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quarta-feira, setembro 26, 2007

Crise Global 3



É o Capitalismo, estúpido!

Os trabalhadores da General Motors, membros da UAW (International Union, United Automobile, Aerospace and Agricultural Implement Workers of America), entraram em greve nacional ontem, 24-09-2007, às 11 da manhã. Esta é primeira greve nacional promovida por aquele poderoso sindicato nos últimos 37 anos. Mais de 80 unidades de produção afectadas, em pelo menos 30 estados da União, é o resultado, para já, das duras negociações em curso.

A GM perdeu 70% dos seus trabalhadores nos últimos 12 anos.
Os donos da multinacional automóvel, abraços com uma crise sem precedentes desde 2005 (CNN), que quase levou a empresa à falência em Março de 2006 (Guardian), pretendem transferir 51 mil milhões de dólares de responsabilidade com as reformas e despesas de saúde dos seus trabalhadores e respectivas famílias para fundos controlados pelos próprios sindicatos (union-controlled trust funds.)

Para quem pensava que isto era apenas uma crise de crédito mal parado, é bom começar a tomar mais atenção à literatura económica especializada. Quanto ao ministro das finanças português e ao director do Banco de Portugal, talvez fosse bom falarem verdade aos portugueses, começando por falar verdade ao primeiro ministro. Ou estão à espera que o BCP e a TAP abram falência, e uma centena de Câmara Municipais se declarem insolventes?!

Tal como o desassossego na antiga Birmânia, que tanto parece preocupar o fundamentalista cristão George W. Bush, a crise automóvel que atinge e se agravará na América, ao longo dos próximos anos, deriva do mesmo mal: o fim de um paradigma energético. Veremos se o pregador conseguirá resolver as sucessivas crises sociais que atravessarão o seu país nos próximos tempos, sem recorrer aos caceteiros da Guarda Nacional. -- OAM 245

sexta-feira, setembro 14, 2007

Portugal nuclear

Global Balkans
Ameaças ao desenho europeu. Os "Global Balkans" segundo Zbigniew Brzezinski.

EUA defendem que Portugal deve apostar na energia nuclear
O conselheiro da Casa Branca para o Ambiente, James Connaughton, defendeu hoje que Portugal deve apostar na energia nuclear, considerando que é um dos países com maiores capacidades para produzir energia totalmente limpa.

(...) De uma forma global, Connaughton defendeu que o nuclear deve ser usado por todos os países que tenham capacidade tecnológica e uma forma de a produzir de um modo seguro.

"A energia nuclear é a única fonte capaz de produzir energia a baixo custo e que consegue sustentar cidades inteiras sem emissões. Não conseguimos fazer progressos ao nível energético e ao nível das alterações climáticas se não usarmos muito mais energia nuclear ao nível global", sustentou.

Os dois responsáveis norte-americanos vão ter hoje encontros em Lisboa com representantes dos Ministérios do Ambiente e da Economia, a quem darão conta da conferência sobre alterações climáticas que a administração Bush está a organizar para os dias 27 e 28 de Setembro. in Jornal de Negócios Sexta, 14 Setembro 2007

A ideia faz muito pouco sentido tal como aparece, sobretudo vinda de onde vem: um governo que nunca ratificou o Protocolo de Quioto, corrupto, criminoso e em fim de mandato. Pode, porém, haver um cenário sinistro por detrás desta iniciativa: envolver Portugal na actual corrida nuclear. Este cenário aparentemente improvável passaria por dotar o nosso país de uma ou duas centrais nucleares, de tecnologia avançada no domínio do enriquecimento de urânio para produção de plutónio militar e... a militarização nuclear dos Açores!

Isto pode muito bem ser o início de uma resposta estratégica ao recuo inevitável dos EUA no Médio Oriente, depois do fiasco do Iraque, da incapacidade crescente de gerir o conflito israelo-árabe, e perante a irresistível influência do eixo Pequim-Moscovo (através da Shanghai Cooperation Organization) em toda a vasta área do que Brzezinsky começou por chamar The Eurasian Balkans (The Grand Chessboard, 1997) e que no seu último livro, The Second Chance (2007), designa por Global Balkans. Já para não falar dos efeitos do desastre iraquiano no reforço do islamismo radical em todo o Norte de África.

Enquanto a Rússia ameaça funcionar como estado tampão entre a Europa Ocidental e a Eurásia, com argumentos tão poderosos como os da sua riqueza energética e os do seu renovado poder militar estratégico, podendo a qualquer momento desencadear uma placagem dramática à evolução prevista da União Europeia, induzindo por aí um regresso catastrófico ao bicefalismo de Versailles, os Estados Unidos de Bush parecem preferir, precisamente, este cenário! Se assim for, faz todo o sentido a iniciativa ecológica caricata do senhor James Connaughton.

Entretanto, José Sócrates anda com os olhos cada vez mais em bico. Não viu o Dalai Lama. Vai à China negociar contentores. Será que entenderá o recado americano? Para onde irá pender, no ping-pong entre Washington e Pequim? Não preside actualmente à União Europeia? Não acha que esta seria uma excelente oportunidade para fazer um pouco de história a sério, em vez de andar pelo país televisivo fora armado em caixeiro-viajante da indústria informática?

A questão energética não é, de facto, o assunto desta inusitada deslocação do protector americano a Lisboa, pelo que não voltarei a deter-me, para já, na questão do nuclear para fins pacíficos. Recomendo, no entanto e a propósito, a leitura integral da resposta dada por John Busby a um recente inquérito público inglês sobre a alternativa nuclear à actual e sobretudo futura crise energética.
Response to the Government's consultative document 'The Future of Nuclear Power'
By John Busby
Sandersresearch
Sep/11/2007

"Ever wondered if the clock was ticking regarding a secure electricity supply? Could new nuclear power stations actually increase carbon emissions? Could the looming shortage of uranium represent the biggest challenge to a nuclear renaissance? These are just a few of the questions answered by John Busby in his response to the Government’s consultative document 'The Future of Nuclear Energy'".

OAM #240 12:57, 14 SET 2007 (UTC)

domingo, setembro 02, 2007

ETA

Pichagem da ETA
E se ocorrer um atentado em Portugal?

As autoridades espanholas pediram colaboração ao nosso país para investigar a existência de possíveis células da ETA em Portugal (1). Para tal, querem enviar polícias e juízes para o território português, a pretexto de uma maior eficácia na perseguição de militantes daquela organização separatista basca, cuja violência é de todos conhecida.

Um longo status quo foi assim e repentinamente posto em causa, causando grande surpresa e hesitação nas autoridades portuguesas, ao mesmo tempo que apanhou o governo de José Sócrates completamente distraído e atrapalhado nos seus afazeres europeus, ou seja, de calças nas mãos.

E percebe-se porquê. A Espanha, que tem demonstrado uma teimosa incapacidade de lidar com o problema basco, e em geral com a candente questão das suas autonomias regionais, lançando sinais intermitentemente contraditórios sobre aquele que é o mais importante desafio à sua efectiva integridade política enquanto estado da União Europeia, decide meter o país irmão ao barulho sem que nada de verdadeiramente substancial aponte para a quebra da regra de não abuso da hospitalidade portuguesa (2), oferecida desde sempre a todos os que nos visitam. A ETA dispõe de bases operacionais em Portugal? Nós não sabemos de nada! O governo de Zapatero dispõe de informação privilegiada sobre o assunto? Então porque não comunicou, pelas vias adequadas, os factos que conhece às autoridades portuguesas? Não esperava francamente de José Luis Zapatero esta manobra de diversão para consumo interno e embaraço nosso! Ou será que anda por aí uma marosca mais séria e preocupante? Talvez o Saramago saiba responder...

