segunda-feira, novembro 01, 2010

Um caso de estudo

Tit for tat vence dilema do prisioneiro Sócrates



Portugal está na bancarrota. Pergunta: quem foi responsável por semelhante desastre e pelas pilhagens que contribuíram para este desfecho? Foi apenas o PS e quem o tomou de assalto, ou há que assacar também responsabilidades ao PSD, nomeadamente ao PSD de Cavaco Silva, de onde surgiram figuras tão pouco recomendáveis quanto Oliveira Costa e Dias Loureiro, possíveis cúmplices do maior assalto a uma instituição financeira (SLN/BPN) alguma vez praticado no nosso país?

A convicção popular reparte, ainda que de modo desigual, as responsabilidades do colapso em curso, pelos dois principais protagonistas do chamado Bloco Central que nos tem governado desde 1983.

Sendo embora evidente as especiais responsabilidades do PS e do mentiroso compulsivo José Sócrates na década de escondida estagnação e sobre endividamento que Portugal atravessou desde o início deste século, é também verdade que o decrescimento tendencial da nossa economia e a divergência relativamente à média europeia começou no início dos anos 90, ainda com o governo de Aníbal Cavaco Silva, que acabaria aliás por perder as eleições de 1995, no rescaldo da recessão de 1993 (1).

Foi esta percepção, e ainda a noção generalizada de que os demais partidos com assento parlamentar (CDS-PP, PCP e Bloco de Esquerda) não passam de contra-pesos do regime, incapazes, individualmente ou em qualquer coligação imaginável, de fazer qualquer coisa de útil pelo país, que acabou por induzir na consciência colectiva, e nas sondagens, duas convicções complementares, apesar de terríveis:
  1. que o equilíbrio de uma solução de emergência nacional para a crise aguda em que estamos teria que ter um larguíssimo apoio parlamentar;
  2. e que assim sendo, seria fatal como o destino um entendimento entre os dois maiores partidos, significando tal entendimento na prática uma óbvia concessão de maiores e mais decisivos poderes ao PSD —certamente antes do fim ou interrupção do actual ciclo legislativo.
Mas transformar este sentimento popular numa efectiva alteração do cenário político não é coisa fácil, sobretudo tendo presente a natureza burlona e golpista dos piratas que tomaram de assalto o PS e o Estado, e os foram esvaziando de conteúdo, autonomia e fundos.

Desde que António Guterres perdeu o controlo do seu próprio governo a favor da tríade de Macau, e com total descaramento, desde que o senhor Sócrates Pinto de Sousa foi colocado onde está, que a partidocracia vigente caminha de forma acelerada para uma cleptocracia, com tudo o que de suicida tal descarrilamento democrático significa. Estancar a hemorragia orçamental populista que alimentou e é propícia a favorecer rapidamente o colapso de qualquer regime democrático exige, antes de mais, expor, denunciar publicamente, e derrotar o verdadeiro exército de corrupção instalado em boa parte dos vértices do poder e que se espalhou como metástases de um cancro por toda a sociedade que depende da apropriação dos fundos comunitários e da pilhagem fiscal.

Ora, como não podia deixar de ser, os piratas resistem com tudo o que têm à mão a ceder as posições que ocuparam sob a capa do processo democrático. A cooperação entre os dois principais partidos com assento parlamentar é mais do que nunca necessária, mas o poder mafioso existente fez e fará tudo para torpedeá-la.

Passos Coelho apercebeu-se, felizmente a tempo, desta fatalidade do comportamento adversário, o qual queria impor ao PSD uma submissão pura e simples aos seus desígnios, em troca de uma partilha subreptícia dos negócios ruinosos em curso, e do banquete orçamental. Para tal manobra, Sócrates e a tríade de Macau contaram aliás com vários apoios laranjas, do intriguista-mor do reino, Marcelo Rebelo de Sousa, até aos mais chegados, e felizmente exonerados, conselheiros do actual líder do PSD: Ângelo Correia e António Nogueira Leite.

Como aqui se recomendou sempre, a melhor estratégia para lidar com esta verdadeira conspiração seria manter bem alta a perspectiva de uma rejeição do orçamento do PS por parte do PSD, deixando Sócrates, a tríade e o próprio Cavaco entregues ao bluff anunciado de uma demissão do governo.

O PSD, apesar de ter culpas no cartório, não é responsável pelo agravamento extremo da situação económica e financeira a que a pirataria e a mentira do governo Sócrates conduziram o país. E por isso, só um tolo, suicida, ou vendido, aceitaria comungar com o PS as responsabilidades pela dita bancarrota. O dilema do prisioneiro estava assim criado, e o jogo da mais extraordinária negociação política dos últimos tempos iria ter finalmente lugar.

Eduardo Catroga, que o anti-ético conselheiro de estado e intriguista-mor do reino "professor Marcelo" apelidou este Domingo, em tom pejorativo, de "avozinho" e "Avô Cantigas", liderou de forma absolutamente brilhante uma equipa de negociadores que acabaria por derrotar por KO humilhante o capacho Teixeira dos Santos, e por via deste capacho, esse quisto do regime que é necessário lancetar quanto antes: José Sócrates Pinto de Sousa. Não vou descrever a cronologia deste Tit for tat, mas foi tão extraordinário e emocionante que espero venha a ser objecto de uma tese de mestrado ou doutoramento sobre como a arte de negociar pode salvar um regime à beira do colapso de um suicídio mais do que plausível.

O dilema do prisioneiro ainda não chegou ao fim, mas tudo indica que quem verdadeiramente assaltou o pomar é já conhecido de todos. Só falta mesmo que as autoridades policiais tomem conta do caso, e antes disso, que os socialistas recuperem as rédeas do PS. A desautorização flagrante das palavras do capacho Teixeira dos Santos, isto é, a desautorização flagrante do chefe do governo e ainda secretário-geral do PS, José Sócrates, por parte de Francisco Assis, assinalam não apenas a dimensão quase esmagadora da vitória de Eduardo Catroga e Passos Coelho, mas também o início da limpeza doméstica que o Partido Socialista terá que fazer rapidamente se quiser estar à altura das circunstâncias extremas que aí vêm — e que também dele exigirão cooperação e responsabilidade.

A realidade é o que é. E no que se refere às próximas eleições presidenciais, os dados estão lançados, e os resultados antecipados já são conhecidos: Cavaco Silva, apesar de provavelmente sofrer de doença grave, será reconduzido eleitoralmente no cargo, deixando para trás uma colecção de candidatos impossíveis de levar a sério. Mas assim como os partidos precisam todos de uma grande limpeza interna e de arejar as respectivas ideias, éticas, metodologias e programas, também a presidência da república terá que aproveitar as próximas eleições para estancar as tendências cesaristas que crescem na sua Casa Civil. A situação do país não se compadece com menos.

Prevejo há muito a necessidade de formação dum governo de grande coligação (PS-PSD-PP) antes ou depois da reeleição de Cavaco Silva, antes ou depois de terminar a actual legislatura. Embora não seja de excluir uma vitória por maioria absoluta do PSD nas próximas eleições legislativas, antecipadas, ou no prazo regular, a instabilidade política inerente ao declínio económico-financeiro de Portugal que se prevê que venha a ocorrer até, pelo menos, ao fim da próxima década, exigirá uma adaptação do regime a tão dramática emergência nacional, a qual deverá passar, na minha opinião, por uma arquitectura de alianças estável, baseada numa plataforma de responsabilidade política, de ética institucional e de solidariedade social consensual entre uma boa maioria da população.

Pelo que se conhece de Cavaco Silva e das tendências cesaristas em desenvolvimento no interior da sua Casa Civil, pouco poderemos esperar de bom do Palácio de Belém. Compete aos partidos, após a sua urgente e radical renovação (do Bloco ao PP), impedir que a democracia portuguesa se transforme num inferno, acalentando na bicharada de Belém o sonho imoral de uma democracia tutelada.


NOTAS
  1. "Em 2010 termina uma década de crise e estagnação da economia portuguesa, usando os índices tradicionais dos capitalistas vejamos um pouco esta realidade: na década de 80 (1981-1990) o crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) português foi de 3,8% com picos de 7,6% e 7,9%, respectivamente em 1987 e 1990, e um ano de recessão em 1984, numa evolução do PIB de -1%; na década de 90, encontramos já uma descida do crescimento médio para 3% com picos de 4,2% e 4,9%, em 1997 e 1998, e também um ano de recessão em 1993, numa evolução negativa de -0,7%; na década que agora termina, constatamos um crescimento médio de 0,5%, com pequenos picos de 2% e 1,9%, em 2001 e 2007, mas desta vez com dois anos de recessão em 2003 e 2009 com decréscimos respectivos de -0,8% e -2,7% a -3%, dependendo das diferentes projeções do Banco de Portugal ou do FMI, assinalando ainda que o crescimento em 2008 fosse de 0%. " — in "Portugal: uma década de decadência económica" (Diário Liberdade.)

sábado, outubro 30, 2010

Acordo nado morto

Como remover Sócrates do poleiro?

Quem ouviu atentamente as declarações de Eduardo Catroga e de Teixeira dos Santos terá percebido que o sucessivamente anunciado fumo branco do acordo orçamental não passou dum exercício de narcisismo por parte de José Sócrates, que abandonou por alguns minutos o Conselho de Estado para ir dar ordens à sua central de contra-informação e propaganda, e depois, por parte de Cavaco Silva, que não resistiu ao oportunismo de poder vender eleitoralmente a sua mediação presidencial, dando a entender que encostara Sócrates às cordas com aprovação generalizada dos conselheiros que entretanto reunira.

Ou alinhas num acordo com o PSD, ou vais parar ao charco de uma demissão antecipada — deverá ter sido o tom grave do Conselho de Estado de ontem.

O comportamento vigarista do primeiro ministro em mais este episódio do penoso enterro do seu consulado irritou uma vez mais Passos de Coelho, levando-o a declarar à entrada de uma reunião partidária, ontem, por volta das 22:00, que não havia acordo. Catroga, na longa e acutilante conferência de imprensa dada hoje de manhã na Assembleia da República, depois de anunciar a hora exacta (23:19) do acordo para a aprovação na generalidade no próximo orçamento de estado desancou literalmente o governo e o PS, deixando a nu as causas do colapso financeiro provocado pela incompetência e comportamentos altamente censuráveis daqueles dois protagonistas ao longo dos últimos 15 anos. Depois de ouvir as justas mas virulentas declarações do antigo ministro de Cavaco Silva, disse de mim para mim: a resposta do Teixeira dos Santos só poderá relançar o caminho da ruptura entre Sócrates e Passos de Coelho. E assim foi:

Às 23h19 minutos de sexta-feira, Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga selaram o acordo. Agora, diz Teixeira dos Santos, o “Orçamento do Estado para 2011 vai ser aprovado na generalidade”. No entanto, o ministro das Finanças acusa o PSD de “dourar a pílula” com as suas propostas, que vão custar ao país 500 milhões de euros.

“Vai ser necessário adoptar medida adicionais para atenuar o custo de 500 milhões deste acordo”, avisa Teixeira dos Santos, porque, a tentativa do PSD de “dourar a pílula”, “esconde a necessidade de medidas exigente”.

No entanto, Teixeira dos Santos recusa-se a explicar que medidas adicionais são essas, esclarecendo que o Orçamento será “OE “aprovado na generalidade” e servirá de “base de trabalho” e que será depois “ajustado aos desafios do país” — in RR Renascença.

Conhecendo, todo o país, como conhece, o mitómano que elegeu para primeiro ministro, e a fidelidade canina dos seus acólitos ministeriais e deputados de confiança (Teixeira dos Santos, Pedro Silva Pereira, Vieira da Silva, Santos Silva, e o canídeo de fila parlamentar Jorge Lacão), podemos desde já fazer apostas sobre quantas semanas levará a esfumar-se o putativo acordo orçamental hoje anunciado.

Pedro Passos de Coelho, cuja liderança tem melhorado a olhos vistos, graças às vozes avisadas dos seus novos e experientes conselheiros (nomeadamente Diogo Leite de Campos e Eduardo Catroga), já percebeu que Sócrates não tem palavra, e que além de não ter palavra, é um perigoso mitómano encurralado na incompetência gritante das suas políticas, e enredado nas teias tenebrosas da tríade pirata de Macau, ou até, quem sabe, de alguma seita dianética com origem nos Estados Unidos. O BPN é uma bomba relógio que escalda nas mãos de Cavaco Silva, mas poderá revelar-se também uma castanha quente para Sócrates. Alguém já perguntou a esta criatura se tem dinheiro seu em contas bancárias no estrangeiro? Alguém já perguntou ao primeiro ministro se tem dinheiro seu em  paraísos fiscais? São duas perguntas inocentes que merecem resposta, creio.

