A bipolarização criada pelo perdedor António Costa (atrelando o PS à Geringonça—uma espécie de Frente Popular pós-moderna) começou a virar, como previ a tempo, em direção à maioria sociológica do país, reafirmando, felizmente, o poder das forças empresariais, profissionais e intelectuais que nos deram a independência e a conservaram ao longo dos séculos. É tempo de manter rédea curta nas burocracias palacianas e dos novos velhos do Restelo (representados pela gerontocracia do PCP e do PS).
Não deixa de ser uma ironia constatar como o filho dum comunista, balbuciando ainda a retórica da Política, devolve a capital do país ao espírito liberal que fez de Portugal o primeiro país burguês da história da humanidade.
Quer na liberal Porto, quer em Lisboa, onde em 1383 se fez uma revolução decisiva, vêm aí “novos tempos” (Carlos Moedas). Oxalá!
PS: o rapazola dos Porsches ficou com menos um adversário na sua corrida para colocar a nova geração ‘socialista’ aos comandos do PS.
Morte da Geringonça e sucessão de Costa
António Costa esperava francamente mais de André Ventura. Esperava, sem nunca o dizer (claro!) que o Chega socavasse ainda mais a base eleitoral d PCP, mas sobretudo a do PSD. O seu sinistro desígnio falhou. No entanto, o Chega continuará a subir nas intenções de voto, pois os estragos sociais e económicos causados ao país por décadas de corrupção, burocracia e paternalismo partidário (com responsabilidades repartidas pelo chamado arco da governação, o qual abrangeu também ao PCP) são de tal monta que o horizonte de dor social não desaparecerá tão cedo. Piorará, certamente, se a vitória de Moedas em Lisboa, a par da conquista/manutenção das principais cidades do país (Lisboa, Porto, Cascais, Oeiras, Maia Funchal, Ponta Delgada, etc.) pelas forças liberais, não se traduzir no início de uma verdadeira dinâmica revolucionária pela liberdade económica, pela racionalidade política, pela transparência dos processos e por uma real igualdade de oportunidades e justiça social.
Jerónimo!
Jerónimo de Sousa é uma espécie de Salazar comunista. Também este caiu da cadeira, metaforicamente, claro. Resta saber se na queda arrastará o PCP para o Nada! Jerónimo acredita piamente que depois dele virá o dilúvio. Compete agora aos jovens comunistas fazerem a sua prova de vida. Depois de perderem Beja, Almada, Loures e Santarém, e praticamente todo o resto do Alentejo para o PS, PSD e Chega (Évora cairá nas próximas eleições...), a vida dos comunistas não será fácil de hoje em diante. Já não existem nas ilhas. Não existem nas principais áreas urbanas do país. Em breve perderão também os seus sindicatos. É tempo de lhes retirar o excesso de microfones e holofotes da falida comunicação social que temos.
Bloco à deriva
O Bloco comprovou nestas eleições o falhanço redondo da estratégia trotskista tardia do senhor Louçã. A ideia dele (desde 1973) era convencer o PS a ser finalmente um partido socialista decente. Não deixa de ser extraordinário constatar como esta criatura conseguiu gastar toda uma vida para conseguir parir apenas o Pedro Nuno Santos e uma frente popular pós-moderna desmiolada, arrogante e sem futuro. Tempo de retirar os tachos e os postos de propaganda mediática privilegiados que foram oferecidos a esta força partidária a caminho da sua eterna condição de seita intelectual oportunista.
PS, um partido provinciano com um distribuidor de esmolas em Lisboa
O Partido Socialista tem vindo a ser expulso das principais cidades do país: Lisboa, Porto, Coimbra, Cascais, Oeiras, Braga, Viseu, Santarém, Portalegre, Faro...
Costa diz que o PS continua a ser o maior partido autárquico. Pode dizer o que quiser. Presunção e água benta, cada um toma a que quer, costumava dizer o meu avô, anticlerical, anti-salazarista, republicano e nos poucos anos que viveu em democracia, PPD, claro.
Chega?
A proximidade ao Vox de Espanha não ajuda nada André Ventura... No eleitorado urbano das cidades grandes, médias (por exemplo, Braga) e mesmo pequenas (por exemplo, Viana) o discurso extremista não pega, como não pegou o da extrema-esquerda, a qual, apesar do re-branding (querem um país 'decente', dizem), está em declínio inexorável. Até porque o futuro PS, de Pedro Nuno Santos, agregará boa parte dos temas da agenda do Bloco e ambientalistas. A subida dos extremos será sempre sinal de que algo não vai bem no nosso país... Curiosamente, o PCP, alimentado pela sua nova Juventude Comunista, essencialmente urbana e até cosmopolita, poderá renascer das cinzas—depois da saída do Jerónimo de Sousa.