Sejamos claros: a ETA é considerada pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pela Espanha uma organização terrorista. A dita considera-se a si mesma uma organização nacionalista e patriótica de natureza paramilitar. Eu considero-a uma organização simultaneamente terrorista e nacionalista. Tal como nacionalistas e terroristas foram, pelo menos durante parte dos seus percursos de luta guerrilheira, os movimentos que pegaram em armas contra o colonialismo francês na Indochina e na Argélia, ou contra o que restava do império português no início da década de 1960.

O terrorismo é sempre condenável, venha de onde vier e seja em nome de que causa for. Sempre pensei assim, e por isso condeno as práticas infelizmente muito generalizadas da chamada guerra assimétrica, nomeadamente por parte da actual potência hegemónica, os Estados Unidos, que a tem difundido em todos os cantos do planeta onde não pode agir abertamente. A diferença entre o terrorismo de Estado e o terrorismo nacionalista é que o primeiro é secreto, dissimulado e emprega a vanguarda das tecnologias do horror (de primeira geração), enquanto o segundo é público, assume abertamente uma causa (boa ou má) e socorre-se de tecnologias pouco sofisticadas (ou de segunda e terceira geração.) A semelhança é que ambos são intoleráveis demonstrações de barbárie, i.e. meios que nenhum fim justifica, apesar de corresponderem a velhas fórmulas de enfrentamento humano violento. Neste sentido, sou solidário com as vítimas da ETA, sou contra a ETA e espero que a Espanha consiga encontrar uma solução equilibrada e sobretudo inteligente para um problema que se afigura, pelo menos por agora, sem fim... A ninguém interessa já uma balcanização da Espanha. Não interessa aos Estados Unidos, não interessa ao Reino Unido, não interessa à França e muito menos interessa a Portugal. Não há, por conseguinte, motivos para que Madrid continue a alimentar a síndrome da perseguição relativamente a esta questão. Está nas suas mãos prosseguir eternamente um conflito de baixa intensidade contra a ETA, ou resolver politicamente o problema a partir de uma visão mais ampla do futuro europeu. O Reino Unido da Espanha poderia muito bem ser constituído por uma federação de estados solidários. Creio que todos ganhariam.

O País Basco, como a Catalunha e a Galiza, onde existem nações fortes e bem mais antigas do que a Espanha católica e castelhana, aspiram porventura a um Estado democrático e federal. Os escoceses, os irlandeses e os kosovares não deixam de ter sonhos semelhantes. Podemos condená-los por isso? Até que ponto a ETA não acaba por ser, nesta perspectiva, a tonta útil da teimosia centralista castelhana? As recentes afirmações de Zapatero sobre a nova rede de alta velocidade ferroviária como o verdadeiro e eficaz instrumento da unidade da Espanha, não acabarão por ser contraproducentes para o seu país e indelicadas para Portugal?

Mas voltemos à inaceitável proposta de instalação, ainda que temporária, de delegações policiais e judiciárias espanholas no nosso país. As autoridades portuguesas prestarão sempre (como sempre prestaram) toda a ajuda possível às autoridades espanholas na perseguição de pessoas ou organizações que tenham cometidos crimes, nomeadamente condenáveis à luz das convenções bélicas internacionais, e que porventura se tenham refugiado no nosso país, desde que para tal sejam solicitadas. Não faz qualquer sentido que outro país nos impinja uma ajuda não solicitada! Se amanhã a ETA resolver realizar um atentado terrorista em Portugal (3), os nossos polícias e juízes não pensam instalar-se no território espanhol, mas antes solicitar às autoridades do país vizinho que localizem e extraditem para julgamento os autores do putativo atentado.

Não devemos colocar a carroça à frente dos bois. Nem deixar que outros o façam!



Notas

1) Ver notícia no El PAÍS: Link 1, Link 2

2) Portugal sempre acolheu refugiados e sempre deixou passar por cá protagonistas de guerras e trapalhadas criminais alheias. É uma espécie de Suiça dos espiões, guerrilheiros e escroques de toda a espécie (salvo a terrorista mais assanhada.) Portugal e Espanha são hoje os grandes camelôs do contrabando de tabaco e drogas para o resto da Europa (daí vem boa parte da sua inexplicável prosperidade.) A Espanha, além do mais, tornou-se numa gigantesca máquina de lavar dinheiro negro, que canaliza em grande parte para a destruição imobiliária do próprio país e daz zonas que influencia. Em suma, ambos os países têm quintas e quintais obscuros que convém não remexer demasiado. Há assuntos que não devem ser tratados na praça pública, sob pena de se perturbar um vespeiro cuja agitação pode tornar-se letal.

3) Esta suposição é meramente retórica, pois a ETA age segundo uma racionalidade clara, que obviamente não passa por provocar, nem enfrentar, quem não pertence ao seu teatro de guerra.



OAM #235 02 SET 2007

quarta-feira, julho 18, 2007

Portugal 3

Jose Saramago, escritor
José Saramago: escritor português, cidadão espanhol. Foto: EFE
Ibéria, capital: Lisboa

"Não sou profeta, mas Portugal acabará por integrar-se na Espanha" - José Saramago in Diário de Notícias online, 15.07.2007
Não fora o homem estar eterna e agradecidamente enamorado de uma linda sevilhana chamada Pilar del Rio, que muitíssima importância teve para o êxito internacional do escritor ribatejano, e o assunto do seu reiterado iberismo mereceria, de facto, extenso debate, em vez da urticária que atacou imediatamente alguns arautos profissionais da portugalidade. No entanto, o "sentido de oportunidade" da sua entrevista ao Diário de Notícias, fazendo-a coincidir com a visita do rei de Espanha a Portugal no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia, teve o esperado condão de excitar os espíritos fracos de ambos os lados da fronteira. O El País (1) excita-se sempre nestas ocasiões e descobre, espantado, que Portugal existe (e continua a ser apetecível), e o Manuel Alegre (que parece ter-se esquecido dos seus mais recentes compromissos com o movimento de cidadãos que desencadeou, e sobretudo com parte importante da base militante e simpatizante do PS) fez previsivelmente ouvir a sua voz adamastórica: "Ele (Saramago) tem a responsabilidade de ter ganho o Nobel da Literatura com a língua portuguesa".

Saramago regressa às "portadas" dos jornais e televisões, e à netosfera, com uma questão típica do século 19: o iberismo. Homens de uma bem mais notável craveira intelectual que Saramago, refiro-me a Miguel de Unamuno, Antero de Quental, Teófilo Braga e António Sérgio, ou mesmo a escritores seus contemporâneos, como Miguel Torga, António Lobo Antunes e Eduardo Lourenço, sonharam ou sonham igualmente com formas mais ou menos evoluídas de iberismo. O já desaparecido José Rodrigues Miguéis, num dos seus deliciosos bilhetes postais publicados no extinto Diário Popular, falava, mais limitadamente, de uma nova quimera que baptizou com o nome Portugalícia. Em suma, se durante tantos séculos fomos aliados dos ingleses, para nos defendermos dos castelhanos, depois da vergonhosa Conferência de Berlim (1884-1885) e do ultimato inglês a Portugal, rejeitando o Mapa cor-de-rosa (com que Portugal pretendia assegurar uma boa presença na partilha colonial do continente africano então em curso pelas principais potências europeias), tal ideal estratégico chegaria irremediavelmente ao fim. Por outro lado, a decadência mais geral e profunda dos povos peninsulares, verberada por Miguel de Unamuno, tornar-se-ia uma realidade cada vez mais pesada de consequências, tanto para os povos ibéricos como para os dois estados que os protagonizam. A Espanha deixou entrar Napoleão no seu território a pretexto de obrigar Portugal a cumprir o bloqueio contra os ingleses, a decadente corte lusitana, em consequência desta invasão francesa, fugiu para o Brasil. Mais tarde, a derrota espanhola de 1898, na disputa com os Estados Unidos pelo controlo do continente americano, mergulharia este país num declínio económico e político de que só sairia após a morte de Franco. Perdidos os impérios coloniais espanhol e português, findas as ditaduras oportunistas que emergiram da crise finissecular em ambos os países, criada a União Europeia, nada mais natural do que repensar as relações entre os vários povos ibéricos, entre as várias nações históricas da península e entre os dois estados que há muitos séculos protagonizam as suas alegrias e as suas tristezas. Tudo isto pode e deve ser feito, com tempo, com cautela, com transparência e sobretudo com elasticidade. Mas daí a alimentarem-se ilusões sobre uma nova união ibérica vai um passo de gigante demasiado improvável. A menos que a capital dessa união seja Lisboa, claro!

