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sábado, fevereiro 12, 2011

Passos de coelho

Direcção do PSD tem trinta dias para mostrar o que vale

Se Passos Coelho deixar passar esta oportunidade de avançar para eleições antecipadas, perderá credibilidade e será visto como um líder medroso e oportunista, deixando o campo totalmente livre a Cavaco Silva.

Cavaco odeia Passos Coelho, e portanto aproveitará a sua hesitação e medo para o pendurar numa corda de seca até que caia de podre num próximo congresso extraordinário — quando o governo, seja ele qual for, caminhar para uma diminuição do número de freguesias urbanas e de municípios, e proceder à venda de algumas empresas públicas falidas, após liquidar os respectivos passivos (suponho).

Se a actual direcção do PSD hesitar, como parece que vai suceder, e ficar encalhada no apoio a José Sócrates, como se a responsabilidade democrática não estivesse, precisamente, na urgência da remoção deste desastroso governo e do mitómano que o conduz, teremos crise laranja até ao fim deste ano.

O senhor que se segue, Paulo Rangel, poderá então ser chamado a Lisboa, por aliados vários, entre eles o senhor Cavaco Silva e a sua interminável comissão de honra presidencial. Depois, é só esperar pelo adensar da balbúrdia "socialista", com a nova banda trotskista acoplada, para que Cavaco Silva tenha a esperada e inequívoca oportunidade de despedir o Mubarak das Beiras, convocar eleições gerais antecipadas, e colocar um PSD amigo no Executivo.

Um presidente, uma maioria e um governo estarão enfim no poder, com duas legislaturas limpas pela frente, e sem grande resistência.

O IVA manter-se-à alto (podendo até subir para 24 ou mesmo 25%); o IRC e o IRS baixarão. O princípio do utilizador-pagador será estendido, da energia, autoestradas e transportes públicos, aos cuidados de saúde e à educação, ou seja, todos pagarão um pouco menos, e os beneficiários dos serviços pagarão um pouco mais — lógico e sustentável!

A administração pública verá desaparecer algumas centenas de direcções-gerais, institutos e fundações, e uma parte do ensino superior público será entregue, de facto, às iniciativas privada e cooperativa, com a passagem instantânea de 10-15% dos funcionários públicos efectivos para um novo quadro de excedentes, onde os vencimentos sofrerão uma erosão paulatina ao longo dos anos... Algumas dezenas de milhar de contratações eventuais e precárias caducarão com a extinção dos organismos.

Por fim, espera-se que o futuro governo, que terá que ser uma coligação com o CDS, a fim de poder contar uma ampla maioria absoluta parlamentar, leve finalmente a cabo uma racionalização competente do aparelho de Estado e uma libertação efectiva da sociedade civil da canga paternalista que há séculos rege as relações entre o poder e a sociedade cortesã, analfabeta e corrupta, que desde a conquista de Ceuta se habituou a viver de expedientes palacianos, da exploração colonial fácil e da emigração.

Se depois do saque realizado pela tríade de Macau e pelos piratas da SLN/BPN, e se depois da fuga em frente da governação socratina, o que vier depois (e não creio que possa vir nada de bom do inseguro e medroso Passos de Coelho, nem muito menos da cabotina e irritante criatura que dá pelo nome de Miguel Relvas) não cumprir o que o país espera do poder —transparência, pragmatismo, eficácia, lucidez, ponderação, estratégia, liberdade de acção, e justiça— então o regime cairá mesmo numa espiral convulsa de desfecho incerto.

sábado, janeiro 15, 2011

Bangsters!

A China entra no próximo dia 3 de Fevereiro no ano do coelho.
E nós também. Saltam por todos os lados!



Pois é, o senhor Cavaco saiu-me um bom figurão. De acima de toda a suspeita, nada! Com mais umas  semanas de revelações ainda se punha em marcha um processo de Impeachment. Só não percebo o motivo porque a Tríade de Macau agiu tão tarde. Erro de cálculo, ou cálculo certeiro?

A minha teoria é há muito esta: a Tríade de Macau prefere ter o amigo da sociedade de bangsters SLN/BPN prisioneiro das suas inconfessáveis distracções, inconveniências, prováveis ilegalidades e escandalosas solidariedades.

Mas como o desajeitado Silva resolveu atacar a actual monitorização do BPN, os alarmes tocaram em São Bento, e a resposta não se fez esperar, contundente. Será possível arrefecer depois das eleições a actual dinâmica de embate fatal? Não sei...

Tenho, no entanto, um palpite: a Tríade de Macau não vai deixar cair no regaço dos bangsters do BPN toda a sementeira que fizeram no Brasil, Líbia, Argélia, Venezuela e China!

Fernando Fantasia, administrador da SLN e membro da Comissão de Honra da candidatura de Cavaco Silva, comprou 4000 hectares de terrenos em Alcochete (por 250 milhões de euros?) 15 dias antes de Sócrates ter anunciado o fim do embuste da Ota. Se compaginarmos isto com a tentativa insistente e já desesperada de boicotar a nova ligação ferroviária rápida, para passageiros e mercadorias, entre Lisboa (Sines-Setúbal) e Madrid (resto de Espanha), em nome da construção duma cidade aeroportuária (Augusto Mateus dixit) e de um novo aeroporto em Alcochete, com a consequente privatização da ANA, percebemos melhor os altos serviços que o traste Cavaco Silva poderá prestar à Nação. Votem nele, votem. Mas depois não se queixem!

O novo aeroporto de Alcochete é uma impossibilidade económica e financeira comprovada. A sua construção seria mais um prego no caixão de Portugal. Não nos esqueçamos que foram as Olimpíadas e o novo aeroporto de Atenas os principais responsáveis pela precipitação do colapso económico, financeiro e social da Grécia!

Jorge Coelho, Passos de Coelho, Aldeia da Coelha — vamos mesmo entrar no ano do coelho! Mas aquele de quem gosto mais é mesmo o candidato madeirense às presidenciais, José Manuel Coelho. Sinal dos tempos...

terça-feira, dezembro 21, 2010

2013-2015

Um casamento inseparável
Apesar dos amuos e setas atiradas, são inseparáveis.

Mesmo que o país seja forçado a declarar falência e a reestruturar a sua dívida pública, mesmo que o FMI e o Fundo Europeu de Estabilização Financeira, de braço dado, desembarquem na Portela e se instalem no Pestana Palace durante três anos, mesmo que o desemprego chegue aos 20% e os vencimentos da administração pública sejam congelados até ao fim da legislatura, mesmo que a indignação e violência sociais desçam às ruas, mesmo que..., aposto que José Sócrates levará o seu mandato até ao fim.

Só uma dissolução do parlamento poderia interromper o curso desta malfadada história portuguesa. Mas a quem interessaria tal decisão? A Cavaco Silva reeleito, para quê? Só se fosse para colocar o Passos de Coelho no lugar de Sócrates. Mas este cenário é a última coisa que interessa ao actual e futuro presidente da república! Com Sócrates, tudo o que correr mal, é com o PS e com Sócrates. Com Passos de Coelho, que Cavaco sempre desprezou (um cábula que se arrastou demasiado tempo pelas esquinas do sombrio aparelho laranja, à espera de um vazio de poder), tudo o que corresse mal cairia em cima do novo primeiro ministro, em cima do PSD, mas também em cima de Cavaco Silva. Só um masoquista iria por este caminho. Nunca um frio homem de carreira como reconhecidamente é o actual e futuro presidente Cavaco Silva. Além do mais, como pateticamente reconheceu o actual líder parlamentar laranja ao Expresso de Sábado passado, o PSD ainda não está preparado para ser governo.

Não está, nem estará! E a explicação é esta: assim como Mário Soares destruiu o PS, deixando-o degradar-se até à condição de um mero aparelho partidário, habitado por sombras, pequenas ambições, desgraçados à procura de emprego, e piratas, de onde a mais leve manifestação de inteligência e criatividade é imediatamente capturada para fins práticos, ou desligada do sistema, também Cavaco Silva destruiu o PSD, lançando sobre aquela imensa federação de autarcas sem história, nem futuro, e os cortesãos de Lisboa e Porto, o estigma de uma quase insuperável anestesia mental. Só esquecendo estes dois grandes vultos da recente e desgraçada história portuguesa, os dois maiores partidos portugueses —os únicos a quem o povo entrega as rédeas do poder— poderão ressuscitar. Quer dizer, só depois de 2015, quando a partida de Cavaco encerrar de vez um grande ciclo de expansão e declínio da nossa História, assistiremos ao colapso e eventual renascimento do actual e caduco sistema partidário.

O ciclo histórico que começa em 1415, com a conquista de Ceuta, termina simbolicamente depois do último grande Quadro Comunitário de Apoio da União Europeia, em 2013, e no fim do segundo mandato de Cavaco Silva, em 2015, ano em que Portugal figurará nas estatísticas como o país mais pobre de toda a União Europeia. Só então teremos mesmo batido no fundo. Os protagonistas principais deste naufrágio são conhecidos: José Sócrates e Aníbal Cavaco Silva. A gente do CDS-PP, PCP e Bloco de Esquerda, apesar das responsabilidades que também tiveram, é irrelevante para o desfecho.

A primeira candidatura de Manuel Alegre à presidência da república foi um oportunidade perdida para antecipar a inevitável reestruturação do corrupto e inoperante quadro partidário que temos. Como perdida foi a oportunidade de recompor o centro-direita e a direita do espectro partidário português quando Manuela Ferreira Leite ascendeu ao topo directivo do PPD-PSD. À época defendi que teria sido útil ao país partir os dois maiores partidos do imprestável sistema rotativo que temos em quatro.

A ala socialista do PS deixava o aparelho, há muito capturado pela tríade de Macau, entregue aos piratas, e conquistava o Bloco de Esquerda e parte o PEV para a formação de um novo partido socialista, capaz de incorporar e desenvolver os novos pensamentos políticos em formação, fruto da necessidade urgente de abordar de forma transparente e corajosa aquilo a que se vem chamando desde 1968, A Tragédia dos Comuns. O PS restante acabaria por entrar em colapso, pelo menos parcialmente, e em dois actos eleitorais (o que já passou e o que vai ocorrer em Janeiro próximo) ter-se-ia enfraquecido mortalmente a tríade de Macau, e reduzido substancialmente a capacidade de captura que as clientelas económico-financeiras do poder exercem sobre os dois principais partidos.

No PSD teria sido útil uma separação de águas entre Santana Lopes e Manuela Ferreira Leite, isto é, entre o PPD e o PSD. O partido urbano de barões, baronetes e cortesãs que é o PSD continuaria na Lapa, mas o PPD do campo, das vilas e aldeias, dos pequenos proprietários agrícolas e empresários industriais que têm ainda algo de seu, duros de roer, muitos deles de fibra bem republicana e até anti-clerical (era assim o meu avô), sairia a terreiro reivindicando aquilo que Paulo Portas só sabe e pode fazer em falsete. Há muito abandonado pela democracia dos corredores, este PPD tem e terá cada vez mais vontade de se fazer representar no parlamento. Vai ser provavelmente necessário esperar por alguém que não se deixe seduzir pela sereias do nepotismo clientelar. Como disse, alguém que não precise, que tenha algo de seu, histórico, familiar e inalienável.