O presidente da companhia aérea Ryanair acusou esta terça-feira a TAP de bloquear slots no aeroporto de Lisboa, impedindo o crescimento de outras companhias aéreas, e anunciou o lançamento de 26 novas rotas desde Portugal para o inverno.
A propósito da moribunda TAP, uma afirmação lúcida do Cmdt. Pereira Coutinho:
“Não há empresas estratégicas em Portugal, há sectores estratégicos, como é o caso do sector aéreo, que deve assegurar a acessibilidade aérea competitiva a Portugal, tanto no transporte de passageiros, como na carga aérea.”
Ou seja, não importa quem transporta pessoas e cargas, mas sim que o país seja uma boa plataforma de transporte. Sendo a aviação um dos setores industriais e comerciais mais competitivos e com maior intensidade de capital intensivo do planeta, atravessando há mais de vinte anos, por um lado, um processo de concentração em grandes grupos (Lufthansa Group, Ryanair, IAG, Air France – KLM Group, easyJet, Turkish Airlines Group, Aeroflot Group; onde fica a TAP neste processo?), e por outro, claras mudanças de paradigma (Low Cost), extraordinário seria que a TAP pudesse escapar ao novo condicionalismo. Deveria ter agido a tempo, quer na manutenção das suas ligações estratégicas às Américas e a África, quer na criação de uma TAP Europa, com ligações ponto-a-ponto e lógicas de produtividade em linha com as companhias Low Cost.
Os piratas da tríade de Macau, e a turma de piratas do BES, deram cabo da TAP. António Costa lança, entretanto, a despesa do assalto e da ideologia, no orçamento da dívida portuguesa.
O buraco negro da TAP é superior a QUATRO MIL MILHÕES DE EUROS (4 Pontes Vasco da Gama!). A tesouraria deverá estar a zeros depois dos pagamentos deste verão ao pessoal. Haverá, depois deste crime partidário, quem queira herdar a TAP? O gajo da Ryanair diz que nem dada! Uma empresa que dá prejuízo há 28 anos consecutivos, e na qual os contribuintes metem dinheiro de cinco em cinco anos, não é uma empresa, é um centro de custos que beneficia muito poucos e que a inculta e distraída manada paga e não bufa.
PS: o falido Expresso, que certamente não recebe publicidade da Ryanair, mas sim da TAP, lá teve que voltar a insinuar que a Ryanair recebe apoios do Estado português. Uma fake news mais do que esclarecida.
To discuss post-democracy or a 2.0 democracy, we will first have to realize the degree of technological sophistication of today's societies. We cannot compete with AI algorithms, data-mining networks, or DarkNet, using old-fashioned ideological and political tools: manifestos and political parties, parliaments, governments and presidents.
The following shows how deep states connect to dark technology.
The Military Origins of Facebook
By Whitney Webb Unlimited Hangout
Facebook’s growing role in the ever-expanding surveillance and “pre-crime” apparatus of the national security state demands new scrutiny of the company’s origins and its products as they relate to a former, controversial DARPA-run surveillance program that was essentially analogous to what is currently the world’s largest social network.
(...)
Facebook, a Front
Because of the coincidence that Facebook launched the same day that LifeLog was shut down, there has been recent speculation that Zuckerberg began and launched the project with Moskovitz, Saverin, and others through some sort of behind-the-scenes coordination with DARPA or another organ of the national-security state. While there is no direct evidence for this precise claim, the early involvement of Parker and Thiel in the project, particularly given the timing of Thiel’s other activities, reveals that the national-security state was involved in Facebook’s rise. It is debatable whether Facebook was intended from its inception to be a LifeLog analogue or if it happened to be the social media project that fit the bill after its launch. The latter seems more likely, especially considering that Thiel also invested in another early social media platform, Friendster.
An important point linking Facebook and LifeLog is the subsequent identification of Facebook with LifeLog by the latter’s DARPA architect himself. In 2015, Gage told VICE that “Facebook is the real face of pseudo-LifeLog at this point.” He tellingly added, “We have ended up providing the same kind of detailed personal information to advertisers and data brokers and without arousing the kind of opposition that LifeLog provoked.”
Users of Facebook and other large social media platforms have so far been content to allow these platforms to sell their private data so long as they publicly operate as private enterprises. The backlash only really emerged when such activities were publicly tied to the US government, and especially the US military, even though Facebook and other tech giants routinely share their users’ data with the national-security state. In practice, there is little difference between the public and private entities.
Edward Snowden, the NSA whistleblower, notably warned in 2019 that Facebook is just as untrustworthy as US intelligence, stating that “Facebook’s internal purpose, whether they state it publicly or not, is to compile perfect records of private lives to the maximum extent of their capability and then exploit that for their own corporate enrichment. And damn the consequences.”