Na presente situação é do interesse de Sócrates demitir-se, para não ser assado em lume brando pelo colapso em curso da economia e das finanças do país. Mas há um perigo que lhe deve causar suores frios todas as noites: e se a Maçonaria lhe lança de novo a matilha do Ministério Público às canelas? Que poderá fazer para evitar uma queda definitiva no abismo? E se o inenarrável ex-sargento do PCP, e ex-ministro da Ota e do Deserto da Margem Sul, Mário Lino, denunciado por Ana Paula Vitorino no processo "Face Oculta", apontar os holofotes para o seu antigo chefe? Quem salvará Sócrates Pinto de Sousa dum imediato e interminável calvário judicial, se abandonar o cargo de primeiro ministro? Diz-me a intuição, pois os factos estão no segredo da Justiça, que alguns dos casos já encerrados poderão voltar a ser reabertos, e que novos casos poderão surgir de um dia para o outro, sobretudo se houver uma corrida aflita de ratazanas em direcção aos botes de salvação do abalroado navio governamental — que já mete água por todos os lados.

Assim sendo, isto é, se José Sócrates não se demite por medo das consequências pessoais, que alternativas restam para evitar as consequências mais gravosas da presente bancarrota do país?

Especulemos:
  1. Sócrates tenta manter-se no poder cedendo às exigências crescentes do PSD, nomeadamente no capítulo do desmantelamento da guarda neo-pretoriana criada pela tríade de Macau ao longo dos últimos quinze anos, apunhalando uma a uma as milhares de divisões que suportam o poder tentacular da actual cleptocracia camuflada de socialismo — o perigo para Sócrates de tamanha traição é talvez mais assustador do que cair nas malhas da Justiça maçónica!
  2. Sócrates tenta manter-se no cargo sem ceder ao PSD, apesar do acordo anunciado esta manhã (foi isto mesmo que Teixeira dos Santos veio dizer em tom provocatório depois da comunicação de Eduardo Catroga), provocando nova ruptura e a deserção de Pedro Passos de Coelho do acordo, por motivo obviamente compreensível. Neste caso, o Presidente da República, com o apoio já garantido pelo Conselho de Estado, mesmo antes de ser reeleito, demite o chefe de governo, José Sócrates Pinto de Sousa, e chama o secretário-geral do PS, José Sócrates, para indicar outra personalidade do PS, ou da confiança do PS, para substitui-lo no cargo e formar novo governo. O estigma da demissão poderia ser tentador para um Sócrates transvestido de vítima, se não fosse tarde demais para semelhante farsa. Os danos e a pirataria estão demasiado escancarados! A demissão de José Sócrates por Cavaco Silva ainda este ano seria uma espécie de circuncisão no governo, bem-vinda por todos e destinada a acalmar Bruxelas, afastando os especuladores que há meses ganham rios de dinheiro com as dívidas soberanas. A celebração dum congresso extraordinário do PS e a remoção da criatura seria mais do que aconselhável neste caso.
  3. Sócrates, por pressão partidária crescente, e sobretudo pela enorme pressão policial de que a Maçonaria pode fazer prova neste momento de verdadeiro aperto nacional, seria levado a tomar a iniciativa de se demitir, garantida que fosse previamente uma espécie de amnistia a priori dos seus hipotéticos crimes. Cavaco chamaria o partido mais votado —o PS— a indicar nova personalidade para desempenhar o cargo de primeiro ministro e formar novo governo. 
  4. A paz podre entre PS e PSD dura os próximos seis meses, tempo necessário à reeleição de Cavaco, depois da qual este estará mais seguro para desencadear a demissão do actual governo, a dissolução do parlamento, a convocatória de eleições legislativas antecipadas, e a promoção de um governo de coligação patriótica em nome dos interesses vitais do país. Se este cenário ocorrer teremos um novo cesarismo em Portugal, com prejuízo evidente para a actual partidocracia (o clima popular para esta inflexão já está criado), esmagando então as pretensões de Passos de Coelho.
Do ponto de vista rosa a terceira hipótese é claramente a mais conveniente. Remove de forma cirúrgica o empecilho do regime como se fosse um acto de vontade do próprio, evitando desta forma a humilhação pública de uma demissão por acção presidencial. Abre possibilidade a um governo de coligação liderado pelo PS, incluindo um vice-primeiro ministro do PSD e um ministro de estado do CDS-PP, com uma repartição idónea de pastas ministeriais, num governo mais sintético do que todos os que tivemos desde 1974, austero e com uma política de comunicação e transparência administrativa à prova de censura. Um tal governo poderia ser perfeitamente liderado por Luís Amado e ter Eduardo Catroga como vice-primeiro ministro, Diogo Leite de Campos, na pasta da Economia e Finanças, Paulo Portas, nos Negócios Estrangeiros, Assunção Cristas, na Educação, Desporto, Cultura e Credos Religiosos, Correia de Campos, na Saúde, Alberto Martins continuando onde está, etc. Este governo deveria durar até ao fim da presente legislatura, evitando-se, assim, as tão propaladas eleições legislativas antecipadas.

Estes tempos difíceis seriam também propícios ao amadurecimento da nova liderança do PSD, ao surgimento de uma nova liderança no PS, para a qual vejo Manuel Maria Carrilho como uma das personalidades melhor talhadas, e sobretudo para uma profunda mudança de atitudes e estilos no comportamento partidário. O PCP e o Bloco precisam de fazer um honesto exame de consciência — mudando radicalmente as suas gastas e desastrosas narrativas populistas. Outros partidos e novas plataformas de poder pós-corporativo deverão nascer e em parte substituir ou ajudar a modificar as indigentes corporações patronais e sindicais que temos, tão responsáveis quanto as demais instâncias de poder pelo colapso que abateu o regime democrático saído do 25 de Abril de 1974.


ÚLTIMA ACTUALIZAÇÃO: 30-10-2010, 23:43.

    Os Três Tristes Trastes

    Um texto de Guerra Junqueiro para ler agora

    A bancarrota do regime está em marcha. Se não nos opusermos aos cleptocratas, oportunistas e demagogos que tomaram de assalto o país, espera-nos a extinção pura e simples. Se a nossa indolência deixar a nossa face escorrer como barro numa manhã de tempestade, atávicos e sentados diante da televisão e da História, como até agora, teremos o futuro que merecemos. Se, pelo contrário, decidirmos resgatar o país da corja populista que o levou à bancarrota, e da cambada de cleptocratas que rouba tudo o que pode e em toda a parte, salvando Portugal da vergonha e do nada, então teremos que nos mexer — remexendo os partidos existentes, criando novos partidos, e sobretudo criando novas plataformas de acção política. 

    É preciso votar contra os responsáveis pelo descalabro a que chegámos. Nenhuma tolerância para os líderes partidários, do PCP ao PP-CDS, passando pelo bonaparte Louçã, que "coordena" a salgalhada estalinista-maoísta-trotskysta do Bloco. Nenhuma tolerância para os três tristes traste deste regime: o traste José Sócrates Pinto de Sousa, o traste presidencial chamado Aníbal Cavaco Silva, e o novel traste Pedro Passos de Coelho (oxalá esteja enganado relativamente ao Jota que actualmente lidera o PSD). Precisamos de uma revolução política, e sobretudo cultural, como do pão para a boca.

    Entretanto, para nos ajudar a reflectir, nada melhor do que ler na íntegra as Anotações de Guerra Junqueiro ao seu drama "Pátria", escrito em 1896 — cinco anos depois da bancarrota de 1891.

    ANOTAÇÕES (e-book)

    Balanço patriótico:

    Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúsio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, bêsta de nora, agùentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalépsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, emfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional,—reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta;

    Um clero português, desmoralizado e materialista, liberal e ateu, cujo vaticano é o ministério do reino, e cujos bispos e abades não são mais que a tradução em eclesiástico do fura-vidas que governa o distrito ou do fura-urnas que administra o concelho[1]; e, ao pé dêste clero indígena, um clero jesuítico, estrangeiro ou estrangeirado, exército de sombras, minando, enredando, absorvendo,—pelo púlpito, pela escola, pela oficina, pelo asilo, pelo convento e pelo confissionário,—fôrça superior, cosmopolita, invencível, adaptando-se com elasticidade inteligente a todos os meios e condições, desde a aldeola ínfima, onde berra pela bôca epiléptica do fradalhão milagreiro, até à rica sociedade elegante da capital, onde o jesuìtismo é um dandismo de sacristia, um beatério chic, Virgem do tom, Jesus de high-life, prédicas untuosas (monólogos ao divino por Coquelins de fralda) e em certos dias, na igreja da moda, a bonita missa encantadora,—luz discreta, flores de luxo, paramentos raros, cadeiras cómodas, latim primoroso, e hóstia glacée, com pistache, da melhor confeitaria de Paris;

    Uma burguesia, cívica e políticamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavra, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provêm que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro[2];

    Um exército que importa em 6.000 contos, não valendo 60 réis, como elemento de defesa e garantia autonómica;

    Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; êste criado de quarto do moderador; e êste, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do país, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre,—como da roda duma lotaria;

    A Justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara a ponto de fazer dela um saca-rôlhas;

    Dois partidos monárquicos, sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, na hora do desastre, de sacrificar à monarquia ou meia libra ou uma gota de sangue, vivendo ambos do mesmo utilitarismo scéptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgamando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguêm deu no parlamento,—de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar;

    Um partido republicano, quási circunscrito a Lisboa, avolumando ou diminuindo segundo os erros da monarquia, hoje aparentemente forte e numeroso, àmanhã exaurido e letárgico,—água de pôça inerte, transbordando se há chuva, tumultuando se há vento, furiosa um instante, imóvel em seguida, e evaporada logo, em lhe batendo dois dias a fio o sol ardente; um partido composto sobretudo de pequenos burgueses da capital, adstritos ao sedentarismo crónico do metro e da balança, gente de balcão, não de barricada, com um estado maior pacífico e desconexo de vélhos doutrinários, moços positivistas, românticos, jacobinos e declamadores, homens de boa-fé, alguns de valia mas nenhum a valer; um partido, emfim, de índole estreita, acanhadamente político-eleitoral, mais negativo que afirmativo, mais de demolição que de reconstrução, faltando-lhe um chefe de autoridade abrupta, uma dessas cabeças firmes e superiores, olhos para alumiar e bôca para mandar,—um dêsses homens predestinados, que são em crises históricas o ponto de intercepção de milhões de almas e vontades, acumuladores eléctricos da vitalidade duma raça, cérebros omnímodos, compreendendo tudo, adivinhando tudo,—livro de cifras, livro de arte, livro de história, simultaneamente humanos e patriotas, do globo e da rua, do tempo e do minuto, fôrças supremas, fôrças invencíveis, que levam um povo de abalada, como quem leva ao colo uma criança;

    Instrução miserável, marinha mercante nula, indústria infantil, agricultura rudimentar;

    Um regime económico baseado na inscrição e no Brasil, perda de gente e perda de capital, autofagia colectiva, organismo vivendo e morrendo do parasitismo de si próprio;

    Liberdade absoluta, neutralizada por uma desigualdade revoltante,—o direito garantido virtualmente na lei, posto, de facto, à mercê dum compadrio de batoteiros, sendo vedado, ainda aos mais orgulhosos e mais fortes, abrir caminho nesta porcaria, sem recorrer à influência tirânica e degradante de qualquer dos bandos partidários;

    Uma literatura iconoclasta,—meia dúzia de homens que, no verso e no romance, no panfleto e na história, haviam desmoronado a cambaleante scenografia azul e branca da burguesia de 52, opondo uma arte de sarcasmo, viril e humana, à frandulagem pelintra da literatura oficial, carimbada para a imortalidade do esquecimento com a cruz indelével da ordem mendicante de S. Tiago;

    Uma geração nova das escolas, entusiasta, irreverente, revolucionária, destinada, porêm, como as anteriores, viva maré dum instante, a refluir anódina e apática ao charco das conveniências e dos interesses, dela restando apenas, isolados, meia dúzia de homens inflexos e direitos, indenes à podridão contagiosa pela vacina orgânica dum carácter moral excepcionalissíssimo;

    E se a isto juntarmos um pessimismo canceroso e corrosivo, minando as almas, cristalizado já em fórmulas banais e populares,—tão bons são uns como os outros, corja de pantomineiros, cambada de ladrões, tudo uma choldra, etc. etc.,—teremos em sintético esbôço a fisionomia da nacionalidade portuguesa no tempo da morte de D. Luís, cujo reinado de paz podre vem dia a dia supurando em gangrenamentos terciários.