Nada disto aconteceu, e agora resta-nos esperar pela implosão do sistema. Como não creio que a Alemanha perca de novo a cabeça, perdendo de novo a Europa, a União lá irá andando aos solavancos, entre americanos falidos, russos corruptos e chineses ansiosos. Só por isso não teremos de novo os militares na rua, outro golpe de Estado, ou uma revolução.

O actual PSD de Passos de Coelho não é nada. E por ser coisa nenhuma, o eleitorado português, por mais enojado que esteja com o Pinóquio que duas vezes elegeu para primeiro ministro, deixá-lo-à desgovernar Portugal até 2013, em matrimónio inseparável com o imprestável reCavaco.


POST SCRIPTUM

(23 dez 2010 17:11) O "i" de hoje transmite a opinião de Eduardo Catroga sobre a necessidade de remover Sócrates e o PS do poder. Mas onde obteve o "i" a opinião do douto negociador? Não diz....
Pois eu acho que, dada a urgência na disseminação do argumento, é uma resposta a este post ;)
Se o FMI vier... diz Catroga....
Mas o FMI já cá está! Além do mais, demonizar o FMI é uma estratégia sem futuro: primeiro porque António Borges (do PSD) é o BOSS europeu do Fundo; e depois, porque o director executivo do FMI é um socialista francês, que o PSF quer apoiar na próxima corrida presidencial, contra Sarkozy. Logo, este argumento não pega. Como se faltasse algo para ser espúrio, recorde-se ainda que o reCavaco ainda há dois dias disse para quem quisesse ouvir que ele conhece muito bem o FMI — pois trabalhou para o dito -- ou seja, reeleito, será um mediador vigilante das negociações.

(22 dez 2010 20:38) Excluo da aposta feita neste Post duas possibilidades: a de uma moção de confiança por iniciativa de Sócrates, e a de uma moção de censura proposta seja por que partido for. A primeira, por razões óbvias, conhecendo a personagem; e a segunda, porque se for de iniciativa do PSD ou do CDS, a "esquerda" votará contra a "direita", e não antevejo nenhuma iniciativa do PCP, ou do Bloco, no sentido de derrubarem Sócrates. Quem tomar a iniciativa de propor uma moção de censura desaparecerá do mapa eleitoral, ou mergulhará o respectivo partido (derrotado na própria iniciativa) em convulsão interna. Assim sendo, os sequiosos autarcas falidos do PSD terão que esperar... por 2013... pelo menos!

sábado, outubro 30, 2010

Os Três Tristes Trastes

Um texto de Guerra Junqueiro para ler agora

A bancarrota do regime está em marcha. Se não nos opusermos aos cleptocratas, oportunistas e demagogos que tomaram de assalto o país, espera-nos a extinção pura e simples. Se a nossa indolência deixar a nossa face escorrer como barro numa manhã de tempestade, atávicos e sentados diante da televisão e da História, como até agora, teremos o futuro que merecemos. Se, pelo contrário, decidirmos resgatar o país da corja populista que o levou à bancarrota, e da cambada de cleptocratas que rouba tudo o que pode e em toda a parte, salvando Portugal da vergonha e do nada, então teremos que nos mexer — remexendo os partidos existentes, criando novos partidos, e sobretudo criando novas plataformas de acção política. 

É preciso votar contra os responsáveis pelo descalabro a que chegámos. Nenhuma tolerância para os líderes partidários, do PCP ao PP-CDS, passando pelo bonaparte Louçã, que "coordena" a salgalhada estalinista-maoísta-trotskysta do Bloco. Nenhuma tolerância para os três tristes traste deste regime: o traste José Sócrates Pinto de Sousa, o traste presidencial chamado Aníbal Cavaco Silva, e o novel traste Pedro Passos de Coelho (oxalá esteja enganado relativamente ao Jota que actualmente lidera o PSD). Precisamos de uma revolução política, e sobretudo cultural, como do pão para a boca.

Entretanto, para nos ajudar a reflectir, nada melhor do que ler na íntegra as Anotações de Guerra Junqueiro ao seu drama "Pátria", escrito em 1896 — cinco anos depois da bancarrota de 1891.

ANOTAÇÕES (e-book)

Balanço patriótico:

Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúsio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, bêsta de nora, agùentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalépsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, emfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional,—reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta;

Um clero português, desmoralizado e materialista, liberal e ateu, cujo vaticano é o ministério do reino, e cujos bispos e abades não são mais que a tradução em eclesiástico do fura-vidas que governa o distrito ou do fura-urnas que administra o concelho[1]; e, ao pé dêste clero indígena, um clero jesuítico, estrangeiro ou estrangeirado, exército de sombras, minando, enredando, absorvendo,—pelo púlpito, pela escola, pela oficina, pelo asilo, pelo convento e pelo confissionário,—fôrça superior, cosmopolita, invencível, adaptando-se com elasticidade inteligente a todos os meios e condições, desde a aldeola ínfima, onde berra pela bôca epiléptica do fradalhão milagreiro, até à rica sociedade elegante da capital, onde o jesuìtismo é um dandismo de sacristia, um beatério chic, Virgem do tom, Jesus de high-life, prédicas untuosas (monólogos ao divino por Coquelins de fralda) e em certos dias, na igreja da moda, a bonita missa encantadora,—luz discreta, flores de luxo, paramentos raros, cadeiras cómodas, latim primoroso, e hóstia glacée, com pistache, da melhor confeitaria de Paris;

Uma burguesia, cívica e políticamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavra, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provêm que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro[2];

Um exército que importa em 6.000 contos, não valendo 60 réis, como elemento de defesa e garantia autonómica;

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; êste criado de quarto do moderador; e êste, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do país, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre,—como da roda duma lotaria;

A Justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara a ponto de fazer dela um saca-rôlhas;

Dois partidos monárquicos, sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, na hora do desastre, de sacrificar à monarquia ou meia libra ou uma gota de sangue, vivendo ambos do mesmo utilitarismo scéptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgamando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguêm deu no parlamento,—de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar;

Um partido republicano, quási circunscrito a Lisboa, avolumando ou diminuindo segundo os erros da monarquia, hoje aparentemente forte e numeroso, àmanhã exaurido e letárgico,—água de pôça inerte, transbordando se há chuva, tumultuando se há vento, furiosa um instante, imóvel em seguida, e evaporada logo, em lhe batendo dois dias a fio o sol ardente; um partido composto sobretudo de pequenos burgueses da capital, adstritos ao sedentarismo crónico do metro e da balança, gente de balcão, não de barricada, com um estado maior pacífico e desconexo de vélhos doutrinários, moços positivistas, românticos, jacobinos e declamadores, homens de boa-fé, alguns de valia mas nenhum a valer; um partido, emfim, de índole estreita, acanhadamente político-eleitoral, mais negativo que afirmativo, mais de demolição que de reconstrução, faltando-lhe um chefe de autoridade abrupta, uma dessas cabeças firmes e superiores, olhos para alumiar e bôca para mandar,—um dêsses homens predestinados, que são em crises históricas o ponto de intercepção de milhões de almas e vontades, acumuladores eléctricos da vitalidade duma raça, cérebros omnímodos, compreendendo tudo, adivinhando tudo,—livro de cifras, livro de arte, livro de história, simultaneamente humanos e patriotas, do globo e da rua, do tempo e do minuto, fôrças supremas, fôrças invencíveis, que levam um povo de abalada, como quem leva ao colo uma criança;

Instrução miserável, marinha mercante nula, indústria infantil, agricultura rudimentar;

Um regime económico baseado na inscrição e no Brasil, perda de gente e perda de capital, autofagia colectiva, organismo vivendo e morrendo do parasitismo de si próprio;

Liberdade absoluta, neutralizada por uma desigualdade revoltante,—o direito garantido virtualmente na lei, posto, de facto, à mercê dum compadrio de batoteiros, sendo vedado, ainda aos mais orgulhosos e mais fortes, abrir caminho nesta porcaria, sem recorrer à influência tirânica e degradante de qualquer dos bandos partidários;

Uma literatura iconoclasta,—meia dúzia de homens que, no verso e no romance, no panfleto e na história, haviam desmoronado a cambaleante scenografia azul e branca da burguesia de 52, opondo uma arte de sarcasmo, viril e humana, à frandulagem pelintra da literatura oficial, carimbada para a imortalidade do esquecimento com a cruz indelével da ordem mendicante de S. Tiago;

Uma geração nova das escolas, entusiasta, irreverente, revolucionária, destinada, porêm, como as anteriores, viva maré dum instante, a refluir anódina e apática ao charco das conveniências e dos interesses, dela restando apenas, isolados, meia dúzia de homens inflexos e direitos, indenes à podridão contagiosa pela vacina orgânica dum carácter moral excepcionalissíssimo;

E se a isto juntarmos um pessimismo canceroso e corrosivo, minando as almas, cristalizado já em fórmulas banais e populares,—tão bons são uns como os outros, corja de pantomineiros, cambada de ladrões, tudo uma choldra, etc. etc.,—teremos em sintético esbôço a fisionomia da nacionalidade portuguesa no tempo da morte de D. Luís, cujo reinado de paz podre vem dia a dia supurando em gangrenamentos terciários.

O advento do materialismo burguês, inaugurado pela ironia scéptica do Rodrigo, acabava pela galhofa cínica do Mariano. O riso de sibarita, levemente amargo, desfechava no riso canalha, de garotão de aljube. O patusco terminava em malandro.

A burguesia liberal, mercieiros-viscondes, parasitagem burocrática, bacharelice ao piano, advogalhada de S. Bento, morgadinhas, judias, sinos, estradas, escariolas, estações, inaugurações, locomotivas (religião do Progresso, como êles diziam), todo êsse mundo de vista baixa, moralmente ordinário e intelectualmente reles, ia agora liquidar numa infecta débâcle de casa de penhores, num Alcacer-Kibir esfarrapado, de feira da ladra.

A nação, como o rei, ia cair de podre.

O conflito inglês e a revolução brasileira, dois cáusticos, puseram a nu, de improviso, toda a nossa debilidade orgânica,—miséria de corpo e miséria de alma.

Falecimento e falência. Ruínas. Montões de vergonhas, trapos de leis, cisco de gente, lama de impudor, carcassas de bancos, famintos emigrando, porcos digerindo, ladroagem, latrinagem, um salve-se quem puder de egoismos e de barrigas, derrocada dum povo numa estrumeira de inscrições,—700 mil contos de calote público, a bela colheita do torrão português, regado a oiro, a libras, desde 52 até 90.

A crise não era simplesmente económica, política ou financeira. Muito mais: nacional. Não havia apenas em jôgo o trono do rei ou a fortuna da nação. Perigava a existência, a autonomia da pátria. Hora grande, momento único. A revolução impunha-se. Republicana? Conforme. Se o monarca nos saísse um alto e nobre carácter, um grande espírito, juvenil e viva encarnação de ideal heróico, tanto melhor. A revolução estava feita. Imprimia-se, dum dia ao outro, no Diário do Govêrno.