Snowden also stated in the same interview that “the more Google knows about you, the more Facebook knows about you, the more they are able . . . to create permanent records of private lives, the more influence and power they have over us.” This underscores how both Facebook and intelligence-linked Google have accomplished much of what LifeLog had aimed to do, but on a much larger scale than what DARPA had originally envisioned.
The reality is that most of the large Silicon Valley companies of today have been closely linked to the US national-security state establishment since their inception. Notable examples aside from Facebook and Palantir include Google and Oracle. Today these companies are more openly collaborating with the military-intelligence agencies that guided their development and/or provided early funding, as they are used to provide the data needed to fuel the newly announced war on domestic terror and its accompanying algorithms.
It is hardly a coincidence that someone like Peter Thiel, who built Palantir with the CIA and helped ensure Facebook’s rise, is also heavily involved in Big Data AI-driven “predictive policing” approaches to surveillance and law enforcement, both through Palantir and through his other investments. TIA, LifeLog, and related government and private programs and institutions launched after 9/11, were always intended to be used against the American public in a war against dissent. This was noted by their critics in 2003-4 and by those who have examined the origins of the “homeland security” pivot in the US and its connection to past CIA “counterterror” programs in Vietnam and Latin America.
Ultimately, the illusion of Facebook and related companies as being independent of the US national-security state has prevented recognition of the reality of social media platforms and their long-intended, yet covert uses, which we are beginning to see move into the open following the events of January 6. Now, with billions of people conditioned to use Facebook and social media as part of their daily lives, the question becomes: If that illusion were to be irrevocably shattered today, would it make a difference to Facebook’s users? Or has the populace become so conditioned to surrendering their private data in exchange for dopamine-fueled social-validation loops that it no longer matters who ends up holding that data?
“Eu queria pintar o nada. Estava em busca de algo que fosse a essência do nada, e lá estava.” Andy Warhol
...e o radicalismo político do século 21, inconsequente e pueril.
A rebelião propagada ao longo da década que finda não tem finalidade que valha a pena e se veja para lá da ansiedade egocêntrica dos seus protagonistas. Mesmo o radicalismo ecológico parece ser demasiado vesgo e narcisista para ser levado a sério. Precisamos, pois, de uma nova metafísica capaz de superar o egoísmo humano e que de algum modo refaça a simbiose entre o humanismo exacerbado (que é uma óbvia falsa consciência das coisas) e o não humano de que somos uma das manifestações possíveis.
O populismo atual, à esquerda e à direita, é uma resposta objetiva à corrupção das democracias modernas e ao colapso da modernidade unilateralmente laica. Por outro lado, a chamada superioridade moral da esquerda, se bem observada, verifica-se não ser mais do que uma ideia-fóssil. Em primeiro lugar, porque o proletariado morreu, e em segundo, porque a pequena-burguesia intelectual urbana, portadora do chamado pensamento politicamente correto, está a ser dizimada pela mesma máquina capitalista que destruiu o pilar número um da revolução socialista, isto é, o trabalho humano — progressivamente substituído por máquinas, por robôs cada vez mais inteligentes, e pela cibernética.
“Proletários de todo o mundo, uni-vos!”
resume a mensagem essencial do Manifesto do Partido Comunista numa era em que a revolução industrial dava origem à maior migração alguma vez ocorrida na história da humanidade. Esta migração teve lugar do campo para a cidade, em sucessivas grandes ondas, a primeira das quais na Europa ocidental a na América do Norte, ao longo da segunda metade do século 19 e o primeiro quartel do século 20, depois no resto do continente americano, sobretudo na primeira metade do século 20, e finalmente na Ásia ao longo da segunda metade do século 20 e primeiro quartel do século em que estamos. Duvido que a África venha a passar pelo mesmo processo, não só porque o modelo de crescimento dos últimos duzentos anos se esgota no esgotamento da exploração das energias fósseis, e no colapso ecológico em curso, mas também por razões de ordem cultural. Esta é, aliás, a origem da explosiva pressão migratória do novo gigante demográfico sobre a Europa, à qual os partidos políticos tradicionais e as ideologias universitárias de bolso não têm sabido dar resposta. Revelam, aliás, para além do maniqueísmo habitual, ou do pietismo inconsequente de António Guterres e do papa Francisco, uma total incapacidade de pensar neste imenso problema.
