito: “It’s A Bit Early To Declare A Winner In The Economic Debate” — Written by Lance Roberts | Thursday, April 25, 2013. Streettalk Live.
  2. Não é que sejam muitos, mas interferem demasiado nas nossas vidas e na vida da economia.

Última atualização: 26 abr 2013, 12:27 WET

terça-feira, abril 23, 2013

Ainda há cheesecake?

Já não chega para todos.

Afinal, é tudo rapaziada conhecida!

Um grupo de destacados socialistas próximos de António Costa, insatisfeito com o rumo das coisas no partido, decidiu "fazer alguma coisa" para por travão à crescente falta de confiança dos cidadãos nos partidos.

O resultado foi uma carta aberta ao secretário-geral do PS onde, entre outras propostas "arrojadas", os subscritores propõem eleições diretas abertas a não-militantes para a escolha do secretário-geral do PS. E querem aproveitar o congresso do próximo fim-de-semana para encetar a discussão o quanto antes.

Ler mais: Expresso.

Eu estou farto de escrever que a tarte de requeijão e morangos encolheu. Ou seja, há cada vez menos cheesecake para distribuir. Mas ninguém resiste a tentar sacar uma fatia. Desta feita foi um grupo de socialistas convictos que decidiu escrever a António José Seguro sobre o descrédito dos partidos. Desinteressadamente, claro.

Esta tendência à pressa do PS reúne, porém, uma maioria de socratinos, uma minoria de bloquistas, e ainda algumas almas independentes para decorar. O que pretende a dita carta-aberta, sob o manto diáfano da fantasia, é exigir lugares nos futuros órgãos de direção do PS sem que para tal os seus subscritores tenham tido que ter a chatice de serem eleitos delegados ao congresso. É a democracia direta, dizem!

Quem lhes encomendou o sermão assim tão à pressa —não posso deixar de supor— foi o regressado Pinocchio!

Entre o populismo de Sócrates e o bloco-populismo de alguns dos subscritores reparo que a ameaça sobre a cabeça de Seguro ainda mexe. No entanto, depois da Grande Remodelação, e da viragem de Durão Barroso, a retórica anti-austeridade morreu. O que é coisa diferente de dizer que a austeridade tenha morrido. Seja como for, o tempo não está para golpes de estado. Até o novo líder da UGT percebe esta verdade elementar.

A Frente Popular Bloquista, que a minoria deste grupo à pressa defende, não passa de um sonho infantil estimulado por um quadrado senil. O quadrado não é Alegre, claro, é Louçã.

Quanto às tropas de José Sócrates, de que esta carta-aberta é uma descarada evidência, percebe-se que permanecem em estado de prontidão, pois o grande chefe anunciou urbi et orbi que o retorno do querido poder (a maioria desta gente já provou o gosto e sabe que não encontra nada melhor) está para breve!

Mas não está :(


São estes os famosos subscritores da carta aberta (ler o Filibuster):

João Tiago Silveira (socratista)
Ana Catarina Mendes (socratista)
Catarina Marcelino (socratista)
Duarte Cordeiro (socratista/ ala bloquista)
Fernando Medina (socratista)
Fernando Rocha Andrade (socratista)
Graça Fonseca (socratista)
Filipa Marques Júnior (filha de Marques Júnior)
Francisco César (político açoriano, filho de Carlos César)
Isabel Moreira (socratista, filha de Adriano Moreira)
João Constâncio (socratista, filho de Vítor Constâncio)
João Galamba (socratista)
João Miranda (?)
Mariana Vieira da Silva (socratista, filha do ex-ministro Vieira da Silva)
Pedro Delgado Alves (ala bloquista)
Pedro Marques (socratista)
Pedro Nuno Santos (ala bloquista)
Sónia Fertuzinhos (?)
Domingos Farinha (independente)
Tiago Antunes (independente)

POST SCRIPTUM

Uma síntese do que prevemos no sistema partidário português:


Última atualização: 23 abr 2013, 17:37 WET

sábado, abril 20, 2013

Mário Soares morreu

Mário Soares, um 'animal político'

Ou antes, está politicamente morto!


