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Ernest Mandel, enquanto jovem trotskysta |
Espada de Dâmocles ou Póker?
“Já sabíamos que a negociação do Orçamento do Estado para 2019 ia ser mais complexa do que a do ano anterior. A minha prevenção sobre eleitoralismos também tinha a ver com isso. É que é inevitável estar presente na cabeça de quem vai votar que é o Orçamento do ano eleitoral. Continuo a considerar fundamental que o OE seja aprovado. E é tão fundamental para mim que uma não aprovação do OE me levaria a pensar duas vezes relativamente ao que considero essencial para o país, que é que a legislatura seja cumprida até ao fim”— Observador.
Um orçamento de estado do PS aprovado por Rui Rio é uma extravagância impensável.
Se viesse a ter lugar, implicaria uma rápida metamorfose do atual regime partidário e a emergência de algo cujos contornos não consigo antever. Ou seja, Marcelo não acredita nesta hipótese. Logo, está a dizer ao PCP que tem que aprovar o OE2019, se não...
Não se sabe se o PCP irá acolher esta aposta presidencial, engolindo sem uma negociação séria o Orçamento de 2019, cavando desta forma a sua sepultura eleitoral, ou se, pelo contrário, preferirá ir a jogo, deixando cair a Geringonça em nome do que chama uma
política de esquerda. Perderia talvez menos, do que deixar-se ludibriar pelo
entrismo a céu aberto dos trotskistas. O cálculo não é, porém, fácil.
A trajetória do Conselheiro de Estado trotskysta é antiga e não muda: forçar o PS a regressar aos bancos da escola marxista para cumprir o que promete: uma sociedade socialista. Será que as ilusões de Ernest Mandel (1), o alemão que revitalizou a discussão marxista sobre a revolução socialista no pós-Maio de 1968, pairam ainda sobre a cabeça de Francisco Louçã? Não sei. A antiga LCI—Liga Comunista Internacionalista transformou-se em PSR—Partido Socialista Revolucionário em 1978. Em 2004, para melhor se acomodar a uma nova realidade chamada Bloco de Esquerda, passou à categoria de associação (a APSR), a qual viria por sua vez a ser extindta em 2013, com a total imersão dos trotskystas portugueses na nova força partidária, cujo programa parece bem menos radical do que o da própria Constituição Portuguesa! (2)
O oportunismo pós-revolucionário da extrema esquerda portuguesa caracteriza-se hoje por um único objetivo: entrar e permanecer na esfera do poder
. Todos os seus principais protagonistas optaram por táticas reformistas e eleitorais. O objetivo é evidente: conquistar as novas sensibilidades culturais e a classe média educada. Imaginam, imagino eu, que o
fim do trabalho, nomeadamente através da sua desqualificação competitiva (
deskilling), da precariedade laboral, e do empobrecimento do estado social, acabará por gerar as condições objetivas para uma nova
rebelião das massas, que os iluminados marxistas, hoje vestidos de bloquistas, de comentadores televisivos e de deputados, irão então conduzir numa derradeira e heróica procura de “alternativas ao capitalismo”.
A rebelião contra o fim da prosperidade tecnológica alimentada com energias baratas, abundância de recursos naturais e capital intensivo, já começou. Duvido, porém, que venha a ser cavalgada por uma qualquer nova vanguarda marxista-leninista do proletariado, assumida, ou clandestina. A Rússia já não é marxista, apesar de continuar a ser a
besta negra do Ocidente, a China também despiu a casaca marxista-leninista-maoista assim que viu o petróleo jorrar em
Daqing, libertando-se só então da dependência do petróleo soviético, e quanto ao socialismo venezuelano, sem petróleo caro, deu na desgraça que todos conhecemos.
Ajudar o PS a manter o poder sem cair nas tentações mais óbvias do capitalismo—lucros obscenos, crescimento a qualquer preço, e corrupção—é, por assim dizer, o programa mínimo dos sobreviventes do maniqueísmo jacobino. Talvez seja uma condição necessária para evitar o pior, mas é claramente insuficiente. Falta imaginação e estudo ao Bloco de Esquerda.
Parece-me hoje evidente (e a Marcelo, pelos vistos, também) que a maioria absoluta de António Costa não passa de uma miragem. Ainda bem! Mas que virá depois? Uma nova geringonça, na forma de uma coligação PS-BE, deixando ao PCP uma derradeira janela de oportunidade para se renovar? Ou teremos novo governo minoritário do PS, sem apoios garantidos, nem à esquerda, nem à direita?
Dizem que António Costa é um político muito hábil. Estamos em pulgas para o reconhecer!
NOTAS
1. Leia-se esta interessante
biografia crítica sobre o famoso trostskysta de Bruxelas, nascido em Frankfurt: “Ernest Mandel : un marxiste hétérodoxe dans les années 1960”, par Mateo Alaluf. Prof. émérite, Université Libre de Bruxelles. Communication au Forum international du 20-22 mai 2015 – Lausanne. « Le troisième âge du capitalisme, sa physionomie socio-politique à l’orée du XXI è siècle. » E ainda o
Discours d’Ernest Mandel à Lisbonne, proferido na Voz do Operário, a 19 de maio de 1974.
2. Do Programa do Bloco de Esquerda
O Bloco de Esquerda defende [...] a perspetiva do socialismo como expressão da luta emancipatória da Humanidade contra a exploração e opressão.
Da Constituição da República Portuguesa
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de [...] abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.