À medida que este movimento browniano de populações proliferou, depois da disseminação da máquina a vapor, cresceram as chamadas revoluções proletárias, quer na forma violenta e insurrecional, quer na forma de greves, negociações sindicais e legalização de partidos de esquerda (social-democratas, socialistas, comunistas). A extrema-esquerda que emerge na Europa a partir dos anos 60 do século 20, apesar de ideologicamente vinculada à literatura marxista, e das suas fortíssimas ligações universitárias aos movimentos anti-coloniais que se irão suceder à independência da Índia contemporânea (1947), já não faz propriamente parte dos movimentos proletários, configurando antes uma agenda tipicamente pequeno-burguesa associada ao desenvolvimento do capitalismo pós-industrial, basicamente assente na produção simbólica e intelectual, na economia de serviços e no consumo — nomeadamente no consumo conspícuo e desmiolado. Em suma, quando hoje olhamos para o Partido Comunista Português estamos, na realidade, a observar um fóssil.
O proletariado, mesmo nos chamados países socialistas, onde esteve invariavelmente submetido a ditaduras centrípetas, herdeiras do despotismo asiático, e onde nunca houve direito à greve, nem muito menos luta de classes (1), foi dando lugar a máquinas cada vez mais inteligentes e 100% dóceis, preenchendo assim o novo vazio demográfico provocado pela rápida destruição da família tradicional e pelo envelhecimento humano. O exemplo mais flagrante desta metamorfose é a China comunista, onde o PCC, pelo uso esmagador do milenar despotismo asiático, associado à importação canina dos piores modelos de exploração e especulação capitalistas, acelerou, como em nenhum outro caso, ou seja, em apenas quarenta anos (1960-2001), a transição de uma sociedade miserável, maioritariamente campesina, para uma mole social pós-industrial. Pelo meio, existiu uma brevíssima e brutal fase industrial clássica, sem regras, predadora, mas também suicida, pois o pico petrolífero na China obrigaria o país a uma utilização super-intensiva do carvão enquanto principal energia do seu explosivo desenvolvimento económico. A expansão exponencial e exponencialmente rápida do consumo, sobretudo nas grandes metrópoles que entretanto nasceram como cogumelos numa manhã de outono, trouxe consequências letais não só para a China, mas também para o resto do mundo, como a presente pandemia atesta tragicamente.
Na China comunista, o proletariado revolucionário nunca existiu.
Os operários industriais chineses do século 20 estiveram sobretudo ao serviço da agenda nacionalista do seu novo mandarim, Mao Tse Tung, sem nunca terem alguma vez beneficiado de quaisquer liberdades ou direitos por si mesmos conquistados. Por sua vez, a maioria dos operários chineses de hoje caminha rapidamente para uma transmutação, tal como no resto do mundo desenvolvido. Esta metamorfose robótica é, por sinal — e daí o nervosismo crescente de Xi Jinping)—, a maior fragilidade do regime chinês depois de Deng Xiaoping, habituado desde sempre a uma ou outra forma de escravatura e humilhação dos mais fracos. A China depende hoje criticamente de uma expansão imperial, porque precisa de trabalho escravo que escasseia no seu país, e porque precisa de energia e matérias primas abundantes que escasseiam no seu país. Acontece, porém, que o imperialismo benigno que a burocracia chinesa deseja, é altamente improvável no estado a que o mundo dos humanos chegou. Falta apenas saber se, para aceitar esta realidade, a China vai ou não forçar uma guerra mundial.
A esquerda ocidental está enredada nas aporias que criou e deixou crescer desde Auschwitz e Hiroshima.
Não percebeu, por isso, que o radicalismo francês, e mais tarde alemão, do pós-guerra, assentou numa base teórica e psicológica muito frágil. O seu anti-humanismo antropocêntrico e moderno não soube tirar as lições das sucessivas carnificinas da primeira metade do século 20. Em suma, a esquerda pseudo-marxista nascida do existencialismo sartriano refugiou-se no narcisismo ideológico e numa espécie de hipocrisia e obscenidade compulsivas, oportunistas e palavrosas.
Como escreve Graham Harman (2), “Radical politics as we know it is an outgrowth of modern philosophy with its modern idealism, and hence is unlikely to service much longer than modern philosophy itself.”
