Uma leitura do National Security Strategy 2025
Este documento do governo americano, em estilo jornalístico direto, cuja leitura recomendo, condensa uma alteração profunda na diplomacia americana, que configura basicamente o novo posicionamento dos Estados Unidos perante a emergência do que reconhecem ser um mundo multipolar (Estados Unidos, Europa*, China), onde, porém, tencionam continuar a ser militarmente dominantes, deixando embora de ser vendedores de bíblias e democracia.
Objetivos principais consagrados neste documento, por vezes contraditório, enviesado ou vago:
— manter as vias de comunicação, nomeadamente marítimas, aéreas e eletrónicas, abertas e protegidas tanto dos piratas convencionais, como de terroristas e estados com pretensões de dominação global ou regional;
— impedir que os excessos de capacidade produtiva e comercial da China e da Europa continuem a esvaziar a América de fábricas, trabalhadores, conhecimento e tecnologia, agravando ainda mais o astronómico défice da sua balança comercial, usando para tal tarifas alfandegárias como arma destinada a restabelecer o equilíbrio orçamental e uma agressividade mercantilista renovada;
— consolidar as suas alianças estratégicas e parcerias no mundo, aumentá-las, até, nomeadamente na América do Sul e em África, para assim poderem manter o modelo cultural em que acreditam, mas sobretudo garantirem o acesso a recursos estratégicos imprescindíveis ao crescimento económico na era da robótica e da IA: metais, raros e não raros, energia, muita energia!
As considerações sobre o fim das grandes migrações dizem respeito apenas aos Estados Unidos, apesar das insinuações sem fundamento estatístico (2) que apontam à União Europeia. O cenário catastrófico que o documento traça sobre a Europa, cujo PIB em Paridade do Poder de Compra é maior do que o dos Estados Unidos (1), é claramente desproporcionado. Creio mesmo que a Europa, além de ser o principal parceiro comercial dos Estados Unidos fora do continente americano (3), é também o seu único contraponto credível relativamente aos seus excessos da ganância monopolista.
Curiosamente, os Estados Unidos da era Trump, ao anunciaram a sua descolagem orçamental dos sistemas de defesa dos países aliados, libertaram a Alemanha e o Japão dos constrangimentos impostos a estas duas potências mundiais no rescaldo da derrota destes dois países na Segunda Guerra Mundial. Entre o Trump I e o Trump II, o Japão transformou os seus dois navios de grande convés (porta-helicópteros) em porta-aviões capazes de operar com F-35, e acaba de ameaçar Pequim nas suas intenções de invadir a Formosa, o que, a socorrer, alteraria o equilíbrio estratégico na região do Índico-Pacífico.
Querer a **paz através da força**, o mantra que os rapazes do Trump repetem sem parar, está neste momento à prova na Venezuela. Certamente um bom teste para verificar a consistência da estratégia que acabam de anunciar aos quatro ventos.
Creio que os Estados Unidos temem, de facto, a Europa (um receio que vem de longe, como se sabe...), sobretudo se esta, depois de Putin vier a incorporar a Ucrânia na União Europeia e numa NATO-Europa, e conseguir, por outro lado, estabelecer uma parceria comercial (e depois estratégica) com a Rússia, colocando os Estados Unidos e a China numa situação geo-estratégica mundial inteiramente nova e duradoura.
NOTAS
1. O PIB, em Paridade do Poder de Compra, da Europa, considerando as medições do FMI, Banco Mundial e os números da CIA (The World Factbook), é superior ao dos Estados Unidos e inferior ao da China.
2. A presença muçulmana na Europa que tanto aflige Donald Trump e J. D. Vance, não vai neste momento além dos 5%, e estima-se que em 2050, andará entre os 11% e os 14%. Muito longe, portanto, do limiar dos 30-40%, a partir do qual, os problemas de representação política e cultural étnica, religiosa ou étnico-religiosa, começam a tornar-se problemáticos. É certo que nos Estados Unidos apenas 1% dos cidadãos são muçulmanos, mas, por outro lado, 13% a 14% são afro-americanos e 20% são latinos. Quer dizer, há uma percentagem de norte-americanos que não fazem parte da maioria branca caucasiana que supera os 30% e caminha rapidamente para os 40%, o que não seria um problema se o racismo não fosse tão acentuado entre a elite republicana que ocupa atualmente a Casa Branca!
3. Se considerarmos a Europa democrática alargada (incluindo a União Europeia, o Reino Unido, a Suíça, a Noruega e outros países democráticos, excluindo a Rússia e a Ucrânia), o volume total de comércio com os Estados Unidos supera claramente o comércio destes com a China, sendo portanto a Europa a maior parceira comercial dos EUA fora do continente americano, i.e., depois do México e do Canadá. Já agora, a UE é a maior parceira comercial da China.
* — o documento prefere referir a Rússia, certamente pela contagem de espingardas!