Post scriptum: Há um argumento falacioso, muito bem montado por alguns estrategas do iberismo castelhano, expresso aliás num recente artigo de Santiago Petschen, que convém desmontar a tempo de evitar excessivos optimismos face à utopia de dissolver o secular bicefalismo geo-estratégico da jangada ibérica. Petschen resume-o de forma fina e sedutora:
"Há alguns anos, depois de uma exposição que li no Instituto de Defesa Nacional de Lisboa, num português macarrónico, dialoguei com os militares sobre as relações entre os espanhóis e os portugueses e surgiram algumas queixas. Perguntei então: estão de mal com os galegos? A resposta imediata foi: não! Estão de mal com os andaluzes? Também não. Mal com os catalães? De maneira nenhuma. Mal com os bascos? Absolutamente, não. E continuei: os estremenhos, os aragoneses, inclusive os manchegos e os madrilenos. Para com todos os mencionados mostraram os dialogantes a sua simpatia. Só apareceu um cliché, resquício de irredutibilidade, o dos castelhanos velhos. Disse-lhes então: os senhores não têm nada a temer. Portugal e Castela a Velha contam com um número parecido de quilómetros quadrados. Mas sobre a mesma extensão encontram-se, em Portugal, dez milhões de habitantes e em Castela a Velha pouco mais de dois milhões. A estatística, tão favorável a Portugal, produziu no auditório desconhecedor do dado uma surpresa. Dissipou-se, com isto, uma percepção errónea." - "O iberismo", Santiago Petschen, Prof. catedrático de Relações Internacionais na Univ. Complutense de Madrid, in DN online.
Como é evidente, o problema do poder não se mede hoje em dia pelo critério demográfico, particularmente se estão em causa escalas tão exíguas. O que conta hoje e no futuro próximo são as grandes concentrações urbanas (Madrid, Lisboa-Porto, Barcelona-Valencia) e os sectores-regiões económico-financeiros, logísticos, tecnológicos, de serviços e político-militares, que as mesmas representam e controlam. Neste sentido, seria imperdoável tolerar que a ingenuidade prevalecesse sobre o realismo dos jogos de estratégia em curso. Madrid pretende hegemonizar radialmente a península ibérica - e para isso, tudo tem feito, no sentido de transformar a capital espanhola numa super-metrópole política e financeira. Lisboa, com o Porto e Barcelona (e Bilbao), não estarão jamais dispostos a sucumbir a esta estratégia, e por isso continuarão a desenvolver esforços para consolidar, sob todos os pontos de vista, os aneis atlântico e mediterrânico, de que a sobrevivência estratégica da península afinal depende. A União Europeia irá passar nas próximas décadas por duras provas à sua consistência estratégica e à sua governabilidade interna, sobretudo por causa das questões energéticas, ambientais, mas também das que respeitam à imediata questão do alargamento. Deverão a Turquia e Marrocos integrar-se na União Europeia, como pretende a Alemanha e vários estados da União (entre eles, Portugal e Espanha), ou, pelo contrário, formar com o resto do Magrebe uma União Mediterrânica, como quer Sarkozi? É ou não do interesse europeu chamar a Ucrânia para a União? Se os EUA atacarem o Irão, e a Rússia sair em defesa deste, que fará a Europa? Qual Europa? Portugal é um estado independente há 868 anos; a Espanha é um reino unificado e independente há 538 anos. Vamos pois deixar, para já, as coisas como estão, e um dia, quando a Europa for o que promete, voltemos então a discutir a organização política da Ibéria.

Post scriptum (11-08-2207): O El País de 22 de Julho publicou duas páginas inteiras a propósito da excitada discussão sobre a união ibérica. Uma delas, assinada por Miguel Mora, leva o mesmo título que o artigo d'O António Maria: Iberia, capital Lisboa. Como o artigo do El País foi publicado 4 dias depois, presumo que se trata de um feliz sentido de oportunidade.

O artigo do El País suscitou mais de 250 comentários, a maioria deles revelando um olhar justo sobre os portugueses e uma percepção crítica da arrogância mini-imperialista de alguns políticos provincianos de Madrid. Vale a pena lê-los.

Já agora, um aviso: a Espanha que apareceu na cimeira das Lajes, ao lado do Reino Unido, dos EUA e de Portugal no papel de anfitrião (que valeria a Durão Barroso o cargo que agora ocupa com entusiasmo) --mas que o mesmo El País e a generalidade dos média espanhóis trataram de apagar das fotografias-- não foi um erro de casting. O eixo Paris-Berlim-Varsóvia, que procura activamente estender-se até Kiev, afasta o Reino Unido e a Espanha do novo centro de gravidade da Europa pós-Ialta e pós-Versailles. Daí a agressividade económica da Espanha face aos países de um e outro lado do Atlântico (Portugal e Reino Unido, Cuba, Venezuela, Colômbia, Brasil, Argentina...) A cimeira das Lajes assinala, não tenhamos dúvidas, uma mudança de 180 graus na geo-estratégia da Espanha. Assim, e apesar do recuo táctico ocorrido na sequência do massacre do 11 de Março de 2004, levado a cabo pela Al Qaeda, e da consequente mudança de governo, a verdade é que Madrid não tem outra alternativa para o seu próprio protagonismo europeu que não passe por assumir uma crescente presença na parceria transatlântica entre os Estados Unidos (e o continente americano em geral) e a Europa. Daí que para Aznar, como para Zapatero, o acesso ao mar português seja um objectivo estratégico lógico, relativamente ao qual Madrid se mostra cada vez mais ansioso. Dos governantes lusitanos espera-se, neste novo contexto, duas coisas: que não andem a dormir e que não sejam corruptos (i.e. traidores!) Até porque do outro lado do Atlântico as potências dominantes ou falam inglês... ou português.



Notas

1 - El País -- Link 1 Link 2


OAM #224 18 JUL 2007

segunda-feira, julho 02, 2007

UE 2007: Presidencia portuguesa

Turquia
Turquia; praia de Damlatas depois da tempestade, 2006 (Foto:Eugenio Hackbart).

Que Europa queremos?

A presidência portuguesa da União Europeia teve início no passado dia 1 de Julho e decorrerá até ao fim de 2007. As prioridades definidas pelo governo de maioria socialista, dirigido por José Sócrates, são as seguintes:

1 - Reforma dos tratados.
O objectivo desta reforma é conseguir a aprovação, por parte de todos os governos da União, e até ao fim do corrente ano, do novo documento-base da identidade europeia. O conteúdo do novo documento, intensamente negociado durante a presidência alemã, retoma 80% do conteúdo do tratado constitucional chumbado em 2005 pelos referendos da França e da Holanda. Ficam de fora os símbolos e porventura algo mais: a dinâmica federalista (1), a possibilidade de uma política externa realmente comum e a criação de umas forças armadas europeias sob comando unificado. Quanto à divergência entre os defensores do referendo e o pragmatismo de caminhar para uma solução negociada entre os governos, creio que o melhor ângulo para ver tal questão com clareza é este: quem não está interessado no avanço deste capítulo do projecto europeu? Eu respondo: os Estados Unidos, o Reino Unido e alguns países traumatizados pelo estalinismo. Dá outra vez que pensar...