NOTAS
1. A explicação lógica é esta: no socialismo não há qualquer motivo para a luta de classes, menos ainda para greves!
2. Harman, Graham. Object-Oriented Ontology, A New Theory of Everything (2018)
Neste blog o tema do colapso do homem moderno é, por assim dizer, recorrente e certamente influenciado por muitas leituras, desde The Limits to Growth (Meadows, Donella H et al., 1972) até à Teoria Ator-Rede de Bruno Latour, Michel Callon e John Law, passando pela desmontagem dos mitos em volta do homem moderno e das suas ciências e utopias políticas realizada por Jean-Francois Lyotard. Por um lado, a civilização industrial assente no uso de fontes abundantes de energia, altamente calóricas, facilmente transportáveis e baratas (carvão, petróleo, gás natural) ao longo de dois séculos de extraordinário crescimento e desenvolvimento tecnológico, encontra-se hoje confrontada com os limites ao crescimento impostos quer pelo fim do acesso fácil àquelas três energias fósseis, quer pelos efeitos da queima destes fósseis na composição da atmosfera. Por outro lado, a perceção de que a ação humana, sobretudo das sociedades mais ricas, mais produtivas, mais cultas e tecnologicamente mais avançadas, poderá estar na origem duma extinção em massa da vida existente no planeta, precedida por crises violentas e mesmo colapsos de cidades, países e regiões geográficas inteiras é, em si mesma, um desafio à qualidade e autoridade da racionalidade do homem moderno (1).
Perante este desafio sem precedentes, dada a sua escala planetária e a destruição dos equilíbrios naturais causados pelo homem moderno naquela fina película de vida que recobre o planeta (a que Latour chama zona crítica), parece haver dois tipos de resposta dominante: a de curto e médio prazo, que passa pela chamada agenda ecológica, cujos pontos críticos são a decisão de abandonar as energias fósseis e o controlo e limitação dos acessos aos recursos naturais disponíveis (pela via da monitorização e de leis de restrição às capturas e extrações); e a de médio e longo prazo, que passa pela descoberta de novos continentes de energia e matérias primas, a que Rory Rowan chama futurismo colonial.
Embora a espuma dos dias nos entretenha com futebol e coscuvilhice politiqueira, a verdade é que o nosso país tem vindo a apostar nas duas vias de mitigação potencial de uma crise que se aproxima com a força dum maremoto, seja pela aposta nas energias eólica e voltaica, nos metais raros (lítio, por exemplo) e no hidrogénio, seja, mais silenciosamente, pela preparação de uma nova aventura colonial precedida dum período de descobertas e exploração. Estas duas novas epopeias em surdina são, por um lado, a conquista do espaço, desde logo pela necessidade urgente de o libertar de uma crescente poluição aeroespacial, e a conquista da profundidade oceânica, onde se espera encontrar um novo e imenso manancial de espécies vivas, de minerais e de novas matérias primas (2). Interessa notar, desde já, que o arquipélago dos Açores, a par da extensão previsível da Platafoma Continental portuguesa, são o novo mare nostrum e a nova terra incognita que poderão oferecer ao nosso país uma segunda grande oportunidade de vencer a sua atual pequenez e pobreza relativas.
A grande dúvida reside, porém, na qualidade destas estratégias de mitigação. Haverá alguma consistência nos seus pressupostos, ou não passarão duma fuga em frente onde se misturam business as usual, especulação e wishful thinking?
NOTAS
1. 2020: The Year Things Started Going Badly Wrong
Posted on December 23, 2020 by Gail Tverberg
The economy is like a down escalator that citizens of the world are trying to walk upward on. At first the downward motion of the escalator is almost imperceptible, but gradually it gets to be greater and greater. Eventually the downward motion becomes almost unbearable. Many citizens long to sit down and take a rest.
In fact, a break, like the pandemic, almost comes as a relief. There is suddenly a chance to take it easy; not drive to work; not visit relatives; not keep up appearances before friends. Government officials may not be unhappy either. There may have been demonstrations by groups asking for higher wages. Telling people to stay at home provides a convenient way to end these demonstrations and restore order.
But then, restarting doesn’t work. There are too many broken pieces of the economy. Too many bankrupt companies; too many unemployed people; too much debt that cannot be repaid. And, a virus that really doesn’t quite go away, leaving people worried and unwilling to attempt to resume normal activities.
Some might describe the energy story as a “diminishing returns” story, but it’s really broader than this. It’s a story of services that we expect to continue, but which cannot continue without much more energy investment. It is also a story of the loss of “economies of scale” that at one time helped propel the economy forward.
(...)
With diminishing returns everywhere and inadequate sources of very inexpensive energy to keep the system going, major parts of the world economic system appear headed for collapse. There doesn’t seem to be any way to keep the world economy growing rapidly enough to offset the down escalator effect.
Citizens have not been aware of how “close to the edge” we have been. Low energy prices have been deceptive, but this is what we should expect with collapse. (See, for example, Revelation 18: 11-13, telling about the lack of demand for goods of all kinds when ancient Babylon collapsed.) Low prices tend to keep fossil fuels in the ground. They also tend to discourage high-priced alternatives. Unfortunately, all the wishful thinking of the World Economic Forum and others advocating a Green New Deal does not change the reality of the situation.
