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terça-feira, abril 22, 2008

Por Lisboa 15

Futura localização Central TGV de Lisboa, Opção A
Futura localização da Estação Central de Lisboa: Opção A (solução concentrada subterrânea e em altura).

Meu caro António Costa, seja realista!

Os lisboetas já terão que pagar o namoro (caríssimo!) entre Santana Lopes e Frank Gehry. Não endivide mais a pobre cidade com novo namoro, agora entre si e o desleixado Calatrava. O apeadeiro de comboios chamado Gare do Oriente custou 250 milhões de euros. Você anuncia agora, com pompa e circunstância, que quer gastar mais 86 milhões em algo irreparável e que nunca deixará de ser um apeadeiro. Porquê? Para quê? À custa de quem? Com o petróleo a roçar os 120 dólares (mais de 150 daqui a um ano), concentre-se, por favor, em soluções inteligentes, práticas, rápidas e baratas. Os euricos não dão para mais!!

Você e os lunáticos que o rodeiam querem, pelos vistos, destruir o Porto de Lisboa, uma bagatela com mais de mil anos de serviços prestados ao país, à Europa e ao Mundo. De facto, seria essa a consequência imediata da combinação entre o fim da estação ferroviária e do molhe de acostagem de navios de Santa Apolónia e a construção da desnecessária e estuporada ponte Chelas-Barreiro. Esta ponte, a ser construída, aumentaria o assoreamento do Mar da Palha para níveis economicamente incomportáveis, ao mesmo tempo que comprometeria a manobra, estacionamento e amarração dos grandes navios de passageiros e mercadorias (neste momento em construção, por serem a resposta ao encarecimento imparável dos combustíveis). Por outro lado, as rações que alimentam indústrias pecuárias importantíssimas para o país, e aportam diariamente ao cais de Santa Apolónia com destino à zona do Oeste, teriam que ser desviadas para Setúbal ou Sines! O estuário do Tejo perderia assim grande parte do seu valor e potencial económico futuro. E como é evidente, a lógica deLux dos levianos que o rodeiam não descansariam enquanto não ocupassem todo o porto de Lisboa com hotéis, pizzarias, barras dinâmicas de Sushi (para comer o último atum do mediterrâneo!), discotecas, ginásios, saunas e muitas Experimentas inúteis pelo meio. O monstro que promete sair da pouca massa cinzenta que o assessora, caro Presidente, é realmente assustador. Faça uma pausa, suplico-lhe, e respire! Aproveite para pensar um minuto pela sua própria cabeça. Não é assim tão difícil. Se desejar, eu e alguns cidadãos atentos e responsáveis estamos dispostos a almoçar consigo, para lhe mostrar detalhadamente como e porquê, se persistir na actual direcção, não só falhará os objectivos anunciados (lembre-se do pobre Santana!), como porá em causa o seu futuro político, que estimo possa ainda vir a ser brilhante.

Futura localização Central TGV de Lisboa, Opção B
Futura localização da Estação Central de Lisboa: Opção B (a melhor solução para a ex-Feira Popular).

De momento, não fazem falta nem novo aeroporto, nem nenhuma terceira ponte sobre o Tejo a oeste da Vasco da Gama!

A Portela deve ser preparada, porque pode ser preparada, para resistir mais 20 anos sem problemas de maior. Precisa de ampliar o Taxiway, precisa de mais mangas, precisa de um sistema de gestão de bagagens actual e eficiente. E precisa, antes de tudo o resto, de ver integralmente substituída a turma de inúteis até agora encarregue de o gerir. No limite, deverá ser previsto o uso de alguns terrenos imediatamente adjacentes às actuais pistas, podendo e devendo expropriar-se uma fatia da falida Alta de Lisboa para melhor atingir este desiderato possível e desejável. Feito isto, o aeroporto da Portela seria especialmente dedicado às companhias ditas de bandeira e aos voos executivos. Se alguém lhe vier com a historieta do aeródromo de Tires, diga-lhes que não passa de uma balela e apenas serve para treino de maçaricos.

Ao mesmo tempo, e isso é sobretudo coisa do governo, há que adaptar a base aérea do Montijo para as companhias de Low Cost (1). Estas precisam apenas do que lá está (uma infraestrutura barata), com adaptações e modernizações mínimas. Coisa para estar resolvida em dois anos no máximo. Os militares deveriam ir, como já estão a ir... para o aeromoscas de Beja!

Finalmente o TGV, ou melhor o AVE.

Pois bem, a solução técnica já existe e já foi usada em Espanha: os comboios circulam de Madrid até ao Pinhal Novo em carris de bitola standard (ou europeia), e no Pinhal Novo adaptam o rodado à bitola ibérica dos carris da ponte 25 de Abril (2), terminando tranquilamente as suas viagens na Estação Central de Entrecampos, um magnífico edifício ou conjunto de edifícios situados no terreno municipal da Feira Popular, ou se se preferir, no terreno que a própria CP dispõe junto à actual estação Roma, mais acanhado mas ainda assim mais do que suficiente. Lógico, sustentável e de muito rápida concretização.

Repare que não lhe estou a levar um tostão por este conselho, quando na verdade, pelas tabelas ocultas que se praticam nas empresas de vão-de-escada que trabalham para o seu partido e para o seu parceiro do Bloco Central, isto custaria, pelas minhas contas (só a ideia!) uns 500 mil euros. Mas mais importante do que a minha bondade (que conta com o apoio de inúmeras almas cheias de sabedoria, apaixonadas e de boa vontade) é a sustentabilidade extraordinária da solução que lhe proponho. Tenho a certeza de que tudo o resto que tem sido aventado por aí não passa, no fundo, de estratagemas de sangria do erário público. Como calcula, um crime inaceitável nos tempos que correm. E sobretudo naqueles que nos esperam!

Sabe, meu caro presidente, porque é que a Marina do Parque das Nações se deixou transformar num pudim de lama? Pois por uma simples razão: porque foi privatizada! Sendo privada, não há quem queira pagar a dragagem do local. Seria isto o que aconteceria a toda a margem norte do Tejo, ao longo do actual porto de Lisboa, se o mesmo deixasse de ser rentável, ou fosse privatizado pelos lunáticos que o mal-aconselham. Conselho amigo!



NOTAS
  1. Se não for activado rapidamente o aeródromo do Montijo para as companhias de baixo custo, podem ter a certeza, senhores edis da região de Lisboa e Vale do Tejo, que as alternativas Low Cost irão direitinhas para o aeroporto Sá Carneiro, na Maia, e para o remodelado aeroporto de Badajoz. Esqueçam qualquer hipótese de a Ryanair, da easyJet, da Airberlin, e das Low Cost españolas, se sobreviverem até 2015, de virem a operar na putativa cidade aeroportuária imaginada pelo lunático Mateus -- autor genial do aeromoscas de Beja!
  2. Com a imparável alta dos preços dos combustíveis já começou a diminuir significativamente a utilização das pontes 25 de Abril e Vasco da Gama. E ainda a procissão vai no adro! Ou seja, cada vez mais pessoas procurarão a Fertagus, os Cacilheiros e os Catamarans para cruzar o Tejo e o seu grande estuário. A Fertagus precisa urgentemente de adquirir mais 9 comboios (UQEs), para poder passar dos actuais 80 mil passageiros transportados/dia para 120 mil, ou seja, menos 33 mil veículos a entrar na capital! Para isso precisa de investir uns 45 milhões de euros - uma ninharia que seria co-financiada sem qualquer obstáculo pelo QREN se este não estivesse na mão de uma dúzia de piratas. Além do mais, os 3,5 milhões de euros deitados à rua (sob a forma de indemnização suplementar à Lusoponte!) por cada borla de Agosto, em nome da mais pura demagogia, seria suficiente para pagar os nove novos comboios da Fertagus em pouco mais de uma década. Ou seja, o problema só não se resolve porque a sórdida política dos interesses e a corrupção continuam a sabotar uma medida de gestão que beneficiaria grandemente quem começa a deixar de usar o automóvel para se mover entre as duas margens. Esta simples medida beneficiaria Lisboa, pela diminuição muito significativa do número de automóveis que hoje pastam em cima dos passeios e curvas da cidade, e diminuiria grandemente a factura energética e as penalizações pelas excessivas emissões de CO2 que a desorganizada e ineficiente economia portuguesa produz anualmente. Quem tem medo de agir, compra um cão!

OAM 348 22-04-2008, 18:47

quarta-feira, abril 16, 2008

Por Lisboa 14

Assoreamento provocado pelos pilares da ponte e doca de lama da Expo
Assoreamento provocado pelos pilares da ponte e doca de lama da Expo

AVE de Madrid chega a Entrecampos, entrando pela Ponte 25 de Abril

Vamos lá a ver se o poder político tem juízo desta vez e aplica os últimos dinheiros comunitários na sustentabilidade do país, em vez de se permitir disparates caríssimos e inúteis. Para isso precisa, em primeiro lugar, de eliminar as principais causas da corrupção endémica que nos tolhe: demasiados centros de poder, burocracia e falta de transparência processual, lentidão da justiça, irresponsabilidade administrativa e impunidade política.

Fui hoje de propósito ao Barreiro para tentar perceber definitivamente se existem razões suficientemente fortes para a insistência na ponte rodo-ferroviária Chelas-Barreiro. Mal conhecia o lugar, essa é que essa! Neste caso foi uma vantagem, pois não tinha nenhum preconceito sobre o dito. Fiz o trajecto de Carcavelos para o Barreiro seguindo de carro pela A6 (vulgo auto-estrada do Estoril), cruzando depois a Ponte Vasco da Gama e desviando no seu final para a via rápida que liga a ponte à cidade. O tecido urbano é pobre, está degradado, mas tem personalidade que baste. Almocei um ensopado de borrego divinal, a um preço que há muito se não vê pelas bandas da Linha onde vivo! A mais importante observação que retirei do passeio é esta: o centro histórico do Barreiro não está mais longe do Cais do Sodré do que está Cascais, e encontra-se certamente mais perto de Lisboa do que Sintra, levando-se sensivelmente o mesmo tempo a percorrer quaisquer destas três distâncias, quer o façamos em automóvel, ou em comboio. Ou seja, o argumento sobre o isolamento da antiga vila operária, por causa da inexistência de uma ponte sobre o Mar da Palha, que a ligue mais depressa ao Terreiro do Paço, não colhe. O entusiasmo dos autarcas da Margem Sul não passa de inconsciência e leviandade demagógica.

O sub-desenvolvimento do Barreiro deriva única e exclusivamente da entropia lisboeta, da sub-urbanização da capital e da titubeante reconversão do antigo tecido industrial da Margem Sul. Nenhuma nova travessia resolverá qualquer destes problemas. Como não resolveu no Montijo, nem em Almada! Na realidade, as pontes entre as duas margens, se não formos capazes de pensar a Grande Lisboa como uma cidade-região, como uma verdadeira metrópole polinuclear político-administrativamente integrada, apenas se acentuará a actual inércia de sub-urbanização desqualificada, desconexa e a prazo implosiva. Pois quando o petróleo chegar aos 150, aos 200 e aos 300 dólares, o que certamente ocorrerá antes de 2020, os movimentos pendulares privados, em automóvel, serão drasticamente reduzidos. Nem com óleo Fula, depois de fritar as batatas e os carapaus, lá iremos!