2 - Início de cimeiras regulares entre a Europa e o Brasil.
Sendo o Brasil uma das potências emergentes da actualidade, com um enorme potencial energético e alimentar, compreende-se a aplaude-se a iniciativa portuguesa de colocar este país-continente nas prioridades da política de alianças europeia. Uma boa aposta da presidência portuguesa, porventura menos complexa do que a iniciativa promovida pela Espanha relativamente aos países americanos outrora colónias espanholas.

3 - A realização da primeira Cimeira Europa-África dos últimos sete anos.
Não deixa de ser irónico que esta iniciativa possa vir a ser prejudicada pelas teias neo-colonialistas que ainda prendem o Reino Unido à sua antiga colónia, o Zimbabué -- o território que outrora, conjugado com o que viria a ser a Zâmbia e o Malavi, fizera parte do tristemente célebre Mapa cor-de-rosa. Outro factor que poderá perturbar a cimeira é a anunciada interdição dos voos da TAAG sobre o continente europeu. Terá a TAP aviões suficientes para colmatar tamanho buraco?

4 - Retomar a discussão da adesão da Turquia à União Europeia.
A França diz que a Turquia não pertence à Europa. Mas toda a gente sabe que pertence à Eurásia. E é precisamente a Eurásia que preocupa os norte-americanos, pela negativa, e deveria motivar os europeus pela positiva, pois é a única geografia que pode garantir um certo equilíbrio entre as placas tectónicas da globalização. A Turquia, tal como os países do norte de África, pela sua proximidade geográfica, e ainda por factores ideológicos com os quais teremos que aprender a conviver, não podem ficar fora de um desenho sábio da nova coerência geo-estratégica europeia (2).

5 - Obtenção de um consenso europeu sobre o Cosovo.
Em que sentido? No da independência do Cosovo, como querem os falcões dos EUA? Mas sob que pretexto? Se a Europa concordar com a secessão do Cosovo, que argumentos lhe restam depois para impedir a independência do País Basco, da Escócia ou dos Flamengos da Bélgica?

6 - Coordenação das políticas europeias e reactivação da Agenda de Lisboa.
Não podemos estar mais de acordo com este item da agenda. Mas Portugal tem que começar por fazer, neste particular, o seu próprio trabalho de casa!

Os europeus andam muito desconfiados da burocracia e dos directórios confortavelmente sentados em Bruxelas, Estrasburgo e Luxemburgo. Até agora têm assistido a uma corrida desenfreada do capitalismo em direcção à concentração, à maximização dos lucros e à globalização. Em contraponto indesejável a este liberalismo radical, têm igualmente assistido à desintegração paulatina dos seus direitos e conquistas sociais. Esta equação é insustentável e tende a tornar-se explosiva. Veremos em breve, muito provavelmente antes do fim do corrente ano, o que nos trará a iminente hecatombe da economia americana.

Uma trégua para José Sócrates? Se tudo dependesse da agenda da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, com certeza! Mas o busílis da questão é que não depende...


Notas
1 - Adriano Moreira tem vindo a chamar a atenção para o perigo de, embrulhado com o federalismo, vir associado, sem que os povos da Europa disso se dêem conta, um directório com poderes e direitos especiais. Estou de acordo com ele quando afirma que tal hipótese seria uma desastre para o projecto europeu. Para se ter uma ideia do tamanho do desastre, Adriano Moreira cita o caso da inoperância da ONU e das asneiras e injustiças que o respectivo Conselho de Segurança tem levado a cabo ao longo dos últimos cinquenta anos. Que o peso demográfico dos estados se traduza no peso político relativo dos mesmos, parece-me lógico. Mas que daí decorram direitos especiais ou coutadas de acesso reservado, vai uma distância intolerável.
2 - Neste ponto não estou de acordo com o mesmo Adriano Moreira, que prefere ver a Turquia como uma almofada entre a futura federação europeia e o Islão, comparando-a a Marrocos e aos demais países da África mediterrânica. Na minha opinião, um tal defensismo estratégico apenas atrasará o difícil e longo caminho do Islão em direcção à democracia. Se, pelo contrário, ousarmos abrir as portas da Europa a uma Turquia democrática e laica, ganharemos um inestimável aliado da paz que a todo o custo deveremos procurar obter de novo entre todos os países que bordejam o Mediterrâneo.



OAM #221 01 JUL 2007

quarta-feira, junho 20, 2007

Por Lisboa 9

Martin Heemskerck -- Jardins Suspensos da Babilónia, gravura, séc. XVI.

Os jardins suspensos do delirante Costa da Portela

Teve lugar na SIC o primeiro debate televisivo entre os principais candidatos à Câmara Municipal de Lisboa. Estiveram presentes os 7 magníficos, quer dizer, aqueles que as sondagens afirmam terem grandes possibilidades de ser eleitos. Os demais candidatos, como o eterno Garcia Pereira, o candidato do Partido da Terra (sem o qual não haveria nem Roseta, nem Carmona nestas eleições...) ficaram à porta da antiga central eléctrica de Belém, reclamando e exibindo cartazes. Uma injustiça compreensível a que os pequenos candidatos têm que se habituar fazendo da respectiva pequenez eleitoral uma boa oportunidade para demonstrarem a sua criatividade e potencial histriónico. Infelizmente não tiveram graça nenhuma.

Comentário:

1) Organização do debate: boa (a Ana Lourenço tem vindo a subir rapidamente desde que opera a solo :-)
2) Qualidade do debate: civilizado, pouco esclarecedor e sem nenhuma visão de futuro... numa altura em que a presidência alemã da UE acaba de lançar um importantíssimo desafio para o renascimento das cidades europeias, plasmado na Carta de Leipzig
3) Melhores prestações: Helena Roseta (pela novidade do discurso)
4) Prestações medianas: António Costa, José Sá Fernandes e Ruben de Carvalho
5) Prestação desamparada: Carmona Rodrigues (continua a ter uma figura simpática e continuo a achar que lhe comprava uma Harley em segunda mão :-)
6) Piores prestações: Telmo Correia (demagógica, superficial e direitinha) e Fernando Negrão (amador)

Palpites:

O Costa pode descer; a Helena pode subir; o Carmona pode subir; o Negrão e os outros vão descer.

Hilariante:

A proposta de António Costa para transformar a Portela num novo pulmão verde da capital. Como?! Só de for depois de ali se gastarem, nos próximos 5 anos, os previstos 400 milhões de euros com a ampliação do actual aeroporto! Quem lhe deu ideia tão peregrina? O arquitecto-mor Manuel Salgado? Ora vejamos: toda a gente sabe que o modelo de financiamento do embuste da Ota passava por duas coisinhas muito feias e ilegítimas: privatizar a ANA e dar os terrenos da Portela como garantia bancária a favor de quem ganhasse o concurso de projecto, construção e exploração da futura estrutura aeroportuária. Foi assim que o lóbi da Ota cozinhou o estratagema da maior operação de delapidação do bem público de que há memória neste país. Mas para que esta estratégia se saísse bem, seria necessário o governo Sócrates conquistar a CML, com maioria, para depois fazer passar a cedência, sem discussão, nem contrapartidas, dos 640 hectares da Portela para as mãozinhas do consórcio que viesse a ganhar o negócio furado do NAL na Ota. É por estas e por outras que a conspiração que levou à queda do Carmona parece uma história mal contada... apesar das assessorias detectivescas do sacristão Sá Fernandes.