Mas feita com quem, perguntarão, se tudo era lôdo? Feita com o elemento moço do exército e da marinha, com quási todo o partido republicano[3], com individualidades íntegras e notáveis dos partidos monárquicos, com a juventude das escolas, com um sem-número de indiferentes por nojo e por limpeza, com os duzentos homens de sério valor intelectual dispersos nas letras, nas sciências, no comércio e na indústria, e com o povo, o povo inteiro, que acordaria, Lázaro estremunhado, da sua campa de três séculos, à voz dum vidente, ao grito dum Nunalvares.

O português, apático e fatalista, ajusta-se pela maleabilidade da indolência a qualquer estado ou condição. Capaz de heroismo, capaz de cobardia, toiro ou burro, leão ou porco, segundo o governante. Ruge com Passos Manuel, grunhe com D. João VI. É de raça, é de natureza. Foi sempre o mesmo. A história pátria resume-se quási numa série de biografias, num desfilar de personalidades, dominando épocas. Sobretudo depois de Alcacer. Povo messiânico, mas que não gera o Messias. Não o pariu ainda. Em vez de traduzir o ideal em carne, vai-o dissolvendo em lágrimas. Sonha a quimera, não a realiza.

O próprio Pombal é o Desejado? Não. Fez-se temer, não se fez amar. Cabeça de bronze, coração de pedra. Moralmente, ignóbil. Rancoroso, ferino, alheio à graça, indiferente à dôr. Inteligência vigorosa, material e mecânica, sem vôo e sem asas. Um brutamontes raciocinando claro. Falta-lhe o génio, o dom de sentir, nobreza heróica, vida profunda,—humanidade, em suma. Máquina apenas. Não criou, produziu. A criação vem do amor, a génese é divina. Criar é amar. Por isso a obra lhe foi a terra. Pulverizou-se. Só dura o que vive. Uma raíz esteia mais que um alicerce. Pombal em três dias, num deserto, quis formar um bosque. Como? Plantando traves. Adubou-as com mortos e regou-as a sangue. Apodreceram melhor.

Sei muito bem que o estadista não é o santo, que o grande político não é o mártir, mas sei tambêm que toda a obra governativa, que não fôr uma obra de filosofia humana, resultará em geringonça anecdótica, manequim inerte, sem olhar e sem fala.

A ductilidade, quási amorfa do carácter português, se torna duvidosas as energias colectivas, os espontâneos movimentos nacionais, facilita, no entanto, de maneira única, a acção de quem rege e quem governa. Cera branda, os dedos modelam-na à vontade. Um grande escultor, eis o que precisamos.

Há, alêm disso, bem no fundo dêste povo um pecúlio enorme de inteligência e de resistência, de sobriedade e de bondade, tesoiro precioso, oculto há séculos em mina entulhada. É ainda a sombra daquele povo que ergueu os Jerónimos, que escreveu os Lusíadas. Desenterremo-la, exumemo-la. Quem sabe, talvez revivesse!

Fôra o rei um homem, que a nacionalidade moribunda se levantaria por encanto. E bem se me dava a mim da questão política, da forma de govêrno. Essencial, a forma do governante. Prefiro uma boa república a uma boa monarquia. A coroa de rei, de pais a filhos transmissível, como a coroa de Vénus; o trono hereditário como as escrófulas,—absurdo evidente. Mas se de absurdos anda cheio o mundo! Salta-se menos da majestade à ex.^a que da ex.^a ao tu. Impero eu mais no meu criado que o rei em mim[4]. Há em cada burguês uma monarquia. Milhões de burgueses, milhões de absurdos. E eliminam-se acaso numa hora?

Não se tratava por emquanto de modalidades orgânicas de existência; tratava-se de existir. Problema social e problema político marchariam evolutivamente na órbita ininterrupta do seu destino. Quando um vapor alagado vai ao fundo, discute a marinhagem construções navais? Primeiro salvá-lo, o estaleiro depois. Quer dizer: a revolução urgente não era social, nem política, era moral. Nem havia a escolher entre monarquia e república, pois que, para escolher entre duas coisas, é necessário existirem, e a república, tanto custava a realizar, que ainda até hoje a não fizemos.

A segurança da pátria exigia inadiavelmente à frente do govêrno um homem de superior inteligência, de altivo carácter, de ânimo heróico e resoluto. Era-o D. Carlos? obedeceríamos a D. Carlos. Uma alma, uma vassoira e uma carroça; de nada mais precisava. Varrer, limpeza geral, pôr isto decente! Tal embaixador levantára castelos de milionário com o dinheiro da nação? Transferi-lo de embaixada: representante vitalício do Limoeiro em África. Tal ex-ministro compra as quintas, vendendo a vergonha? Penhora e prisão. Os bens ao erário, o corpo à penitenciária. Deslaçar grã-cruzes e chumbar grilhetas. Norte e Leste, lamas do Tejo, Banco Lusitano, obras do estado, etc., etc., todas essas montureiras gangrenadas,—poios de escândalos, obscenamente fermentando ao ar livre,—queimá-las a calcium, purificá-las a vitríolo. Calcamos infâmias, respiramos veneno. Que um ciclone de justiça nos purificasse o ar e desentulhasse as estradas. Caminho livre, atmosfera nova! Quem baldeou o país à ruina, à miséria do lar, à indigência da alma? Idiotas? Aposentá-los em onagros. Bandidos? Metê-los na cadeia.

E a questão económica? Resolvida por si. Direi mais: útil e necessária. Mas resolvida de que forma? Pelo sacrifício de todos, pela abnegação colectiva. As pátrias, como os indivíduos, só se regeneram sofrendo. A dôr é salvadora. Não há virtude sem martírio, não há Cristo sem cruz. A Redenção vem da Paixão. A vida fortalece-se na angústia. Nem só a do homem, a vida inteira, a vida universal. A procela avigora o roble, e o ferro candente adquire a têmpera, mergulhando-o em gêlo. Quando a desgraça parece matar uma nação, é que tal nação estava morta. O cáustico, que levantou o doente, decompõe o cadáver.

Resumindo: desastres, misérias, vergonhas, infortúnios, calamidades, subjugadas com energia e padecidas com nobreza, enseivariam de novo alento o coração exânime da pátria. O raio lascou a árvore? Brotaria, amputada, com maior violência. A alma habita na raíz.

Mas seria possível conjurar quatro milhões de interesses, quatro milhões de egoismos, num ímpeto de fé heróica e de renúncia? Era. Digo-o sem hesitar. O sibarita que ria, o cevado que ronque. Era! O espírito, como o fogo, consome traves, calcina pedras, derrete metais. O facho duma alma pode incendiar uma Babilónia. Um iluminado pode abrasar um império. Tem-se visto. O cofre-forte é de ferro, a libra é de oiro, o egoismo é de bronze, mas a electricidade impalpável, invisível, imponderável, volatiliza tudo num momento. Ora o espírito é a electricidade de Deus. Nada lhe resiste. Devora séculos, evapora mundos. Jesus e Buda,—um crucificado, o outro mendigo,—refazem o globo, põem nova máscara à criação. Joana d'Arc e Nunalvares, irmãos gémeos, redimem duas pátrias. Focos ambulantes de espírito divino, arrastam e vencem,—magnetizando. O céu é contagioso como a lepra.

Claro que o milagre exige a fé. Nem todos os sábios juntos escreveriam os evangelhos. A língua do homem, sem a língua de fogo, não apostoliza, discursa. Um Doutor não é um Messias.

A metempsicose, em moderno, do grande Condestável, eis o meu sonho. Um justiceiro e um crente. Braço para matar, bôca para rezar. Pelejas como as de Valverde só se ganham assim: ajoelhando primeiro. O Nunalvares de hoje não usaria cota, nem escudo, mas, ao cabo, seria idêntico. A mesma chama noutro invólucro. Não combateria castelhanos, combateria portugueses. O inimigo mora-nos em casa. Aljubarrota no Terreiro do Paço e os Atoleiros… nos mil atoleiros de infâmias que enodoam as ruas, e obstruem o trânsito. Queríamos um justo inexorável, um santo heróico, com a verdade nos lábios e uma espada na mão. Os quadrilheiros que infestam Lisboa e os sub-quadrilheiros que infestam as províncias, anulá-los, esmagá-los num dia, numa hora, sem pena e sem remorso, vasando-os logo,—atascadeiro de baixezas, lôdo de malandros,—pelo buraco infecto duma comua. Depois pregar a tampa. Um colector in pace, um cano de esgôto jazigo de família.

E, removidos os focos epidémicos, voltaria em breve a saúde geral. A obra de reconstrução, inda que lenta, marcharia sem estôrvo. Humanizar o ensino, nacionalizar a indústria, um clero português e cristão, a justiça fora da política, o exército fora de S. Bento, os burocratas para a burocracia, o professorado para as escolas, o poder legislativo entregue às fôrças independentes e vivas do país, arrotear o solo, colonizar a África,—tudo era possível, tudo era simples, desde que nos dessem uma fé, uma crença, vida luminosa,—uma alma!

Alma! eis o que nos falta. Porque uma nação não é uma tenda, nem um orçamento uma bíblia. Ninguêm diz: a pátria do comerciante Araújo, do capitalista Seixas, do banqueiro Burnay. Diz-se a pátria de Herculano, de Camilo, de Antéro, de João de Deus. Da mera comunhão de estômagos não resulta uma pátria, resulta uma pia. Sócios não significa cidadãos. O burguês estúpido, perante as calamidades que nos assaltam, computa-as em libras, redu-las a dinheiro. Parece que se trata duma mercearia em decadência. Dívida flutuante, impostos, câmbios, cotações, alfândegas, cifras, dinheiro, nada mais. A ruína moral não entra na conta nem por um vintêm. Deve e há-de haver, eis o problema. Direito, Justiça, Honra, Pundonor,—palavras! Se o gigo das compras andasse farto e os negócios corressem, podiam encafuar Jesus Cristo na penitenciária e sua Mãe no aljube, que a récua burguesa, dizendo-se católica, não se moveria. O câmbio estava ao par.

Falir um banco, que desastre! Falir uma alma…—Mas que demónio é isto de falir uma alma?—

Ouve lá, burguês rotundo. Um exemplo. Ouviste já nomear por acaso o Fialho de Almeida? Vagamente. Ora bem; êsse Fialho é a mais rica natureza artística que Portugal tem gerado há duas dúzias de anos. Um talento grande, rutilando em génio por instantes. Em génio, sim. Leiam os Pobres, o Filho, a Vélha, o Idílio triste. Natureza de sensibilidade vibrátil, agudíssima, quási mórbida. Depois português, idolatrando o seu Alentejo, adorando a sua pátria, instintivamente, orgânicamente, como a raíz adora a terra.

A uma tal natureza, em Lisboa, de 90 a 93, hora a hora assistindo à decomposição putrefacta daquela percevejaria nausente, não lhe era lícito o refúgio nirvânico dos metafísicos ou dos hábeis na decantada tôrre de marfim. O Fialho estava pobre e o marfim muito caro. Índole ardente e valorosa, palpitante de plebeismo robusto, de humanidade sanguínea, olvidou planos de arte, sonho alado, quimera astral, e de chicote nas unhas, mordaz e mordendo, arremeteu contra a fandangagem da sociedade lisboeta, como alguêm que marchando direito a um nobre destino, se atirasse de repente às ondas, aventurando a vida,—para salvar um bêbado.