“At about 11 a.m. ET on Thursday (April 18, 2013), our beloved business man Warren Buffett passed away. Warren Buffett was born on August 30, 1930 in Omaha. He will be missed but not forgotten. Please show your sympathy and condolences by commenting on and liking this page.”

A carne sofreu um grande abalo, os neurónios continuam finos e ágeis, o legado histórico é indiscutível, mas politicamente morreu no dia em que aventou a hipótese de um novo regicídio, desta vez, tendo a figura do presidente da república em funções como vítima.


Não, não é uma notícia falsa, como a da morte fictícia de Warren Buffet esta semana anunciada nas redes sociais, mas uma constatação sobre o ato final de um homem notável para quem o mundo se dividia entre ele e a sua família, e os outros. A família, cá dentro, foi sobretudo a dos socialistas que lhe foram sempre fieis, e lá fora, a social-democracia da Internacional Socialista e 'os americanos'.

Para Mário Soares, o que as pessoas pensam é irrelevante. Saber com quem andam, isso sim, é decisivo. Pois bem, a última batalha deste 'animal político' deu-se no terreno de uma tentativa desesperada de derrubar o atual governo de coligação por meio de um golpe de estado presidencial, alimentado por uma verdadeira frente populista suportada na sua maioria pelos devoristas e rendeiros do regime ameaçados pelos seus clamorosos erros, omissões, irresponsabilidade histórica e corrupção.

O regime democrático português está por um fio. Na realidade, encontra-se numa espécie de unidade de cuidados intensivos chamada Troika. A troika de credores desiludidos com um país que ultrapassou todas as marcas em matéria de endividamento —do estado, das empresas e das famílias— exigiu basicamente duas coisas: reduzir a despesa pública de forma estrutural, isto é, reformando e reduzindo o paquiderme estatal que temos, e atacar os rendeiros do regime, com especial ênfase nos monopólios que vivem de rendas excessivas e prejudicam gravemente o ambiente económico geral do país. Acontece que isto, na realidade, ameaça a nomenclatura que se apropriou do regime e explorou indecentemente o país e a sua população em nome da liberdade, em nome da justiça e em nome da democracia. Vemos agora que esta corja prefere, ao ver-se cercada pela verdade das ocorrências e dos números, renunciar a tudo menos aos privilégios indevidamente acumulados. Prefere até regressar a uma ditadura patriótica qualquer, se disso depender a manutenção do seu bem-estar.

Pois bem, foi neste contexto que Mário Soares decidiu convocar as suas tropas para deitar abaixo um governo democraticamente constituído, promovendo alianças até com o Diabo!

Foi neste contexto que Mário Soares decretou a intifada nacional-populista (1) contra Passos Coelho, juntando empresários, políticos de todas as cores, sindicalistas, o PCP e o Bloco, militares e padres, e chamando até de Paris o homem que há menos de dois anos conduzira Portugal à insolvência.

O regresso de Sócrates, precedido de uma tentativa de assalto à direção do PS, serviria, em suma, para reunir toda a escória cleptocrata do país em volta de uma crise cujo desfecho seria a demissão do governo e a formação de um governo de emergência nacional, patrocinado por Cavaco Silva, mas, na realidade, sob férreo comando do Bloco Central da Corrupção, e com apoio explícito das chefias militares. Seria, se tivesse triunfado o plano, um governo autoritário, embora mascarado de retórica demo-populista e patriótica. Da Europa contavam com a condescendência de quem acredita que qualquer peça do dominó europeu é capaz de ameaçar a Europa.

Eu posso estar a sonhar, mas é assim que vejo a crónica portuguesa de março e abril de 2013.