O problema do desenvolvimento das duas margens do rio Tejo não passa prioritariamente pelas travessias do grande estuário, que aliás nem sequer foram exploradas até aos respectivos limites. A Ponte Vasco da Gama está longe de saturar e já não vai saturar; as travessias fluviais em barco estão muitíssimo longe de uma optimização decente; a actual pressão sobre o tabuleiro automóvel da Ponte 25 de Abril pode ser francamente aliviada desde que ponham comboios suficientes a circular entre Setúbal e Entrecampos (e entre Madrid e Entrecampos!), de 15 em 15 minutos, das 6:00 às 24:00, e de hora à hora durante a madrugada. Por fim, falta ainda medir o impacto da novíssima Ponte do Carregado no desvio dos tráfegos Norte-Sul e Leste-Oeste que não precisam de atravessar Lisboa, nem a Margem Sul. Se depois de aqui chegados, eu estiver completamente enganado, e o petróleo jorrar da Lua à razão de 120 milhões de barris por dia, então sim, teremos que construir, não uma, mas mais duas travessias entre as duas margens do grande estuário: uma ponte ferroviária entre o Beato e o Montijo, e um túnel multimodal entre Algés e a Trafaria. Mas para já, com o petróleo quase nos 114 dólares, o melhor mesmo é termos juízo!

A ponte Chelas-Barreiro não concita nenhum argumento sério a seu favor, e a ser construída, além do nulo impacto positivo sobre o desenvolvimento do Barreiro, produzirá gravíssimos prejuízos ao estratégico porto de Lisboa.

Primeiro, porque agravará ainda mais o assoreamento do Mar da Palha numa zona necessária às manobras de navios que tendem a ser cada vez maiores e com cascos mais profundos, além dos previsíveis efeitos catastróficos em caso de cheias, ou da anunciada subida do nível médio dos mares em cerca de 150 cm até ao fim deste século.

Segundo, porque a própria localização prevista para a ponte congeminada por alguns lunáticos do Técnico come uma parte fundamental do estuário, essencial às ditas manobras de navios.

Terceiro, porque terá sempre um impacto visual negativo sobre a escala da zona histórica da cidade de Lisboa.

Sacavém, cheias

Como se a destruição anunciada do porto de Lisboa não fosse em si mesmo um crime intolerável e motivo suficiente para um veto presidencial (pois o putativo responsável governamental pela Defesa do país não passa dum boy), acresce ainda que a ideia de financiar a nova ponte com portagens a espremer aos automobilistas que cruzariam então as três pontes do grande estuário é altamente improvável por causa da espiral imparável dos preços dos combustíveis, da gasolina ao gasóleo, passando pelo biodiesel, as pilhas de hidrogénio e os óleos de fritar carapaus.

As respostas dadas esta noite por João Salgueiro a Mário Crespo, no Jornal da Nove (SIC), a propósito do mau caminho da nossa economia e do nosso desenvolvimento, foram de uma clarividência notável e merecem ser revistas por todos. Não podemos continuar a ser enganados pelos políticos ignorantes, irresponsáveis, impunes e corruptos que dominam este país! Há um conjunto de coisas simples mas duras que teremos todos que assumir se quisermos vencer os enormes problemas que aí vêm. A primeira delas é que o nosso futuro colectivo vai mesmo depender do que soubermos fazer da democracia que ainda temos.



Post scriptum

I - Sobre os argumentos patetas do Ministério da Defesa, aqui vai a resposta.

Os argumentos do Ministério da Defesa não passam de um frete político, o que atesta bem da frágil personalidade do seu actual responsável.

Se não vejamos...

O que dizem eles:

"...considera-se que a sua concretização teria um impacto negativo nas redes de
serviços instaladas, por eliminação ou interrupção das mesmas, nomeadamente rede
eléctrica, combustíveis, águas e comunicações, bem como em infraestruturas
operacionais e de apoio, além de obrigar à relocalização dos meios aéreos ali sediados
durante um período significativo devido à impossibilidade de coexistência das operações
aéreas com os trabalhos decorrentes das eventuais fases de construção".

"Não obstante o anteriormente exposto, as vias rodoviárias e ferroviárias projectadas para
o interior da Base Aérea n.º 6, tornariam esta infraestrutura militar extremamente
vulnerável a qualquer ameaça, em virtude da livre circulação de veículos nas rodovias e
nas ferrovias a construir, independentemente de serem estrada, viaduto ou em túnel, pelo
que, sendo este um problema intransponível ao nível da segurança militar, não é
compatível com os interesses da Defesa Nacional".

"Nesta conformidade o Estado-Maior da Força Aérea manifesta a expectativa de serem
encontradas soluções para a TTT que salvaguardem a operacionalidade da Base Aérea
n.º 6, dentro dos parâmetros de segurança militar estabelecidos, e, nomeadamente, no
que se refere às superfícies de desobstrução de obstáculos, a área e servidão militar e
aeronáutica e, ainda, às servidões radioeléctricas."

Desmontagem de tão frágeis argumentos.

Cmdt. Joaquim Silva:
  1. Todas as bases portugueses estão "cercadas" e "marginalizadas" por vias de comunicação publica, incluso a da Sintra já teve uma estrada nacional que cruzava a sua pista e era cancelada quando os aviões nela operavam. Assim qualquer base aérea portuguesa está acessível a tentativas de intromissão a não ser que se encerrem as referidas vias.
  2. Quanto ao facto das perturbações que as obras trariam às redes de operacionalidade da base (águas ,esgotos, energia, comunicações , etc.) é mais que evidente que a engenharia moderna pode operar - construir túneis por exemplo - sem as afectar.
  3. O aeroporto de Lisboa tem sofrido ao longo dos anos grandes obras em volta da base do Figo Maduro e os militares nunca se queixaram das suas consequências.
  4. O aeroporto de Beja está a sofrer grandes obras e idem, idem.
    O que será preciso perguntar aos militares é se ficarão a operar com a pista Leste-Oeste do Montijo, com a ponte Chelas-Barreiro na frente a menos de 1000m e a de NE-OE a menos de 1500m e se abdicam de ter o estuário do Tejo como pista para hidroaviões (fiscalização, segurança e vigilância costeiras).
    Finalmente perguntar à Marinha se pensa abandonar a Base Naval e o Estaleiro do Alfeite quando toda a área sul dos pilares da ponte prevista, se assorear e impedir o acesso àquela base; a não ser que haja quem pague dragagens de custos gigantescos.

Rui Rodrigues:
  1. em 1994, o Montijo foi escolhido como o local mais adequado para um novo aeroporto.
  2. Numa entrevista do Jornal Expresso, dia 24 – 4 – 99, ao ex-ministro das Obras Públicas Ferreira do Amaral, foi dito que a Base Militar era perfeitamente adaptável ao tráfego civil e que tais projectos eram do conhecimento da Força Aérea.
  3. Se, por razões de defesa nacional, a 3ª travessia do Tejo não pudesse passar pelo Montijo, então (...) os militares poderiam ser transferidos para Beja, Ota ou outro local a definir, utilizando os mesmos critérios para os retirar de Alcochete ou da Ota (empregues sem qualquer objecção quando se decidiu construir o NAL na Ota, e depois no Campo de Tiro de Alcochete).
  4. Nas guerras mais recentes, os objectivos militares ou estratégicos são atacados por mísseis a longa distância ou através de aviões e nunca por acções de sabotagem. (Ler PDF do autor sobre esta controvérsia.)

António Maria:
  1. Se porventura alguma organização terrorista, ou qualquer decisão militar de desencadeamento de operações especiais de provocação e sabotagem, viesse a ter lugar no nosso país, não faltariam alvos civis --e militares!-- propícios e indefesos. A segurança interna portuguesa neste domínio é pura e simplesmente inexistente!
  2. Que se saiba a Base Aérea de Beja é uma instalação militar e o governo decidiu enterrar naquela infraestrutura 33 milhões de euros, ao que parece para fazer daquilo um aeromoscas comercial. Nenhuma empresa do ramo se mostrou até à data interessada em transportar incautos de e para aquele oásis turístico, pelo que à cautela a Base Aérea do Montijo já aproveitou a oportunidade para realojar, naquela que foi uma importante unidade de treino militar da Luftwaffe, os seus lobinhos de estimação, quer dizer, seis aviões Lockeed P-3P Orion, especializados no patrulhamento marítimo para detecção, localização, seguimento e ataque a submarinos e meios de superfície, execução de operações de minagem e sobretudo, em tempo de paz, detecção e dissuasão de actividades ilegais e realização de operações de busca e salvamento. A conclusão é óbvia senhor Yes Minister: a Base Aérea do Montijo pode e deve trasladar-se inteirinha para Beja.
  3. Haverá em território português alguma base aérea militar mais estratégica e mais bem guardada do que a das Lajes? Pois não há. E no entanto, convive com um aeroporto civil, onde aliás presenciei dois anos de obras de ampliação e renovação da respectiva gare civil, sem ter reparado que houvesse quaisquer medidas de segurança especiais.

II - TTT: Sobre a posição da Câmara Municipal de Lisboa (expressa num debate ocorrido ontem)

Como escrevi num post anterior, os partidos de "esquerda" sentados ao colo de António Costa apoiam a solução Chelas-Barreiro por meros reflexos eleitoralistas e demagogia piedosa. O comportamento é similar, na miopia e no oportunismo, à eternidade que levaram a perceber e finalmente criticar o embuste da Ota. É esta falta de conhecimento, do sentido das proporções e de responsabilidade política, que acabará por condenar mais cedo do que o previsto o actual regime democrático. Foi assim, por causa deste género de imbecilidade pacóvia, que a Primeira República finou. Será provavelmente pela mesma ordem de razões que a Terceira República verá o seu término. Só não sabemos ainda qual a forma que o próximo regime autoritário irá revestir. Mas que os tontos da "esquerda" tudo têm feito para provocar a sua chegada, disso já não tenho quaisquer dúvidas. O próximo ditador limpará o decadente regime actual num abrir e fechar de olhos eleitoral, rindo-se provavelmente às gargalhadas, como Sarkozy e Berlusconi. Estou prestes a ir-me embora!

III - Frente Ribeirinha - erro histórico. Helena Roseta demarca-se, e bem, do cozinhado entre o PS e o Bloco de "Esquerda"

16-04-2008. "Os vereadores Cidadãos por Lisboa votaram contra o 'documento estratégico' para a frente ribeirinha por não ser senão uma lista de obras, sem uma visão de conjunto e de futuro. Não é possível regenerar a frente ribeirinha sem vencer a barreira física e institucional entre o porto e a cidade.

Consideramos um erro histórico que a CML tenha prescindido de apreciar o modelo de gestão da intervenção pública, feita através de uma nova empresa que vai ser apenas “dona de obra”. Esta empresa não é necessária. Os 4 milhões que o seu funcionamento vai custar seriam melhor investidos directamente na melhoria da cidade.