Entre os projectos literários do admirável artista, um havia mais que todos acariciado e fecundo, os Cavadores, rústico poema, síntese sublime da vida da terra, da planta e do camponês, obra de fisiologista, de psicólogo e de poeta, reçumando sangue, transpirando lágrimas, drama tangível e real, movendo-se numa atmosfera enigmática de infinito e de sonho. Um livro elevado. Lisboa rasgou-lho. Em troca deu-lhe os Gatos. Dum poeta épico fez isto: um varredor da Baixa. O Fialho durante três anos varreu o Chiado, espiolhou a Havanesa, catou S. Bento. Os trapos converteram-no em trapeiro. A águia baixou a milhafre. O milhafre é útil, depura e limpa. Os Gatos foram, em parte, uma obra de justiça, por vezes de cólera. Mas o rancor dos bons denota ainda bondade. Só os grandes idealistas desceram a grandes satíricos. Cristo dava chicotadas.

Nos Gatos estoira de quando em quando um rugido de tigre. É o melhor do panfleto. O resto, tirante algumas páginas literárias, maravilhosas, descamba na insignificância,—cisco, anecdotas, noticiário, zero. O estilo não basta. Uma melancia em bronze não deixa de ser uma melancia. Os Gatos tem valor moral e valor de arte. Mas êste é relativo, e portanto inferior, e aquele ineficaz, e por tanto menos proveitoso. Varrer Lisboa nos Gatos, acho bem; varrê-la no Diário do Govêrno, acharia óptimo. Conclusão: o desmantelamento da sociedade portuguesa actuou no espírito impressionável dum grande poeta, esterilizando-lhe a génese da obra humana, imorredoira, e fecundando-lhe a semente da obra particularista e transitória. Desviou do seu curso natural a água límpida que regava plátanos e searas para com ela inundar estrumeiras e desentupir esgotos.

Bom burguês, compreendes agora o que é a falência dum espírito? Calcula, pois, em 2 milhões de consciências[5], o déficit moral, a ruína interior, que os teus guarda-livros não escrituram nas agendas. Perdeste dinheiro, meu rico homem, na quebra fraudulenta dum banco? O Fialho e nós perdemos os Cavadores na quebra fraudulenta duma nação. O prejuízo maior foi o nosso. O nosso, o da pátria. Porque é mister que to diga, bom burguês: sem o banco de Portugal ficaríamos pobres 30 anos. Mas sem os Lusíadas ficaríamos pobres para sempre. As libras voltam. O génio não se repete. Por isso, burguês odioso, te não lamento. Mais ainda: regalam-me às vezes, Deus me perdoe, os teus desastres, lembrando-me que só te levantarás honradamente, quando se te der, de fome, um nó nas tripas! Idiota! Nem egoista és. Vês apenas dinheiro, e hão-de deixar-te sem camisa. Inda bem. Só nu ficarás decente.

Continuemos. A nação, mais do que de libras, carecia de alma. Quem lha daria? Quem a tivesse como o sol tem luz: infinita. Pobre D. Carlos! Que havia de êle dar,—mediocridade palúrdia, já aos 25 anos atascado no cebo dinástico, nas banhas brigantinas! Alma? Bem alma, não; quási, pequena diferença: lama. Uma inversão de duas letras. Ligeiro lapso, cuja emenda é esta: Viva a república!

O rei falhára. Nulo, insignificante. Pedir-lhe génio, heroismo, grandeza, sublimidade,—o mesmo que pedir astros a uma couve ou raios a uma abóbora.

A existência da pátria dependia da revolução. O rei não pôde, não soube, ou não quis fazê-la. Em suma, não a fez. Perdeu-se. Que restava? Fazê-la o povo. Não a fazendo, perdia-se tambêm.

O rei, em vez de cortar o cancro, identificou-se com êle. Chaga maior, operação mais grave. Já ninguêm suprimirá o cancro, sem suprimir a realeza.

O republicanismo não é aqui uma fórmula de direito público; é a fórmula extrema de salvação pública. No prédio em chamas há só uma janela aberta. Preferem os monárquicos morrer queimados, por a janela estar pintada de vermelho? Fôsse ela branca, que eu saltaria sem escrúpulos.

Republicano e patriota tornaram-se sinónimos. Hoje quem diz pátria, diz república. Não uma república doutrinária, estúpidamente jacobina, mas uma república larga, franca, nacional, onde caibam todos. Não dum partido, da nação. Presidente o melhor. Foi por acaso miguelista? Embora. Uma revolução por selecção de caracteres.

Tal movimento cívico, espiritualizado e grande, requeria pelo menos um homem. Existe? Existiu: José Falcão.

José Falcão! Alma tão nobre de patriota não a conhecerei jàmais. A ideia de pátria, feita verbo, nela encarnára divinamente. Hóstia sublime! Trigo de comunhão deu-nos a fé, e trigo de viático, na hora da nossa morte, dá-nos ainda a esperança.

À volta de mim vejo monturos, dentro de mim encaro cinza. Tudo acabou, não é verdade? Melancólicamente revolvo a cinza, poeira de quimeras, e uma flámula fulge, uma brasa crepita… É a alma dele… Não quer apagar-se. Mesmo dentro de nós, túmulos cerrados, continúa ardendo. Àmanhã de tais campas podem brotar ainda lavaredas.

Grande homem! Como o sangue em momento de pânico reflue de chofre ao coração, dir-se-ia que na hora suprema toda a alma da pátria naquela alma se ajuntára.

Em José Falcão a inteligência era robusta, a sciência enorme, mas a grandeza moral incomparável e soberana. Dizia o que pensava, fazia o que sentia. Um justo. Portanto, um solitário. Querendo viver puro, viveu em si mesmo. Isolou-se. Nem ambicioso, nem vaidoso. Nos altos píncaros, de gêlo e de luz, não há micróbios.

Egoista intelectual? Nunca. Ânimo generoso, os problemas sociais cativaram-no. A sociedade evitou-a. Livros e família: cérebro pensando, coração amando.

Mas o sentimento da pátria com tal furor e febre lhe girava no sangue, tão inato e profundo lhe ardia lá dentro, que aquele homem de ideias instantaneamente se volveu, como por milagre, em homem de acção. O ruído molestava-o; procurou o ruído. A turba incomodava-o; procurou a turba. Agitou-se três anos em movimento frenético. Pátria! Pátria! a visão constante, o sonho de toda a hora! Fogo sagrado, fogo devorador. Queimou-se, abrasou-se nele. Auto-de-fé dum corpo nas lavaredas duma crença.

O patriotismo tornára-se em José Falcão um misticismo. Compreende-se bem. Ideia tão inflamável, em tão candente natureza moral sublima-se, ilumina-se, perde-se no êxtase, no enlêvo, no transcendentalismo religioso. Aquele homem exalava de si o quer que fôsse de sobrenatural e de divino. Sentia-se que no grande momento arriscaria tudo: família e vida, fortuna e lar. Através do crente apercebia-se o herói. Por isso arrastava. A eloqùência vinha-lhe espontânea, dominadora, magnética. Não a eloqùência literária dos artistas. Eloqùência de alma, verbo interior, luz de uma chama.

Depois naquele homem tudo era português, sóbrio, simples, varonil, vernáculo: figura, gesto, palavra, intonação, modo de vestir, maneira de andar. Tudo beirão, tudo nosso. Nem um galicismo. Austero e risonho, violento e meigo,—a singeleza na grandeza. Lembrava ainda o Condestável. Como êle, espírito heróico, braço de ferro para o comando, bôca de santo para a piedade.

Extenuado e letárgico, pressentindo a morte, nunca desanimou. Pois a doença da pátria não era ainda bem mais grave? Por ela sim, desejaria viver, desejaria morrer. A fôrça física abandonava-o, só a vontade sôbre-humana o tinha de pé. Era já uma existência feita de ressurreições, um ideal galvanizando um cadáver.

Dizia-nos êle, quási no fim: Não duro muito; aproveitem-me.

Morria daí a meses.

Não há uma íntima e dolorosa afinidade entre a alma quebrantada dum povo, baldadamente, durante séculos, evocando um Messias, e a breve aparição dum redentor, miragem súbita, que mal se desenha se desfaz?

Tal a árvore-espectro, frutos de aurora sonhando, caveiras torvas produzindo, que um dia gerou, milagre de amor! o pomo de oiro deslumbrante, e o viu desprender, esbroando em cinza, do galho nú, do ramo estéril de esqueleto…

Árvore nocturna, a morte gira-te nas veias, e os frutos de Ideal que tu concebes já trazem no âmago, quando nascem, as larvas deletérias do sepulcro…

Desiludido, assim o creio por vezes. Depois a um golpe de sol, o Quichote revive, exalto-me de novo, de novo espero… Florinha azul, beijo de Deus,—divina Esperança…

Notas:

[1] Há excepções individuais, claramente. A fisionomia geral, no entanto, é aquela.

[2] Se o Nazareno, entre ladrões, fôsse hoje crucificado em Portugal, ao terceiro dia, em vez do Justo, ressuscitariam os bandidos. Ao terceiro dia? que digo eu! Em 24 horas andavam na rua, sãos como pêros, de farda agaloada e grã-cruz de Cristo.

[3] Continuaria a haver algumas dúzias de republicanos, por coerência, brio pessoal ou teima doutrinária. O espírito republicano que alastrou no país, esse extinguia-se, ou antes não se tinha gerado.

[4] Um rei segundo a Carta, entende-se.

[5] É meia consciência por habitante. Talvez excessivo.

in ANOTAÇÕES do drama Pátria (3ª edição, PORTO Livraria Chardon, de Lelo & Irmãos, editores — Rua das Carmelitas, 144, 1915 ©)

segunda-feira, outubro 18, 2010

Golpe de Estado!

Marcelo não é comentarista, mas agente provocador!

Marcelo Rebelo de Sousa actuou hoje na TVI como agente provocador de um verdadeiro golpe de estado palaciano ao anunciar uma decisão da exclusiva competência e foro íntimo de Aníbal Cavaco Silva, em vésperas de uma batalha política decisiva para o Portugal, cujo desenlace poderia aliás levar o actual presidente da república a desistir da sua recandidatura ao cargo que ocupa sem brilho, nem verdadeiro préstimo para o país, desde que rebentou o escândalo que o tem aprisionado — i.e. a falência criminosa do BPN.

Como aqui se escreveu, desde que anunciaram a mistificação mediática do tango contra-natura entre José Sócrates e Passos Coelho, a única estratégia correcta do actual líder do PSD, seja para conservar o cargo conquistado, seja para criar a oportunidade de uma verdadeira limpeza do regime corrupto e cleptocrata que levou Portugal à bancarrota, seria, e é, correr do Estado, tão depressa quanto possível, com os criminosos que dele se apoderaram, por interpostos lacaios ou directamente.

No caso da anunciada vigarice orçamental cozinhada nas folhas de cálculo do ministro das finanças, a única decisão politicamente decente e estrategicamente correcta por parte de um candidato a primeiro ministro seria e é chumbá-lo sem dó nem piedade, com um virulento discurso sobre os responsáveis que, por acção ou inacção interessada ou cobarde, conduziram Portugal a uma verdadeira situação de bancarrota, colocando-nos nas mãos dos credores estrangeiros — isto é, e na prática, esvaziando completamente a nossa soberania económico-financeira.