2. “Beyond Colonial Futurism: Portugal’s Atlantic Spaceport and the Neoliberalization of Outer Space”
In November 2016 Portugal’s Ministry of Science, Technology, and Higher Education announced plans to open the Atlantic Spaceport, a logistics site for commercial space launches. Located in the Azores, a mid-Atlantic archipelago and autonomous region of Portugal, the Atlantic Spaceport is the lynchpin of national and European attempts to make the country an “innovation hub” for the fast-growing commercial space sector. With these plans, the Portuguese state, and its backers at the European Space Agency, are seeking to position the country as a player in the neo-liberalization of outer space, whereby the governance of space is restructured around the growth of private industry and a gradual shift from space exploration to space exploitation.
Understood within the context of Portugal’s post-financial crisis economic policy, the Atlantic Spaceport takes its place amongst other attempts to stimulate growth by drawing on the country’s colonial territories and relationships with former colonies—from “golden visa” programs offering residency to wealthy Brazilians investing in Portuguese real estate and courting investment from oil-rich Angolans, to the hotly contested plans to offer deep-sea mining concessions of the Azores’ coast. However, in official discourses Portugal’s venture into the commercial space sector is framed in terms of international cooperation, scientific collaboration, and economic development with the Atlantic Spaceport, positioning the country as a geopolitical pivot between Global North and Global South, with its colonial history figured as the launchpad for techno-futurist imaginaries of human life in space.
This lecture seeks to use the Atlantic Spaceport as a lens through which to explore the deep entanglement of colonial imaginaries and neoliberal governance in the context of European space exploration, rather than in the more familiar setting of American final-frontierism. It argues that only by understanding the ways in which contemporary visions of off-Earth futures are constitutively bound up with patterns of colonial thinking, capitalist accumulation, and neoliberal governance is it possible to imagine these futures otherwise and to develop modes of thought and practice whereby the promise of space exploration as a vector of freedom and justice – both on and off-Earth – might be realized.
—in e-flux lectures: Rory Rowan, “Beyond Colonial Futurism: Portugal’s Atlantic Spaceport and the Neoliberalization of Outer Space”
Recomenda ao Governo a criação de um Grupo de Trabalho para dar resposta ao crescente conflito entre gaivotas e humanos
A crescente ocupação humana dos espaços naturais tem vindo a criar algumas situações de conflito entre os humanos e os animais, usualmente com perdas para estes últimos. São inúmeras as espécies que têm sofrido decréscimos populacionais devido a interacções negativas, por perda de espaço para nidificarem, se alimentarem e descansarem. No entanto, algumas espécies têm conseguido adaptar-se aos espaços urbanos, podendo, contudo, esta adaptação resultar em situações de conflito.
A proposta legislativa da deputada não inscrita Cristina Rodrigues é um passo em frente no que poderia ser uma alteração histórica da Assembleia da República: um parlamento dos seres animados e inanimados que tornam a vida humana possível, e habitam na chamada zona crítica do planeta.
Há demasiados deputados no nosso parlamento: 230. 170 seriam suficientes. Podemos até afirmar que para defender os interesses particulares dos portugueses, 100 pessoas eleitas seriam mais do que suficientes. Os outros 70 representantes seriam deputados e deputadas de outras formas de vida: corais, minhocas, lémures, sapos, polvos, gaivotas, abelhas, ursos, cavalos, salmões, lobos, cães, linces, gatos, canários, pombos-correio, papagaios...; mas também araucárias, pinheiros mansos e bravos, oliveiras, sobreiros, azinheiras, magnólias, roseiras, hibiscos, ervilhas de cheiro; mas também a água doce, o mar salgado, os rios, o fogo, as praias, vales, montanhas, desertos e noites. Estas individualidades, quase sempre entes coletivos e simbióticos, estariam pois representadas no órgão legislativo máximo do país por direito próprio. Como? Por exemplo, através de gémeos idênticos (identical twins). Estes representantes estariam de algum modo ligados a atores e jogadores inteligentes, ciber-humanos, dotados de ultra-sensibilidade e enorme espírito de responsabilidade e colaboração. Neste parlamento das coisas (causas) os trabalhadores assalariados defenderiam as suas causas (as suas coisas), tal como o fariam os empresários, os muito pobres e os muito ricos, as rolas migrantes, as gaivotas e os cagarros de São Jorge, os linces da Serra da Malcata, as lagartixas, as lagoas saudáveis e as lagoas em processo de eutrofização avançada, as nuvens e o mar.