Consideramos além disso um escândalo que, através de um mero pretexto formal, a maioria da vereação tenha decidido não se pronunciar sobre a nomeação do conselho de administração da nova sociedade, viabilizando assim a indigitação de José Miguel Júdice para a sua presidência. -- Cidadãos por Lisboa.

OAM 346 16-04-2008, 01:50

domingo, março 16, 2008

Por Lisboa 13

Torre VTS, Lisboa
Torre VTS, Algés, Lisboa. Centro de Coordenação e Controlo Marítimo do Porto de Lisboa,
projectado pelo arquitecto Gonçalo Byrne. Inaugurou em 2001 e demonstra cabalmente como
os assuntos portuários ultrapassam as competências municipais.

O apetite especulador da Câmara Municipal de Lisboa

O Presidente da República devolveu ao Governo o diploma que previa a transferência para a Câmara da zona ribeirinha que hoje pertence ao Porto de Lisboa. Se o processo avançasse, poderia ter amplas repercussões urbanísticas em todo o país.

... Com a não-promulgação, Cavaco acaba por dar razão aos pareceres negativos dados a esta legislação pelos Ministérios da Defesa Nacional (MDN) e do Ambiente. Nunes Correia, aliás, teve mesmo de assinar o diploma, apesar de o seu Ministério se ter oposto à solução encontrada. No Ambiente, e segundo soube o SOL, foi o Instituto Nacional da Água (INAG) que estudou o assunto e que elaborou o parecer negativo.

Formalmente, porém, tanto o Ambiente como a Defesa não produziram pareceres autónomos. As suas posições sobre a nova legislação foram incluídas no documento elaborado, a este propósito, pela Comissão do Direito Público Marítimo - um organismo consultivo do MDN que reúne representantes de áreas como a Protecção Civil, as Alfândegas e os Governos Regionais, além de organismos da Defesa e do Ambiente, como o INAG. -- SOL, 16-03-2008.

Começo por testemunhar a minha profunda desconfiança relativamente à administração do porto de Lisboa. O motivo é simples: Lisboa podia ter um dos mais importantes portos de mercadorias e passageiros da Europa, mas não tem! Se pensarmos no crescimento exponencial do transporte marítimo (e fluvial!) que se avizinha à medida que as penalizações do transporte rodoviário e aéreo -- demasiado sequiosos de petróleo e demasiado poluidores -- começam a triturar as respectivas margens de lucro, podemos sem grande desgaste mental imaginar a importância dos generosos estuários portugueses (sobretudo Mondego, Tejo e Sado) na futura economia do mar, num país que viu restringir dramaticamente o seu espaço vital após a perda do império colonial e se encontra hoje confrontado (de novo...) com a desmedida ambição ibérica (e atlântica!) de Madrid. Os portos portugueses e o de Lisboa em particular (tal como os nossos aeroportos) são caros, ineficientes, sem estratégia nem ambição, opacos e antros de uma corrupção antiga que urge corrigir, instaurando uma radical mudança de atribuições, responsabilidades e hábitos administrativos.

No entanto, só um idiota deixaria que os assuntos estratégicos do território nacional, de que a raia com Espanha, o mar, e desde logo toda a orla marítima e os rios, fossem parar às mãos ligeiras de vereações municipais ávidas de dinheiro fácil, sem qualquer visão de futuro e cada vez mais instáveis politicamente.

A improdutividade e subsidio-dependência das nossas arruinadas cidades é o fruto apodrecido de trinta e tal anos de uma espécie de perversão clientelar da democracia, a qual transformou o que parece ser uma democracia representativa numa burocracia parlamentar. O Bloco Central e os pequenos partidos com assento parlamentar são os principais responsáveis da decadência económica e sobretudo ideológica do Estado central, regional e municipal. Alfobre do clientelismo partidocrata dos últimos 30 anos e expediente simplório para o desemprego sistémico decorrente da incapacidade de definir uma visão de futuro, exigente, solidária e responsável, para o país, este Estado tentacular, despesista, improdutivo, ineficiente, corrupto, insustentável e insuportável tem que ser confrontado de uma vez por todas pela cidadania, sob pena de perdermos a independência e transformarmos Portugal numa colónia espanhola da Europa, administrada por patos-bravos disfarçados de administradores-delegados da Moncloa!

Felizmente, o nosso Presidente da República não é idiota. Cresce a sensação de que este homem, de quem muitos desconfiaram sempre, resta como a única válvula de segurança de um regime corrompido pela cupidez partidocrata dominante. Ainda bem, pois não vejo, face à cobardia ou simples desleixo mental de muitos de nós, como derrubar a muralha de oportunismo e criminosa irresponsabilidade que tomou há muito de assalto os partidos políticos com assento parlamentar. Não percebo o que leva a tanta hesitação no interior do PSD, do PS e mesmo do Bloco de Esquerda. Será que a gente honesta destes partidos não entendeu ainda que é inviável prosseguir qualquer ideal verdadeiro se não abandonarem o conforto medíocre da inércia partidária actual, partindo para novas aventuras?

Lisboa só pode ser pensada à escala da sua própria região, o mesmo sucedendo ao Porto. Isto é simples de entender, mas difícil de mudar. E sabem porquê? Porque as actuais administrações locais vivem no conforto do Orçamento de Estado, financiado por uma carga fiscal crescente que atrofia a economia e gera o desemprego estrutural de que hipocritamente se queixam os partidos de "esquerda". António Costa e o seu inefável vereador-arquitecto querem mais-valias, dê lá por onde der. Querem os terrenos da Portela, sem pesar por um segundo o valor do Aeroporto de Lisboa, localizado onde está, para a economia da cidade. Querem uma ponte rodo-ferroviária entre o Barreiro e Chelas sem se preocuparem com a bestialidade da decisão (se viesse a ser tomada). Querem tomar de assalto o lombo imobiliário de Lisboa, sem perceberem que há coisas que estão para além da sua aflita condição de autarcas. Que tem o trotskysta Francisco Louçã a dizer sobre o súbito apetite especulador do independente do Bloco de Esquerda que ajudou a eleger para sacristão de António Costa?

Os portos deste país não podem cair nas mãos despesistas e incompetentes dos autarcas. Em primeiro lugar, porque as autarquias têm uma visão curta dos problemas; em segundo, porque estão sobre-endividadas; e em terceiro, porque a orla marítima e fluvial, tal como a raia com Espanha, são zonas estratégicas do país, ou seja, domínios da competência partilhada entre o governo central e a presidência da república. Isto não significa que as autarquias não possam colaborar nas tarefas de ordenação e gestão das zonas portuárias, e até obter o justo rendimento que tais infraestruturas podem e devem pagar às comunidades onde estão sediadas. Mas isto é um cenário completamente diferente do assalto preparado por António Costa. O Miguel Sousa Tavares tem que rever o seu pensamento sobre esta questão -- eminentemente prática!

Post scriptum -- 18-03-2008. João Soares manifestou no Frente-a-Frente do Jornal das Nove (SIC) desta noite a sua discordância frontal com o cozinhado preparado por António Costa (o actual presidente do município lisboeta), José Miguel Júdice (advogado gourmet e cliente habitual dos corredores governamentais) e José Sá Fernandes (vereador eleito nas listas do Bloco de Esquerda), para estender o poder autárquico às zonas portuárias e orlas costeiras do país, começando, claro está, por Lisboa. Tal como na questão da Ota, o antigo edil da capital demonstrou ter opiniões próprias e sobretudo lúcidas.

OAM 337 16-03-2008, 18:12

sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Por Lisboa 12

Unanimidades perigosas


19-02-2008. O Tribunal de Contas recusou o visto ao contrato celebrado entre a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e a Caixa Geral de Depósitos para o empréstimo de 360 milhões de euros. -- RTP.

28-02-2008. Ontem, o executivo decidiu por unanimidade libertar 20,4 milhões de euros para pagar as dívidas a 1287 fornecedores. Destak/Lusa.

A recente aprovação partidária unânime do recurso ao orçamento de 2008 para fazer face às dívidas da Câmara Municipal de Lisboa, depois do acórdão do Tribunal de Contas ter chumbado o pedido de empréstimo bancário à Caixa Geral de Depósitos (teria um banco privado sequer considerado a hipótese de fazer semelhante contrato?), desenhado pelos consultores do socialista que hoje dirige os destinos da capital, António Costa, deve preocupar qualquer lisboeta, e mesmo qualquer português, dadas as ondas de choque que decisões desta envergadura, tomadas na maior cidade do país, sempre acabam por gerar.

Há obviamente um aperto muito grave nas contas da autarquia. Alguns dos fornecedores estarão à beira da falência por causa de atrasos de pagamento com mais de seis meses, e mesmo mais de um ano!

Pergunto: e teve tal aperto repercussões efectivas, visíveis e duradouras nas causas imediatas e antigas que levaram ao descalabro que agora se conhece? Isto é, no que se reporta à corrupção que envolve dirigentes políticos e técnicos camarários, sobretudo no sector da especulação imobiliária e obras públicas, foi feito ou está a ser feito o que é necessário fazer sem demora? Foi dado até agora algum sinal aos lisboetas de que o governo decidiu fazer uma dieta rigorosa de actividades não-essenciais? Se foi, então como explicar o relançamento duma iniciativa esgotada e dispensável como, por exemplo, o festival de design parvenu, a que chamam "Experimenta"? Outro problema, ainda mais bicudo, é o da macrocefalia burocrática da autarquia, isto é, gente a mais na folha de pagamentos e inúmeros serviços inúteis (1), em duplicado, ou simplesmente ineficazes, que 30 anos de democracia clientelar incharam a tal ponto que o abcesso actual não tem outra solução que não seja o seu lancetamento cirúrgico.

Sem atacar imediatamente estes dois cancros que corroem o edifício autárquico da capital, a actual unanimidade partidária aflita que autorizou António Costa a mexer nas verbas do orçamento de 2008 para fazer face a despesas de exercício passados não passará de um paliativo. Assim tomada, despida de outras decisões drásticas, esta opção desesperada faz-me lembrar o desgraçado pai de família heroinómano que estoura o ordenado no pó para as veias, deixando de acudir às despesas familiares. A cura da subsídio-dependência burocrática, do clientelismo, do nepotismo e do endividamento irresponsável, não é mais dívida. A América está neste preciso momento a pagar duramente a ilusão de que alguém, ou país, mesmo sendo o mais rico do mundo, possa viver eternamente acima das suas possibilidades e endividar-se até ao infinito. Não pode!

Lisboa tem problemas estruturais graves que deveria começar a resolver rapidamente, fazendo da actual crise o necessário estímulo para criar um novo desenvolvimento citadino e metropolitano. São eles:
  • ausência de uma visão partilhada de médio-longo prazo
  • a falta de adequado ordenamento jurídico e material do território
  • a ausência de uma estratégia metropolitana
  • o excesso de burocracia
  • a ineficiência, irresponsabilidade e arrogância dos serviços
  • a corrupção instalada
O quadro que se segue, e que compilei como pude para ver se percebia o que está a apodrecer a cidade de Lisboa, mostra claramente que o desperdício de recursos é escandaloso, e que uma cidade sofrendo duma tal hipertrofia burocrática jamais irá a parte alguma. Os paliativos tão alegremente saudados pela nomenclatura partidária, do Bloco de Esquerda ao CDS, passando pelo Bloco Central e pelo PCP, não resolverão coisa alguma, a não ser envenenar mais ainda o doente.