O que é que falhou nas previsões? Falhou a subestimação do 'inimigo' e o excesso de confiança no 'amigo' Portas. Nem Cavaco ousou demitir o governo, nem António José Seguro cedeu como se esperava que cedesse à tropa pretoriana de José Sócrates, nem Pedro Passos Coelho perdeu o Norte, nem Vítor Gaspar sucumbiu à pressão 'colossal' que sobre ele se abateu, nem, por fim, Paulo Portas teve coragem de romper com a coligação.

Mas mais, tanto José Manuel Durão Barroso, como Wolfgang Schäuble, estiveram particularmente ativos durante a crise. O poderoso ministro da economia alemão, assegurando todo o apoio a Vítor Gaspar, e Barroso, insinuando uma wild card que viria a mudar o curso desta infernal partida de Poker: Miguel Poiares Maduro.

Ao contrário do que foi sempre o comportamento do PS, o PSD acabava por despachar um cábula do governo, substituindo-o por uma personalidade cosmopolita, europeia e de irrepreensível competência académica e técnica. Mais: colocava no lugar anteriormente ocupado por um social-democrata laranja, outro social-democrata laranja, com a enorme vantagem de não ser mais um cu pelado da partidocracia local. Este joker permitiu ainda a Passos Coelho retirar o QREN do pingue-pongue entre Álvaro Santos Pereira e Vítor Gaspar, sem o entregar (oviamente!) ao CDS-PP, avocando este lombo orçamental à área íntima da presidência do conselho de ministros, sob critério do jovem ministro-adjunto do primeiro-ministro. Poiares Maduro é também ministro do desenvolvimento regional, outro campo de batalha a precisar de uma mente descomprometida com os Menezes e Searas desta aldeia lusitana. E se faltasse uma cereja em cima do bolo, ei-la: o homem apoiou a recandidatura presidencial de Cavaco Silva. Todos reparámos como o presidente reservou um tempo de antena especial para o novo ministro na cerimónia de posse.

A micro-remodelação governamental foi afinal, como já escrevi, uma grande remodelação.

Este desenlace inesperado do furúnculo político em que se transformara o regime acabaria por fazer abortar os planos de Mário Soares e as aspirações de Paulo Portas, da pior maneira para ambos. O governo reforçou-se, esvaziou a fuga em frente do PS, e permitiu a Passos Coelho passar à ofensiva apesar da extrema delicadeza da situação orçamental, económica e social do país. José Sócrates ou regressa a Paris ou emigra para a Póvoa de Varzim!

O futuro imediato é do PSD, e também de um CDS que terá que saber retirar rapidamente ilações da leviandade política que acometeu o líder Portas. Por sua vez, o Partido Socialista de António José Seguro, que o perspicaz Soares acaba de entronar oficialmente como líder, durante a comemoração dos 40 anos do partido que fundou, tem pela primeira vez o terreno livre à sua frente.

Como o regresso ao cenário PS-CDS falhou, como a hipótese desesperada de uma frente popular ridícula entre o PS e o Bloco, recentemente defendida pelo desanimado Soares (2), também não tem nenhuma hipótese de se configurar no futuro, quanto mais concretizar-se, resta ao PS começar a pensar rapidamente no que lhe falta para voltar a ser governo, sobretudo em caso de agravamento da crise política e de regime (que soma e segue), ou em caso de eleições antecipadas que poderão dar-lhe uma maioria, mas não absoluta. Se o Partido Socialista ganhar as próximas eleições legislativas, regulares ou antecipadas, com quem vai coligar-se? Esta é a pergunta de mil milhões de euros. E eu só tenho uma resposta: com o partido que ainda não existe!

Mário Soares foi uma peça decisiva na fundação da democracia que temos. Esta democracia está, porém, muito doente, em parte por causa de erros muito seus. Seria bom que não se dedicasse agora a estragar tudo o que fez bem.