Com isto não se pode compactuar!

Também se escreveu, acertando completamente na mouche, que o chumbo do orçamento por Passos Coelho seria uma carambola que eliminaria os dois principais obstáculos à clarificação rápida da nossa situação, e consequente restauração de uma democracia que foi esventrada por uma verdadeira rede de gatunos de todos os quadrantes.

Volto a escrever: se Passos Coelho chumbar o Orçamento de Estado (OE) de 2011, Cavaco Silva não se recandidatará, e o vento soprará imediatamente a favor da nova direcção do PSD. É claro que esta possibilidade meteu um medo de morte ao Bloco Central do Betão e da Corrupção, que sustenta, como se sabe, quase toda a comunicação de massas deste país (salvo a que já está directamente ao serviço da contra-informação governamental!)

Desde que a possibilidade do chumbo do OE começou a pairar no campo das opções políticas com sentido (o bloco que vai eleitoralmente unir-se em volta do poeta Manuel Alegre, e o próprio Manuel Alegre, que votem o Orçamento...), a nomenclatura em pânico montou mais uma gigantesca operação de propaganda, envolvendo laranjas, rosas e até foices-e-martelos no tam-tam ensurdecedor. O que fizeram foi simples: mudaram o resultado do jogo que aqui anunciei. Ou seja, o chumbo do OE seria, por um lado, o caos, e por outro, a vitória maquiavélica de Sócrates! Para coroar a operação, encharcaram todos os canais da comunicação social com esta patranha, e depois fizeram uma sondagem. A cereja no bolo colocou-a, esta noite, essa "gelatina política" chamada Marcelo Rebelo de Sousa — um político falhado, e um pseudo-comentarista. O que hoje fez foi, porém, além das marcas.

Pergunto ao senhor Marcelo Rebelo de Sousa uma pergunta muito simples: foi Aníbal Cavaco Silva que o informou?

A minha convicção e a minha interpretação dos factos que conduziram a este verdadeiro golpe de estado palaciano são estas:
  1. Por tudo o que Cavaco Silva disse até hoje, e pelo carácter evasivo e temeroso que se lhe conhece, o homem nunca anunciaria a decisão propalada por Marcelo de Sousa antes da votação do Orçamento;
  2. Pelo seu temperamento, também não é de crer que uma tão pesada decisão, tendo em conta o estado calamitoso do país, a sua comentada doença degenerativa, e a paralisia intelectual e política da sua acção desde que rebentou o caso BPN,  viesse a ser anunciada por uma qualquer interposta pessoa — ainda por cima recorrendo à língua viperina dum notório má-língua chamado Marcelo Rebelo de Sousa;
  3. Resta pois uma hipótese, o Presidente da República foi vítima de uma nova tentativa de golpe de estado palaciano desencadeado a partir da sua infecta Casa Civil. Quando cheiraram a mera hipótese da não recandidatura do actual presidente, em consequência do chumbo do OE por parte do actual líder do PSD, entalaram-no com o pré-anúncio da sua recandidatura através de um Conselheiro de Estado que usou a comunicação social para fazer, até agora, intriga política, mas que na noite de domingo de 17 de outubro de 2010, lhe permitiu também coadjuvar uma turma de conspiradores a realizar o que não pode ser visto se não como um golpe de estado palaciano.
E agora?

Cavaco Silva tem uma de três soluções:
  1. Desmente categoricamente o mensageiro conspirador — mandando directamente para a reforma um fala-barato;
  2. Confirma o que o fala-barato anunciou, e nesse caso tem que o fazer logo pela manhã de Segunda-Feira, comunicando ao mesmo tempo ao país qual a sua posição sobre o orçamento de estado do governo de Sócrates (não tem oura alternativa!);
  3. Ou então deixa tudo em suspenso até dia 26, o que equivaleria, na prática, à primeira opção, fazendo passar Marcelo Rebelo de Sousa por aquilo que verdadeiramente é: um auxiliar de conspirador de meia tigela.
Por fim, não vejo como poderá o PSD, e sobretudo Passos Coelho, deixar de exigir a imediata demissão do conselheiro de Estado Marcelo Rebelo de Sousa, pela sua intromissão intolerável num processo político-constitucional do maior melindre. tratando na prática o actual presidente da república como se fosse um atrasado mental.

POST SCRIPTUM — 18-10-2010; 14:20. Cavaco Silva optou pelo silêncio, ou seja, não confirma, nem desmente, a atoarda conspirativa de Marcelo Rebelo de Sousa, deixando este spin doctor uma vez mais a fazer figura de parvo. Mas há um pormenor aqui que convém salientar: se houve tentativa de golpe de estado palaciano, e estou convencido de que houve (este mesmo post foi enviado esta madrugada à presidência da república desafiando o seu receptor a dar dele conhecimento a Cavaco Silva), o presidente desarmou-o, desta vez, a tempo. Mas não chega! É preciso escovar imediatamente o pó acumulado da sua Casa Civil, senhor Presidente! Ou os ácaros continuarão a sua permanente acção de desgaste e destruição. Quanto ao mais, reitero: acho que o senhor não se deveria recandidatar ao cargo. Se não salvou o país quando podia, não será agora ou com novo mandato que o fará. A instituição de que é o representante máximo está tão podre e corrompida quanto os demais edifícios do regime. O país precisa de uma revolução constitucional, e sobretudo de novos protagonistas. Os herdeiros líquidos do 25 de Abril já mostraram o que valem!

sexta-feira, outubro 08, 2010

Acertar os Passos

Portugal tem solução à vista: coligação PS-PSD com Presidente comprometido

As coisas parecem encaminhar-se para a única solução racional que esta crise infecta e a cheirar mal pode ter:
  1. o anúncio pelo PSD do chumbo do orçamento escondido que o actual governo sem freio nos dentes quer impingir ao país — exigindo ao PSD a assinatura dum cheque em branco que depois servirá para responsabilizá-lo por tudo o que parecer "medida de direita";
  2. a queda do governo vigarista de José Sócrates Pinto de Sousa e o bloqueio institucional da tríade que colocou este vendedor de laptops no poleiro de primeiro ministro;
  3. a formação de um governo de coligação PS-PSD mediado pelo presidente Cavaco Silva, que não terá outra alternativa senão estar 100% solidário com o governo de brasa que aí vem. Ou seja, um governo parlamentar estável, formado na base dum programa de emergência nacional, largamente ditado por Bruxelas, e apoiado sem reservas pelo actual presidente da república. A alternativa a isto seria a manutenção do actual governo em funções de mera gestão. Não creio, porém, que Bruxelas autorize semelhante impasse, que seria evidentemente fatal para o país, na medida em que levaria no prazo de semanas ao reconhecimento oficial da bancarrota de Portugal perante todo o mundo. Não nos esqueçamos que Portugal é hoje um protectorado da União Europeia.
  4. finalmente, dissolver a actual Assembleia da República e convocar eleições legislativas antecipadas, logo que os prazos constitucionais e a conveniência política o permitam.

Ao contrário das sereias retardadas da desgraça — Quadratura do Círculo e similares— a queda do imprestável e perigoso desgoverno do senhor Pinto de Sousa não configura nenhuma calamidade para o país. Deixar de espremer esta borbulha de pus é que sim, só pode agravar e muito a nossa situação colectiva. Basta pensar nos dois mil milhões de euros que pretendem roubar dos nossos bolsos a partir de 2014, só para continuar a alimentar a corja de empresários palacianos que nem na Roménia conseguem ganhar um concurso público. Aliás, até já em Portugal perdem para Espanha! Refiro-me, claro está, às autoestradas desérticas que andaram a construir —e querem continuar a construir (!)— para encher os bolsos do Bloco Central do Betão e da Corrupção e esvaziar os nossos.

A precipitação dos acontecimentos foi aqui prevista há muitos meses, ou mesmo há anos. Perante a degradação evidente das dívidas pública, interna e externa portuguesas, exibida por numerosos quadros estatísticos disponibilizados por organizações internacionais diversas (mas não pelo Banco de Portugal), e compiladas pela Wikipédia, coloquei dois cenários possíveis:
  • uma recomposição do actual espectro partidário —com o surgimento de dois novos partidos políticos (um saído da barriga do PS, e outro, da barriga do PSD);
  • ou a degradação imparável da crise do regime, da qual resultaria a inevitabilidade da formação de um governo de coligação ao centro mediada pelo presidente da república, envolvendo processos de purificação interna dentro dos dois principais partidos políticos.
O preço desta última solução deverá saldar-se pela não recandidatura de Aníbal Cavaco Silva a um segundo mandato. Alegre deverá pois bater-se contra Bagão Félix ou outra personalidade com prestígio na banda centro-direita do espectro eleitoral.

Para quem não percebeu ainda, a verdade nua e crua da nossa situação é esta: não fomos, nem seremos expulsos da União Monetária Europeia, i.e. do euro, mas é como se tivéssemos sido. O nosso poder de compra vai cair pelo menos 30% nos próximos dois anos! O Estado vai ter mesmo que encolher. Para sobrevivermos e ultrapassar o verdadeiro Rubicão que temos pela frente, precisaremos de uma liderança da coisa pública completamente renovada. E provavelmente teremos que meter na prisão uma boa centena de vigaristas, incluindo o actual primeiro ministro e a comandita que o pariu.

Como sempre escrevi, Passos de Coelho ou apressava o passo no sentido de uma ruptura terapêutica, ou suicidar-se-ia politicamente antes de começar a ser alguém.

terça-feira, outubro 05, 2010

Quem tem medo compra um cão

O jota Passos de Coelho tem duas opções:
  • abster-se na votação do orçamento do vigarista-mor do reino (José Sócrates) e dar um tiro na cabeça logo a seguir,
  • ou votar contra, e abrir as portas à verdadeira possibilidade de sairmos do atoleiro para onde esta democracia degenerada, clientelar, burocrata e corrupta nos levou.
REPITO:
  1. A única coisa que poderá piorar a crise portuguesa é manter no poder quem criminosamente a criou e alimentou: José Sócrates e Aníbal Cavaco Silva
  2. O Bloco Central da Corrupção e das Obras Públicas é o grande cancro do país — e como tal é preciso remover o tumor quanto antes, até à última metástase!
  3. Para fazer estas duas coisas é necessário que alguém, no quadro partidário, dê o primeiro passo, sabendo que as canalhas partidárias e clientelares são parte do problema e nunca parte da solução (a menos que sejam postas no seu devido lugar, i.e. de cócoras e a ganir!)
  4. Portanto, jovem Jota, o teu dilema nem é dos piores: ou tremes e recuas agora, e morres em seguida de pasmo e estupidez; ou votas contra o orçamento de 2011 e viras o país a favor de uma mudança efectiva do actual estado de coisas.
  5. Manda as sereias compradas do Banco de Portugal, da Standard&Poor's e o Marcelo à merda!
  6. Recorda-te de que quem tinha razão era Manuela Ferreira Leite. Se a renegares pela segunda vez, terás a sorte de São Pedro. De cabeça para baixo!

quinta-feira, julho 29, 2010

Sacos azuis e horizontes eleitorais (2)

Sem precisar o montante da dívida às empresas portuguesas, Eduardo dos Santos referiu-se à dívida geral angolana a empresas, de 6,8 mil milhões de dólares (5,2 mil milhões de euros), estimando que “30 por cento deste valor” seja referente às empresas portuguesas. — Público.