    O advento do materialismo burguês, inaugurado pela ironia scéptica do Rodrigo, acabava pela galhofa cínica do Mariano. O riso de sibarita, levemente amargo, desfechava no riso canalha, de garotão de aljube. O patusco terminava em malandro.

    A burguesia liberal, mercieiros-viscondes, parasitagem burocrática, bacharelice ao piano, advogalhada de S. Bento, morgadinhas, judias, sinos, estradas, escariolas, estações, inaugurações, locomotivas (religião do Progresso, como êles diziam), todo êsse mundo de vista baixa, moralmente ordinário e intelectualmente reles, ia agora liquidar numa infecta débâcle de casa de penhores, num Alcacer-Kibir esfarrapado, de feira da ladra.

    A nação, como o rei, ia cair de podre.

    O conflito inglês e a revolução brasileira, dois cáusticos, puseram a nu, de improviso, toda a nossa debilidade orgânica,—miséria de corpo e miséria de alma.

    Falecimento e falência. Ruínas. Montões de vergonhas, trapos de leis, cisco de gente, lama de impudor, carcassas de bancos, famintos emigrando, porcos digerindo, ladroagem, latrinagem, um salve-se quem puder de egoismos e de barrigas, derrocada dum povo numa estrumeira de inscrições,—700 mil contos de calote público, a bela colheita do torrão português, regado a oiro, a libras, desde 52 até 90.

    A crise não era simplesmente económica, política ou financeira. Muito mais: nacional. Não havia apenas em jôgo o trono do rei ou a fortuna da nação. Perigava a existência, a autonomia da pátria. Hora grande, momento único. A revolução impunha-se. Republicana? Conforme. Se o monarca nos saísse um alto e nobre carácter, um grande espírito, juvenil e viva encarnação de ideal heróico, tanto melhor. A revolução estava feita. Imprimia-se, dum dia ao outro, no Diário do Govêrno.

    Mas feita com quem, perguntarão, se tudo era lôdo? Feita com o elemento moço do exército e da marinha, com quási todo o partido republicano[3], com individualidades íntegras e notáveis dos partidos monárquicos, com a juventude das escolas, com um sem-número de indiferentes por nojo e por limpeza, com os duzentos homens de sério valor intelectual dispersos nas letras, nas sciências, no comércio e na indústria, e com o povo, o povo inteiro, que acordaria, Lázaro estremunhado, da sua campa de três séculos, à voz dum vidente, ao grito dum Nunalvares.

    O português, apático e fatalista, ajusta-se pela maleabilidade da indolência a qualquer estado ou condição. Capaz de heroismo, capaz de cobardia, toiro ou burro, leão ou porco, segundo o governante. Ruge com Passos Manuel, grunhe com D. João VI. É de raça, é de natureza. Foi sempre o mesmo. A história pátria resume-se quási numa série de biografias, num desfilar de personalidades, dominando épocas. Sobretudo depois de Alcacer. Povo messiânico, mas que não gera o Messias. Não o pariu ainda. Em vez de traduzir o ideal em carne, vai-o dissolvendo em lágrimas. Sonha a quimera, não a realiza.

    O próprio Pombal é o Desejado? Não. Fez-se temer, não se fez amar. Cabeça de bronze, coração de pedra. Moralmente, ignóbil. Rancoroso, ferino, alheio à graça, indiferente à dôr. Inteligência vigorosa, material e mecânica, sem vôo e sem asas. Um brutamontes raciocinando claro. Falta-lhe o génio, o dom de sentir, nobreza heróica, vida profunda,—humanidade, em suma. Máquina apenas. Não criou, produziu. A criação vem do amor, a génese é divina. Criar é amar. Por isso a obra lhe foi a terra. Pulverizou-se. Só dura o que vive. Uma raíz esteia mais que um alicerce. Pombal em três dias, num deserto, quis formar um bosque. Como? Plantando traves. Adubou-as com mortos e regou-as a sangue. Apodreceram melhor.

    Sei muito bem que o estadista não é o santo, que o grande político não é o mártir, mas sei tambêm que toda a obra governativa, que não fôr uma obra de filosofia humana, resultará em geringonça anecdótica, manequim inerte, sem olhar e sem fala.

    A ductilidade, quási amorfa do carácter português, se torna duvidosas as energias colectivas, os espontâneos movimentos nacionais, facilita, no entanto, de maneira única, a acção de quem rege e quem governa. Cera branda, os dedos modelam-na à vontade. Um grande escultor, eis o que precisamos.

    Há, alêm disso, bem no fundo dêste povo um pecúlio enorme de inteligência e de resistência, de sobriedade e de bondade, tesoiro precioso, oculto há séculos em mina entulhada. É ainda a sombra daquele povo que ergueu os Jerónimos, que escreveu os Lusíadas. Desenterremo-la, exumemo-la. Quem sabe, talvez revivesse!

    Fôra o rei um homem, que a nacionalidade moribunda se levantaria por encanto. E bem se me dava a mim da questão política, da forma de govêrno. Essencial, a forma do governante. Prefiro uma boa república a uma boa monarquia. A coroa de rei, de pais a filhos transmissível, como a coroa de Vénus; o trono hereditário como as escrófulas,—absurdo evidente. Mas se de absurdos anda cheio o mundo! Salta-se menos da majestade à ex.^a que da ex.^a ao tu. Impero eu mais no meu criado que o rei em mim[4]. Há em cada burguês uma monarquia. Milhões de burgueses, milhões de absurdos. E eliminam-se acaso numa hora?

    Não se tratava por emquanto de modalidades orgânicas de existência; tratava-se de existir. Problema social e problema político marchariam evolutivamente na órbita ininterrupta do seu destino. Quando um vapor alagado vai ao fundo, discute a marinhagem construções navais? Primeiro salvá-lo, o estaleiro depois. Quer dizer: a revolução urgente não era social, nem política, era moral. Nem havia a escolher entre monarquia e república, pois que, para escolher entre duas coisas, é necessário existirem, e a república, tanto custava a realizar, que ainda até hoje a não fizemos.

    A segurança da pátria exigia inadiavelmente à frente do govêrno um homem de superior inteligência, de altivo carácter, de ânimo heróico e resoluto. Era-o D. Carlos? obedeceríamos a D. Carlos. Uma alma, uma vassoira e uma carroça; de nada mais precisava. Varrer, limpeza geral, pôr isto decente! Tal embaixador levantára castelos de milionário com o dinheiro da nação? Transferi-lo de embaixada: representante vitalício do Limoeiro em África. Tal ex-ministro compra as quintas, vendendo a vergonha? Penhora e prisão. Os bens ao erário, o corpo à penitenciária. Deslaçar grã-cruzes e chumbar grilhetas. Norte e Leste, lamas do Tejo, Banco Lusitano, obras do estado, etc., etc., todas essas montureiras gangrenadas,—poios de escândalos, obscenamente fermentando ao ar livre,—queimá-las a calcium, purificá-las a vitríolo. Calcamos infâmias, respiramos veneno. Que um ciclone de justiça nos purificasse o ar e desentulhasse as estradas. Caminho livre, atmosfera nova! Quem baldeou o país à ruina, à miséria do lar, à indigência da alma? Idiotas? Aposentá-los em onagros. Bandidos? Metê-los na cadeia.

    E a questão económica? Resolvida por si. Direi mais: útil e necessária. Mas resolvida de que forma? Pelo sacrifício de todos, pela abnegação colectiva. As pátrias, como os indivíduos, só se regeneram sofrendo. A dôr é salvadora. Não há virtude sem martírio, não há Cristo sem cruz. A Redenção vem da Paixão. A vida fortalece-se na angústia. Nem só a do homem, a vida inteira, a vida universal. A procela avigora o roble, e o ferro candente adquire a têmpera, mergulhando-o em gêlo. Quando a desgraça parece matar uma nação, é que tal nação estava morta. O cáustico, que levantou o doente, decompõe o cadáver.

    Resumindo: desastres, misérias, vergonhas, infortúnios, calamidades, subjugadas com energia e padecidas com nobreza, enseivariam de novo alento o coração exânime da pátria. O raio lascou a árvore? Brotaria, amputada, com maior violência. A alma habita na raíz.

    Mas seria possível conjurar quatro milhões de interesses, quatro milhões de egoismos, num ímpeto de fé heróica e de renúncia? Era. Digo-o sem hesitar. O sibarita que ria, o cevado que ronque. Era! O espírito, como o fogo, consome traves, calcina pedras, derrete metais. O facho duma alma pode incendiar uma Babilónia. Um iluminado pode abrasar um império. Tem-se visto. O cofre-forte é de ferro, a libra é de oiro, o egoismo é de bronze, mas a electricidade impalpável, invisível, imponderável, volatiliza tudo num momento. Ora o espírito é a electricidade de Deus. Nada lhe resiste. Devora séculos, evapora mundos. Jesus e Buda,—um crucificado, o outro mendigo,—refazem o globo, põem nova máscara à criação. Joana d'Arc e Nunalvares, irmãos gémeos, redimem duas pátrias. Focos ambulantes de espírito divino, arrastam e vencem,—magnetizando. O céu é contagioso como a lepra.

    Claro que o milagre exige a fé. Nem todos os sábios juntos escreveriam os evangelhos. A língua do homem, sem a língua de fogo, não apostoliza, discursa. Um Doutor não é um Messias.

    A metempsicose, em moderno, do grande Condestável, eis o meu sonho. Um justiceiro e um crente. Braço para matar, bôca para rezar. Pelejas como as de Valverde só se ganham assim: ajoelhando primeiro. O Nunalvares de hoje não usaria cota, nem escudo, mas, ao cabo, seria idêntico. A mesma chama noutro invólucro. Não combateria castelhanos, combateria portugueses. O inimigo mora-nos em casa. Aljubarrota no Terreiro do Paço e os Atoleiros… nos mil atoleiros de infâmias que enodoam as ruas, e obstruem o trânsito. Queríamos um justo inexorável, um santo heróico, com a verdade nos lábios e uma espada na mão. Os quadrilheiros que infestam Lisboa e os sub-quadrilheiros que infestam as províncias, anulá-los, esmagá-los num dia, numa hora, sem pena e sem remorso, vasando-os logo,—atascadeiro de baixezas, lôdo de malandros,—pelo buraco infecto duma comua. Depois pregar a tampa. Um colector in pace, um cano de esgôto jazigo de família.

    E, removidos os focos epidémicos, voltaria em breve a saúde geral. A obra de reconstrução, inda que lenta, marcharia sem estôrvo. Humanizar o ensino, nacionalizar a indústria, um clero português e cristão, a justiça fora da política, o exército fora de S. Bento, os burocratas para a burocracia, o professorado para as escolas, o poder legislativo entregue às fôrças independentes e vivas do país, arrotear o solo, colonizar a África,—tudo era possível, tudo era simples, desde que nos dessem uma fé, uma crença, vida luminosa,—uma alma!

    Alma! eis o que nos falta. Porque uma nação não é uma tenda, nem um orçamento uma bíblia. Ninguêm diz: a pátria do comerciante Araújo, do capitalista Seixas, do banqueiro Burnay. Diz-se a pátria de Herculano, de Camilo, de Antéro, de João de Deus. Da mera comunhão de estômagos não resulta uma pátria, resulta uma pia. Sócios não significa cidadãos. O burguês estúpido, perante as calamidades que nos assaltam, computa-as em libras, redu-las a dinheiro. Parece que se trata duma mercearia em decadência. Dívida flutuante, impostos, câmbios, cotações, alfândegas, cifras, dinheiro, nada mais. A ruína moral não entra na conta nem por um vintêm. Deve e há-de haver, eis o problema. Direito, Justiça, Honra, Pundonor,—palavras! Se o gigo das compras andasse farto e os negócios corressem, podiam encafuar Jesus Cristo na penitenciária e sua Mãe no aljube, que a récua burguesa, dizendo-se católica, não se moveria. O câmbio estava ao par.