Resumindo, como é que o Costa poderia alguma vez prometer transformar a Portela num novo pulmão verde da capital, se a coisa estava destinada a financiar a operação da Ota?! Só se fosse transformando a Portela na zona luxuosa da Alta de Lisboa, numa nova Babilónia da Europa, com uns imensos Jardins Suspensos, por onde os indígenas da Baixa, das Avenidas Novas e da Expo poderiam passear ao domingo munidos de um passe especial. A continuar assim, o Costa da Portela corre sérios riscos de obter uma votação pífia. A Helena que anote o facto, não se deixe encantar pela simpatia do ministro, e que batalhe pela presidência da autarquia de Lisboa a sério!

OAM #219 20 JUN 2007

terça-feira, junho 19, 2007

Aeroportos 30

Mapa da Blogosfera
Matthew Hurst: mapa interactivo da blogoesfera; in Data Mining.


Beta testing


a cidadania electrónica é uma mais-valia muito útil aos governos politicamente avançados

Em O Grande Estuário [01-05-2005], projecto dinâmico e aberto de reflexão pública sobre Lisboa, a Grande Área Metropolitana de Lisboa e a Região de Lisboa e Vale do Tejo, continuamos a pensar que será possível manter o aeroporto da Portela, com duas extensões próximas (Montijo e Tires). Mas poderá realmente a Portela manter-se por muito mais tempo onde está? Poderiam as pistas do Montijo e de Tires, e novas obras na Portela, configurar uma solução sustentável até 2020-2030? As opiniões dividem-se... e os estudos técnicos também.
(...)
Em todo o caso, se um dia tivermos que avançar para um novo aeroporto internacional que altere radicalmente o actual estado de coisas, então a solução mais conforme com a inadiável actualização das nossas prioridades estratégicas no novo contexto europeu estará seguramente ao Sul do Tejo (...) e não no beco da Ota. -- in O António Maria, 02-07-2005.
Escrevi até hoje 30 artigos de opinião sobre o que chamei o embuste da Ota. O primeiro deles, na sequência da apresentação d'o Grande Estuário (uma ideia que partilhei, no seu começo, com o arquitecto Carlos Sant'Ana), viu a luz da blogosfera a 02-07-2005, i.e. há quase dois anos! O essencial das ideias sobre o sistema aeroportuário de Lisboa não mudou desde então, embora tenham sido sucessivamente refinadas ao longo da longa batalha conceptual tida com o actual governo sobre a matéria, e para a qual, na parte que me toca, contei com a riqueza da investigação e da discussão produzidas, com grande paixão, na nossa blogosfera. Os contributos de Rui Rodrigues e de António Brotas foram muito importantes para o esclarecimento detalhado e consolidação das minhas ideias sobre o tema. Hoje direi que a visão d'o Grande Estuário precisa de um ou outro retoque conceptual:

1 - em vez de olhar para a região administrativa de Lisboa e Vale do Tejo, que me levou a formular a visão do Grande Estuário como o ponto de partida para o primeiro e grande projecto de sustentabilidade nacional, deveríamos rapidamente alargar a sua base territorial de implementação. A cidade-região de Lisboa, no processo de adaptação acelerada aos tremendos impactos que aí vêm, por efeito da mudança do paradigma energético e das alterações climáticas, terá que ser equacionada simultaneamente como a cidade das duas margens e como a cidade-região dos Grandes Estuários! Estive há cerca de um mês no Castelo de Palmela, olhando para o estuário do Sado e para o estuário do Tejo (experimentem, pois é uma experiência inesquecível). Percebi então o que cristãos medievais, árabes, romanos e os homens e mulheres do neolítico já tinham entendido plenamente: os dois estuários são uma e a mesma realidade! Sê-lo-ão ainda mais quando o petróleo chegar aos 100, 200, 300 euros o barril -- o que ocorrerá inevitavelmente antes de 2030...

2 - A actual estrutura aeroportuária civil da cidade-região de Lisboa (Portela e Tires), actualmente pressionada por um crescimento do tráfego aéreo, sobretudo de passageiros, e sobretudo de turistas oriundos do espaço europeu, necessita de ser pensada com base numa estratégia aeroportuária flexível e bifocal. Os cenários para um horizonte de 10 a 20 anos são basicamente dois:

-- ou o crescimento do tráfego aéreo continua aos ritmos actuais (entre 3 e 5% ao ano),

-- ou, pelo contrário, haverá proximamente (2012) um patamar de estabilização do crescimento, seguido de provável estagnação ou mesmo retrocesso no turismo mundial, com consequências imediatas no tráfego aeroportuário.

No primeiro caso, a Portela, entretanto renovada e ampliada, estaria efectivamente saturada por volta de 2017, e se assim fosse, seria necessário preparar a tempo a transição da Portela para a Margem Esquerda do Tejo, sendo então Alcochete, pelo que vi, uma boa localização. Neste caso, a hipótese "Portela+1", entendida como Portela + Montijo, não faria sentido económico, além de duplicar os impactos ambientais e de risco actualmente existentes na Portela, na medida em que o futuro corredor de aproximação ao Montijo, paralelo ao da Portela, duplicaria o sobrevoo sobre zonas urbanas densamente povoadas.

Falar de "Portela+1", neste cenário, significa que, ao mesmo tempo que se manteria a Portela até 2017-2020, um novo aeroporto de raíz começaria a nascer em Alcochete, sendo que a primeira fase da sua construção (primeira pista, módulo 1 da aerogare e acessos) poderia estar pronta por volta de 2015, em simultâneo com a Portela, e basicamente na qualidade de base operacional e hub de três ou quatro grandes companhias europeias apostadas nas ligações atlânticas com a América e a África. Os nomes ocorrem-me imediatamente: easyJet, Ryanair, Lufhtansa, Aeroflot...

No segundo caso, o sistema Portela+Tires continuaria a dar conta do recado, o que não dispensaria adaptar muito rapidamente o Montijo para a finalidade de ser uma pista suplementar de apoio conjuntural ou de emergência à Portela, sem que para tal fosse necessário desafectá-la da sua actual servidão militar. Tal como a Base Aérea das Lajes, a Base Aérea do Montijo pode funcionar como instalação militar e como aeroporto de recurso em caso de absoluta necessidade ou conveniência.

Como decidir qual dos cenários corresponde à melhor aposta? Eu diria que o critério só pode ser um: o da procura. Há investidores credíveis interessados na nova estrutura aeroportuária de raíz? Avance-se por aí! Não há? Então isso significa que os investidores de longo prazo estão a fazer contas ao preço da petróleo e das futuras restrições e taxas europeias que, tudo leva a crer, recairão sobre o seu negócio. Neste caso, renove-se a Portela, ponha-se o Montijo em stand-by e opte-se, no essencial, por uma navegação à vista atenta. É a vida!

3 -- A ideia de fazer uma nova travessia ferroviária do Tejo, entre o Barreiro e Chelas, deve ser abandonada, por quatro razões de peso: a profundidade do rio na zona de implantação do pilar Sul obrigaria a custos astronómicos e virtualmente impagáveis de construção; uma tal travessia rebentaria com a operacionalidade do Porto de Lisboa; teria um impacto ambiental e estético profundamente negativo sobre o estuário e as respectivas margens e, finalmente, não serviria nem a grande interface de transportes e plataforma logística do Poceirão, Alcochete, Pinhal Novo, nem a solução Montijo, Pinhal Novo, Poceirão.
Uma nova ponte ferroviária, quando for imprescindível, deverá seguir junto à actual ponte Vasco da Gama, desembocando em Braço de Prata, comportando simultaneamente comboios e metropolitano.
Mas para já, talvez seja uma solução dispensável, nomeadamente se os comboios de Alta Velocidade (de passageiros e de mercadorias), vindos de Madrid, puderem parar numa grande estação no Pinhal Novo e seguir depois, pela margem esquerda do Tejo, até Santarém, cruzando aí o rio, e depois até ao Porto e Vigo. E Lisboa? Pinhal Novo é Lisboa!