A culpa, neste caso, tem sido apenas dos políticos. E a questão que subsiste é a seguinte: serão eles capazes de sair da armadilha que montaram a si mesmos?

Duas capitaisLisboaMadrid
Superfície83,84 kmq607 kmq
Residentes556 797 (INE 2001)3 128 600 (INE 2006)
Densidade populacional6 518 hab./kmq5 154 hab./kmq
Nº Freguesias/ Distritos5321
Pessoal municipal (2006)12 00026 416
Pessoal municipal por 1000 Hab.228
Pessoal municipal por Kmq18844
Despesas com Pessoal (Orç. 2008)238 006 101 € (2)1 438 000 000 €
Despesa com Pessoal por Hab.427,45 € (3)459,63 €
Despesas correntes (Orç. 2008)107 247 666 € (4)2 151 000 000 €
Dívida municipal (2007)1 500 000 000 €5 936 000 000 €
Dívida municipal per capita (2007)2 694 €1 930 €
PIB per capita (2007/2006)19 400 €27 279 €



NOTAS
  1. A Agenda de Lisboa, entre centenas de outros, é um exemplo típico de coisa imprestável, que nem sequer compete ao município providenciar. À capital bastava que tivesse um sítio web decente, usável e amigo do cidadão e de quem nos visita.
  2. Não especifica se a despesa recai apenas sobre pessoal efectivamente contratado, ou se inclui também despesas com trabalhadores em regime de contrato a prazo, prestação de serviços, etc.
  3. Na realidade este valor, se reportado à diferença salarial média entre os dois países no ano de 2005 (24,8%), representa um gasto em pessoal por habitante de 533,458 euros. O que significa dizer que Lisboa gasta em média anual mais 73,8 euros em despesas de pessoal por cada um dos seus habitantes. Madrid é considerada uma cidade muito cara, embora também seja vista como uma das cidades europeias que melhores serviços presta aos seus cidadãos. Como classificar a esta luz o custo-benefício de ambas as cidades? E sobretudo o preço dos respectivos governos e burocracias municipais?
  4. Inclui aquisição de serviços sem especificar que parte destas aquisições corresponde a emprego precário (contratados a recibo verde, etc.)

REFERÊNCIAS
Lisboa com ordenados 10% mais altos que Porto
28.04.2006. A diferença entre os salários praticados entre as duas maiores cidades portuguesas e as três maiores espanholas mantém-se bastante elevada, tendo-se agravado durante o ano passado. Os trabalhadores de Lisboa e Porto ficam claramente a perder face aos de Madrid, Barcelona e Valência. De acordo com a Hay, a diferença salarial entre os dois países ibéricos situou-se em 2005 nos 24,8%, um agravamento face aos 22,3% registados em 2004.
DN online

Madrid: Las cuentas municipales para 2008
La ciudad más endeudada gasta aún más
Los presupuestos de 2008 de Gallardón crecen un 9,2%. La capital debe 5.936 millones de euros.
El País
OAM 324 01-03-2008 03:05

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Por Lisboa 11

Rua Garrett, Agosto, 2007
Lisboa, Rua Garrett, Agosto, 2007.

Lisboa, dívida = 1,5 mil milhões de euros

Área: Lisboa (1) = 83,84 kmq; Madrid = 607 kmq
Residentes: Lisboa = 556 797 (INE 2001); Madrid = 3 128 600 (INE 2006)
Densidade populacional: Lisboa = 6 518,1 hab./km²; Madrid = 5 154,2 hab./km²
Nº Freguesias/ Distritos: Lisboa = 53; Madrid = 21
Pessoal contratado pelo município (2006): Lisboa = 12 000; Madrid = 26 416
Pessoal contratado pelo município p/ mil habitantes: Lisboa = 21,5; Madrid = 8,44
Pessoal contratado p/ Km2: Lisboa = 187,9; Madrid = 43,5
Dívida municipal (2007): Lisboa = 1 500 milhões de euros; Madrid = 6 039 milhões de euros
Dívida municipal per capita (2007): Lisboa = 2 694 euros; Madrid = 1 930 euros
PIB per capita (2007): Lisboa = 19 400 euros; Madrid (2006) = 27 279 euros

Se meditarmos um pouco na comparação que rapidamente fiz entre as duas capitais ibéricas, ficamos a perceber que algo vai mesmo muito mal na administração autárquica de Lisboa, e que tal não pode ser atribuído senão ao actual poder político e, claro está, à autarquia da capital, cujas vereações têm sido marcadas pelo predomínio de uma persistente União de Esquerda entre o PS, o PCP e (mais recentemente) o BE.

A dívida actual, que é astronómica, foi sendo acumulada ao longo de uma década (mais precisamente, desde a EXPO 98, passando pelo EURO 2004). Como nada foi feito durante a passagem do PSD pela cidade, e nada foi feito até agora por António Costa, no que é essencial mudar, isto é, a dimensão escandalosa da burocracia municipal, a dívida não pára de crescer e tende a agravar-se rapidamente por efeito das subidas dos custos da energia, da inflação e das taxas de juros bancários. Contrair mais um empréstimo (desta vez, de 500 milhões de euros!) para pagar a fornecedores, sem por outro lado, explicar à cidade quais são as garantias dadas à Caixa Geral de Depósitos para este efeito, nem, por outro lado, apresentar um plano sério de redução das despesas correntes da Câmara, não só contraria o espírito da lei existente sobre os limites de endividamento municipal, como revela a total falta de coragem do actual Presidente da Câmara, e da Frente Popular formada em seu redor, para atacar um problema estrutural criado exclusivamente pela partidocracia dominante (2). Sem reduzir para metade (ou mesmo um terço) o número de Freguesias actualmente existente; sem reduzir para menos de metade o actual número de funcionários (com a consequente eliminação de serviços inúteis); e sem introduzir um sistema de informação estatística e administrativa transparente e em tempo real da estrutura e acção municipais, nada de substancial mudará. A corrupção continuará a ter campo livre e a falência da cidade acabará por se revelar em toda a sua extensão e dramatismo.

O dilema de António Costa está pois à vista: se não conseguir que a CML pague pelo menos parte das dívidas no curto prazo, terá muitas dificuldades em realizar algumas das funções para que foi eleito e verá comprometida a sua popularidade eleitoral com vista às próximas eleições, já em 2009; se pretender seguir pela via das trocas e baldrocas com o lóbi dos betoneiros que esvoaçam à volta de Lisboa (como o PSD vinha fazendo e quer prosseguir), reduzindo substancialmente o montante do empréstimo a contrair, arrisca-se a entrar num campo densamente armadilhado e ver explodir ingloriamente o seu futuro político; se, finalmente, pretendesse simultaneamente pagar as dívidas e eliminar metade das despesas correntes do município (apresentando, por exemplo, um livro branco sobre a cidade e as medidas estruturais inadiáveis à sua sobrevivência) -- de facto, a única coisa decente a fazer --, acabaria envolvido numa polémica monumental com os fariseus à sua esquerda e com toda a gente porreira que paira a prazo sobre as divisões da CML, comprometendo irremediavelmente a sua reeleição. O ultimato que dirigiu à Assembleia Municipal parece-me pois um "acto falhado" cujo desejo secreto é levar o PSD a chumbar a sua proposta, libertando-o do verdadeiro pesadelo em que se está a transformar a sua passagem pela autarquia da capital. Costa não percebe nada de autarquias, a missão que o levou até este atoleiro (o embuste da Ota) morreu de morte natural e já não precisa dos seus serviços, e por conseguinte, o que o promissor dirigente do PS quer, e bem, é sair daquela imprestável novela.

Por outro lado, e ao contrário do que alvitrou o Professor Marcelo, o PSD não pode deixar de ir à luta e morder a provocação de António Costa. Se o não fizer, e deixar passar o empréstimo ruinoso, perde uma grande oportunidade de se preparar para o regresso ao poder municipal. A demissão eventual de António Costa não conduz necessariamente a novas eleições antecipadas, e se levar, qual é o problema? Haverá novas eleições, muito mais tensas que as anteriores, que foram uma pantomima completa, morrendo então os candidatos de papel e os apêndices, em nome de uma real bipolarização, ou tripolarização programática. A capital portuguesa não pode continuar em banho-maria, envolta na retórica apodrecida de quem só pensa na sua medíocre carreira política. Lisboa precisa de uma outra performance e precisa de absoluta seriedade de procedimentos. Haverá alguém disponível, com carisma próprio e vontade de bem-fazer, que os partidos tenham que engolir?



Notas
  1. A Grande Lisboa (a zona a norte do Tejo da Área Metropolitana de Lisboa), tem uma superfície de 1382 kmq e 1 947 249 habitantes, configurando um contínuo urbano e cultural com uma escala mais próxima da capital espanhola. A simples consideração do concelho de Lisboa como unidade de análise e intervenção política é um perfeito anacronismo e causa determinante da sua atrofia ao longo das últimas três décadas. A única via razoável para resolver o problema da falência à vista da capital passa pois pela redução drástica da sua burocracia e pela rápida reordenação administrativa do país, seguindo os modelos das NUT 2 (regionalização) e NUT3 (subregiões estatísticas), como bem recordou o JS num comentário a este post.
  2. Alguém me chamou a atenção para o facto de o pedido empréstimo proposto por António Costa se destinar a transformar dívidas de curto prazo (cujas demoras acarretam juros altos), pelo aumento da dívida de longo prazo, a qual seria escalonada, previsível e com juros menores. No total, a dívida não aumentaria, alterando-se antes a sua estrutura. Será? Não creio. De facto, rescalonar a dívida de 500 milhões de euros, passando-a de um envelope de dívidas de curto prazo para um envelope de dívidas a longo prazo, resultará sempre num custo maior no saldo final, a não ser que as letras (documento de dívida de curto prazo) fossem sendo reformadas ad eternum! Por outro lado, esta operação, transformaria a natureza da própria dívida, deixando de ser um episódio conjuntural de má gestão passada, para ser parte integrante da própria dívida estrutural da CML -- precisamente aquela que António Costa, enquanto ministro da administração do actual governo, limitou, e bem, a tectos consagrados já há algum tempo pela União Europeia! Eis aqui uma transcrição do que ficou claramente expresso na Intervenção do Ministro de Estado e da Administração Interna na apresentação da Proposta de Lei das Finanças Locais na Assembleia da República, por António Costa, a 2006-10-11:

    "... a Proposta de Lei estabiliza um conceito de endividamento líquido, consonante com o Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (o SEC 95), que, à semelhança do que já sucedeu no Orçamento do Estado para 2006, abrange qualquer tipo de dívida, financeira ou comercial – empréstimos, dívidas a fornecedores, leasings, factorings, etc..

    A este conceito de endividamento corresponde um novo limite ao endividamento líquido municipal, que passa a corresponder a 125% da totalidade das receitas mais importantes do município – a saber, participação no FEF, participação fixa no IRS, impostos municipais, derrama e lucros das empresas municipais.