    Falir um banco, que desastre! Falir uma alma…—Mas que demónio é isto de falir uma alma?—

    Ouve lá, burguês rotundo. Um exemplo. Ouviste já nomear por acaso o Fialho de Almeida? Vagamente. Ora bem; êsse Fialho é a mais rica natureza artística que Portugal tem gerado há duas dúzias de anos. Um talento grande, rutilando em génio por instantes. Em génio, sim. Leiam os Pobres, o Filho, a Vélha, o Idílio triste. Natureza de sensibilidade vibrátil, agudíssima, quási mórbida. Depois português, idolatrando o seu Alentejo, adorando a sua pátria, instintivamente, orgânicamente, como a raíz adora a terra.

    A uma tal natureza, em Lisboa, de 90 a 93, hora a hora assistindo à decomposição putrefacta daquela percevejaria nausente, não lhe era lícito o refúgio nirvânico dos metafísicos ou dos hábeis na decantada tôrre de marfim. O Fialho estava pobre e o marfim muito caro. Índole ardente e valorosa, palpitante de plebeismo robusto, de humanidade sanguínea, olvidou planos de arte, sonho alado, quimera astral, e de chicote nas unhas, mordaz e mordendo, arremeteu contra a fandangagem da sociedade lisboeta, como alguêm que marchando direito a um nobre destino, se atirasse de repente às ondas, aventurando a vida,—para salvar um bêbado.

    Entre os projectos literários do admirável artista, um havia mais que todos acariciado e fecundo, os Cavadores, rústico poema, síntese sublime da vida da terra, da planta e do camponês, obra de fisiologista, de psicólogo e de poeta, reçumando sangue, transpirando lágrimas, drama tangível e real, movendo-se numa atmosfera enigmática de infinito e de sonho. Um livro elevado. Lisboa rasgou-lho. Em troca deu-lhe os Gatos. Dum poeta épico fez isto: um varredor da Baixa. O Fialho durante três anos varreu o Chiado, espiolhou a Havanesa, catou S. Bento. Os trapos converteram-no em trapeiro. A águia baixou a milhafre. O milhafre é útil, depura e limpa. Os Gatos foram, em parte, uma obra de justiça, por vezes de cólera. Mas o rancor dos bons denota ainda bondade. Só os grandes idealistas desceram a grandes satíricos. Cristo dava chicotadas.

    Nos Gatos estoira de quando em quando um rugido de tigre. É o melhor do panfleto. O resto, tirante algumas páginas literárias, maravilhosas, descamba na insignificância,—cisco, anecdotas, noticiário, zero. O estilo não basta. Uma melancia em bronze não deixa de ser uma melancia. Os Gatos tem valor moral e valor de arte. Mas êste é relativo, e portanto inferior, e aquele ineficaz, e por tanto menos proveitoso. Varrer Lisboa nos Gatos, acho bem; varrê-la no Diário do Govêrno, acharia óptimo. Conclusão: o desmantelamento da sociedade portuguesa actuou no espírito impressionável dum grande poeta, esterilizando-lhe a génese da obra humana, imorredoira, e fecundando-lhe a semente da obra particularista e transitória. Desviou do seu curso natural a água límpida que regava plátanos e searas para com ela inundar estrumeiras e desentupir esgotos.

    Bom burguês, compreendes agora o que é a falência dum espírito? Calcula, pois, em 2 milhões de consciências[5], o déficit moral, a ruína interior, que os teus guarda-livros não escrituram nas agendas. Perdeste dinheiro, meu rico homem, na quebra fraudulenta dum banco? O Fialho e nós perdemos os Cavadores na quebra fraudulenta duma nação. O prejuízo maior foi o nosso. O nosso, o da pátria. Porque é mister que to diga, bom burguês: sem o banco de Portugal ficaríamos pobres 30 anos. Mas sem os Lusíadas ficaríamos pobres para sempre. As libras voltam. O génio não se repete. Por isso, burguês odioso, te não lamento. Mais ainda: regalam-me às vezes, Deus me perdoe, os teus desastres, lembrando-me que só te levantarás honradamente, quando se te der, de fome, um nó nas tripas! Idiota! Nem egoista és. Vês apenas dinheiro, e hão-de deixar-te sem camisa. Inda bem. Só nu ficarás decente.

    Continuemos. A nação, mais do que de libras, carecia de alma. Quem lha daria? Quem a tivesse como o sol tem luz: infinita. Pobre D. Carlos! Que havia de êle dar,—mediocridade palúrdia, já aos 25 anos atascado no cebo dinástico, nas banhas brigantinas! Alma? Bem alma, não; quási, pequena diferença: lama. Uma inversão de duas letras. Ligeiro lapso, cuja emenda é esta: Viva a república!

    O rei falhára. Nulo, insignificante. Pedir-lhe génio, heroismo, grandeza, sublimidade,—o mesmo que pedir astros a uma couve ou raios a uma abóbora.

    A existência da pátria dependia da revolução. O rei não pôde, não soube, ou não quis fazê-la. Em suma, não a fez. Perdeu-se. Que restava? Fazê-la o povo. Não a fazendo, perdia-se tambêm.

    O rei, em vez de cortar o cancro, identificou-se com êle. Chaga maior, operação mais grave. Já ninguêm suprimirá o cancro, sem suprimir a realeza.

    O republicanismo não é aqui uma fórmula de direito público; é a fórmula extrema de salvação pública. No prédio em chamas há só uma janela aberta. Preferem os monárquicos morrer queimados, por a janela estar pintada de vermelho? Fôsse ela branca, que eu saltaria sem escrúpulos.

    Republicano e patriota tornaram-se sinónimos. Hoje quem diz pátria, diz república. Não uma república doutrinária, estúpidamente jacobina, mas uma república larga, franca, nacional, onde caibam todos. Não dum partido, da nação. Presidente o melhor. Foi por acaso miguelista? Embora. Uma revolução por selecção de caracteres.

    Tal movimento cívico, espiritualizado e grande, requeria pelo menos um homem. Existe? Existiu: José Falcão.

    José Falcão! Alma tão nobre de patriota não a conhecerei jàmais. A ideia de pátria, feita verbo, nela encarnára divinamente. Hóstia sublime! Trigo de comunhão deu-nos a fé, e trigo de viático, na hora da nossa morte, dá-nos ainda a esperança.

    À volta de mim vejo monturos, dentro de mim encaro cinza. Tudo acabou, não é verdade? Melancólicamente revolvo a cinza, poeira de quimeras, e uma flámula fulge, uma brasa crepita… É a alma dele… Não quer apagar-se. Mesmo dentro de nós, túmulos cerrados, continúa ardendo. Àmanhã de tais campas podem brotar ainda lavaredas.

    Grande homem! Como o sangue em momento de pânico reflue de chofre ao coração, dir-se-ia que na hora suprema toda a alma da pátria naquela alma se ajuntára.

    Em José Falcão a inteligência era robusta, a sciência enorme, mas a grandeza moral incomparável e soberana. Dizia o que pensava, fazia o que sentia. Um justo. Portanto, um solitário. Querendo viver puro, viveu em si mesmo. Isolou-se. Nem ambicioso, nem vaidoso. Nos altos píncaros, de gêlo e de luz, não há micróbios.

    Egoista intelectual? Nunca. Ânimo generoso, os problemas sociais cativaram-no. A sociedade evitou-a. Livros e família: cérebro pensando, coração amando.

    Mas o sentimento da pátria com tal furor e febre lhe girava no sangue, tão inato e profundo lhe ardia lá dentro, que aquele homem de ideias instantaneamente se volveu, como por milagre, em homem de acção. O ruído molestava-o; procurou o ruído. A turba incomodava-o; procurou a turba. Agitou-se três anos em movimento frenético. Pátria! Pátria! a visão constante, o sonho de toda a hora! Fogo sagrado, fogo devorador. Queimou-se, abrasou-se nele. Auto-de-fé dum corpo nas lavaredas duma crença.

    O patriotismo tornára-se em José Falcão um misticismo. Compreende-se bem. Ideia tão inflamável, em tão candente natureza moral sublima-se, ilumina-se, perde-se no êxtase, no enlêvo, no transcendentalismo religioso. Aquele homem exalava de si o quer que fôsse de sobrenatural e de divino. Sentia-se que no grande momento arriscaria tudo: família e vida, fortuna e lar. Através do crente apercebia-se o herói. Por isso arrastava. A eloqùência vinha-lhe espontânea, dominadora, magnética. Não a eloqùência literária dos artistas. Eloqùência de alma, verbo interior, luz de uma chama.

    Depois naquele homem tudo era português, sóbrio, simples, varonil, vernáculo: figura, gesto, palavra, intonação, modo de vestir, maneira de andar. Tudo beirão, tudo nosso. Nem um galicismo. Austero e risonho, violento e meigo,—a singeleza na grandeza. Lembrava ainda o Condestável. Como êle, espírito heróico, braço de ferro para o comando, bôca de santo para a piedade.

    Extenuado e letárgico, pressentindo a morte, nunca desanimou. Pois a doença da pátria não era ainda bem mais grave? Por ela sim, desejaria viver, desejaria morrer. A fôrça física abandonava-o, só a vontade sôbre-humana o tinha de pé. Era já uma existência feita de ressurreições, um ideal galvanizando um cadáver.

    Dizia-nos êle, quási no fim: Não duro muito; aproveitem-me.

    Morria daí a meses.

    Não há uma íntima e dolorosa afinidade entre a alma quebrantada dum povo, baldadamente, durante séculos, evocando um Messias, e a breve aparição dum redentor, miragem súbita, que mal se desenha se desfaz?

    Tal a árvore-espectro, frutos de aurora sonhando, caveiras torvas produzindo, que um dia gerou, milagre de amor! o pomo de oiro deslumbrante, e o viu desprender, esbroando em cinza, do galho nú, do ramo estéril de esqueleto…

    Árvore nocturna, a morte gira-te nas veias, e os frutos de Ideal que tu concebes já trazem no âmago, quando nascem, as larvas deletérias do sepulcro…

    Desiludido, assim o creio por vezes. Depois a um golpe de sol, o Quichote revive, exalto-me de novo, de novo espero… Florinha azul, beijo de Deus,—divina Esperança…

    Notas:

    [1] Há excepções individuais, claramente. A fisionomia geral, no entanto, é aquela.

    [2] Se o Nazareno, entre ladrões, fôsse hoje crucificado em Portugal, ao terceiro dia, em vez do Justo, ressuscitariam os bandidos. Ao terceiro dia? que digo eu! Em 24 horas andavam na rua, sãos como pêros, de farda agaloada e grã-cruz de Cristo.

    [3] Continuaria a haver algumas dúzias de republicanos, por coerência, brio pessoal ou teima doutrinária. O espírito republicano que alastrou no país, esse extinguia-se, ou antes não se tinha gerado.

    [4] Um rei segundo a Carta, entende-se.

    [5] É meia consciência por habitante. Talvez excessivo.

    in ANOTAÇÕES do drama Pátria (3ª edição, PORTO Livraria Chardon, de Lelo & Irmãos, editores — Rua das Carmelitas, 144, 1915 ©)

    sexta-feira, outubro 29, 2010

    PSD mais perto do poder — 2

    Os moços de fretes da comunicação social voltaram a enganar-se em manada!

    Ainda bem que Pedro Passos de Coelho me ouviu, e sobretudo ouviu uma pessoa honesta e experiente como é o fiscalista Diogo Leite Campos, actual vice-presidente do PSD — a única que fez um pronunciamento estratégico laranja em toda esta crise. Ao PS recomendou, não exactamente por estas palavras, que limpe a sua própria trampa, e que não tente despejar a diarreia despesista e corrupta que levou Portugal à bancarrota para cima de quem nada ou pouco teve que ver com o caso.

    Mais certeiro ainda, e em plena sintonia com o que aqui escrevi a propósito das argumentações senis, irresponsáveis ou cínicas do PCP e do Bloco de Esquerda, Leite Campos sugeriu que a turma que apoia Manuel Alegre, e o próprio Manuel Alegre, deveriam, em coerência, votar o Orçamento de Estado ao lado do PS, não fazendo qualquer sentido que tal elefante branco venha a ser engolido —contra natura— por quem se posiciona claramente como próxima alternativa de governo, e óbvio opositor do triste Alegre.

    Passos de Coelho, apesar de ter sido virtualmente destroçado pelo patarata António Nogueira Leite e pelo esgazeado que ajudou a entregar o BCP ao PS, ou de contar ainda com uma matraca insuportável chamada Miguel Relvas, na pose de ajudante de campo, a verdade é que acordou. E acordou bem!