O autarca de Gaia, naquele desvario intelectual que sempre o caracteriza, vangloriava-se, com se de feito próprio se tratasse, perante as câmaras do Mário Crespo (SCI-N), da verdadeira lança espetada por Cavaco Silva em África. O actual presidente da república teria garantido a sua reeleição nesta viagem africana, disse. Só não explicou como...

Eu prevejo que seja assim: se as empresas portuguesas recuperarem os cerca de 1560 milhões de euros entalados em Angola, à conta da intermediação do senhor Cavavo Silva —presidente da república portuguesa— não me custa nada a crer que os empresários aliviados estejam dispostas a alargar os cordões à bolsa entre 1 e 3% da massa recuperada. É um preço justo pelo resgaste, não acham?

Ora bem, pelas minhas contas, isso seriam qualquer coisa entre 15 e 46,8 milhões de euros.

Não há almoços de borla. Nem em Belém?

terça-feira, março 30, 2010

Portugal 177

Passos em frente

A artilharia pesada de Pedro Passos Coelho já começou a desbastar o terreno. Ângelo Correia bombardeia Cavaco, Mira Amaral atinge o cabotino Mexia nas pernas, a Assembleia Municipal de Lisboa bloqueia António Costa, e Morais Sarmento desfaz Granadeiro por K.O. em 10 segundos.

Este fogo de barragem vai continuar. Prevejo que o próximo ataque ocorra em plena Assembleia da República e leve a virtual maioria parlamentar do PS ao tapete quando esta começar a tentar aplicar as suas fantasias orçamentais, e a usar o PEC para safar a tríade de Macau e os aristocratas do BCP e do BES (por sinal em muito maus lençóis!)

Entretanto o novo líder laranja vai consolidar a sua maioria no próximo congresso do PSD, já em Abril, e formar um governo sombra à boa maneira inglesa. Depois..., bem depois é o ataque final ao bando de piratas que tomou de assalto o PS e tem levado o país à ruína. Não creio que esperar pela eleições presidenciais —a armadilha de Cavaco e de Sócrates— seja uma boa ideia. Assim que as sondagens mostrarem claramente que a derrocada "socialista" está em marcha (e já está em marcha), o senhor Sócrates deve levar com a merecida moção de censura pela espinha acima.

Ninguém compreenderia que Passos Coelho deixasse, por mero cálculo político, o país entregue a um vigarista compulsivo e a uma criatura inerte subitamente agarrada ao poder. E a explicação é simples de entender: se Pedro Passos Coelho deixasse passar a janela de oportunidade que em breve se abrirá (mas por pouco tempo), para dar uma vassourada urgente no regime —exibindo argumentos que não poderiam deixar de ser considerados oportunistas—, o resultado mais provável seria ter dois inimigos consolidados pela frente durante os próximos quatro e seis anos, o primeiro em São Bento, e o segundo em Belém. Não creio que erro tão crasso venha a ser cometido.

O caminho faz-se caminhando, mas no caso em apreço o caminhante fez já uma longa caminhada. Agora é preciso que convença os portugueses, mostre o seu patriotismo estratégico e a sua ética democrática, e por fim tome as rédeas do poder. Antes que seja tarde!

Do que sei, não vejo como poderá a Alemanha deixar de colocar os PIIGs numa espécie de quarentena do euro durante pelo menos quatro anos, ou seja, até 2015. O colapso das dívidas soberanas actualmente em curso de forma subterrânea precipitar-se-à em força e em cascata antes do fim deste ano. Há mesmo quem preveja o próximo mês de Junho para início da derrocada. Se for assim, a tentação de impor um governo de crise por parte de uma aliança contra-natura entre Cavaco e Sócrates será bem mais plausível então do que agora parece.

  
OAM 677—30 Mar 2010 22:48 (última actualização: 23:27)

sábado, março 27, 2010

Portugal 175

Para Passos Coelho, Cavaco é um empata
Para Cavaco, o novo líder pode significar o fim da reeleição presidencial

Eu teria preferido ver Paulo Rangel ganhar as eleições do PSD (1) apesar de saber que a sua candidatura fora precipitada pelos acontecimentos e pressionada por Durão Barroso, Manuela Ferreira Leite e Cavaco Silva. Simplesmente preferi Rangel pela sua rapidez de manobra e instinto predador apesar das fragilidades manifestas. Mas as iminências laranjas, incluindo o comentador Marcelo, preferiram Rangel a Passos Coelho por motivos muito diferentes.

Como o pensamento político do novo líder eleito do PSD, apesar de estar no partido laranja há décadas, é absolutamente desconhecido (diz-se vagamente que o homem é mais liberal do que social-democrata), deduzo que os barões e Cavaco não gostam dele há muito tempo por motivos meramente partidários. Consideram-no, suponho, um produto fabricado, intelectualmente vazio e politicamente artificial. Em suma, um oportunista esperando a sua oportunidade.

Mas a verdade é outra. O homem de família, jovem, alto, cordato, algo tímido, que ganhou a pulso estas eleições directas no PSD é afinal um político profissional. Daí que os seus opositores internos tenham sido tão implacáveis. Suspeito agora (fez-se luz no meu espírito!) que a sua não inclusão na actual bancada parlamentar social-democrata foi uma decisão premeditada de Cavaco Silva executada por Manuela Ferreira Leite. E se assim foi, o tempo começou esta noite a jogar contra estes e outros velhos dirigentes do PSD, Pacheco Pereira incluído. E sobretudo contra a reeleição de Cavaco Silva!

A crise gravíssima que Portugal atravessa não tem apenas uma marca cor-de-rosa. As marcas do betão cavaquista e da hipertrofia do Estado são bem visíveis, e serão cada vez mais notadas à medida que se desbobine a história do endividamento estrutural do país. Passos Coelho não tem realmente nenhuma responsabilidade efectiva no descalabro actual. Ao contrário de José Sócrates, que acabou por se tornar no seu último protagonista.

Por sua vez, o estado catatónico em que se encontra o actual presidente da república, por mais medos atávicos e infundados que se atirem sobre a população relativamente ao bem supremo da estabilidade necessária para sangrar fiscalmente e esmagar socialmente a maioria dos contribuintes, não impedirá a justa e crescente indignação da democracia. Só uma nova maioria, um novo governo e um novo presidente poderão comprar o tempo necessário à dolorosa recuperação da nossa capacidade de produzir e exportar, e à mudança de comportamentos em todos os níveis da sociedade e em todos os departamentos de actividade profissional.

Por mim, a recandidatura presidencial de Aníbal Cavaco Silva e o cavaquismo morreram. E seria muito útil que o homem compreendesse e aceitasse rapidamente a evidência dos factos. Fernando Nobre poderia ser um bom substituto.

Ao contrário do que pensa a generalidade dos analistas, não vai ser o inquérito parlamentar ao primeiro ministro a prova de fogo de Passos Coelho. A prova de fogo serão as grandes obras públicas que a Mota-Engil, o BCP e o BES querem prosseguir no meio de um país que empobrece a olhos vistos e onde o desemprego, a emigração e o declínio dos serviços de saúde e dos apoios sociais acabarão por conduzir a uma tremenda instabilidade social.

Recomendação ao novo líder do PSD: não fale sobre o apoio do PSD à recandidatura de Cavaco Silva antes de este se pronunciar sobre o tema. Aliás, que sentido faz emitir uma opinião sobre um não acontecimento. Cavaco Silva diz que tem muito tempo para decidir. O PSD também!


NOTAS
  1. Ler "O PSD precisa de sumo novo!", "Se o Pedro Passos Coelho…", "E se o PS volta a ganhar?", "Entre Paulo Rangel e Aguiar Branco".


 OAM 675—27 Mar 2010 2:55

sábado, fevereiro 06, 2010

Portugal 160

Por um governo de coligação!

Cavaco Silva e Teixeira dos Santos mentem sobre a nossa capacidade de pagar as dívidas. Estamos, como a Grécia, a um passo da bancarrota.



"Fear the Boom and Bust" a Hayek vs. Keynes Rap Anthem (thanks to Elaine Meinel Supkis)

Para lá da criminosa desorçamentação que falsifica a verdadeira dimensão do nosso endividamento colectivo, a capacidade de financiamento interno do nosso défice orçamental é a mais negativa de todos os países da Zona Euro.
1) poupança nacional bruta em % do PIB
  • Grécia: 7,2 
  • Portugal: 10,2
  • Irlanda: 17 
  • Espanha: 19 
  • Zona Euro (média): 20
2) poupança nacional líquida em % do PIB
  • Grécia: -5,1 
  • Portugal: ? (mais negativa que a Grécia!) 
  • Zona Euro: +6

Greek burdens ensure some Pigs won't fly. By Daniel Gros*

In determining the sustainability of public debt one should not look only, perhaps not even mainly, at today’s fiscal accounts, but at the resource balance for the entire country. On this account clear differences emerge. The Pigs consist of two quite different groups, with Greece and Portugal in the weakest position because of their lack of domestic savings.

The gross national savings rates of these two countries – private and state combined – are at record lows: Greece a mere 7.2% of gross domestic product, Portugal 10.2%. By contrast, the average for the euro area is about 20%. Ireland and Spain, at 17 and 19%, are much closer to the euro area average than to Greece and Portugal.

This implies that Spain and Ireland will be able to finance government deficits from their national savings now that housing investment has crashed and no longer absorbs such a large chunk of savings. Greece and Portugal are unique in their reliance on foreign capital to such a large extent. Gross savings show the domestic resources (cash flows) available to finance domestic investment and consumption (wear and tear) of capital. With such low gross savings it is not surprising to find that neither Greece nor Portugal have been able to finance even a minimum level of net investment from domestic sources. Greece is unique in the eurozone in that its net national savings have been negative for almost a decade, reaching minus 5.1% of GDP in 2008 (only Portugal did worse). By contrast, the euro area average is (plus) 6% of GDP. Even the Baltic states, which relied on foreign capital to finance a construction binge, are in a better position with net savings safely in positive territory. Such low levels of domestic savings have two implications: A fiscal adjustment alone does not solve the problem, and a bail-out would be costly.

(...) It is one thing to provide financing to a country or a company that is generating strong internal cash flows and got into trouble only because of excessive investment (the case of Ireland and Spain). It is quite a different proposition to prop up one whose equity is being eroded because internal cash flow is not even sufficient to maintain the capital stock (the case of Greece and Portugal).  [texto completo]

* — Daniel Gros is Director of the Centre for European Policy Studies (CEPS), Brussels. This Commentary previously appeared in the Financial Times, 29 January 2010.

É por este motivo que os detentores e potenciais compradores da dívida pública portuguesa vão continuar a exigir juros mais elevados e prémios mais altos sobre os seguros de risco da nossa dívida soberana. Como não há alternativa interna (i.e. poupança) que compense a subida em flecha dos empréstimos necessários ao pagamento das dívidas pública e privada e respectivos juros, o espectro da bancarrota é mesmo sério e aproxima-se a uma velocidade vertiginosa!