Estas sugestões, tal como o intenso debate que há pelo menos dois anos decorre na Net, precedendo no tempo, na informação, no estudo e nas sugestões, os OCS convencionais, o governo e as oposições parlamentares, deveriam ser melhor acolhidas por todos. Ao contrário do actual Procurador-Geral da República, que anda uma década atrasado relativamente aos novos média (como se Aznar e Bush não tivessem sido vítimas flagrantes de semelhante ignorância ou subestima), o governo de Sócrates, pela voz hábil de Pedro Silva Pereira, parece estar a perceber que a cidadania electrónica (que não cobra nada por cada um dos seus inúmeros estudos, análises e sugestões) é uma realidade nova, que não deve ser admoestada, porque se tem vindo a revelar em todo o mundo como um útil beta tester das políticas governamentais.



OAM #218 19 JUN 2007

quinta-feira, junho 14, 2007

Aeroportos 29

NAL Alcochete
Campo de Tiro de Alcochete e localização provável do Novo Aeroporto de Lisboa em 2017.
Estudo da CIP sobre NAL (28,3 MB)

Portela+1 ou Alcochete?

Início do boom Low Cost na Europa: 1995 (forte assimetria de preços)

Provável maturação do fenómeno: 2012 (equilíbrio de preços)

The glamour of air travel is gradually disappearing and the low-cost airlines have been the first to recognise that it is essentially a commodity like any other, that people will purchase primarily on price. It is however just as easy to lose money as a 'no-frills' airline as it is for a full-service carrier. It is the balance of costs and yields that is important and these are likely to converge between different types of operation in the longer term.

- Dennis, Nigel (2004) Can the European low-cost airline boom continue?: Implications for regional airports. In: 44th European Congress of the European Regional Science Association, 25-29 Aug 2004, Porto, Portugal. (PDF)
1. A conspiração

Pacheco Pereira, incrédulo face ao volte-face do governo na questão da Ota, decidiu perlaborar, durante a Quadratura do Círculo desta semana (a que faltou, sintomaticamente, Jorge Coelho), na hipótese de tudo não passar de uma moratória destinada a entreter o povo durante a campanha eleitoral para as eleições autárquicas intercalares de Lisboa. Haveria, no palpite que deu, uma mini-conspiração destinada a repor a opção da Ota depois da eleição previsível de António Costa, o político que o Governo enviou para conquistar a Câmara Municipal da capital, e assim garantir uma das condições sine qua non da opção pelo Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) na Ota: o fecho da Portela, logo que o NAL inaugurar, e a venda dos respectivos terrenos. Dar estes "preciosos" 640 hectares (avaliado pelo BES entre 965 e 3217 milhões de euros) como garantia ao consórcio que ganhar o concurso de projecto-construção-exploração do NAL é algo de que o governo não prescinde, mas que só poderá conseguir se a Câmara Municipal de Lisboa (dona de mais de 80% dos terrenos) desistir de lutar pelo que é dos lisboetas. O actual governo teria, no fundo, provocado subrepticiamente a queda do executivo camarário com o objectivo de se apropriar de uma enormíssima propriedade municipal, para assim abancar a construção de um novo aeroporto fora da município!

A promoção deste esbulho a uma urbe endividada seria ainda assim e pese a ilegitimidade monstruosa, insuficiente para financiar a operação. O governo de José Sócrates teria mesmo que promover a privatização da ANA (1), uma empresa 100% pública que registou lucros no montante de 34,5 milhões de euros em 2006, igualmente a favor do consórcio que viesse a vencer o concurso de construção-exploração do NAL.

Ou seja, se o valor estimado do aeroporto (a que falta somar o custo das acessibilidades especiais, por conta do Estado português...) é da ordem dos 3300 milhões de euros, sendo que a Comunidade Europeia e o Estado assumem 30% deste valor (990 milhões de euros), e os privados 20% (660 milhões de euros), falta reunir 1650 milhões de euros para financiar todo o empreendimento, os quais deverão ser obtidos, segundo o modelo inicial, através de endividamento bancário, a pagar durante o período da concessão do aeroporto (entre 30 e 40 anos.) Se repararam bem, ainda não incluí nesta continha o valor dos terrenos do aeroporto (entre 965 e 3217 milhões de euros, segundo valoração do Grupo BES.) Se o fizer, o consórcio passará a ter o financiamento necessário todo garantido à partida, pois a diferença de valores do negócio dos terrenos da Portela tem sobretudo que ver com o grau de ocupação comercial dos mesmos. Basta ver o que sucedeu e continua a suceder nos terrenos da Expo para imaginarmos para onde penderá a balança no caso da futura urbanização dos terrenos do aeroporto Portela. Meia dúzia de anos após a inauguração do NAL o consórcio estaria livre dos encargos da construção e facturaria limpinho durante 30-40 anos! Ou será que não estaria? Bom, se pensarmos na mais do que certa derrapagem orçamental do projecto, especialmente se viesse a ter lugar na Ota, a qual poderia facilmente chegar aos 2000 milhões de euros, e ainda nas atribulações do processo de encerramento do aeroporto da Portela e comercialização maximizadas dos respectivos terrenos, talvez o negócio deixasse de sorrir tão facilmente aos potenciais interessados. A verdade é que, antes mesmo do volte-face governamental, o número de interessados na competição era ridiculamente diminuto. Segundo o Semanário Económico (15-06-2007), apenas o "agrupamento Asterion (liderado pela Mota-Engil, Brisa e Somague) avançou oficialmente".

A previsível falta de maioria absoluta de António Costa nas próximas eleições à Câmara Municipal de Lisboa (e é crucial impedir que a mesma seja alcançada), conjugada com a maioria PSD na Assembleia Municipal, torna, para já, inviável o desígnio governamental da alienação do ouro da Portela. Os interessados teriam ainda que contar com uma mais do que provável batalha jurídica gigantesca, promovida por múltiplos actores políticos e cívicos: José Sá Fernandes, Helena Roseta, Partido da Terra e ainda toda a blogosfera que se mobilizou e continua extremamente atenta e activa em todo este dossiê. Como a situação económica tenderá a agravar-se, seja no país, seja na capital, a possibilidade de uma maioria absoluta no governo da capital continuará a ser um cenário demasiado incerto para sobre ele se fazerem cálculos relativamente ao NAL. Como, por outro lado, a opção da Ota se tem vindo a revelar como um projecto tecnicamente imbecil, com custos de contextos inimagináveis, as campainhas do bom-senso começaram a tilintar freneticamente nos blogs, nas universidades, nos gabinetes de estudos dos grupos financeiros, no Palácio de Belém e finalmente entre os cordeiros da comunicação social. Faltava apenas encontrar uma saída airosa para o governo, depois das sucessivas chicotadas presidenciais e dos bons conselhos de Mário Soares. A CIP fez o favor de ajudar o primeiro-ministro a mudar de agulha.

O opinocrata Pacheco Pereira está preocupado em saber quem foram os pagadores do estudo. Quem foram? E quem são os 16 proprietários dos 1810 hectares que seria preciso comprar para levar por diante o anunciado aeroporto da Ota? Soube-se na noite de 15 de Junho que Joe Berardo foi um deles, entre 20 outros patrocinadores (2). O excêntrico especulador veio à SIC Notícias, disse que tinha contribuído para o estudo, mas deu ainda duas outras novidades não dispiciendas: que a ideia da Ota era uma besteira, e que Sócrates lhe confessara que não poderia agir sem um estudo alternativo aos trabalhos da NAER! A CIP e 20 diligentes investidores fizeram o favor de ajudar o primeiro ministro a sair do aperto. Creio que foi mesmo o que se passou. E creio, portanto, que o NAL na Ota morreu de vez.