    Chamar um ex-ministro das finanças —Eduardo Catroga (que a manada das agências de comunicação e da comentarice indigente apenas leu como um ex-Cavaquista)— para liderar as negociações com esse desastre ambulante vindo das Antas chamado Teixeira dos Santos, foi um tiro na mouche. Para novatos sem biografia, já basta o próprio Passos de Coelho, que a todos prometeu aprender depressa. Ou seja, o Jota, se quiser chegar a primeiro ministro, tem que largar o lastro inútil que se pegou à sua candidatura e rodear-se de gente experiente, que não faça parte da nomenclatura do Bloco Central da Corrupção. Só assim poderá vencer o vigarista-mor do reino, José Sócrates Pinto de Sousa, e a prazo, essoutro traste nacional chamado Aníbal Cavaco Silva, que acaba de recandidatar-se à presidência da república numa cerimónia patética. A mensagem cifrada que enviou à matilha do BPN é virtualmente um caso de polícia. Se os indigentes lusitanos voltarem a votar nesta rainha de Boliqueime, então merecerão que lhes mijem em cima nos próximos cem anos! À medida que a gigantesca operação criminosa do BPN se for esclarecendo, e sobretudo à medida que o financiamento desse buraco negro insondável se traduzir num assalto sem fim à bolsa de todos nós, assistiremos então ao inevitável desmaio da incompetente e desajeitada criatura que em má hora colocámos em Belém.

    Toda esta descrição só é relevante porque existe e é preciso denunciar uma verdadeira simbiose oportunista, que nos últimos anos se estabeleceu e não pára de consolidar, entre o actual primeiro ministro e o actual presidente da república. Estas criaturas de opereta (para quem Portugal não é a Grécia!) são os principais responsáveis políticos pela bancarrota do nosso país. Por este simples facto devem, antes de mais, ser levados a tribunal!

    José Sócrates quis e continua a querer arrastar o PSD para a armadilha dum apoio irrefutável ao seu Orçamento de Estado pirata. Não aceita, claro está, a abstenção com demarcação política prévia proposta por Manuela Ferreira Leite. Não, Sócrates quer que o novato Passos de Coelho beba o copo do compromisso até à última gota! Negociar, ou dançar o tango, foi a maneira encontrada para atrair o líder laranja para a derrota. Uma vez firmado um acordo, nem que seja em volta de 10 euros, o PSD ficará atado à execução orçamental como seu co-autor, sem ter escrito uma linha do mesmo. Por outro lado, não terá a mínima influência na sua execução, mas será responsabilizado pelas suas consequências. A alternativa, repete José Sócrates, é a demissão do governo. Mero bluff? Ninguém sabe. A minha aposta é que este vigarista das Beiras só sairá se for empurrado — pelo PS, ou pelo presidente da república. Por decisão própria, não acredito.

    Poderemos viver sem orçamento aprovado? Creio que não, pelo simples motivo de que o BCE fechará a torneira, e o governo deixará de ter dinheiro para pagar aos funcionários públicos — a começar já no próximo subsídio de Natal. Se aqui chegarmos, e porque quem teme sair do circo da política não se demite, terá que ser Cavaco Silva (porventura com a ajuda do Conselho de Estado de 29 de novembro) a fazê-lo, chamando o PS de novo a indicar uma personalidade da sua confiança para formação de novo governo, eventualmente de coligação alargada (PS-PSD-CDS_PP). Tudo isto ocorrerá antes das eleições presidenciais se, entretanto, Passos de Coelho rejeitar, como é sua obrigação democrática, a vigarice orçamental que lhe puseram diante da vista e a pantomima de mais negociações. Pedro, não te esqueças: basta uma escorregadela para dentro do buraco negro do orçamento, para que a tua carreira política se evapore num ápice.

    Existirão forças dentro do PS para acudir a esta emergência? Eu penso que sim, apesar do estado de destruição nefasta do partido operada desde que Jorge Coelho tomou conta do aparelho e depois o entregou à tríade de Macau. Tal como no caso do PSD, o PS terá que recorrer a gente com experiência governativa, deixando de lado as ilusões pueris em volta de candidatos como Francisco Assis ou António José Seguro. Luís Amado pode ser um figura chave na delicada operação de remoção do líder, que é urgente praticar, se não se quiser condenar o PS a uma ou duas décadas de inexistência e vergonha. Luís Amado poderá até vir a ser o próximo primeiro ministro de um governo de coligação. Mas será sempre e apenas um líder transitório, até ao próximo congresso do PS. E aqui as pessoas inteligentes terão que ser pragmáticos e procurar rapidamente alguém com experiência de governo, formação académica acima de qualquer suspeita, personalidade forte, e uma visão para o país. Eu tenho as minhas opiniões, mas para já nada direi.

    terça-feira, outubro 26, 2010

    O eixo da estupidez

    Defender o euro, sim; fazer da União Europeia uma tasca franco-alemã, não!

    Germany has been pushing treaty change for months, but the idea only gained traction last week after a deal was struck in which Berlin won support for the plan in exchange for backing Paris on a softening of new EU budget rules. 

    Berlin wants a permanent crisis resolution mechanism because the current system, created in May to handle the fallout from the Greek debt crisis, runs out in 2013, is taxpayer-funded and is legally ambiguous under the current Lisbon Treaty. — in "Treaty change debate divides EU foreign ministers", EurActiv, 26 October 2010.

    O euro passou em menos de uma década, de quimera monetária risível, ao estatuto de segunda moeda de reserva mundial, ameaçando em cada mês que passa a hegemonia, essa sim cada vez mais caricata, do papel higiénico americano. É basicamente este estatuto ímpar que a estratégica Alemanha não só não quer perder, como pretende reforçar a todo o gás. Mas para que este desiderato possa vir a ser uma realidade, a União Europeia terá que fazer três coisas em simultâneo: 
    • descolar de Wall Street, 
    • instaurar um efectivo governo económico-financeiro no seio da União Europeia, 
    • e reforçar estrategicamente as suas relações com a Rússia. 
    Ou seja, a Alemanha percebeu há muito que o pêndulo do poder mundial se desloca à velocidade de um clique para Oriente, e que a China será em breve (2015-2020) o banco do mundo. Esta deslocação tectónica do centro de gravidade da economia, da finança e da diplomacia mundial em direcção à China, irá introduzir necessariamente grandes tensões, nomeadamente em volta das principais reservas mundiais de recursos energéticos, minerais e alimentares. 

    Um dos pontos sensíveis da tensão crescente é obviamente o Irão, um dos principais fornecedores de petróleo à China e ao Japão. Não nos esqueçamos (1) que o bloqueio energético americano ao Japão foi a causa eficiente da entrada de ambos na Segunda Guerra Mundial. 

    Outro ponto de potencial ruptura diplomática advém da escassez crescente de alguns recursos minerais fundamentais, como por exemplo os metais raros (rare earths) essenciais a toda a tecnologia electrónica que hoje suporta literalmente a globalização. A recente decisão da China, produtor de 95% dos metais raros empregues na indústria, de suspender todas as exportações destes recursos a partir de 2015, deixou a Alemanha em estado de choque (2).

    A nova e mais suave ditadura chinesa, que (mutatis mutandi) não anda muito longe da arquitectura autoritária de Salazar, ajuda a traçar com mais precisão e controlo do que as democracias obesas do Ocidente os seus objectivos estratégicos: melhorar a saúde pública, elevar os padrões de qualificação técnica e cultural da população, liberalizar moderadamente a cidadania, controlar os padrões de consumo interno, manter um saldo largamente positivo entre exportações e importações, manter nas mãos do Estado todas as alavancas industriais e controlos financeiros estratégicos da economia, participar decididamente na corrida científica e tecnológica em curso e, por fim, promover o desenvolvimento dos necessários meios de defesa diplomática e militar à sustentação de tão ambicioso desígnio. 

    Diante deste panorama, os Estados Unidos perdem terreno e desorganizam-se numa espiral de decadência cada vez mais preocupante. Resta pois, para assegurar algum equilíbrio na balança das nações, a esperança numa Europa económica e financeiramente forte, livre, dialogante, que não se deixe atrasar e seja capaz de recuperar do estado de preguiça social em que se deixou cair nas últimas décadas. É aqui, pelos vistos, que a recuperação trapalhona do pacto franco-alemão entra! A troco da tolerância alemã para com os privilégios decadentes dos franceses, a França de Sarkozy prepara-se para ajudar a Alemanha a exercer uma mão mais dura sobre as paquidérmicas democracias burocráticas do Mediterrâneo.  

    Não coloco em questão os objectivos, mas sim o método. Retirar direitos políticos aos estados da União que sistematicamente têm as suas contas públicas e externas no vermelho (colocando-se na condição de pedintes incorrigíveis da União) é uma humilhação desproporcionada e intolerável.  

    Por sua vez, mudar tratados de seis em seis meses, como a recente iniciativa da senhora Merkel, acolitada pelo garnisé Sarkozy, pretende, não passa de uma estupidez institucional que só poderá atrapalhar ainda mais a consolidação do projecto europeu. 

    Para forçar os PIGS a uma dieta orçamental, basta fechar-lhes a torneira do BCE e aplicar pesadas multas ao desvario insaciável das partidocracias que há décadas se banqueteiam com os impostos de quem produz e as lentilhas douradas enviadas por Bruxelas. 

    Olhando o problema da perspectiva dos PIGS, talvez esta pressão seja a oportunidade desejável para fazermos algo. Eu proponho uma coisa simples e prática: criar uma nova aliança marítima intra-europeia tendo por objectivo gerar um sub-sistema político-financeiro fortemente regulado e capaz de financiar directamente o desenvolvimento económico efectivo, e não especulativo, do Sul da Europa. Esta decisão estratégica deveria ligar os interesses e potencialidades dos países mediterrânicos ao posicionamento atlântico privilegiado de Portugal e Espanha. 

    Mas para aqui chegarmos, rejeitando as muitas humilhações que se perfilam no horizonte, teremos que fazer o trabalho de casa sem demora. Não será nada fácil, dado o grau de corrupção das nossas democracias. Mas para isso serve a Política!

    NOTAS
    1.  "What Really Caused World War 2?"
    2. "Germany feels first Chinese 'rare earths' squeeze". EurActiv, 22-10-2010.

      German high-tech companies have reported their first supply shortages of rare earths following a rapid diminution of Chinese export quotas on the precious metals, which are used in everything from wind turbines to mobile phones and hybrid cars.

      According to Spiegel Online, China's blockade of shipments of rare earth metals is already causing some German companies to suffer shortages.

      German companies say they are being pressured by Chinese officials to increase their investment in China if they want to be assured of access to rare earth minerals.

    domingo, outubro 24, 2010

    O dilema

    Cortar nos vencimentos da Administração Pública, ou aumentar impostos?

    Que é preferível: baixar os vencimentos da Administração Pública, do sector empresarial do Estado, e das entidades e associações subsidiadas pelo Estado, em 30%, fazendo um ajustamento instantâneo da despesa ao estilo de vida que podemos suportar, ou aumentar os impostos, aumentando, por exemplo, o IVA, para 23%, 24% ou mesmo 25%?

    Em ambos os casos trata-se de substituir a desvalorização impossível da nossa moeda (o euro) pela diminuição instantânea do nosso poder de compra, e por conseguinte das importações, o que vem a dar em algo parecido.

    A diferença entre uma solução e outra é basicamente esta:
    1. como o sector privado ajusta continuamente os salários à procura de emprego (quanto mais esta cresce, mais os salários diminuem...), estes têm vindo a baixar paulatinamente de há uns anos a esta arte, e continuarão a descer, sendo já hoje claramente inferiores, em média, aos vencimentos pagos directa ou indirectamente pelo Estado, isto é, pelos impostos, taxas e outras cobranças por serviços públicos prestados...
    2. se nivelarmos os vencimentos da Administração Pública e entidades, organismos e associações dependentes do Orçamento de Estado, para valores próximos dos salários reais do sector privado, haverá uma mais justa distribuição da riqueza disponível, e dos sacrifícios, sendo que os funcionários públicos continuarão a gozar de vantagens comparativas face ao sector privado, nomeadamente no que toca a esse bem precioso e cada vez mais escasso, chamado estabilidade e durabilidade da relação de emprego;
    3. porém, se aumentarmos o IVA e outros impostos e taxas, seguindo uma espiral de pilhagem fiscal dos contribuintes, afectar-se-à de forma desigual os rendimentos individuais e familiares, além de tornar instantaneamente a economia portuguesa menos competitiva. Exportaremos menos, dezenas de milhar de empresas irão à falência (com o consequente aumento do desemprego duradouro), e a nossa dívida externa, em suma, continuará a crescer.
    Qualquer das soluções será dolorosa para os assalariados deste país, com particular incidência nas classes médias urbanas, cujo empobrecimento relativo se acentuará rapidamente. Continuar como estamos é, porém, impossível, pois os credores fecharam a torneira dos empréstimos. A possibilidade de uma suspensão de pagamentos por parte do Estado português é cada vez mais verosímil. Em que ficamos? Qual é a sua preferência?

    sábado, outubro 23, 2010

    Guerra civil ou revolução?