É pois necessário demitir imediatamente o actual governo de piratas, mentirosos compulsivos, e conspiradores anti-constitucionais, colocando no seu lugar um governo de emergência democrática, formado com base numa coligação de três partidos (PS, PSD e CDS), chefiado por Paulo Portas, com Manuela Ferreira Leite e Luís Amado nos lugares de vice-primeiros ministros. Apesar da necessária plataforma estratégica que suportaria uma tal coligação, não há nenhuma obrigação, nem especial conveniência, de alinhamento relativamente às próximas eleições presidenciais. O Partido Socialista poderá e deverá apoiar Manuel Alegre, e Cavaco Silva, ou outro candidato de centro-direita deverá buscar os seus apoios naturais.

Esta solução, ou qualquer outra que vá no mesmo sentido, deve partir da iniciativa presidencial, antes da aprovação na especialidade do actual OE-2010. Por muitíssimo menos, o anterior presidente da república demitiu o primeiro ministro de uma coligação com maioria absoluta, justificando assim o cargo para que fora eleito. Ninguém perdoará a Cavaco Silva a menor hesitação no desbloqueio da gravíssima crise de legitimidade e operacionalidade governativas resultante da captura do Partido Socialista por uma tríade de violadores constitucionais, numa conjuntura especialmente crítica que ameaça levar o país em poucas semanas para um beco sem saída.

The mispricing of long-term inflation risk. By Dylan Grice

One event which might some day cause such a vol spike is a repricing of inflation risk in the bond market. I've written in detail about the historical relationship between fiscal strain and inflation. Although inflation is widely considered a monetary phenomenon, past episodes of runaway inflation - from ancient Rome to modern day Zimbabwe - have generally had as their root cause a government unable to pay its bills. They have been fiscally generated.

That's not to say there's anything inevitable about inflation as an outcome. Retirement ages and taxes will certainly rise, entitlements will be cut and this will lower the burden. Gokhale suggests that in the absence of any policy changes an increase in government saving of 8% of GDP into perpetuity would restore balance.  — in Dylan Grice, "Popular Delusions Knowing what you don't know: random thoughts on value, volatility and inflation", Societe Generale, Cross Asset Research, 12 Nov. 2009.


POST SCRIPTUM — Como há muito aqui alertámos, empresas como a EDP e a Caixa Geral de Depósitos (além do BCP, BPN e BPP) estão na linha da frente dos colapsos que em breve atingirão a maioria das empresas-bolhas como a citada e hiper-endividada EDP (+ de 14 mil milhões de euros!), a Teixeira Duarte, a Mota-Engil, e outras. O Wall Street Journal acaba de olhar para os números!

Beware Financial Contagion. By Richard Barley.

Wall Street Journal, February 4, 2010

The Greek debt crisis is spreading not just to sovereign issuers such as Spain and Portugal but is starting to hit the corporate sector as well. Buried in Vodafone's otherwise positive third-quarter numbers was a big decline in Greeks' mobile-phone spending. And in the debt markets, Portuguese, Spanish, Greek and Italian corporate credits are underperforming. Sovereign risk is coming home to roost.

... The markets are waking up to the risks: The surge in the cost of insuring government debt against default is starting to affect domestic companies. Take utility Energias de Portugal, whose credit default swaps have suddenly surged higher after having been unaffected by the rising cost of Portuguese sovereign CDS during the last two months of 2009. The cost of insuring EdP’s debt has risen much faster than that of similar companies based in countries with stronger fiscal positions. Similarly, Spanish telecoms group Telefónica, Portuguese bank Banco Espirito Santo and Greek telecom OTE led the widening in CDS spreads in Europe on Thursday.

OAM 682 — 06 Fev 2010 03:03 última actualização: 23:14

domingo, janeiro 03, 2010

Portugal 149

Eleições em Maio?


Entre Reguengo e Valada (cheia), 2 Jan. 2010 (Foto OAM)

"Com este aumento da dívida externa e do desemprego, a que se junta o desequilíbrio das contas públicas, podemos caminhar para uma situação explosiva." — in Discurso de Ano Novo do Presidente da República.

Se a indecisão em volta do próximo Orçamento de Estado redundar num impasse político, e se as crises internas dos partidos do Bloco Central se agudizarem, nomeadamente em resultado do impasse criado no parlamento, ao ponto de assistirmos a cisões no PS e no PSD, não vejo como possa Cavaco Silva evitar a dissolução da Assembleia da República e a marcação de eleições legislativas antecipadas. Acho até que todos ganharíamos num tal cenário: os actuais e futuros partidos políticos, o presumível futuro candidato presidencial Aníbal Cavaco Silva, e mesmo nós, pobres contribuintes. Pelo contrário, a continuação do definhamento em curso da democracia portuguesa, cujas múltiplas feridas não param de deitar pus, apenas agravará o custo e a dor dos cuidados intensivos de que urgentemente necessitamos e acabarão por ser impostos a bem ou a mal.

"Em face da gravidade da situação, é preciso fazer escolhas, temos de estabelecer com clareza as nossas prioridades.

Os dinheiros públicos não chegam para tudo e não nos podemos dar ao luxo de os desperdiçar.

(...) Nas circunstâncias actuais, considero que o caminho do nosso futuro tem de assentar em duas prioridades fundamentais.

Por um lado, o reforço da competitividade externa das nossas empresas e o aumento da produção de bens e serviços que concorrem com a produção estrangeira.

Por outro lado, o apoio social aos mais vulneráveis e desprotegidos e às vítimas da crise." — idem.

A reponderação do plano de obras públicas do governo Sócrates não pode deixar de ser a ilação lógica deste acertado juízo presidencial. Boa parte de tais obras são desnecessárias, desastrosas do ponto de vista estratégico e tecnológico, caríssimas, fruto presumível de especulação ilícita e sem efectiva repercussão nos níveis de emprego e competitividade do país (pois o trabalho é temporário e toda a tecnologia importada.)

A Alta Velocidade/Velocidade Elevada ferroviária para pessoas e mercadorias, salvo os troços Caia-Pinhal Novo e Porto-Vigo, deve pois abrandar o respectivo calendário, o que é bem diferente de rejeitar a ideia do dito TGV, como muitos fazem. O aeroporto de Alcochete pode esperar. A TTT Chelas-Barreiro tem que parar imediatamente (e o senhor da RAVE, demitido!) As barragens que nada trazem de essencial, atentam contra a sustentabilidade económica e destroem os ecossistemas naturais (Tua, Fridão, etc.) devem fazer marcha-atrás (e o senhor Mexia, posto a andar!) O plano de autoestradas, em fase final de execução, enfim, talvez mereça ser concluído como previsto, ainda que renegociando as carraças contratuais que consubstanciam boa parte dos eufemismos a que chamam Parcerias Público Privadas. Por sua vez, o aeroporto da Portela pode e deve ser ampliado e melhorado quanto antes, a TAP reestruturada de uma ponta a outra e a base aérea militar do Montijo arrendada temporariamente à ANA para complemento da Portela. Voltando ao tema da ferrovia, deveria ser traçado um plano urgente de migração da actual bitola ibérica para a bitola europeia em todos os trajectos com especial valor estratégico para a economia portuguesa: ligações entre portos, dos portos atlânticos a Espanha e ao resto da Europa e ligações entre todas as capitais de distrito do país (1).

"Cerca de noventa e cinco por cento das nossas empresas têm menos de vinte trabalhadores.

Sendo esta a estrutura do nosso tecido produtivo, o contributo das pequenas e médias empresas é decisivo para a redução do desemprego e para o desenvolvimento do País.

Às instituições financeiras, por seu lado, exige-se que apoiem de forma adequada o fortalecimento da capacidade das pequenas e médias empresas para enfrentarem a concorrência externa.

Se o Estado tem a responsabilidade de garantir a estabilidade do sistema financeiro em períodos de turbulência, os bancos têm a responsabilidade social de garantir que o crédito chega às empresas." — ibidem.

Este ponto é porventura dos mais sensíveis da política futura, pois exigirá, para ter sucesso, uma verdadeira arte da governação e um duradouro e imaginativo consenso sobre o modelo estratégico da nossa economia, do nosso ordenamento territorial e da nossa flexibilidade laboral e financeira. A solução necessária não está ainda disponível e não creio que qualquer dos actuais partidos tenha a suficiente imaginação para propor ideias sem preconceitos no âmbito da discussão do próximo Orçamento de Estado. Mas de uma coisa podemos estar todos certos: os bancos não podem investir o dinheiro que não têm! Vamos pois precisar de menos maniqueísmo e de verdadeira criatividade política, económica, financeira e social para sairmos da armadilha do endividamento estrutural do país, da hipertrofia do Estado, da falta de Justiça e da corrupção para que fomos conduzidos ao longo das últimas duas décadas por uma nomenclatura irresponsável.

"Importa ter presente que Portugal tem já um nível de despesa pública e de impostos que é desproporcionado face ao seu nível de desenvolvimento.

Assim, seria absolutamente desejável que os partidos políticos desenvolvessem uma negociação séria e chegassem a um entendimento sobre um plano credível para o médio prazo, de modo a colocar o défice do sector público e a dívida pública numa trajectória de sustentabilidade.

O Orçamento do Estado para 2010 é o momento adequado para essa concertação política, que, com sentido de responsabilidade de todas as partes, sirva o interesse nacional.

Não devemos esperar que sejam os outros a impor a resolução dos nossos problemas." — ibidem.

Ninguém poderá seriamente evitar estas questões colocadas por Cavaco Silva. Mas serão os actuais partidos políticos capazes de assumir o desafio? Duvido. Duvido mesmo muito!

Cavaco Silva, que verdadeiramente não sei se terá condições para se recandidatar ao cargo que actualmente ocupa (bastará Santana Lopes saltar-lhe na frente para desfazer tal hipótese), termina a sua mensagem de Ano Novo alertando para as falsas querelas com que José Sócrates e o seu estado-maior de piratas e criaturas de seita, querem lançar sobre o país como mais uma cortina de ilusionismo e manipulação.

Liberalização do divórcio, casamento entre homossexuais, regionalização são temas inegavelmente importantes, mas são também assuntos povoados de tabus. Numa democracia plena, que não na democracia populista em que a nossa nomenclatura partidária transformou o país, temas sensíveis como estes exigem estudo, pedagogia, discussão pública e até referendos! Não merecem, como aconteceu no caso da legislação proposta para o casamento gay, que se transforme o parlamento num campo concentracionário, com deputados de primeira (Miguel Vale de Almeida e Sérgio Sousa Pinto) e ralé sem direito à consciência. Os casais homossexuais não poderão adoptar crianças, impõe o chefe Sócrates aos seus apaniguados (2). Mas basta uma pessoa para requerer a adopção! (3).

Por fim a regionalização. Quem de bom senso pretende discuti-la serenamente ou mesmo levá-la por diante no preciso biénio ou triénio em que Portugal atravessa a sua maior crise financeira, de envelhecimento populacional (4) e de endividamento, desde 1892?! Se não for de um doido, diria que tal estratagema só poderá ter saído dum gabinete de propaganda e contra-informação ao pior estilo dos regimes autoritários do século 20.