    Dentro deste primeiro limite, inclui-se um limite específico ao endividamento através de empréstimos de médio e longo prazo, e que corresponde a 100% daquelas receitas."


OAM 287 03-12-2007, 03:16

terça-feira, outubro 23, 2007

oGE

Almada Nascente
Almada Nascente - Atkins, Richard Rogers Partnership e Santa-Rita Arqtºs.
Rive Gauche?

Almada Nascente
Cidade da Água

Devolver o Tejo aos cidadãos e reabilitar uma zona de antigos estaleiros, desenvolvendo o conceito de cidade de duas margens, são alguns dos objectivos da Câmara Municipal com a elaboração do Plano de Urbanização da Frente Ribeirinha Nascente da Cidade de Almada, adjudicado ao consórcio internacional constituído pela WSAtkins, Santa-Rita Arquitectos e Richard Rogers Partnership, no seguimento de Concurso Público Internacional.

Com o Projecto Estratégico Almada Nascente a autarquia tem como objectivo revitalizar uma vasta área da cidade, privilegiando a sua reaproximação ao rio, com vista à criação de uma frente urbana ribeirinha.

A Câmara Municipal pretende criar uma cidade sustentável, privilegiando a arquitectura bioclimática, a utilização racional da energia e da água, o uso dos transportes públicos, a fruição dos espaços públicos e das zonas verdes.

O plano abrange uma área de 115 hectares, entre Cacilhas e a Cova da Piedade. Inclui os 50 hectares de terreno ribeirinho outrora ocupados pelo Estaleiro Naval da Lisnave, na Margueira, freguesia de Cacilhas.

Principais destaques:

Terminal de Cruzeiros
Marina
Museu do Estuário
Museu Nacional da Indústria Naval
Residências universitárias
Parque Tecnológico
Centro de Ciência e Tecnologia/ Parque das Descobertas

(do sítio web municipal sobre este ambicioso projecto)

Defendo desde 1986 ("Ex-Mater"), e 2005 (o Grande Estuário), a necessidade de um projecto ambicioso na Margem Sul do Tejo, capaz de fazer a velha Lisboa cruzar o rio em direcção a Sul. A razão é simples: para Norte, como para Oriente e Ocidente já quase tudo foi feito, quase sempre mal, bloqueando o crescimento harmonioso da capital e principal cidade-região do país.

Lisboa precisa de expandir o seu centro, mas para onde? Poderá aumentar ligeiramente a densidade da zona ribeirinha, recuperando a zona entre Santa Apolónia e Nova Moscavide (Expo), mas tal não lhe permite enfrentar o desafio de transformar a região dos grandes estuários (Tejo e Sado) num dos principais centros económico-culturais da Europa, para o que existem condições extraordinariamente favoráveis: território e clima invejáveis, paisagens naturais, urbanas e humanas únicas, e a oportunidade histórica de tornar Lisboa na indiscutível capital atlântica da União Europeia e numa das principais plataformas do diálogo intercontinental (sem o que a actual civilização acabará por extinguir-se num holocausto nuclear.)

Defendo por isso que o centro de gravidade de Lisboa passe a situar-se a meio da linha que une o Terreiro do Paço a Cacilhas, e que a partir desse centro, novos círculos concêntricos sejam traçados tendo em vista concluir até meados deste século a obra de transformar esta cidade-região numa das principais megalopolis europeias. Cinco a seis milhões de habitantes, com gentes oriundas dos quatro continentes, numa matriz pós-industrial tecnologicamente evoluída, diversificada, culta e criativa. Uma metrópole pós-carbónica solidária, pacífica e pioneira no desenvolvimento de modelos avançados de sustentabilidade económica e de cooperação democrática.

Precisamos de fortalecer sem demora, o eixo Lisboa-Madrid-Barcelona, bem como o eixo Lisboa-Corunha (que passa pelo Porto, Vigo, Pontevedra e Santiago). Precisamos de ligar convenientemente o Porto, que tem todas as condições para ser a capital económica do Noroeste peninsular, a Aveiro e Salamanca, como precisamos de conectar o porto de Sines à Extremadura espanhola. Precisamos de encurtar a distância entre Lisboa e Sevilha, por Vila Real de Santo António, mas também por Beja. A crescente integração económica da Península Ibérica, parte da integração europeia alargada (que um dia irá de Lisboa a Istambul e a Kiev... ou mesmo Moscovo), exige boas redes de comunicações e igualdade absoluta de oportunidades para todos os cidadãos e para todo o tipo de empresas e actividades económicas. Ora é nesta perspectiva estratégica ampla e arejada de fantasmas, que operações como a que se desenha para Almada fazem ou não sentido.

Olhando para o esquema, diria que o principal e mais difícil foi seguramente tomar a decisão que foi tomada. O passo decisivo já está e agora há que caminhar em frente, limando obviamente algumas arestas, por forma a não deixar a ideia inicial resvalar, como sucedeu e se previu que sucedesse na zona da Expo, para mais uma atabalhoada operação de especulação imobiliária. Os equipamentos culturais previstos parecem-me todos de fachada ou inviáveis. Uma zona ecológica integrada, para habitação, trabalho e lazer, parece-me uma solução óbvia. Destinada a pessoas com rendimentos médios e altos, e empresas de prestígio, com forte imagem criativa e tecnológica, não vejo como possa ser doutro modo. Agora, falta-lhe ainda uma grande referência cultural que leve os cruzeiros a querer atracar por ali, e sobretudo leve as gentes desses cruzeiros, mais a população flutuante que um dia chegará à Rive Gauche de Lisboa, em TGV ou de avião, a demandar obrigatoriamente a Almada Nascente. Eu proponho (de borla) um novo conceito arquitectónico e museológico para aquele lugar. Trata-se de uma Biosfera, quer dizer, uma estrutura ecológica, simultaneamente edifício em terra firme e ilha flutuante, cápsula de experiências vivas sobre a mãe-terra e o futuro da humanidade, laboratório simétrico do Oceanário, em suma, um novo e irresistível símbolo cultural do Grande Estuário.

Como não disse mas poderia ter dito o jovem José Manuel Durão Barroso, a ousadia alimenta os heróis.

Quem não viu Lisboa, não viu coisa boa -- dizem carinhosamente os galegos --, porque ela é a menina dos olhos da península. Que os políticos não se esqueçam disto!

OAM 266, 23-10-2007, 18:06

segunda-feira, julho 16, 2007

Por Lisboa 10

O Corvo. Imagem apócrifa encontrada na Net.

O Corvo

Encontrei esta imagem irresistível quando procurava uma ilustração para a vitória de António Costa nas eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa, que hoje (15-07-2007) tiveram lugar. Os resultados confirmam a tendência irreversível para a exaustão do actual sistema partidário, se não mesmo do regime de representação social consagrado pela nossa Constituição. Os "socialistas" António Costa, José Sócrates e Almeida Santos, na arena institucional, e Jorge Coelho, da tribuna opinocrata da nossa cada vez mais idiota endogamia mediática (não ouvi o António Vitorino da Brisa), congratularam-se com a extraordinária vitória do PS. Disseram que foi coisa nunca vista no Largo do Rato há mais de trinta anos, imagine-se! Mas não houve mais de 60% de abstenções? Desde quando 29,54% dos votos (menos 17 mil do que Manuel Maria Carrilho nas autárquicas de 2005) são maioria que se apregoe? Não teve o PS, em Lisboa, nas últimas legislativas, mais de 40% das preferências? Não insistiu o candidato governamental, durante toda a campanha, que queria a maioria absoluta?! Vai, assim, o alcaide que se segue, poder limpar as paredes de Lisboa, como promete, sem pedir licença ao Carmona Rodrigues e a Helena Roseta? Ou será que vai aceitar a passadeira vermelha (do desespero) que na própria noite eleitoral lhe foi estendida pelo secretário-geral do PCP, em nome da almejada governabilidade da cidade? O Manuel Salgado não andou a formar cooperativas de risco, no tempo em que rezava por Catarina, para nada. O país sempre foi pequeno e há gajos porreiros em todo o lado. Ressuscitar a frente popular municipal, eis a proposta do PCP ao PS, em nome do salve-se quem puder que aí vem com o desabar da monumental crise sistémica mundial decorrente da insustentável irracionalidade económica do planeta e em particular da sua principal potência imperial, os Estados Unidos. Entretanto, há que dar andamento aos negócios urgentes... não é Dr. Almeida Santos?

Entre as 10 primeiras medidas anunciadas por António Costa, não há uma única que revele coragem política, capacidade de decidir e muito menos visão estratégica. Corajoso seria ter dito que acabaria com os automóveis em cima dos passeios no prazo de dois ou três meses (é que nem em Marrocos tal anacronismo ocorre!). Exemplo de capacidade de decisão seria ter anunciado a reestruturação dos serviços camarários, a qual passaria inevitavelmente pela extinção de arcaísmos e gabinetes inúteis. Prova de visão política seria ter anunciado que os problemas de Lisboa só podem ser pensados e resolvidos à escala da região de que é a principal atractora, e que, por conseguinte, proporia a todos os municípios da região dos grandes estuários a criação de uma comunidade metropolitana sustentável, capaz de enfrentar os tremendos desafios deste século. Mas não, o homem do aparelho partidário preferiu, previsivelmente, a demagogia: livrar as paredes de Lisboa de cartazes (como se não fosse primeiro preciso livrar a cidade do excesso de publicidade!), retomar a jardinagem nos cemitérios (a campanha já acabou, homem!), reunir com todas as Juntas de Freguesia (ora aí está uma boa ideia, que a oposição pode e deve seguir e prosseguir, assim que António Costa tiver esgotado a primeira ronda de visitas protocolares...), etc...

O centro-direita e a direita, por sua vez, chegam ao fim desta prova eleitoral, à beira de um ataque de nervos. Tal como escrevi há vários meses, nem a esquerda, nem a direita resistirão por muito mais tempo à necessidade urgente de proceder a cisões e reconstituições partidárias mais ou menos canalhas. O CDS-PP acabou para Paulo Portas, ao passo que Santana Lopes acabou para o PSD. Farão estes dois, dois novos partidos? Juntar-se-ão num só? Uma coisa parece certa: Marques Mendes vai mesmo clarificar a situação interna no PSD, pois disso depende a sua sobrevivência à frente do partido, e mais do que isso, depende a própria possibilidade de o PSD derrotar o exausto governo de José Sócrates em 2009.

O "bloco central" chegou ao fim (aleluia!). Cavaco nem sequer precisa de apressar o desenlace deste longo e, enquanto houve fundos comunitários, profícuo consórcio. A presidencialização do regime, cada vez mais plausível e desejada, nascerá do parto natural proporcionado pela implosão do actual regime político. A direita está em pleno processo de decomposição. A esquerda no poder, PS, PCP e BE, seguir-lhe-à os passos à medida que os resultados eleitorais forem sendo esclarecedores, como o foram hoje, sobretudo para a direita. O exemplo de Sarkozy fará o seu caminho na Europa mais cedo do que alguns temem.