    Novo ultimato a caminho?
    A reeleição de Cavaco e a formação duma coligação do pior que existe no PS e no PSD pode conduzir Portugal a uma guerra civil, ou a uma revolução, em menos de uma década.



    A irracionalidade obstinada do sistema de portagens colocado em vias rápidas que não foram desenhadas, nem construídas, para serem autoestradas, eliminando com os seus traçados vias rodoviárias outrora existentes, poderá colocar Portugal numa rota de instabilidade e conflito interno sem precedentes desde a queda da primeira república às mãos de uma ditadura que nos salvou da ruína, mas nos atrofiou a alma e os neurónios. É que, o Norte, sempre o Norte, que por acaso é responsável pela produção de boa parte do que exportamos e produzimos de materialmente útil, ao contrário do casino de burocratas, subsídio dependentes, exibicionistas de telemóvel, cães mediáticos e chulos partidários que apenas sabem taxar e consumir, não vai aguentar o vampirismo fiscal que o bando de gatunos e criminosos que mandam no PS, no PSD e no CDS-PP se prepara para desencadear e defender à força da bala, se necessário for, e vai ser!

    No próximo ano, com o programa de austeridade a revelar todo o seu tremendo impacto nas finanças familiares e das empresas, e o petróleo de novo perto dos 100 dólares, ou mais, sem crédito, ou então com crédito escasso e a preços usurários (1), os portugueses, a começar pelo Norte, poderão revoltar-se de um dia para o outro. Poderão, como em França ou Itália, e dentro em breve no Reino Unido, bloquear refinarias, sabotar linhas de caminho de ferro, parar frotas de transporte rodoviário, assaltar supermercados, pegar fogo a carros, autocarros e comboios — em suma, lançar Portugal numa situação pré-insurreccional espontânea. Um agressivo Partido do Norte poderá mesmo ver finalmente a luz do dia, reclamando o fortalecimento das ligações económicas, financeiras, institucionais e políticas entre o Norte de Portugal, a Galiza e Castela-Leão, com o objectivo imediato de impedir a sucção criminosa da riqueza produzida pelo sector produtivo a norte do Mondego, por parte de uma nomenclatura acantonada no Terreiro do Paço e em São Bento. As euro regiões estão estrategicamente inscritas no espírito da União Europeia. Só por influência das burocracias hipertrofiadas, partidarizadas até à medula, e das clientelas financeiras que há decénios ou séculos sobrevivem na sombra de Estados ineficientes e corruptos, foi até agora possível travar a desejável regionalização europeia, sobretudo na sempre mafiosa e atrasada Europa do Sul. O tempo da mentira e da dissimulação, porém, acabou. Nos próximos dois anos (2011-2012) Portugal entrará inexoravelmente numa prolongada e grave convulsão social e política. Maior e mais grave será, se o senhor Passos de Coelho se suicidar politicamente este fim-de-semana.

    Os galegos têm absoluta razão quando questionam a legalidade dos métodos de implementação das portagens virtuais nas SCUT da Costa de Prata (rebaptizada A29), do Grande Porto (rebaptizada A41/A42) e Norte Litoral (rebaptizada A28). De facto, tal como ocorre com algumas das taxas que o Estado insere nas facturas da água (para financiar empresas e serviços não supervisionados de nível municipal, regional e nacional), da electricidade (para financiar a EDP, ou a luxuosa RTP — um escândalo sem nome!), ou dos combustíveis (para alimentar a Pão de Ló a GALP e as grandes empresas de construção e especulação imobiliária), a cobrança compulsiva de portagens, sem aceitação de pagamento na única moeda comum que circula na União, o euro, e impondo custos subsidiários com aquisições de dispositivos electrónicos, etc., é uma ilegalidade monstruosa. Na realidade, este tipo de arbitrariedade equivale à imposição de meios de pagamento informais, sem cobertura legal, nem qualquer fiabilidade. Se o sistema de portagens virtuais se enganar, ou for, ainda que pontualmente, capturado por criminosos, cobrando o que não pode, quem supervisiona as operações e resolve os conflitos?

    O negócio das Parcerias Público Privadas, sobretudo no sector dos transportes rodoviários, é a principal prova do grau de corrupção a que chegou a nomenclatura cleptocrata e a partidocracia que conduziram o nosso país à bancarrota, fragilizando-o como nunca esteve desde os tempos do Ultimato Inglês (1890). O Reino Unido, que desta vez está quase tão falido como nós (2), foi obrigado a anunciar a retirada, até 2015, das 20 mil tropas que ainda tem estacionadas na Alemanha, e a alugar os seus porta-aviões às forças aéreas norte-americana e francesa, por absoluta falta de dinheiro para manter o seu inadequado sistema de forças. Se somarmos a esta debilidade estratégica inglesa, o colapso para que também caminha a América de Obama, antevendo-se para breve (2015-2020) o fim da hegemonia diplomática e militar da aliança anglo-americana, em que situação ficaremos nós perante o nosso maior credor, isto é, a Espanha?

    Portugal devia ao resto da Europa, em Maio deste ano, segundo o insuspeito Bank for International Settlements (Europe's Web of Debt) qualquer coisa como 286 mil milhões de USD, ou seja, mais de 100% do PIB (que andará entre os 227,6 e os 233,4 mil milhões de USD). Desta colossal dívida, 30%, ou seja, 86 mil milhões de USD, são devidos ao nosso poderoso hermano. Este por sua vez, deve-nos 28 mil milhões. Ou seja, o saldo a favor dos credores espanhóis é da ordem dos 58 mil milhões de dólares. Uma bagatela equivalente a mais de 41 pontes Vasco da Gama, ou a uma frota de 83 submarinos da classe recentemente adquirida aos alemães (em troca da permanência da Autoeuropa em Palmela), ou 20 vezes o orçamento total do nosso ministério da defesa para 2011. Que acham que poderão os corruptos do Terreiro do Paço dizer ou fazer, sejam eles cor de rosa ou de laranja, no dia em que Madrid exigir a ligação da sua rede ferroviária em bitola europeia aos portos portugueses, nomeadamente de Sines e Matosinhos — conforme consta de sucessivos tratados assinados entre os dois países? Querem um novo ultimato, é?! Foi assim que caiu a corrupta e indolente monarquia. Querem repetir a dose na actual república de pelintras, igualmente indolente e corrupta?

    As ligações ferroviárias de Portugal a Espanha e ao resto da Europa estão inscritas na estratégia europeia de transportes e mobilidade, nomeadamente tendo em vista reduzir as emissões de gases com efeito de estuda e os impactos cada vez mais dramáticos do pico petrolífero nos preços mundiais do petróleo, do gás natural, dos respectivos derivados, e de toda a cadeia de valor que daqui corre em cascata — dos preços da energia, aos preços das matérias primas mineiras e da água, do preço dos adubos e da água, aos preços dos bens alimentares, dos custos imparáveis da mobilidade, à implosão dos subúrbios urbanos a uma escala nunca vista, nem imaginada, etc.

    Matraquear contra o "TGV", como insistentemente tem vindo a fazer toda a turma do PSD, a começar pelos emproados pedaços de nada que têm aconselhado o Jota Passos de Coelho (refiro-me concretamente aos perfumados e penteados Miguel Relvas e António Nogueira Leite), é um tiro no pé, e uma basófia que em breve terão que acomodar da pior maneira. Atrasar as obras, nomeadamente do corredor Lisboa-Porto, compreende-se nas actuais circunstâncias, sobretudo porque a corrompida RAVE (agora oportunamente extinta!) gastou mais de 100 milhões de euros em estudos adjudicados aos gabinetes clandestinos do PS, que nem sequer se deram ao trabalho de fazer os ditos estudos de forma tecnicamente competente, preferindo montar PDFs e Power Points para inglês ver, ao serviço das golpadas das empresas e bancos que mandam nas marionetas governamentais. Mas boicotar o troço Poceirão-Caia, como têm vindo a fazer praticamente todos os irresponsáveis do PSD, brada aos céus! Esta é a menos cara, melhor financiada por fundos comunitários, mais necessária e sucessivamente contratualizada ligação ferroviária em bitola europeia entre Portugal e Espanha. O seu objectivo é duplo: aumentar a mobilidade entre as duas capitais ibéricas, e sobretudo fazer chegar petróleo, minerais, automóveis, e tudo o que conseguirmos colocar em cima dos comboios de mercadorias, a toda a Espanha (por via de entrada na sua crescente rede de bitola europeia para comboios de alta velocidade e velocidade elevada), e também ao resto da Europa, que em Bruxelas elegeu a interoperabilidade do transporte ferroviário europeu como a primeira prioridade, para esta  década e a próxima, em matéria de transporte sustentável.

    O que certamente pode esperar, por que é manifestamente desnecessário, é a Terceira Travessia do Tejo entre Chelas e o Barreiro (3), são as parcerias público privadas ruinosas com que querem levar por diante o aeroporto da Ota em Alcochete, e ainda as autoestradas vazias e os novos hospitais dos grupos Mello e Espírito Santo, a pagar por todos nós, pelos nossos filhos e netos!

    Os tempos que aí vêm serão muito difíceis. Mais difíceis ainda se não pusermos um travão a fundo à voracidade bestial dos vampiros que, não contentes com terem levado o país à bancarrota, ainda querem sugar-nos o tutano que temos dentro dos ossos. A isto teremos que dizer basta! Se não nos ouvirem, esperem então por uma guerra civil, ou por uma revolução. Não partirá de mim. Mas de alguém partirá.


    POST SCRIPTUM (24-01-2010; 15:25)

    Alguém me recordou, a propósito deste artigo, que o meu argumento a favor de uma nova ligação ferroviária, em bitola europeia (ou bitola UIC), entre o Poceirão e Caia estará ferido de algum optimismo, não tendo nomeadamente em conta alguns factos recentemente escavados pelo Carlos Enes para a TVI, e que causaram grande burburinho entre as hostes parlamentares. As reportagens sobre este ponto, que recomendo vivamente, são estas:
    No essencial, o que há para avaliar é isto:
    1. os custos do troço Poceirão-Caia oficialmente anunciados andarão, afinal, pela metade dos custos efectivos aceites pelo governo no contrato entretanto assinado à pressa;
    2. nestes custos, supostamente englobando apenas a linha de alta velocidade entre Caia e o Poceirão, escondeu-se um projecto absurdo desenhado à medida dos interesses de Jorge Coelho e Cª, isto é, construir uma nova linha convencional, em bitola ibérica, destinada exclusivamente ao transporte de mercadorias, entre o Poceirão e Caia, correndo ao lado da nova linha de alta velocidade, em bitola europeia (que o governo quer destinar exclusivamente a passageiros!) Ou seja, as mercadorias andarão em Espanha e no resto da Europa sobre carris de bitola europeia, mas quando atravessarem a fronteira portuguesa terão mudar de comboio, para garantir aos senhores de voz grossa da Mota-Engil o improdutivo monopólio ferroviário que pensam abocanhar no futuro. Ou seja, pelo dobro do previsto, e escondendo uma linha absurda debaixo de um projecto comunitário (que os burocratas de Bruxelas, certamente bem untados, também não enxergam...), este governo de piratas preparava-se para mais um embuste.
    3. as taxas de crescimento do PIB que serviram de referência à avaliação da rentabilidade do investimento —entre 1,9% e 3,5%— estão completamente desactualizadas, pelo que, com Portugal a crescer entre 0 e 1%, ou até mesmo com uma longa recessão à vista, a rentabilidade do investimento na linha de alta velocidade entre o Poceirão e Caia fica irremediavelmente comprometida.
    Face a esta nova trapalhada, e mais este projecto de expropriação criminosa da riqueza nacional, eu, em vez de continuar a insistir nas virtudes da necessária interoperabilidade entre a rede ferroviária portuguesa e as redes espanhola e europeia de bitola europeia (ou bitola UIC), terei agora que condenar mais esta gigantesca burla arquitectada pela RAVE e pela Mota-Engil, exigindo —contra o que fui defendendo nos últimos anos— a suspensão imediata de todos os contratos relativos à construção da linha de alta velocidade entre o Poceirão e Caia. Paguem-se, pois, as indemnizações devidas (negociando-as duramente, claro!) e retome-se o processo de fio a pavio, em novas bases. A Judiciária, por fim, deverá ir atrás de quem se preparava para roubar mais uma quinta do Orçamento de Estado.