POST SCRIPTUM (1 jun 2013) — Sobre 'A Opinião de José Sócrates' há, em primeiro lugar, que não subestimar este 'animal'. Para um observador político, o que diz ou deixa de dizer Marcelo Rebelo de Sousa é irrelevante quando à mesma hora podemos ouvir José Sócrates e o seu governo sombra em plenitude! Não por acaso a TVI antecipou em quase meia hora o programa do 'Je sais tout' Marcelo.

José Sócrates continua a marcar de perto a ação de António José Seguro, impondo fasquias a este último. Por outro lado, ataca com oportuna habilidade o governo e Cavaco Silva. O que lhe vai na cabeça e na cabeça do seu estado-maior ficará mais claro depois do congresso do PS. Ver-se-à então quem manda afinal no Partido Socialista. E ver-se-á também se Sócrates está a pensar apenas na presidência da república, ou se tem já em pleno funcionamento um governo sombra para o que der e vier.

COMENTÁRIO  — A mais recente iniciativa frente populista de Mário Soares, a grande convocatória da Aula Magna do passado dia 30 de maio (ver e ouvir aqui o discurso de António Sampaio da Nóvoa), fracassou, não com estrondo, mas morrendo simplesmente.

Não podemos esperar que aqueles que são os principais e reincidentes causadores da bancarrota do país possam remediá-la, ainda por cima, pretendendo induzir uma amnésia geral nas vítimas da tragédia em curso.

O governo que está é mau, sobretudo porque não se libertou ainda do Bloco Central da Corrupção, que continua a dominar o PM e várias e decisivas secretarias de estado. Mas o retorno da 'esquerda' corrupta e populista ao poder seria votar no nosso próprio suicídio coletivo.

Precisamos, isso sim, de trabalhar numa verdadeira refundação da democracia e das suas instituições, desde logo e a começar, pelos partidos e pelas organizações e grupos de pressão da sociedade civil.

Precisamos, desde já, de novos partidos políticos, e de reformar seriamente os antigos. As manifestações de indignados e os discursos dos reitores têm um alcance estratégico muito limitado.

Precisamos cada vez mais do Partido Democrata!

— Publicado na página do Partido Democrata no Facebook, em 1 de junho de 2013.

NOTAS



  1. O movimento 'Que se lixe a Troika' é o exemplo típico de uma oposição inorgânica nacional-populista à mudança. Mesmo diante do colapso evidente do país sob o peso insuportável de uma burocracia omnipresente que apenas defende os seus interesses corporativos, 'Que se lixe a Troika' aponta as suas baterias contra um fantasmático inimigo externo, como se a causa da nossa desgraça não fosse quase exclusivamente endógena.
  2. Já para não falar do quadrado Louçã, promotor envergonhado da putativa candidatura de José Pinóquio à presidência da república!
Última atualização: 2 junho 2013, 11:31

Depois de Marx: cooperação



Portugal, que fazer?
The question today isn’t when robots will arrive in our offices, clinics, hospitals, farms, warehouses, and workshops—they already have. For entrepreneurs, the real opportunity now is to create robots so powerful, reliable, and affordable that every business will want one, or many — in Xconomy Forum: Robots Remake the Workplace.

Reforma social e do trabalho

O trabalho das máquinas continua a ser um recurso abundante. Estamos no fim da terceira Revolução Industrial (RI), ou até já no início da quarta RI:

  • RI-1: carvão, gás, máquinas a vapor, eletricidade, transporte ferroviário e marítimo transatlântico, expansão das cidades, saneamento básico, higiene e nascimento do proletariado industrial (diminuição do campesinato); 
  • RI-2: carvão, petróleo, gás, eletricidade, motor de combustão, transporte automóvel, aviação, expansão das cidades, do saneamento básico e da higiene, medicina pública, segurança social, estabilização do proletariado industrial e expansão dos serviços (diminuição do campesinato); 
  • RI-3: carvão, petróleo, gás, eletricidade, motor de combustão, eletrónica, computação, automação, redes sociais, expansão das cidades, do saneamento básico, da higiene, da medicina pública, e da segurança social, estabilização dos serviços (diminuição do campesinato e do proletariado industrial); 
  • RI-4: diminuição simultânea do número de trabalhadores agrícolas, industriais e de serviços e subsequente período de expansão artificial da procura pela via de múltiplos esquemas de subsídio à economia e às pessoas. Estas alavancas, keynesianas e sobretudo monetaristas da economia traduziram-se num endividamento estrutural dos países, das empresas e das famílias ocidentais, parcialmente alimentado pela exploração da mão de obra barata e praticamente sem direitos sociais dos continentes asiático, da América Central e do Sul e da África. Esta quarta grande vaga —que de momento apenas se dá a conhecer como colapso— faz ainda parte de uma civilização industrial revolucionária, como nunca existiu, baseada no uso intensivo de energias concentradas, poderosas, baratas e sobretudo não musculares. Estamos, pois, no fim da terceira fase de uma grande vaga civilizacional. Mas nada garante que outra igualmente sorridente surja imediatamente. Podemos estar condenados a mais um episódio catastrófico de destruição de forças produtivas obsoletas!
  • Devaneio soturno: o Japão fartou-se de fazer investimento público, nomeadamente na sua extraordinária rede de transporte ferroviário, e desvalorizou competitivamente o iene durante décadas a fio, e atirou os juros para valores negativos... E nada! A economia japonesa continua em deflação, em depressão, e perdendo quota de exportações todos os dias :(

    Se os autómatos tomarem conta do mundo, os humanos, ou pelo menos a sua vasta maioria, passará a viver de um rendimento mínimo, como se, no fundo, caminhássemos para uma espécie de Idade Média tecnológica. A sua produtividade será exígua quando comparada com a dos autómatos (robôs, nano-máquinas e autómatos celulares), pelo que passarão à condição de servos da gleba tecnológica.

O trabalho tornou-se, por conseguinte, um bem escasso. 


E como tal teremos que aprender a distribui-lo de forma equilibrada, enquanto não descobrirmos a maneira de superar o aperto em que todo o Ocidente desenvolvido se encontra neste momento. 

Nos EUA em apenas uma década as vendas de gasolina a retalho caíram para metade. A causa do empobrecimento é evidente.

A energia indispensável à produção industrial flui naturalmente para os novos produtores globais, e estes querem naturalmente uma parte justa do fruto do seu trabalho. Ou seja, é inevitável e justo redistribuir a riqueza mundial de acordo com regras de equidade muito mais exigentes do que as que predominaram durante boa parte do século 20. Esta redistribuição implicará inevitavelmente um empobrecimento relativo dos europeus e dos norte-americanos dos EUA e Canadá. Implicará, no essencial, o desafio de substituir sociedades consumistas por novas realidades sociais orientadas por outros valores, mais racionais, mais prudentes, mais justos, e mais solidários. Não será fácil mas não temos outra alternativa.

A economia, a sociedade e o estado portugueses estão gravemente endividados.

Pior ainda: não temos uma saída fácil para este problema. Só aceitando substituir a guerra corporativa instalada por uma estratégia de cooperação chegaremos a algum lado e evitaremos o colapso que inevitavelmente resultaria de uma reestruturação da dívida, ou seja, de uma bancarrota declarada.

O princípio básico para iniciarmos uma estratégia de cooperação e criatividade social é assentarmos, desde logo, num ponto: ninguém morrerá de fome em Portugal. Assim será garantido um rendimento mínimo social a todos os portugueses, administrado com o menor custo administrativo possível e sem intermediações oportunistas.

Este rendimento mínimo social deverá ser suportado pelo Orçamento de Estado, nomeadamente com base nas receitas das lotarias, casinos e outros jogos de azar. Tais receitas e taxas provenientes dos jogos devem ser administradas em partes iguais pelas Freguesias e IPSS. As Juntas de Freguesias devem ser a primeira estação democrática da solidariedade organizada.


Reformar o Estado
 

I
Identificar onde é indispensável e deve ser exclusiva a presença do Estado.