Pela sua excentricidade, deixemos de lado o caso Carmona Rodrigues, e concentremo-nos em Helena Roseta e no que os seus excelentes resultados eleitorais significam ou podem vir a significar no processo de revisão democrática em curso.

Em primeiro lugar, deve dizer-se que a sua candidatura, tal como antes a candidatura de Manuel Alegre às últimas presidenciais, significa que o Partido Socialista, e em particular o respectivo eleitorado, se encontra profundamente dividido, económica, política e culturalmente. A actual direcção Sócrates e a clique que a inventou traduzem, no essencial, a capitulação do principal partido da esquerda portuguesa aos interesses mais insensíveis e especulativos do capitalismo. Quanto mais claras forem as reais intenções desta comprovadamente reaccionária "terceira via" socialista, quanto mais penalizantes se tornarem as consequências da sua subserviência ao poder do dinheiro, e quanto mais acríticas forem as eminências pardas que iluminam o senhor Sócrates, mais o eleitorado socialista clamará por alternativas credíveis ao descalabro em curso e votará contra o PS.

Em segundo lugar, os casos Roseta, tal como antes, Alegre e José Sá Fernandes, revelam a existência de um eleitorado de tipo novo, versátil, inteligente e dotado de grande mobilidade táctica. Trata-se de um verdadeiro rizoma cultural nascido no interior das novas redes sociais de matriz tecnológica e informacional, inter-geracional, urbano, instruído, ideologicamente multifacetado, que escapa completamente ao controlo dos partidos políticos e que tem efectiva capacidade de influenciar crescentemente as agendas políticas nacionais e internacionais. Os casos mais recentes em Portugal são os que todavia prosseguem e estão relacionados com o embuste da Ota, a mistificação académica do Primeiro Ministro e a emergência de um rizoma local espontâneo capaz de desconstruir de forma absolutamente lapidar a farsa político-partidária que teve lugar no governo da capital do país ao longo dos últimos meses.

Em terceiro lugar, e por último, diria que o caminho da Helena Roseta não será fácil. As pressões do regime para que regresse ao rebanho da democracia doente serão fortíssimas e tentadoras. Se cair nessa tentação sucumbirá ainda mais depressa que o Zé do Bloco (pois não haverá nenhum bloco que a salve em tal contingência.) Se prosseguir Por Lisboa (Pelo Porto, Por Coimbra, Por Setúbal, Por Braga...), terá diante de si dois caminhos: ou avançar paulatinamente para a criação dum novo partido, a pedido de um número rapidamente crescente de votantes descontentes com o PS, ou ousar manter-se activa no rizoma que pretende refundar a democracia económica deste país, como garantia futura de liberdade e solidariedade orgânica - um caminho por descobrir, mas de que provavelmente dependerá verdadeiramente o nosso futuro enquanto nação e parceiro comunitário de corpo inteiro.

A figura de António Costa é-me simpática, como a muita gente. Creio mesmo que esta sua eleição o coloca numa boa rampa de lançamento para voos mais altos no PS. Faz-me lembrar o último corvo de Lisboa, que vivia no Martim Moniz, fascinando e assustando os transeuntes com os seus movimentos desajeitados. Prefiro os corvos aos ratos-pombas que empestam a capital. Desejar-lhe boa sorte, como é de boa educação e desejo sincero, não muda o essencial das minhas expectativas. Creio que o candidato, agora presidente, tem um mandato estrito nas mãos: expandir o poder governamental para lá dos limites aceitáveis de tolerância. E isso é mau para Lisboa e péssimo para a democracia. Esta entrou num período delicado de reajustamento estrutural, a que deverá seguir-se, se as coisas correrem bem, uma saudável mudança de pele institucional. Os actuais partidos e o próprio regime constitucional envelheceram de mais, dando provas sucessivas de impotência legislativa e executiva, representando de forma cada vez mais deficiente o país. Temos que mudar. As 10 medidas imediatas de António Costa nada auguram de entusiasmante.

Li ontem um artigo magnífico de Richard C. Cook sobre a necessidade de refundar a democracia económica nos Estados Unidos. Deixo, à laia de nota de rodapé, um extracto do mesmo, como que a recordar que não podemos mais continuar a confundir a vida com o umbigo.

"The U.S. and world economies are on the brink of collapse due to the lunacy of the financial system, not because we can't produce enough.

"As many responsible commentators are warning, we are likely to see major financial shocks within the next few months. The warnings are even coming from high-flying institutional players like the Bank of International Settlements and the International Monetary Fund.

"We may even be seeing the end of an era when the financiers ruled the world. At a certain point, governments or their military and bureaucratic establishments are likely to stop being passive spectators to the onrushing disorder. It is already happening in Russia and elsewhere.

"The countries that will be least able to master their own destiny are those like the U.S. where governments have been most passive to economic decomposition from actions of their financial sectors. The financiers are the ones who for the last generation have benefited most from economies marked by privatization, deregulation, and speculation, but that may be about to change. Whether the change will be constructive or catastrophic is yet to be seen.

"Fundamental monetary reform implemented to restore economic democracy is what America's real task should be for the twenty-first century. One thing is for certain. The out-of-control financial system that has wrecked the U.S. and world economies over the last generation cannot be allowed to continue.

How the outcome will play out may well depend on whether there is a Jefferson, Lincoln, or Roosevelt waiting in the wings. The success of each of these great leaders was due to one critical factor: their ability to implement monetary reform at a time of national emergency."

- in The Crashing U.S. Economy Held Hostage
Our Economy is on an Artificial Life-support System
, by Richard C. Cook

Richard C. Cook is the author of "We Hold These Truths: The Hope of Monetary Reform," scheduled to appear by September 1, 2007. A retired federal analyst, his career included service with the U.S. Civil Service Commission, the Food and Drug Administration, the Carter White House, and NASA, followed by twenty-one years with the U.S. Treasury Department.

Global Research, July 7, 2007


OAM #223 15-16 JUL 2007

quarta-feira, junho 20, 2007

Por Lisboa 9

Martin Heemskerck -- Jardins Suspensos da Babilónia, gravura, séc. XVI.

Os jardins suspensos do delirante Costa da Portela

Teve lugar na SIC o primeiro debate televisivo entre os principais candidatos à Câmara Municipal de Lisboa. Estiveram presentes os 7 magníficos, quer dizer, aqueles que as sondagens afirmam terem grandes possibilidades de ser eleitos. Os demais candidatos, como o eterno Garcia Pereira, o candidato do Partido da Terra (sem o qual não haveria nem Roseta, nem Carmona nestas eleições...) ficaram à porta da antiga central eléctrica de Belém, reclamando e exibindo cartazes. Uma injustiça compreensível a que os pequenos candidatos têm que se habituar fazendo da respectiva pequenez eleitoral uma boa oportunidade para demonstrarem a sua criatividade e potencial histriónico. Infelizmente não tiveram graça nenhuma.

Comentário:

1) Organização do debate: boa (a Ana Lourenço tem vindo a subir rapidamente desde que opera a solo :-)
2) Qualidade do debate: civilizado, pouco esclarecedor e sem nenhuma visão de futuro... numa altura em que a presidência alemã da UE acaba de lançar um importantíssimo desafio para o renascimento das cidades europeias, plasmado na Carta de Leipzig
3) Melhores prestações: Helena Roseta (pela novidade do discurso)
4) Prestações medianas: António Costa, José Sá Fernandes e Ruben de Carvalho
5) Prestação desamparada: Carmona Rodrigues (continua a ter uma figura simpática e continuo a achar que lhe comprava uma Harley em segunda mão :-)
6) Piores prestações: Telmo Correia (demagógica, superficial e direitinha) e Fernando Negrão (amador)

Palpites:

O Costa pode descer; a Helena pode subir; o Carmona pode subir; o Negrão e os outros vão descer.

Hilariante:

A proposta de António Costa para transformar a Portela num novo pulmão verde da capital. Como?! Só de for depois de ali se gastarem, nos próximos 5 anos, os previstos 400 milhões de euros com a ampliação do actual aeroporto! Quem lhe deu ideia tão peregrina? O arquitecto-mor Manuel Salgado? Ora vejamos: toda a gente sabe que o modelo de financiamento do embuste da Ota passava por duas coisinhas muito feias e ilegítimas: privatizar a ANA e dar os terrenos da Portela como garantia bancária a favor de quem ganhasse o concurso de projecto, construção e exploração da futura estrutura aeroportuária. Foi assim que o lóbi da Ota cozinhou o estratagema da maior operação de delapidação do bem público de que há memória neste país. Mas para que esta estratégia se saísse bem, seria necessário o governo Sócrates conquistar a CML, com maioria, para depois fazer passar a cedência, sem discussão, nem contrapartidas, dos 640 hectares da Portela para as mãozinhas do consórcio que viesse a ganhar o negócio furado do NAL na Ota. É por estas e por outras que a conspiração que levou à queda do Carmona parece uma história mal contada... apesar das assessorias detectivescas do sacristão Sá Fernandes.

Resumindo, como é que o Costa poderia alguma vez prometer transformar a Portela num novo pulmão verde da capital, se a coisa estava destinada a financiar a operação da Ota?! Só se fosse transformando a Portela na zona luxuosa da Alta de Lisboa, numa nova Babilónia da Europa, com uns imensos Jardins Suspensos, por onde os indígenas da Baixa, das Avenidas Novas e da Expo poderiam passear ao domingo munidos de um passe especial. A continuar assim, o Costa da Portela corre sérios riscos de obter uma votação pífia. A Helena que anote o facto, não se deixe encantar pela simpatia do ministro, e que batalhe pela presidência da autarquia de Lisboa a sério!

OAM #219 20 JUN 2007

quinta-feira, junho 14, 2007

Aeroportos 29

NAL Alcochete
Campo de Tiro de Alcochete e localização provável do Novo Aeroporto de Lisboa em 2017.
Estudo da CIP sobre NAL (28,3 MB)

Portela+1 ou Alcochete?

Início do boom Low Cost na Europa: 1995 (forte assimetria de preços)

Provável maturação do fenómeno: 2012 (equilíbrio de preços)

The glamour of air travel is gradually disappearing and the low-cost airlines have been the first to recognise that it is essentially a commodity like any other, that people will purchase primarily on price. It is however just as easy to lose money as a 'no-frills' airline as it is for a full-service carrier. It is the balance of costs and yields that is important and these are likely to converge between different types of operation in the longer term.