A ideia de um parlamento das coisas (things, cousas, do latim causă, causa) foi proposta por um filósofo francês chamado Bruno Latour. Sempre me fascinou a sua ANT (Actor Network Theory). Devo, porém, confessar que não aprofundei a ideia lendo ou escutando este autor de modo sistemático, seja por recear alguma deceção, seja por preferir divagar livremente sobre aquela repentina iluminação. A influência universitária deste pensador híbrido é hoje muito significativa, nomeadamente na proposta de novos paradigmas para a ação cognitiva e política, por exemplo, através do que designa “thought exhibitions”, as quais certamente ajudam a compor a didascália da sua filosofia, mas pouco acrescentam, em minha opinião, aos problemas teóricos e práticos da arte contemporânea e pós-contemporânea. Leibniz (1714), Gabriel Tarde (1893), James Lovelock (1965-72), Lynn Margulis (1971), Donna Haraway (1984), e obviamente Jean-François Lyotard (1979), herdeiro do pós-humanismo revolucionário e marxista (L’Inhumain, 1988), são referências importantes no pensamento de Latour (1987).
A questão identitária que re-emergiu tão fortemente no início deste século, sobretudo como causa e consequência do 11 de Setembro, é uma representação da impossibilidade material e humana de uma modernidade global, de uma efetiva democracia global, de uma verdadeira liberdade internacionalista dos povos, em suma, é uma imagem da crise que nasce da grande religião laica falhada, o marxismo. Esta pretensa ciência anunciou o enterro das velhas religiões e a libertação dos povos de todo o mundo. O destino e o caminho somariam uma nova totalidade construtivista. Mas como os sonhos da razão nas gravuras de Francisco de Goya, os muitos herdeiros de Hegel fartaram-se de gerar monstros.
Estamos há já algum tempo a entrar numa outra fase da luta de classes, no sentido matemático e lógico da expressão. No horizonte, pressentimos um conflito de interesses subjetivos e objetivos de enormes dimensões. Desta vez, porém, os humanos não são os únicos atores da guerra de classes, nem sequer os principais protagonistas desta agonística territorial e identitária. Agora é a vez da revolução alastrar às ‘coisas’ em geral, às causas em geral. Haverá, porventura, uma convulsão animista de proporções bíblicas. Os demónios e os anjos enterrados regressarão com toda a sua força, penetrando-nos, pobres arrogantes, até ao mais ínfimo das nossas células e membranas.
Gaia, ao contrário do green business as usual, não é o ‘planeta azul’, não é um ‘organismo’, mas antes uma propriedade emergente da interação entre organismos, como Lynn Margullis bem argumentou. Na feliz formulação de uma estudante sua, “Gaia is just symbiosis as seen from space”.
Latour e outros chamam a esta propriedade emergente, a esta simbiose, ‘zona crítica’, uma espécie de pele do planeta, ou ‘verniz’ (outra expressão de Latour) a que também se chama vida, mas de que fazem parte vida e não-vida, semi-vida e sobre-vida.
Nesta membrana planetária única, animais modernos, animais antigos (arqueia) e proto-animais interagem com plantas, fungos, bactérias e vírus, com o oxigénio que as algas e as florestas produzem, com a água salgada, o sal e outros minerais, com a água doce dos rios, lagos e aquíferos, e por aí adiante.
O Sol e a Lua, a força gravitacional e a rotação da Terra, ou ainda a atividade nas regiões profundas do planeta, que por exemplo se manifesta na atividade vulcânica e tectónica, e traz ouro e petróleo à superfície, está de algum modo fora do microscópio de Bruno Latour, talvez por serem coisas sobre as quais os humanos são totalmente incapazes de interferir Creio, aliás, que será esta impossibilidade de impor constrangimentos ao Sol (não há vacina possível contra as explosões do grande astro que nos aquece e é certamente o nosso único Deus) a razão pela qual Bruno Latour restringe o seu mundo de possibilidades, ficando de algum modo prisioneiro da tradição filosófica francesa do pós-guerra no seu irreprimível desejo de descoberta de um novo Leviatã, desta vez ecológico e reticular. Latour evita os telescópios, preferindo as lunetas e os microscópios.
A metáfora do ‘parlamento das coisas’ é uma experiência mental cuja principal utilidade é demonstrar a insuficiência e até a insignificância dos parlamentos humanos resultantes de uma crise de comunicação e de colaboração entre todos os atores da Mãe Terra. Há, por conseguinte, um frenesim de vozes não humanas que os humanos terão que aprender rapidamente a reconhecer, para poderem dialogar, antes que seja tarde demais. Esta zona crítica a que chamamos vida, um rizoma de cadáveres produtivos (apesar de sempre esquisitos), rebentos, nados mortos e seres que nascem, crescem e morrem, é uma raridade absoluta no universo que conhecemos. Na nossa arrogância e medo, acreditamos que somos os únicos responsáveis pela extinção aparentemente em curso. Para salvar a pele, tudo faremos para reverter o infeliz desfecho da rã que puseram numa panela de água que foi aquecendo lentamente. Oxalá!