    NOTAS
    1. Já hoje, o dinheiro que os bancos comerciais vão buscar ao BCE a 1% é emprestado a mais de 30% aos desgraçados que se vêm na emergência de ter que recorrer a empréstimos pessoais!
    2. Não fora 30% do seu PIB terem origem em paraísos fiscais da rainha de Inglaterra, e até estariam pior!
    3. A solução do corredor Chelas-Barreiro é uma monstruosidade técnica, urbana e económica. Como tal deve ser liminarmente rejeitada e, quando for oportuno e houver dinheiro, substituída por outro corredor entre as duas margens. O comboio AVE, ou LAVE, entre Madrid e Lisboa, deverá parar, não no Poceirão, mas na moderna estação, já existente, do Pinhal Novo. Ali sairão os passageiros destinados à Margem Sul. Depois de uma rápida operação de alargamento dos eixos dos rodados, o LAVE seguirá então pela Ponte 25 de Abril até à nova estação central de Lisboa, sediada onde deve estar: no centro da capital, ou seja, no Campo Grande, onde outrora existiu a Feira Popular e hoje apenas há um enorme buraco.

    Última actualização: 24-01-2010 10:25

      quarta-feira, outubro 20, 2010

      PSD mais perto do poder

      A um passo de virar o país!

      “Se o Governo quiser desertar o PSD assumirá as suas responsabilidades”, disse Passos depois de apresentar ao parlamento do partido as seis condições que impõe para que os 81 deputados social-democratas se abstenham na votação de 29 de Outubro. _ in Económico.

      Parece que as coisas se encaminham para um beco com saída, ainda que estreita, ao contrário do beco sem nenhuma saída para onde a borra e a bosta desta democracia degenerada queriam levar-nos ao som do papão do FMI. O FMI só cá entra se o chamarem, e de facto, o que a malta que andou a roubar ou a dormir na forma e agora acordou queria era que Sócrates chamasse o FMI e depois atirasse as culpas para o recém chegado líder do PSD, com os capacetes do PCP e do Bloco de Esquerda a abanarem que sim, e a voz cava do poeta Alegre a proclamar cacafonias sem rima, nem prosódia, nem lógica, nem nada. O jota Passos de Coelho parece que me ouviu. Que os deuses de Camões protejam o audaz!

      Não sei se já repararam nisto: o país está literalmente a saque, e a toda a velocidade! É preciso estancar a hemorragia quanto antes, dando sinais imediatos à comunidade que o Estado, depois de recomposto, perseguirá os criminosos, sem cerimónias, metendo na prisão, por muitos e bons anos, quem se apropriou indevidamente dos bens colectivos e se preparava para entregar o país aos credores. Os militares não precisam de intervir. Basta que façam saber que não serão usados para defender ladrões.

      A Esquerda que um dia também foi minha morreu. Morreu de cobiça, de oportunismo, de corrupção, e sobretudo de uma enorme estupidez e incultura profunda. Pareceram um dia novos ricos. E foram mesmo ricos, não porque trabalharam no duro, mas antes por terem sabido apropriar-se do bem comum. A partidocracia abriu assim, desta forma canina, caminho à instalação de uma verdadeira cleptocracia burocrática, em tudo semelhante à dos antigos países soviéticos. É preciso parar esta hemorragia suicida.

      O preço de adiar o que tem que ser feito agora, dando mais um balão de oxigénio às carraças do orçamento, seria altíssimo. Ainda há umas horas escrevi isto no Facebook:
      As classes médias revoltar-se-ão inexoravelmente no momento em que os jovens sem emprego deixarem de poder contar com a mesada dos pais, e passarem, pelo contrário, a ter que contribuir para as despesas domésticas comuns. 50% dos rapazes com menos de 35 anos vivem ainda em casa dos pais; e 1/3 das raparigas estão na mesma situação! É esta combinação explosiva que varrerá do actual regime cleptocrata a corja de bovinos imbecis ou corruptos que capturou o país, o descarnou, e agora se prepara para entregar os ossos aos credores. A partidocracia foi, percebemos todos agora, o instrumento dessa cleptocracia que nos últimos meses vem jorrando sobre os portugueses toda a sua arrogância mórbida e aparente impunidade. Tenho poucas ilusões sobre o desfecho da actual pugna orçamental, e sobre o comportamento do jota Passos de Coelho, mas apesar de tudo desejaria que pudesse acontecer doutro modo. Se não for possível, paciência, lá teremos que exigir uma revolução política a sério. E como é óbvio essa revolução a sério não será feita pelas carcaças carcomidas do estalinismo, ou do trotskysmo universitário que por aí andam.
       Afinal, nem tudo está decidido ainda. Passos de Coelho poderá mesmo vir a ser promovido, por este blogger ordinário e mal disposto, a Pedro Passos Coelho, futuro primeiro ministro deste país desgraçado. Ele está, depois do que ele disse esta noite, à saída do Conselho Nacional do PSD, a um passo de enviar Sócrates e Cavaco às urtigas!

      Eu e muitos portugueses temos as maiores dúvidas sobre as capacidades mentais do actual presidente da república. Os rumores sobre o seu estado de saúde (possível doença de Parkinson ou Alzheimer) não foram até agora, incompreensivelmente, desmentidos. Mas há que fazer a pergunta directamente: sofre ou não o cidadão Aníbal Cavaco Silva, presidente da república portuguesa, de doença degenerativa perturbadora das suas faculdades mentais? A presença constante de Maria Cavaco Silva ao seu lado, e as acções diligentes que com frequência crescente tem que antecipar para corrigir gestos ou palavras do presidente, suscitam as maiores preocupações.

      Se for verdade, como parece, que Cavaco Silva está doente, esconder um tal facto é não só desumano para o próprio, como intolerável do ponto vista constitucional. Está na altura, creio, de a esposa do presidente olhar seriamente pelo marido e pela dignidade do país. Temo que se o não fizer, a infecta Casa Civil do Presidente continuará a conspirar em nome exclusivo dos seus mesquinhos interesses de sobrevivência, envolvendo até o pueril "professor Marcelo" em manobras golpistas que, a serem provadas, poderão calar de vez o bico ao incontinente tagarela dos Domingos.

      terça-feira, outubro 19, 2010

      A cleptocracia soma e segue

      Ainda há cofres por arrombar!

      Subir o IVA ou ajudar a ASCENDI?
      Sabia que mais de metade das receitas projectadas com a subida do IVA vão "direitinhas" para os cofres de uma empresa privada? Sabia que as transferências dos dinheiros do Estado para esta empresa equivalem a mais de metade das poupanças arrecadadas com o corte de salários dos funcionários públicos?
      Pois é, é verdade. Pelo menos, é isso o que nos informa o Relatório do Orçamento de Estado para 2011. Como todos sabemos, o projecto de Orçamento de Estado do governo dá azo ao maior aumento da carga fiscal das últimas décadas. Sobe-se o IVA, o IRS, as contribuições sociais, bem como toda uma série de taxas que farão diminuir o rendimento disponível das famílias e aumentar os custos das empresas e dos consumidores.
      Cortaram-se ainda salários, prestações sociais, despesas com a Saúde e os gastos com a Educação. Tudo em prol do "interesse nacional". Porém, sabia que o mesmo governo que está a querer aumentar o IVA vai igualmente transferir 587,2 milhões de euros para a ASCENDI, com a desculpa de levar a cabo a "reposição da estabilidade financeira" da empresa? E que esse "reforço" equivale a um aumento de 289,6% das verbas pagas à ASCENDI em relação a 2010? (p. 212 do Relatório do OE 2011). — in Desmitos.

      Finanças cometem gralha de €437 milhões em dotação orçamental

      A Ascendi, gestora de infra-estruturas detida pela Mota-Engil e pela ES Concessões (participada do Banco Espírito Santo - BES), solicitou ao Ministério das Finanças uma correção à rubrica inscrita no Orçamento do Estado (OE) para 2011 que refere uma dotação de €587 milhões como reposição do equilíbrio financeiro da Ascendi.

      O valor em causa destina-se a compensar alterações contratuais efectuadas nas auto Sem Custos para o Utilizador (SCUT) relativamente às quais a Ascendi deveria receber cerca de €150 milhões. Contactado pelo Expresso, o Ministério das Finanças não adiantou detalhes sobre o assunto.

      No entanto, a referida rubrica do OE para 2011 inscreveu mais €437 milhões que o valor que seria devido, o que, aparentemente, será apenas um lapso.

      A Ascendi também integra investimentos da Opway, da Amândio Carvalho, da Rosa Construtores, da Odebrecht, do Millennium bcp Investimento, do Santander Totta, da Hagen Concessões, da Monte Adriano e da Mesquita.

      A Ascendi resultou de uma transformação da Aenor e detém, a concessão de uma rede de 850 quilómetros de auto-estradas. — in Expresso.

      Eu não vos tinha dito? O Orçamento demorou e traz páginas em branco, porque foi, de facto, composto nos gabinetes clandestinos do PS (sim, clandestinos!), onde quem continua a mandar é o Coelho de sempre (o Jorge!). Um estalinista maoísta nunca esquece.

      Se a história da "gralha" do Orçamento, que a própria ASCENDI mandou o contínuo Teixeira dos Santos corrigir —pasme-se!—, não é a prova do algodão de que os socialistas da Tríade de Macau transformaram Portugal numa cleptocracia, perante a passividade bovina da restante corja partidária, então sou eu que estou maluco.

      A sensação que me dá é a de estarmos num filme policial, onde um país inteiro, Portugal, foi tomado de assalto por piratas, encontrando-se neste momento o pelotão da frente dentro do cofre forte do regime, sacando freneticamente tudo o que encontra dentro das sucessivas gavetas arrombadas, enquanto comandos especiais se atarefam a dinamitar e arrombar os poucos cofres ainda fechados.

      Saquear milhões de portugueses à vista de todos e em directo televisivo, é o filme de horror onde estamos metidos neste preciso momento, perante o semblante patético de um presidente da república levado pela mão da mulher (sem a qual já não sabe que fazer), a gritaria hipócrita e populista dos herdeiros degenerados das esquerdas, e um PSD balcanizado como sempre, onde efectivamente se encontra a cara-metade da cleptocracia, controlada há mais de uma década pelos piratas que tomaram de assalto o PS.

      Que julga esta gente? Que a vamos aturar por muito mais tempo? Que vai poder escapar toda para o Brasil daqui a quatro ou cinco anos? O plano deve ser esse, pois sabem que o Brasil não extradita criminosos! E se os apanhássemos já? Para isso seria necessário, neste momento crucial da nossa vida colectiva, que o senhor Passos de Coelho agisse com coragem e inteligência, sem ceder a chantagens, venham elas dos ladrões da Lapa, ou dos ladrões de Bruxelas. Se conseguir levar o PSD a chumbar a criminosa gazua orçamental com que os piratas do regime pretendem saquear até ao tutano Portugal, o país dar-lhe-à não só a maioria, como uma expressiva maioria absoluta, para colocar o país nos eixos, e a canalha na prisão. O pior que poderia acontecer-nos é ficarmos sem alternativa à sinistra nomenclatura que levou Portugal à bancarrota.

      A arrogância de José Sócrates —ao anunciar com displicência que nem sequer estará em Lisboa para discutir o Orçamento— tresanda a comportamento mafioso, como se ele fosse o gato, e Passos de Coelho o rato prestes a cair-lhe na boca. Espero bem que o candidato a próximo primeiro-ministro não seja mortalmente atropelado pelas pressões das suas interessadas amizades.

      segunda-feira, outubro 18, 2010

      Golpe de Estado!

      Marcelo não é comentarista, mas agente provocador!

      Marcelo Rebelo de Sousa actuou hoje na TVI como agente provocador de um verdadeiro golpe de estado palaciano ao anunciar uma decisão da exclusiva competência e foro íntimo de Aníbal Cavaco Silva, em vésperas de uma batalha política decisiva para o Portugal, cujo desenlace poderia aliás levar o actual presidente da república a desistir da sua recandidatura ao cargo que ocupa sem brilho, nem verdadeiro préstimo para o país, desde que rebentou o escândalo que o tem aprisionado — i.e. a falência criminosa do BPN.