- Dennis, Nigel (2004) Can the European low-cost airline boom continue?: Implications for regional airports. In: 44th European Congress of the European Regional Science Association, 25-29 Aug 2004, Porto, Portugal. (PDF)
1. A conspiração

Pacheco Pereira, incrédulo face ao volte-face do governo na questão da Ota, decidiu perlaborar, durante a Quadratura do Círculo desta semana (a que faltou, sintomaticamente, Jorge Coelho), na hipótese de tudo não passar de uma moratória destinada a entreter o povo durante a campanha eleitoral para as eleições autárquicas intercalares de Lisboa. Haveria, no palpite que deu, uma mini-conspiração destinada a repor a opção da Ota depois da eleição previsível de António Costa, o político que o Governo enviou para conquistar a Câmara Municipal da capital, e assim garantir uma das condições sine qua non da opção pelo Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) na Ota: o fecho da Portela, logo que o NAL inaugurar, e a venda dos respectivos terrenos. Dar estes "preciosos" 640 hectares (avaliado pelo BES entre 965 e 3217 milhões de euros) como garantia ao consórcio que ganhar o concurso de projecto-construção-exploração do NAL é algo de que o governo não prescinde, mas que só poderá conseguir se a Câmara Municipal de Lisboa (dona de mais de 80% dos terrenos) desistir de lutar pelo que é dos lisboetas. O actual governo teria, no fundo, provocado subrepticiamente a queda do executivo camarário com o objectivo de se apropriar de uma enormíssima propriedade municipal, para assim abancar a construção de um novo aeroporto fora da município!

A promoção deste esbulho a uma urbe endividada seria ainda assim e pese a ilegitimidade monstruosa, insuficiente para financiar a operação. O governo de José Sócrates teria mesmo que promover a privatização da ANA (1), uma empresa 100% pública que registou lucros no montante de 34,5 milhões de euros em 2006, igualmente a favor do consórcio que viesse a vencer o concurso de construção-exploração do NAL.

Ou seja, se o valor estimado do aeroporto (a que falta somar o custo das acessibilidades especiais, por conta do Estado português...) é da ordem dos 3300 milhões de euros, sendo que a Comunidade Europeia e o Estado assumem 30% deste valor (990 milhões de euros), e os privados 20% (660 milhões de euros), falta reunir 1650 milhões de euros para financiar todo o empreendimento, os quais deverão ser obtidos, segundo o modelo inicial, através de endividamento bancário, a pagar durante o período da concessão do aeroporto (entre 30 e 40 anos.) Se repararam bem, ainda não incluí nesta continha o valor dos terrenos do aeroporto (entre 965 e 3217 milhões de euros, segundo valoração do Grupo BES.) Se o fizer, o consórcio passará a ter o financiamento necessário todo garantido à partida, pois a diferença de valores do negócio dos terrenos da Portela tem sobretudo que ver com o grau de ocupação comercial dos mesmos. Basta ver o que sucedeu e continua a suceder nos terrenos da Expo para imaginarmos para onde penderá a balança no caso da futura urbanização dos terrenos do aeroporto Portela. Meia dúzia de anos após a inauguração do NAL o consórcio estaria livre dos encargos da construção e facturaria limpinho durante 30-40 anos! Ou será que não estaria? Bom, se pensarmos na mais do que certa derrapagem orçamental do projecto, especialmente se viesse a ter lugar na Ota, a qual poderia facilmente chegar aos 2000 milhões de euros, e ainda nas atribulações do processo de encerramento do aeroporto da Portela e comercialização maximizadas dos respectivos terrenos, talvez o negócio deixasse de sorrir tão facilmente aos potenciais interessados. A verdade é que, antes mesmo do volte-face governamental, o número de interessados na competição era ridiculamente diminuto. Segundo o Semanário Económico (15-06-2007), apenas o "agrupamento Asterion (liderado pela Mota-Engil, Brisa e Somague) avançou oficialmente".

A previsível falta de maioria absoluta de António Costa nas próximas eleições à Câmara Municipal de Lisboa (e é crucial impedir que a mesma seja alcançada), conjugada com a maioria PSD na Assembleia Municipal, torna, para já, inviável o desígnio governamental da alienação do ouro da Portela. Os interessados teriam ainda que contar com uma mais do que provável batalha jurídica gigantesca, promovida por múltiplos actores políticos e cívicos: José Sá Fernandes, Helena Roseta, Partido da Terra e ainda toda a blogosfera que se mobilizou e continua extremamente atenta e activa em todo este dossiê. Como a situação económica tenderá a agravar-se, seja no país, seja na capital, a possibilidade de uma maioria absoluta no governo da capital continuará a ser um cenário demasiado incerto para sobre ele se fazerem cálculos relativamente ao NAL. Como, por outro lado, a opção da Ota se tem vindo a revelar como um projecto tecnicamente imbecil, com custos de contextos inimagináveis, as campainhas do bom-senso começaram a tilintar freneticamente nos blogs, nas universidades, nos gabinetes de estudos dos grupos financeiros, no Palácio de Belém e finalmente entre os cordeiros da comunicação social. Faltava apenas encontrar uma saída airosa para o governo, depois das sucessivas chicotadas presidenciais e dos bons conselhos de Mário Soares. A CIP fez o favor de ajudar o primeiro-ministro a mudar de agulha.

O opinocrata Pacheco Pereira está preocupado em saber quem foram os pagadores do estudo. Quem foram? E quem são os 16 proprietários dos 1810 hectares que seria preciso comprar para levar por diante o anunciado aeroporto da Ota? Soube-se na noite de 15 de Junho que Joe Berardo foi um deles, entre 20 outros patrocinadores (2). O excêntrico especulador veio à SIC Notícias, disse que tinha contribuído para o estudo, mas deu ainda duas outras novidades não dispiciendas: que a ideia da Ota era uma besteira, e que Sócrates lhe confessara que não poderia agir sem um estudo alternativo aos trabalhos da NAER! A CIP e 20 diligentes investidores fizeram o favor de ajudar o primeiro ministro a sair do aperto. Creio que foi mesmo o que se passou. E creio, portanto, que o NAL na Ota morreu de vez.

2. O fundo da questão: Portela+1 ou Alcochete?

Apesar do fenómeno das companhias de baixo custo ter começado a dar nas vistas na Europa a partir de 1995, a verdade é que só aparecem nos radares estatísticos portugueses a partir de 2001, seis anos depois. A resposta das empresas (companhias aéreas, aeroportos e operadores turísticos) foi lenta. As traves mestras dos trabalhos da NAER, que deram em 1999 lugar à famigerada decisão de avançar para a Ota, contra o cenário da ampliação da Portela (que deveria ter decorrido decididamente no quadro da Expo 98 e do seu rescaldo), contra o cenário de um sistema aeroportuário Portela+1, e finalmente contra o cenário de um NAL na margem esquerda do Tejo, não tiveram em conta dois fenómenos essenciais: as prospectivas então conhecidas relativamente ao pico petrolífero e a mudança iminente do paradigma do negócio do transporte aéreo de passageiros provocado pelas companhias de Low Cost. Desde esse azarado ano até hoje a NAER, guiada pela funesta inspiração de João Cravinho, nada fez senão embalar os distraídos governantes na inviável Ota. Resultado: em Maio de 2007 as Low Cost eram responsáveis por cerca de 80% do tráfego do aeroporto de Faro, 35% do aeroporto Sá Carneiro e 21% do de Lisboa. Como 87% do tráfego aéreo nacional diz respeito a voos intra-europeus, o crescimento exponencial das companhias de baixo custo acabaria por ter efeitos dramáticos nos operadores tradicionais, como a Portugália Airlines e a TAP. A primeira encontra-se virtualmente falida (nem sequer publicou os resultados de 2006) e a TAP cancelou centenas de voos este ano, por óbvia falta de competitividade, e anuncia um endividamento para os próximos anos na ordem dos 1000 milhões de euros (parte para comprar novos aviões, parte para engolir a PGA e parte para suportar as perdas provocadas pelos cancelamentos diários de voos.)

Quando se fala do aumento extraordinário do número de voos e de passageiros que acorrem ao nosso país estamos sobretudo a falar de Low Cost. É essencial que percebamos este factor, para não extrapolarmos sobre potencialidade invisíveis, como as de um imaginário mercado afluente com origem em África e nas Américas. Tais mercados intercontinentais são meramente residuais, não sendo razoável assentar uma nova estratégia aeroportuária nas suas inexistentes virtualidades. O que teremos, com sorte, até 2012, será um crescimento do afluxo de turistas oriundos sobretudo da Europa, não se esperando que mude significativamente o perfil dos chamados mercados emissores tradicionais - Espanha (46%); Reino Unido (16%); França (7%); Alemanha (7%); Estados Unidos (2%); Escandinavos (1%); Brasil (1%). Os movimentos de chegada e partida de passageiros nos nossos aeroportos andaram pelos 7 057 600 pax em 1990, 17 890 180 pax em 2004 e dificilmente irão além duns muito optimistas 25 913 992 pax em 2018 e 37 536 515 pax em 2032. Por outro lado, dada a prevalência crescente das ligações aéreas ponto-a-ponto, haverá uma maior distribuição destes números globais pelos principais aeroportos em operação --Lisboa, Porto, Faro, Funchal, Terceira, Ponta Delgada, Horta, Santa Maria e Pico, a que deveremos desde já somar os futuros aeroportos de baixo custo de Beja, Portimão e Loulé--, baixando a pressão sobre o aeroporto da capital.

Mais do que saber se a Portela ampliada será capaz de suportar estes aumentos de tráfego, ou em que ano deixará de poder receber mais aviões e mais passageiros (se em 2016, em 2020, ou um pouco mais tarde), interessa saber se a cidade merece sofrer os efeitos de um tal caudal contínuo de aterragens e descolagens. Há muito que as horas de ponta da Portela são apenas duas: das 8 às 9 da manhã e das 2 às 3 da tarde. Mas o cenário mudará quando mais Low Cost puderem operar neste aeroporto (já a partir de 2008), e aí temo que os efeitos do incómodo sobre os lisboetas, sobretudo aqueles que vivem e/ou trabalham por baixo dos corredores aéreos de aproximação e de descolagem, venha a atingir rapidamente limites intoleráveis. A menos que a aviação civil se torne silenciosa e emita muitíssimo menos CO2, ou então sofra um retrocesso repentino, seja por efeito de subidas dramáticas dos preços dos combustíveis, ou de um inesperado conflito bélico de grandes proporções às portas da Europa, a questão de uma alternativa à Portela terá que ser equacionada rapidamente. A Portela ampliada, tal como a Portela+1, a esta nova luz, serão soluções de recurso, defensáveis neste momento apenas por duas ordens de razões: a fragilidade económica actual do país e a grande instabilidade geo-estratégica mundial.

Porém, avançar para um NAL em Alcochete é uma alternativa que não me choca. Compreendo que, dados os constrangimentos crescentes das ajudas comunitárias e em particular a janela de oportunidade compreendida entre 2007-2013, uma tal opção exiga decisões atempadas e que esta será porventura uma oportunidade a não desperdiçar. O modelo Low Cost e os modelos de bandeira, hoje reunidos em grandes alianças internacionais, tenderão rapidamente a aproximar-se na eficiência, na racionalidade e nos preços ao consumidor. Em 2012, talvez já não haja diferenças substanciais entre elas no que se refere ao paradigma económico. Daí que as decisões sobre aeroportos devam ter a flexibilidade de encarar o futuro com um olhar bifocal: não perder as oportunidades do actual paradigma Low Cost e simultaneamente antever a convergência dos modelos actualmente antagónicos.