Nota soturna sobre o momento que passa...
A China deixou escapar o génio da garrafa. Passarão muitas décadas até que este descuido, ou ação premeditada, seja perdoada e esquecida. Espera-nos um longo inverno micro-biológico pela frente. As economias que resistirem ao colapso em curso, não terão condições nem vontade de regressar à velha normalidade. Outra normalidade nascerá deste holocausto provocado pela incúria e ganância humanas. Se algo de útil podemos fazer neste momento, é conversar sobre o que nos está a acontecer. Estamos a caminho dum colapso catastrófico e duradouro? Se já sabemos que teremos que mudar de vida, se houver vida para mudar, porque não começamos já? Os pequenos gestos contam.
Não foi o vírus que fechou os humanos em casa. Fomos nós!
Nota de esperança
A última filosofia nascida em França dá pelo nome de Realismo Especulativo. Quentin Meillassoux é o seu principal expoente. Contesta uma vez mais a filosofia kantiana do conhecimento. E retira, uma vez mais, a centralidade humana do processo cognitivo e ontológico. O evento certamente contingente conhecido por SARS-CoV-2, e o desfecho que resultar deste ‘acidente’, serão certamente dois oportunos testes de resistência a mais esta tentativa de instaurar e prosseguir uma ontologia orientada para os objetos, na qual o humano não tem lugar.
REFERÊNCIA
Bruno Latour recebeu recentemente o prémio Spinozalens, precisamente focado no seu trabalho sobre o parlamento das Coisas (1989). Eis a sua conferência dada ao receber o prémio da International Spinozaprijs Foundation.
O projeto para a produção de hidrogénio deste governo e da EDP é um crime da ordem de grandeza do que foi cometido por José Sócrates e a mesma EDP nos contratos de implementação das energias eólica e solar no nosso país quando estas tecnologias eram demasiado ineficientes e caras.
Os portugueses estão há décadas a empobrecer, incapazes de vencerem o fosso que os separa já da esmagadora maioria dos países da União Europeia. As rendas escandalosas das PPP rodoviárias, as rendas do assalto levado a cabo pelos piratas da EDP e das ditas energias verdes, e agora as rendas previsíveis (e escondidas) desta impraticável aposta no hidrogénio são uma das principais causas da ruína do país e, num prazo não muito longo, do colapso à vista do regime, e pior do que isso, da nossa frágil e capturada democracia.
Vale pois a pena ouvir este painel de especialistas sobre o tema explosivo do hidrogénio!
O próximo buraco negro?
Percebi desta conversa quatro ideias de fundo:
1) O plano do PS (tríade de Macau) e do PSD (Barroso, Arnaut, Goldman) é inviável e deverá cair antes de se tornar irreversível. Trata-se do maior e mais perigoso elefante branco que a EDP impingiu aos piratas do PS e do PSD. É, na realidade, um caso de polícia. Mas para parar esta enormidade não basta esperar que os factos nos dêem razão. Teremos, isso sim, que questionar, sem dar a menor trégua, o rapaz do brinco, o ministro do fascismo ambiental, e António Costa.
2) A eletricidade vai ter um enorme aumento no mix energético ao longo desta década e das duas próximas, sobretudo porque vai entrar em força no sector dos transportes, nomeadamente automóvel, ainda que aqui se esperem novidades importantes nas próximas duas décadas, com a emergência dos chamados combustíveis sintéticos renováveis, com origem em água, eletricidade renovável e CO2 sequestrado (por exemplo de uma unidade de produção de fertilizantes). Ou seja, não teremos 100% de carros elétricos movidos a bateria (com a poluição astronómica que esta hipótese representaria para o ambiente, a par da extração de terras raras em áreas protegidas do país), mas sim 0% de carros movidos a células de hidrogénio (o que inviabilizará toda a loucura congeminada para Sines) e ainda, muito provavelmente, 70 a 80% de automóveis, camiões e navios movidos a combustíveis convencionais purificadas e, noutro campeonato, a combustíveis sintéticos renováveis, também conhecidos por E-diesel.
3) A biomassa é o nosso maior fator de competitividade energética (e também de contenção dos fogos florestais), a par das energias hidroeléctricas, solar e eólicas — estas últimas, porém, só depois de pago a excesso de custo causado pelo pioneirismo gangster dos senhores Pimenta e quejandos.
4) Apostar em unidades de exploração e desenvolvimento de células de hidrogénio é recomendável, mas o projeto megalómano dos avençados da sinoEDP é um crime da ordem de grandeza dos que foram cometidos no plano de barragens e as feed-in tariffs do Sócrates, BES e companhia.