2. O fundo da questão: Portela+1 ou Alcochete?

Apesar do fenómeno das companhias de baixo custo ter começado a dar nas vistas na Europa a partir de 1995, a verdade é que só aparecem nos radares estatísticos portugueses a partir de 2001, seis anos depois. A resposta das empresas (companhias aéreas, aeroportos e operadores turísticos) foi lenta. As traves mestras dos trabalhos da NAER, que deram em 1999 lugar à famigerada decisão de avançar para a Ota, contra o cenário da ampliação da Portela (que deveria ter decorrido decididamente no quadro da Expo 98 e do seu rescaldo), contra o cenário de um sistema aeroportuário Portela+1, e finalmente contra o cenário de um NAL na margem esquerda do Tejo, não tiveram em conta dois fenómenos essenciais: as prospectivas então conhecidas relativamente ao pico petrolífero e a mudança iminente do paradigma do negócio do transporte aéreo de passageiros provocado pelas companhias de Low Cost. Desde esse azarado ano até hoje a NAER, guiada pela funesta inspiração de João Cravinho, nada fez senão embalar os distraídos governantes na inviável Ota. Resultado: em Maio de 2007 as Low Cost eram responsáveis por cerca de 80% do tráfego do aeroporto de Faro, 35% do aeroporto Sá Carneiro e 21% do de Lisboa. Como 87% do tráfego aéreo nacional diz respeito a voos intra-europeus, o crescimento exponencial das companhias de baixo custo acabaria por ter efeitos dramáticos nos operadores tradicionais, como a Portugália Airlines e a TAP. A primeira encontra-se virtualmente falida (nem sequer publicou os resultados de 2006) e a TAP cancelou centenas de voos este ano, por óbvia falta de competitividade, e anuncia um endividamento para os próximos anos na ordem dos 1000 milhões de euros (parte para comprar novos aviões, parte para engolir a PGA e parte para suportar as perdas provocadas pelos cancelamentos diários de voos.)

Quando se fala do aumento extraordinário do número de voos e de passageiros que acorrem ao nosso país estamos sobretudo a falar de Low Cost. É essencial que percebamos este factor, para não extrapolarmos sobre potencialidade invisíveis, como as de um imaginário mercado afluente com origem em África e nas Américas. Tais mercados intercontinentais são meramente residuais, não sendo razoável assentar uma nova estratégia aeroportuária nas suas inexistentes virtualidades. O que teremos, com sorte, até 2012, será um crescimento do afluxo de turistas oriundos sobretudo da Europa, não se esperando que mude significativamente o perfil dos chamados mercados emissores tradicionais - Espanha (46%); Reino Unido (16%); França (7%); Alemanha (7%); Estados Unidos (2%); Escandinavos (1%); Brasil (1%). Os movimentos de chegada e partida de passageiros nos nossos aeroportos andaram pelos 7 057 600 pax em 1990, 17 890 180 pax em 2004 e dificilmente irão além duns muito optimistas 25 913 992 pax em 2018 e 37 536 515 pax em 2032. Por outro lado, dada a prevalência crescente das ligações aéreas ponto-a-ponto, haverá uma maior distribuição destes números globais pelos principais aeroportos em operação --Lisboa, Porto, Faro, Funchal, Terceira, Ponta Delgada, Horta, Santa Maria e Pico, a que deveremos desde já somar os futuros aeroportos de baixo custo de Beja, Portimão e Loulé--, baixando a pressão sobre o aeroporto da capital.

Mais do que saber se a Portela ampliada será capaz de suportar estes aumentos de tráfego, ou em que ano deixará de poder receber mais aviões e mais passageiros (se em 2016, em 2020, ou um pouco mais tarde), interessa saber se a cidade merece sofrer os efeitos de um tal caudal contínuo de aterragens e descolagens. Há muito que as horas de ponta da Portela são apenas duas: das 8 às 9 da manhã e das 2 às 3 da tarde. Mas o cenário mudará quando mais Low Cost puderem operar neste aeroporto (já a partir de 2008), e aí temo que os efeitos do incómodo sobre os lisboetas, sobretudo aqueles que vivem e/ou trabalham por baixo dos corredores aéreos de aproximação e de descolagem, venha a atingir rapidamente limites intoleráveis. A menos que a aviação civil se torne silenciosa e emita muitíssimo menos CO2, ou então sofra um retrocesso repentino, seja por efeito de subidas dramáticas dos preços dos combustíveis, ou de um inesperado conflito bélico de grandes proporções às portas da Europa, a questão de uma alternativa à Portela terá que ser equacionada rapidamente. A Portela ampliada, tal como a Portela+1, a esta nova luz, serão soluções de recurso, defensáveis neste momento apenas por duas ordens de razões: a fragilidade económica actual do país e a grande instabilidade geo-estratégica mundial.

Porém, avançar para um NAL em Alcochete é uma alternativa que não me choca. Compreendo que, dados os constrangimentos crescentes das ajudas comunitárias e em particular a janela de oportunidade compreendida entre 2007-2013, uma tal opção exiga decisões atempadas e que esta será porventura uma oportunidade a não desperdiçar. O modelo Low Cost e os modelos de bandeira, hoje reunidos em grandes alianças internacionais, tenderão rapidamente a aproximar-se na eficiência, na racionalidade e nos preços ao consumidor. Em 2012, talvez já não haja diferenças substanciais entre elas no que se refere ao paradigma económico. Daí que as decisões sobre aeroportos devam ter a flexibilidade de encarar o futuro com um olhar bifocal: não perder as oportunidades do actual paradigma Low Cost e simultaneamente antever a convergência dos modelos actualmente antagónicos.

Por fim, creio muito menos nas miraculosas virtualidades de uma "cidade aeroportuária", em Alcochete ou seja onde for (o paradigma faz pouco sentido na actualidade e sobretudo no nosso país), do que no poder que a deslocação do principal aeroporto do país para a Margem Esquerda do Tejo possa vir a ter no reordenamento do território dos grandes estuários (Região de Lisboa e Vale do Tejo e Península de Setúbal). Esta é uma necessidade absoluta, um enorme desafio para o futuro sustentável deste país, e tem que ser atendida com grande visão, rigor e criatividade. Se for feito com a máxima exigência em matéria de participação cidadã, criatividade, prudência económica, rigor técnico e ambição ecológica, será um modelo de referência, não só para todos nós, como para o resto do mundo, fazendo muito mais por Portugal do que a conceptualmente atrasada "cidade aeroportuária". Se deixarmos que os lóbis do betão continuem a dar cartas neste processo, teremos um desastre monumental.

Seria pois defensável, em tese, sacrificar a Portela? Uma vez que os terrenos de Alcochete são do Estado, e que se pouparão centenas de milhões de euros em obras desnecessárias de regularização e consolidação de terrenos (já para não falar dos gigantescos custos das novas acessibilidades, nomeadamente ferroviárias), a venda da Portela deixa de ser crítica para o financiamento do novo aeroporto. Deixem lá estar o aeroporto da Portela até 2020-2030. Decidam do seu futuro um ou dois anos depois de aberta a primeira fase do NAL.

Post scriptum

Alta Velocidade e eleições autárquicas em Lisboa

A Alta Velocidade está a dividir candidatos ao município de Lisboa. Sobre isto, dois pontos que me parecem evidentes (mas não aos candidatos...):
1) o governo de Portugal comprometeu-se nas Cimeiras Ibéricas da Figueira da Foz (2003) e de Évora (2005) a fazer o seu trabalho de casa na ligação AV entre Lisboa e Madrid, sendo que esta ligação ferroviária deveria estar concluída em 2010;
2) a ligação AV entre Lisboa e o Porto deve seguir pela margem esquerda do Tejo até Santarém (pois a margem direita neste trajecto encontra-se desprovida de "espaço-canal"), passando depois para a margem direita do rio, até ao Porto... e Vigo. Isto significa, claro está, que a grande interface multimodal de transportes estaria localizada na Margem Esquerda do Tejo, e que a nova ponte a construir, ferroviária, paralela à actual Vasco da Gama (por ser muito mais barata e com muitíssimo menos impacte ambiental que a proposta ligação Chelas-Barreiro) serviria uma nova linha de Metro (que curiosamente tem a mesma bitola do que as linhas de AV...) e a passagem de comboios ligando as duas margens. Os passageiros de Salamanca, Madrid, Badajoz, Sevilha, ou Porto, Vigo, Corunha, apenas teriam que optar, chegados à Grande Estação dos Dois Estuários, por apanhar um avião, outro comboio ou o metro para o centro da cidade de Lisboa.