Por fim, creio muito menos nas miraculosas virtualidades de uma "cidade aeroportuária", em Alcochete ou seja onde for (o paradigma faz pouco sentido na actualidade e sobretudo no nosso país), do que no poder que a deslocação do principal aeroporto do país para a Margem Esquerda do Tejo possa vir a ter no reordenamento do território dos grandes estuários (Região de Lisboa e Vale do Tejo e Península de Setúbal). Esta é uma necessidade absoluta, um enorme desafio para o futuro sustentável deste país, e tem que ser atendida com grande visão, rigor e criatividade. Se for feito com a máxima exigência em matéria de participação cidadã, criatividade, prudência económica, rigor técnico e ambição ecológica, será um modelo de referência, não só para todos nós, como para o resto do mundo, fazendo muito mais por Portugal do que a conceptualmente atrasada "cidade aeroportuária". Se deixarmos que os lóbis do betão continuem a dar cartas neste processo, teremos um desastre monumental.

Seria pois defensável, em tese, sacrificar a Portela? Uma vez que os terrenos de Alcochete são do Estado, e que se pouparão centenas de milhões de euros em obras desnecessárias de regularização e consolidação de terrenos (já para não falar dos gigantescos custos das novas acessibilidades, nomeadamente ferroviárias), a venda da Portela deixa de ser crítica para o financiamento do novo aeroporto. Deixem lá estar o aeroporto da Portela até 2020-2030. Decidam do seu futuro um ou dois anos depois de aberta a primeira fase do NAL.

Post scriptum

Alta Velocidade e eleições autárquicas em Lisboa

A Alta Velocidade está a dividir candidatos ao município de Lisboa. Sobre isto, dois pontos que me parecem evidentes (mas não aos candidatos...):
1) o governo de Portugal comprometeu-se nas Cimeiras Ibéricas da Figueira da Foz (2003) e de Évora (2005) a fazer o seu trabalho de casa na ligação AV entre Lisboa e Madrid, sendo que esta ligação ferroviária deveria estar concluída em 2010;
2) a ligação AV entre Lisboa e o Porto deve seguir pela margem esquerda do Tejo até Santarém (pois a margem direita neste trajecto encontra-se desprovida de "espaço-canal"), passando depois para a margem direita do rio, até ao Porto... e Vigo. Isto significa, claro está, que a grande interface multimodal de transportes estaria localizada na Margem Esquerda do Tejo, e que a nova ponte a construir, ferroviária, paralela à actual Vasco da Gama (por ser muito mais barata e com muitíssimo menos impacte ambiental que a proposta ligação Chelas-Barreiro) serviria uma nova linha de Metro (que curiosamente tem a mesma bitola do que as linhas de AV...) e a passagem de comboios ligando as duas margens. Os passageiros de Salamanca, Madrid, Badajoz, Sevilha, ou Porto, Vigo, Corunha, apenas teriam que optar, chegados à Grande Estação dos Dois Estuários, por apanhar um avião, outro comboio ou o metro para o centro da cidade de Lisboa.

Lisboa merece ser pensada, neste preciso momento, e aproveitando os desafios impostos pelas crises energética e climática, a partir de uma visão de futuro, à distância, pelo menos, de um século, à escala de uma cidade-região, e não a partir dos cálculos mesquinhos dos quadriénios eleitorais. Olhem para Lisboa como a cidade-região dos grandes estuários! Pensem na extraordinária possibilidade de fazer renascer esta cidade-região como o maior projecto sustentável da Europa no século 21. Se o fizermos, a nova economia, o investimento e milhões de pessoas acorrerão a esta esperada utopia. Pensem num cenário multicultural (sobretudo euro-africano e euro-americano), multi-linguístico, na ordem dos 6 milhões de pessoas até ao final deste século.

Se a cidade-região de Lisboa, se a região dos grandes estuários, se lançar num projecto com esta grandeza de espírito e estabelecer três fortíssimos eixos de ligação a Vigo, Salamanca e Madrid, será a capital espanhola que deverá temer Lisboa, e não o contrário!


A "Portela + 1" na visão de António Brotas

A expressão "Portela + 1" , hoje muito usada na Comunicação Social, pode significar que o aeroporto da Portela deve continuar em funcionamento durante um largo periodo (não inferior a duas décadas) e que devemos iniciar o mais rapidamente possivel a construção por fases de um novo aeroporto num local onde possa vir a ter uma muito grande possibilidade de expansão. Se a primeira fase (uma pista e algo mais) puder ser inaugurada daqui a 5 ou 6 anos, todas as dificuldades aeronauticas presentes e futuras da região de Lisboa ficam resolvidas. Daqui a uns 10 anos, quando começarmos a pensar na construção da 2ª fase do novo aeroporto, teremos de decidir se ele se deve expandir de modo a substituir completamente a Portela, ou se devemos adoptar em definitivo o modelo dos dois aeroportos em funcionamento. Esta discussão, no entanto, agora é prematura e algo deslocada numa campanha para a Câmara de Lisboa.

A fórmula "Portela + 1" pode, no entanto, também significar que devemos, desde já, desviar para bases militares e outros aeroportos parte dos voos low cost que actualmente sobrecarregam a Portela, retardando assim a sua saturação. Tenho defendido esta solução, desde que ela seja feita com encargos muito reduzidos. As duas concepções são perfeitamente conciliáveis. O que me parece totalmente errado é encararmos a solução "Portela + bases militares" como uma solução definitiva que nos dispense de pensarmos num novo aeroporto.

O projecto de um novo aeroporto convenientemente planeado e a construir de um modo faseado numa zona onde possa ter uma grande possibilidade de expansão, como é o caso da Carreira de Alcochete, pode ser, com as actividades anexas que pode estimular e desenvolver , um projecto com um imenso impacto no desenvolvimento português neste meio século.

António Brotas
Professor Jubilado do IST
Comentário:

Concordo totalmente com a posição do Professor Brotas.

Creio, no entanto, que uma vez que as obras de ampliação da Portela já estão em curso, não resta outra alternativa a não ser encarar o "+1" como Alcochete (a única localização na margem esquerda do Tejo que se apresenta efectivamente livre de obstáculos físicos e humanos, podendo servir de âncora estratégica à criação da grande cidade-região de Lisboa: a cidade dos grandes estuários!

Desconsiderando a hipótese cínica de Marcelo Rebelo de Sousa de avaliar a posição do governo como um "bluff" descarado para distrair as atenções do país durante a presidência portuguesa da UE, desviando ao mesmo tempo as atenções desta da Ota, parece-me que deveríamos estudar seriamente a qualidade da proposta patrocinada pela CIP, entendida, como Brotas o faz, como uma solução "Portela+1", sendo que este "1" deverá ser visto e projectado como uma estrutura progressiva, de geometria variável e com uma missão estratégica de primeiro plano: pensar a cidade-região dos grandes estuários como um dos primeiros e mais importantes projectos regionais de transição energética e ecológica da Europa.

A ideia, igualmente cínica, de que o governo PS não fará nunca o NAL na margem esquerda do Tejo, porque aquilo é efectivamente um deserto... eleitoral (como bem viu um observador atento do fenómeno), vive ainda nalgumas cabeças empobrecidas de neurónios de alguns dirigentes do PS. Mas porque não vêem eles o problema ao contrário?! Enquanto se mantiver a margem esquerda como uma zona de exclusão económico-social, ela continuará a ser, naturalmente, uma zona vermelha. O facto de o PCP tergiversar sobre a implementação do NAL nas suas coutadas eleitorais é um sinal claro dos seus óbvios receios. Se, pelo contrário, houver lucidez (até partidária!), perceber-se-à que 1) um governo não pode agir em matérias tão relevantes quanto esta segundo critérios de pequenez partidária; 2) perder alguns votos no Oeste, nas próximas eleições (a perda eventual da actual maioria absoluta não depende obviamente daqueles votos...), permitirá ganhar a prazo uma vantagem eleitoral durável no distrito de Setúbal, sem o que a cidade-região das duas margens nunca mais arrancará, crescendo em seu lugar uma mancha suburbana de especulação imobiliária, economia informal, desemprego e problemas sociais, cada vez mais difícil de recuperar. Os gerontes que actualmente mantêm o PCP encalhado programática e eleitoralmente, se o NAL for para a margem esquerda, desaparecerão rapidamente em vez de se reproduzirem ad eternum, para bem de um novo PCP, arejado e preparado para o século 21, e da dialéctica política no nosso país. Uma tal transformação induziria efeitos profundamente benéficos.



Notas:
1- A questão aeroportuária portuguesa - Resumo da posição do autor destas linhas

*Aeroporto de Lisboa

-- Manutenção da Portela, decentemente renovada, até 2017...
-- Se houver entretanto saturação da Portela, ou problemas de segurança mais cedo do que o estimado, complementar a Portela com... a primeira fase de Alcochete (2015).
-- Se, pelo contrário, a crise energética assumir proporções dramáticas a partir de 2010-2012, manter a Portela aberta e Alcochete em stand-by.
-- Se aparecerem novos paradigmas aeronáuticos, menos dependentes do petróleo e menos poluentes, e o crescimento anual do tráfego aéreo continuar ao ritmo de 3- 5% ou mais, avançar com o NAL de Alcochete e eventualmente fechar a Portela em 2020-2030.
Neste caso, a cedência da Portela num negócio que traga dividendos à CML pode ser uma das vias de atracção dos futuros investidores no NAL.
Mas a privatização da ANA é um perigo, pois em menos de um abrir e fechar de olhos estaria nas mãos dos espanhóis da Ferrovial (uma das maiores construtoras europeias, que há menos de um ano tomou de assalto a BAA, simplesmente o maior operador de aeroportos do mundo!), ou da AENA (Aeropuertos Españoles y Navegación Aérea. Entidad Pública Empresarial, adscrita al Ministerio de Fomento). Neste caso, seriam os espanhóis a comandar directamente a política aeroportuária nacional, privilegiando obviamente a estratégia centralista de Madrid (como têm feito até agora em toda a Espanha e em particular na Catalunha)

*Aeroporto Sá-Carneiro

-- Adequar a operacionalidade do aeroporto: aumentar o "taxi-way" e instalar adequados sistemas de apoio à operação das aeronaves, como, por exemplo, o absolutamente imprescindível ILS (Instrument Landing System - Sistema de Aterragem por Intrumentos)
-- Manter a gestão do aeroporto na ANA

*Sistema aeroportuário do Algarve

-- Integrar o aeroporto de Faro e os anunciados novos aeroportos de Beja, Loulé e Portimão, num único Sistema Aeroportuário
-- Colocar a gestão deste sistema sob o cuidado da ANA

*Regiões autónomas

-- Abrir os aeroportos das ilhas à concorrência das Low Cost
-- Manter a gestão dos aeroportos na ANA
-- Assegurar o transporte aéreo entre ilhas (custos de insularidade a assumir pelo Estado)

2 - O Expresso (16-06-2007) revela que tornaram público o seu patrocínio do estudo da CIP, além do mediático comendador Joe Berardo, Carlos Barbosa, Patrício Gouveia e Alfredo de Mello. O Expresso afirma ainda que também a Lusoponte ajudou a financiar o estudo.

Estudo da CIP sobre NAL (28,3 MB). Obrigado à Alambi
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OAM #217 16 JUN 2007