      Como aqui se escreveu, desde que anunciaram a mistificação mediática do tango contra-natura entre José Sócrates e Passos Coelho, a única estratégia correcta do actual líder do PSD, seja para conservar o cargo conquistado, seja para criar a oportunidade de uma verdadeira limpeza do regime corrupto e cleptocrata que levou Portugal à bancarrota, seria, e é, correr do Estado, tão depressa quanto possível, com os criminosos que dele se apoderaram, por interpostos lacaios ou directamente.

      No caso da anunciada vigarice orçamental cozinhada nas folhas de cálculo do ministro das finanças, a única decisão politicamente decente e estrategicamente correcta por parte de um candidato a primeiro ministro seria e é chumbá-lo sem dó nem piedade, com um virulento discurso sobre os responsáveis que, por acção ou inacção interessada ou cobarde, conduziram Portugal a uma verdadeira situação de bancarrota, colocando-nos nas mãos dos credores estrangeiros — isto é, e na prática, esvaziando completamente a nossa soberania económico-financeira.

      Com isto não se pode compactuar!

      Também se escreveu, acertando completamente na mouche, que o chumbo do orçamento por Passos Coelho seria uma carambola que eliminaria os dois principais obstáculos à clarificação rápida da nossa situação, e consequente restauração de uma democracia que foi esventrada por uma verdadeira rede de gatunos de todos os quadrantes.

      Volto a escrever: se Passos Coelho chumbar o Orçamento de Estado (OE) de 2011, Cavaco Silva não se recandidatará, e o vento soprará imediatamente a favor da nova direcção do PSD. É claro que esta possibilidade meteu um medo de morte ao Bloco Central do Betão e da Corrupção, que sustenta, como se sabe, quase toda a comunicação de massas deste país (salvo a que já está directamente ao serviço da contra-informação governamental!)

      Desde que a possibilidade do chumbo do OE começou a pairar no campo das opções políticas com sentido (o bloco que vai eleitoralmente unir-se em volta do poeta Manuel Alegre, e o próprio Manuel Alegre, que votem o Orçamento...), a nomenclatura em pânico montou mais uma gigantesca operação de propaganda, envolvendo laranjas, rosas e até foices-e-martelos no tam-tam ensurdecedor. O que fizeram foi simples: mudaram o resultado do jogo que aqui anunciei. Ou seja, o chumbo do OE seria, por um lado, o caos, e por outro, a vitória maquiavélica de Sócrates! Para coroar a operação, encharcaram todos os canais da comunicação social com esta patranha, e depois fizeram uma sondagem. A cereja no bolo colocou-a, esta noite, essa "gelatina política" chamada Marcelo Rebelo de Sousa — um político falhado, e um pseudo-comentarista. O que hoje fez foi, porém, além das marcas.

      Pergunto ao senhor Marcelo Rebelo de Sousa uma pergunta muito simples: foi Aníbal Cavaco Silva que o informou?

      A minha convicção e a minha interpretação dos factos que conduziram a este verdadeiro golpe de estado palaciano são estas:
      1. Por tudo o que Cavaco Silva disse até hoje, e pelo carácter evasivo e temeroso que se lhe conhece, o homem nunca anunciaria a decisão propalada por Marcelo de Sousa antes da votação do Orçamento;
      2. Pelo seu temperamento, também não é de crer que uma tão pesada decisão, tendo em conta o estado calamitoso do país, a sua comentada doença degenerativa, e a paralisia intelectual e política da sua acção desde que rebentou o caso BPN,  viesse a ser anunciada por uma qualquer interposta pessoa — ainda por cima recorrendo à língua viperina dum notório má-língua chamado Marcelo Rebelo de Sousa;
      3. Resta pois uma hipótese, o Presidente da República foi vítima de uma nova tentativa de golpe de estado palaciano desencadeado a partir da sua infecta Casa Civil. Quando cheiraram a mera hipótese da não recandidatura do actual presidente, em consequência do chumbo do OE por parte do actual líder do PSD, entalaram-no com o pré-anúncio da sua recandidatura através de um Conselheiro de Estado que usou a comunicação social para fazer, até agora, intriga política, mas que na noite de domingo de 17 de outubro de 2010, lhe permitiu também coadjuvar uma turma de conspiradores a realizar o que não pode ser visto se não como um golpe de estado palaciano.
      E agora?

      Cavaco Silva tem uma de três soluções:
      1. Desmente categoricamente o mensageiro conspirador — mandando directamente para a reforma um fala-barato;
      2. Confirma o que o fala-barato anunciou, e nesse caso tem que o fazer logo pela manhã de Segunda-Feira, comunicando ao mesmo tempo ao país qual a sua posição sobre o orçamento de estado do governo de Sócrates (não tem oura alternativa!);
      3. Ou então deixa tudo em suspenso até dia 26, o que equivaleria, na prática, à primeira opção, fazendo passar Marcelo Rebelo de Sousa por aquilo que verdadeiramente é: um auxiliar de conspirador de meia tigela.
      Por fim, não vejo como poderá o PSD, e sobretudo Passos Coelho, deixar de exigir a imediata demissão do conselheiro de Estado Marcelo Rebelo de Sousa, pela sua intromissão intolerável num processo político-constitucional do maior melindre. tratando na prática o actual presidente da república como se fosse um atrasado mental.

      POST SCRIPTUM — 18-10-2010; 14:20. Cavaco Silva optou pelo silêncio, ou seja, não confirma, nem desmente, a atoarda conspirativa de Marcelo Rebelo de Sousa, deixando este spin doctor uma vez mais a fazer figura de parvo. Mas há um pormenor aqui que convém salientar: se houve tentativa de golpe de estado palaciano, e estou convencido de que houve (este mesmo post foi enviado esta madrugada à presidência da república desafiando o seu receptor a dar dele conhecimento a Cavaco Silva), o presidente desarmou-o, desta vez, a tempo. Mas não chega! É preciso escovar imediatamente o pó acumulado da sua Casa Civil, senhor Presidente! Ou os ácaros continuarão a sua permanente acção de desgaste e destruição. Quanto ao mais, reitero: acho que o senhor não se deveria recandidatar ao cargo. Se não salvou o país quando podia, não será agora ou com novo mandato que o fará. A instituição de que é o representante máximo está tão podre e corrompida quanto os demais edifícios do regime. O país precisa de uma revolução constitucional, e sobretudo de novos protagonistas. Os herdeiros líquidos do 25 de Abril já mostraram o que valem!

      domingo, outubro 17, 2010

      Bancarrota - 2

      Contra o Orçamento, marchar! marchar!

      O súbito conformismo de Medina Carreira



      Quando todo o historial permitia presumir uma oposição frontal de Medina Carreira à aprovação da aldrabice a que a nomenclatura do regime insiste em chamar Orçamento de Estado, fomos entretanto  surpreendidos (Plano Inclinado, 16 outubro 2010) pela capitulação do fiscalista perante a chantagem governamental. Ai, ai, ai que vem aí o FMI! — clama Medina Carreira. Mas não era ele mesmo que reclamava o desembarque daqueles senhores no Figo Maduro para salvar o país?! E se eles não vierem, pode o país salvar-se, continuando nas mãos da santa aliança entre Cavaco e Sócrates? A contradição é insanável. Algo de muito estranho deve ter convencido Medina Carreira a deitar ao lixo toda a sua esclarecedora pregação anti-sistema. (1)

      A partidocracia e a nomenclatura estão inteirinhas com Sócrates e Cavaco!

      Todos os partidos com assento parlamentar, sem excepção, isto é, de Louçã e Jerónimo de Sousa, ao inefável Portas, estão interessados na aprovação do cheque em branco que permitirá ao governo de piratas que elegemos (a culpa também é nossa, obviamente!) prosseguir a sua tarefa deletéria de delapidação económica e financeira do país. A consequência será, não havendo já, como se sabe, mais colónias para penhorar ou vender ao desbarato, a própria e acelerada perda da nossa soberania a favor dos nossos principais credores.

      A aldrabice pegada apresentada pelo sem vergonha ministro das finanças, Teixeira dos Santos, resume-se a isto: manutenção do status quo na arquitectura, peso e natureza endogâmica, partidária, intrusiva e omnipresente do Estado —qual burocracia Estalinista vestida de cor-de-rosa—; e um criminoso saque fiscal sobre a generalidade da população e agentes económicos indefesos — ou seja, sobre os mais pobres, sobre a classe média profissional, sobre o funcionalismo púbico, e sobre o pequeno empresariado, deixando de fora, claro está, a poderosa classe parasitária dos monopólios e oligopólios que financiam e têm no bolso a generalidade dos partidos políticos e meios de comunicação de massas, mais as bases partidárias que, como metástases dum cancro letal, invadiram o estado e minam a sustentação da própria sociedade, degenerando assim a democracia, e criando todas as condições para a transformação desta numa cleptocracia

      O negócio sujo proposto pelos piratas do PS aos piratas do PSD, para que estes deixem passar o orçamento, é este: vocês deixam-nos fazer o TGV e a TTT (Jorge Coelho/Mota-Engil oblige!), e nós deixamos que vocês prossigam com a aeroruína de Alcochete (Cavaco/BPN-SLN oblige!) As PPP, que interessam a ambos, seguirão também de vento em popa, não é verdade?

      A seringa dos impostos é grossa e comprida. E quanto ao povo, como o que quer é circo, telenovelas e batatas fritas, nós para isso ainda temos. E se não gostarem, que emigrem! Até nos daria jeito... ahahahaaaa ;)

      A desonestidade intelectual de Francisco Louçã

      Francisco Louçã é um economista, e professor universitário, e por conseguinte tem obrigação de saber o que realmente se passa na economia e nas finanças internacionais e portuguesas. Se não fosse um intelectual desonesto, jamais se permitiria alimentar a estratégia permanentemente demagógica do saco de gatos a que chamaram Bloco de Esquerda.

      Há uma verdade simples, que Louçã, por ser intelectualmente desonesto, finge ignorar: a nossa economia não produz suficiente riqueza para sustentar o Estado paquidérmico que tem; e este estado tentacular, burocrático, incompetente, caríssimo, enfim, hipertrofiado, se aguentou até agora, tal deveu-se exclusivamente às remessas europeias provenientes dos sucessivos quadros comunitários de apoio, e, por incrível que pareça, dos emigrantes!

      A mama, porém, acabou, e agora resta-nos uma de duas alternativas: ou racionalizar drasticamente o assistencialismo social, e encolher o aparelho tentacular e intrusivo do Estado, libertando 30 ou mesmo 50% das suas actividades para a sociedade civil (indivíduos, empresas e associações cooperativas); ou continuar a punção fiscal sobre os produtores efectivos de riqueza.... levando a prazo o país à ruína completa.

      Louçã, um burocrata pequeno-burguês típico, e um partidocrata, tal como todos os demais partidocratas, preferem cegamente a segunda opção, ignorando o desastre inevitável que daí advirá.

      A boca voraz dos impostos já morde a própria cauda!

      Se medirmos os encargos totais da administração pública improdutiva, verificamos que os mesmos superam já a riqueza efectivamente produzida no país. Ou seja, uma parte crescente dos impostos pagos não deriva já sequer da riqueza produzida, mas tão só e tristemente do empobrecimento geral do país. Ou seja, temos uma economia ficcional em marcha que, na realidade, só consegue evitar o colapso à custa de um endividamento externo imparável. Acontece, porém, que os nossos credores, sejam eles especuladores ou estados soberanos, perceberam a gravidade da situação das finanças portuguesas e decidiram travar a sua subsidiação. Daí que a cobra dos impostos, que começou a devorar furiosamente a sua própria cauda, tenha que ser dominada. E só há uma forma de o fazer: libertar a economia real da canga fiscal, libertar a sociedade civil da canga estatal, reduzir a dimensão do Estado e atacar as raízes partidocratas da corrupção e da cleptocracia instalada.

      Para aqui chegarmos, porém, nada podemos esperar da corja acomodada em São Bento. Só mesmo Bruxelas, o BCE, e mesmo o FMI poderão aplicar a austeridade eficaz de que efectivamente precisamos para nos salvar da ruína e da humilhação.

      NOTAS
      1. Apesar do que supostamente transcreve hoje o Económico, ouvi Medina Carreira dizer ontem à noite que seria de deixar passar o orçamento. No entanto, se emendou a mão, felicito-o!