NOTAS
  1. «Vários capitalistas ingleses, aqueles que pertencem à aristocracia financeira de Londres, estão dispostos a construir uma linha de caminho-de-ferro no Sul de Portugal, linha essa que virá a ser um dos troços da rede geral ferroviária da Europa, que terá de atravessar a Espanha e ligará o porto de Lisboa aos principais mercados do mundo.» 40.

    (40) Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas, DGOP-EC, 107, Documentos Relativos às Propostas Feitas para a Construção do Caminho-de-Ferro de Leste a partir de Santarém e do Caminho de Ferro de Lisboa ao Porto, 1856-59. Em 1872, o cônsul inglês em Lisboa também partilhava as ideias dos seus contemporâneos acerca do desenvolvimento dos caminhos-de-ferro em Portugal, ao comentar que uma linha directa entre Lisboa e Paris «reduziria o tempo de viagem em, pelo menos, vinte e quatro horas e, em minha opinião, até muito mais. Todas as malas postais da América do Sul e do Pacífico e o grande número de passageiros que quisessem evitar o golfo da Biscaia seguiriam esse caminho; e, se se fizessem as necessárias alterações e melhoramentos no porto, Lisboa não teria, praticamente, de temer qualquer concorrência» (Great Britain Parliamentary Papers, 1873, LXV, 828, «Report by Consúl Brackenbury on the Trade and Navigation of the Consular District of Lisbon for the Year 730 1872», p. 995). — in António Lopes Vieira, A política da especulação — uma introdução aos investimentos britânicos e franceses nos caminhos-de-ferro portugueses.

  2. "Sócrates impõe voto contra a adopção por casais gay" — in i.

  3. Quem pode requerer a adopção? "Uma pessoa se tiver: mais de 30 anos; mais de 25 anos, se o menor for filho do cônjuge do adoptante" — in Portal do Cidadão.

  4. Quantifying Eurozone Imbalances and the Internal Devaluation of Greece and Spain

    ... the main source of these economies' difficulties, while certainly very much present in the here and now, essentially has its roots in population ageing and a period, too long, of below replacement fertility that has now put their respective economic models to the wall. It is interesting here to note that while it is intuitively easy to explain why economic growth and dynamism should decline as economies experience ongoing population ageing, it is through the interaction with public spending and debt that the issue becomes a real problem for the modern market economy. Contributions are plentiful here but Deckle (2002) on Japan and Börsh-Supan and Wilke (2004) on Germany are good examples of how simple forward extrapolation of public debt in light of unchanged social and institutional structures clearly indicate how something, at some point, has to give. Whether Spain and Greece have indeed reached an inflection point is difficult to say for certain. However, as Edward rightfully has pointed out, this situation is first and foremost about a broken economic model than merely a question of staging a correction on the back of a crisis.

    Secondly and although it could seem as stating the obvious, Greece and Spain are members of the Eurozone and while this has certainly engendered positive economic (side)effects, it has also allowed them to build up massive external imbalances without no clear mechanism of correction. Thus, as the demographic situation has simply continued to deteriorate so have these two economies reached the end of the road. In this way, being a member of the EU and the Eurozone clearly means that you may expect to enjoy protection if faced with difficulty, but it also means that the measures needed to regain lost competitiveness and economic dynamism can be very tough. Specially and while no-one with but the faintest of economic intuition would disagree that the growth path taken by Greece and Spain during the past decade should have led to intense pressure on their domestic currencies, it is exactly this which the institutional setup of the Eurozone has prevented. I have long been critical of this exact mismatch between the potential to build internal imbalances and the inability to correct them, but we are beyond this discussion I think. Especially, we can safely assume that the economists roaming the corridors in Frankfurt and Brussels are not stupid and that they have known full well what kind of path Greece and Spain (and Italy) invariably were moving towards.

    Essentially, what Greece and Spain now face (alongside Ireland, Hungary, Latvia etc) is an internal devaluation which has to serve as the only means of adjustment since, as is evidently clearly, the nominal exchange rate is bound by the gravitional laws of the Eurozone. Now, I am not making an argument about the virtues of devaluation versus a domestic structural correction since it will often be a combination of the two (i.e. as in Hungary). What I am trying to emphasize is simply two things; firstly, the danger of imposing internal devaluations in economies whose demographic structure resemble that of Greece and Spain and secondly, whether it can actually be done within the confines of the current political and economic setup in the Eurozone.

    ...

    Internal Devaluation, What is it All About Then?

    If the technical aspects of an internal devaluation have so far escaped you it is actually quite simple Absent, a nominal exchange depreciation to help restore competitiveness the entire burden of adjustment must now fall on the real effective exchange rate and thus the domestic economy. The only way that this can happen is through price deflation and, going back to my point above, the only way this can meaningfully happen is through a sharp correction in public expenditure accompanied with painful reforms to dismantle or change some of the most expensive social security schemes. This is naturally all the more presicient and controversial as both Spain and Greece are stoking large budget deficits to help combat the very crisis from which they must now try to escape. Positive productivity shocks here à la Solow's mana that fall from the sky may indeed help , but in the middle of the worst crisis since the 1930s it is difficult to see where this should come from. Moreover, with a rapidly ageing population it becomes more difficult to foster such productivity shocks through what we could call "endogenous" growth (or so at least I would argue).

    ...

    From 2000-2009(Q3) the accumulated annual increases in the CPI was 57% for Germany versus 109.4% and 104% for Greece and Spain respectively. Assuming that Germany remains on its historic path of annual CPI readings (which is highly dubious in fact), this gives a very clear image of the kind of correction Greece and Spain needs to undertake in order to move the net external borrowing back on a sustainable path which in this case means that these two economies are now effectively dependent on exports to grow.

OAM 669 03-01-2010 23:55 (última actualização: 04-01-2010 10:25)

domingo, dezembro 06, 2009

Portugal 143

O próximo presidente

Casa Pia: Jaime Gama perde processo contra ex-aluno

"... várias testemunhas ligadas à investigação e ao processo da Casa Pia afirmaram que o nome do actual presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, tinha sido apontado por quatro pessoas diferentes como estando envolvido em práticas pedófilas." — in TVI24, 30.04-2009.

Jaime Gama questionou "perseguição" a Jorge Ritto

Ainda sobre Jorge Ritto, a ex-secretária de Estado relatou que no início de 1984 — já no Governo do Bloco Central (PS/CDS) — recebeu um telefonema do então ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, actual presidente da Assembleia da República, que a questionou sobre a razão de estar "a perseguir o diplomata Jorge Ritto". — in Público, 11.01.2007.

Jovem implica Gama, Ferro e Paulo Pedroso

O jovem que está a prestar depoimento no julgamento do processo da Casa Pia implicou, ontem, o actual presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, os ex- -dirigentes socialistas Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso, o treinador-adjunto do Benfica Fernando Chalana e o ex-provedor Luís Rebelo em práticas de abusos sexuais. Questionado pelo advogado Ricardo Sá Fernandes, que representa Carlos Cruz, se foi abusado por outras pessoas que não estão a ser julgadas, a testemunha foi autorizada pela juíza Ana Peres a mencionar os nomes. in Diário de Notícias, 17.03.2006.

Se Jaime Gama se candidatar contra Cavaco Silva, votarei em Cavaco Silva. Se o mesmo Jaime Gama se candidatar contra uma hipotética candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, votarei em Marcelo Rebelo de Sousa. Ou seja, jamais votarei no batráquio que até agora nada disse publicamente sobre a pesada suspeita que sobre ele não deixou de pesar!

Porém, se for Manuel Alegre a opor-se de novo a Cavaco Silva, então votarei no poeta socialista, apesar do juízo crítico que faço ao seu titubeante comportamento. Há também a hipótese de Manuel Alegre se recandidatar —mas desta vez, contra Marcelo Rebelo de Sousa. Se assim vier a ocorrer, aí votarei neste candidato laranja, pois considero-o muito mais arejado do que o hirto Aníbal (de quem nunca gostei —confesso) e preferível em Belém a um escritor incerto e sem ideias claras sobre o futuro.

Estou convencido de que seja qual for o candidato cor-de-rosa —aquele que o PS de Sócrates e Soares elegeram já (Jaime Gama), ou o da esquerda em bloco (Manuel Alegre)—, o mesmo perderá as próximas eleições presidenciais. É seguramente esta mesma intuição que acabará por levar Cavaco Silva a recandidatar-se apesar do vómito de corrupção, inépcia, ignorância e cobardia estratégica, em que o regime se vem afogando.

Esta degradação do regime é aliás a melhor aliada objectiva da ambicionada reeleição de Cavaco Silva. A situação económica, e sobretudo financeira, continuará a deteriorar-se, recaindo cada vez mais o ónus de semelhante colapso sobre os partidos, o parlamento e o governo. O actual presidente dirá, muito simplesmente, quando lhe perguntarem porque nada ou pouco fez para remediar a situação, uma coisa simples: não dispunha de poderes suficientes para tal! Competirá pois a este parlamento, ou ao que lhe suceder, reparar semelhante fragilidade constitucional.

Como é fácil de perceber, o jogo de Cavaco nas actuais circunstâncias passa por interpretar e exercer os poderes presidenciais no limiar mínimo das respectivas competências. Por-se em bicos dos pés sem argumentos constitucionais suficientemente fortes para tal, seria um suicídio. E um suicídio presidencial no momento em que o resto do regime se afunda, seria o mesmo que enterrar Portugal por largas décadas!


Post scriptum — Porque esperam Alegre, e Cavaco? Há uma pressão crescente para que estes protagonistas se decidam rapidamente face às eleições presidenciais de 2011. Marcelo Rebelo de Sousa gostaria de saber se tem o caminho aberto para uma candidatura presidencial (creio que não tem); e Sócrates precisa urgentemente de um candidato presidencial capaz de servir de muleta à sua própria sobrevivência política até 2011. Como é bom de ver, dado o deserto político em matéria de potenciais candidatos presidenciais (Sampaio, uma das esperanças de Sócrates, já afastou liminarmente a hipótese), quer Cavaco, quer Alegre, estão razoavelmente à vontade em matéria de tempos de decisão. Podem e convém-lhes decidir o mais tarde possível, construindo entretanto redes de cumplicidades e apoios prontas a disparar quando o momento oportuno chegar. O actual presidente da república não quer ser visto como candidato quando se espera dele que presida (o que não tem feito com a coragem que o momento exige). Manuel Alegre, por sua vez, não sabe se Sócrates aguentará a pressão e não quer ser muleta dum anjo caído, sabendo que uma precipitação indevida poderia custar-lhe mais de 500 mil de votos à esquerda. A chantagem com uma possível aposta de José Sócrates e Mário Soares em Jaime Gama (que redundaria numa segunda derrota pírrica de Manuel Alegre, seja a favor e Cavaco, ou de Marcelo) não pode deixar de irritar o poeta de "Adeus às Armas". Mas por outro lado, ceder a tão indecorosa chantagem, típica de uma seita partidária (que foi no que o PS se transformou), seria uma traição intolerável a quem votou e continua a precisar de votar num símbolo da esquerda democrática nas próximas eleições presidenciais.


OAM 658 06-12-2009 13:40 (última actualização: 07-12-2009 13:02)