O Estado não deve competir com a sociedade civil, nem criar-lhe dificuldades.

Incrementar e reforçar a presença dos privados e cooperativos nas áreas da educação e cultura, da saúde, e da solidariedade social, eliminando ao mesmo tempo o excesso de intervenção governamental e partidária nestes domínios. Uma vez mais é preciso separar o que só o Estado deve e está em condições de fazer bem, do que deve caber à iniciativa dos indivíduos, das comunidades e das suas empresas e organizações cívicas.

O Estado deve supervisionar o que é do interesse público geral, mas não substituir-se à sociedade.

II
Desenvolver e estabelecer uma extensão digital da governação e do aparelho de estado convencional, desmaterializando e substituindo todas as funções por este realizadas fisicamente sempre que tal possa fazer-se em melhores condições de custo e eficácia de resultados.

Exemplos de transição e desmaterialização de processos democráticos:


— Reduzir em 30% os custos orçamentais do sistema partidário.

— Concentração de todos serviços diplomáticos portugueses existentes na União Europeia numa só sede diplomática física sediada em Bruxelas, apoiada por uma plataforma digital eficiente. Os diplomatas dispensados serão deslocados para países não europeus, e as suas posições, extintas, ao mesmo tempo que se procede a uma diminuição drástica das representações diplomáticas. Com esta medida poderão encerrar-se imediatamente vinte e sete embaixadas e umas dezenas largas consulados na Europa, ganhando-se ao mesmo tempo eficácia diplomática.

— Desenvolvimento e implementação de plataformas digitais de ensino em rede com a subsequente redução do número de professores e de instalações, ao mesmo tempo que todos os livros e manuais escolares passarão a estar gratuitamente disponíveis (uns em formato digital, e outros nos formatos físicos convencionais). Esta medida permitirá manter gratuito o ensino pré-escolar, básico e secundário, e até reduzir para metade as propinas universitárias e os escandalosos preços exigidos pelas pós-graduações.

— Desenvolvimento e implementação de plataformas digitais de saúde, nomeadamente nas áreas da prevenção, rastreio, e consultas de rotina, complementadas por serviços médicos ambulatórios motorizados tecnologicamente assistidos. Apoiar e aprofundar a racionalização em curso.
 

— Desmaterialização acelerada dos processos administrativos e burocráticos, nomeadamente nos domínios da justiça, impostos, obtenção de licenças e outras autorizações processuais — e subsequente encerramento de serviços redundantes.


Reforma fiscal

 
— O IRS deverá ser fortemente progressivo para quem ganhe mais do que 10 salários mínimos mensais, fixando-se, porém, uma taxa máxima de IRS de 50%. E deve ser regressivo para os salários inferiores a 10 salários mínimos nacionais. As pessoas que aufiram rendimentos provenientes do trabalho inferiores ao salário mínimo nacional ficarão isentos de IRS ou qualquer outro imposto sobre o trabalho.

— Implementação imediata de um imposto sobre a especulação nos mercados financeiros, com especial incidência no comércio de títulos, obrigações, câmbios e juros.
— O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) deve ser rigorosamente aplicado, deve ser competitivo relativamente aos demais países da Zona Euro, e as fugas ao seu pagamento, nomeadamente através da deslocalização de sociedades, grupos e sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), deve ser fortemente penalizada.


— O IVA geral passará a ser de 24%; alguns produtos e serviços serão sujeitos a IVA reduzido: 14% na alimentação não transformada, bebidas não espirituosas e restaurantes, mas não bares; 10% nos hotéis e equiparados, artigos de farmácia, transportes de passageiros, livros, jornais e revistas, e admissões a eventos culturais e desportivos.
 

— Introdução imediata da legislação europeia favorável ao transporte ferroviário de pessoas e mercadorias, e em geral aos transportes públicos de base elétrica.

©António Cerveira Pinto
Escrito para o Partido Democrata


Última atualização: 21abr2013 15:28 WET