Lisboa merece ser pensada, neste preciso momento, e aproveitando os desafios impostos pelas crises energética e climática, a partir de uma visão de futuro, à distância, pelo menos, de um século, à escala de uma cidade-região, e não a partir dos cálculos mesquinhos dos quadriénios eleitorais. Olhem para Lisboa como a cidade-região dos grandes estuários! Pensem na extraordinária possibilidade de fazer renascer esta cidade-região como o maior projecto sustentável da Europa no século 21. Se o fizermos, a nova economia, o investimento e milhões de pessoas acorrerão a esta esperada utopia. Pensem num cenário multicultural (sobretudo euro-africano e euro-americano), multi-linguístico, na ordem dos 6 milhões de pessoas até ao final deste século.

Se a cidade-região de Lisboa, se a região dos grandes estuários, se lançar num projecto com esta grandeza de espírito e estabelecer três fortíssimos eixos de ligação a Vigo, Salamanca e Madrid, será a capital espanhola que deverá temer Lisboa, e não o contrário!


A "Portela + 1" na visão de António Brotas

A expressão "Portela + 1" , hoje muito usada na Comunicação Social, pode significar que o aeroporto da Portela deve continuar em funcionamento durante um largo periodo (não inferior a duas décadas) e que devemos iniciar o mais rapidamente possivel a construção por fases de um novo aeroporto num local onde possa vir a ter uma muito grande possibilidade de expansão. Se a primeira fase (uma pista e algo mais) puder ser inaugurada daqui a 5 ou 6 anos, todas as dificuldades aeronauticas presentes e futuras da região de Lisboa ficam resolvidas. Daqui a uns 10 anos, quando começarmos a pensar na construção da 2ª fase do novo aeroporto, teremos de decidir se ele se deve expandir de modo a substituir completamente a Portela, ou se devemos adoptar em definitivo o modelo dos dois aeroportos em funcionamento. Esta discussão, no entanto, agora é prematura e algo deslocada numa campanha para a Câmara de Lisboa.

A fórmula "Portela + 1" pode, no entanto, também significar que devemos, desde já, desviar para bases militares e outros aeroportos parte dos voos low cost que actualmente sobrecarregam a Portela, retardando assim a sua saturação. Tenho defendido esta solução, desde que ela seja feita com encargos muito reduzidos. As duas concepções são perfeitamente conciliáveis. O que me parece totalmente errado é encararmos a solução "Portela + bases militares" como uma solução definitiva que nos dispense de pensarmos num novo aeroporto.

O projecto de um novo aeroporto convenientemente planeado e a construir de um modo faseado numa zona onde possa ter uma grande possibilidade de expansão, como é o caso da Carreira de Alcochete, pode ser, com as actividades anexas que pode estimular e desenvolver , um projecto com um imenso impacto no desenvolvimento português neste meio século.

António Brotas
Professor Jubilado do IST
Comentário:

Concordo totalmente com a posição do Professor Brotas.

Creio, no entanto, que uma vez que as obras de ampliação da Portela já estão em curso, não resta outra alternativa a não ser encarar o "+1" como Alcochete (a única localização na margem esquerda do Tejo que se apresenta efectivamente livre de obstáculos físicos e humanos, podendo servir de âncora estratégica à criação da grande cidade-região de Lisboa: a cidade dos grandes estuários!

Desconsiderando a hipótese cínica de Marcelo Rebelo de Sousa de avaliar a posição do governo como um "bluff" descarado para distrair as atenções do país durante a presidência portuguesa da UE, desviando ao mesmo tempo as atenções desta da Ota, parece-me que deveríamos estudar seriamente a qualidade da proposta patrocinada pela CIP, entendida, como Brotas o faz, como uma solução "Portela+1", sendo que este "1" deverá ser visto e projectado como uma estrutura progressiva, de geometria variável e com uma missão estratégica de primeiro plano: pensar a cidade-região dos grandes estuários como um dos primeiros e mais importantes projectos regionais de transição energética e ecológica da Europa.

A ideia, igualmente cínica, de que o governo PS não fará nunca o NAL na margem esquerda do Tejo, porque aquilo é efectivamente um deserto... eleitoral (como bem viu um observador atento do fenómeno), vive ainda nalgumas cabeças empobrecidas de neurónios de alguns dirigentes do PS. Mas porque não vêem eles o problema ao contrário?! Enquanto se mantiver a margem esquerda como uma zona de exclusão económico-social, ela continuará a ser, naturalmente, uma zona vermelha. O facto de o PCP tergiversar sobre a implementação do NAL nas suas coutadas eleitorais é um sinal claro dos seus óbvios receios. Se, pelo contrário, houver lucidez (até partidária!), perceber-se-à que 1) um governo não pode agir em matérias tão relevantes quanto esta segundo critérios de pequenez partidária; 2) perder alguns votos no Oeste, nas próximas eleições (a perda eventual da actual maioria absoluta não depende obviamente daqueles votos...), permitirá ganhar a prazo uma vantagem eleitoral durável no distrito de Setúbal, sem o que a cidade-região das duas margens nunca mais arrancará, crescendo em seu lugar uma mancha suburbana de especulação imobiliária, economia informal, desemprego e problemas sociais, cada vez mais difícil de recuperar. Os gerontes que actualmente mantêm o PCP encalhado programática e eleitoralmente, se o NAL for para a margem esquerda, desaparecerão rapidamente em vez de se reproduzirem ad eternum, para bem de um novo PCP, arejado e preparado para o século 21, e da dialéctica política no nosso país. Uma tal transformação induziria efeitos profundamente benéficos.



Notas:
1- A questão aeroportuária portuguesa - Resumo da posição do autor destas linhas

*Aeroporto de Lisboa

-- Manutenção da Portela, decentemente renovada, até 2017...
-- Se houver entretanto saturação da Portela, ou problemas de segurança mais cedo do que o estimado, complementar a Portela com... a primeira fase de Alcochete (2015).
-- Se, pelo contrário, a crise energética assumir proporções dramáticas a partir de 2010-2012, manter a Portela aberta e Alcochete em stand-by.
-- Se aparecerem novos paradigmas aeronáuticos, menos dependentes do petróleo e menos poluentes, e o crescimento anual do tráfego aéreo continuar ao ritmo de 3- 5% ou mais, avançar com o NAL de Alcochete e eventualmente fechar a Portela em 2020-2030.
Neste caso, a cedência da Portela num negócio que traga dividendos à CML pode ser uma das vias de atracção dos futuros investidores no NAL.
Mas a privatização da ANA é um perigo, pois em menos de um abrir e fechar de olhos estaria nas mãos dos espanhóis da Ferrovial (uma das maiores construtoras europeias, que há menos de um ano tomou de assalto a BAA, simplesmente o maior operador de aeroportos do mundo!), ou da AENA (Aeropuertos Españoles y Navegación Aérea. Entidad Pública Empresarial, adscrita al Ministerio de Fomento). Neste caso, seriam os espanhóis a comandar directamente a política aeroportuária nacional, privilegiando obviamente a estratégia centralista de Madrid (como têm feito até agora em toda a Espanha e em particular na Catalunha)

*Aeroporto Sá-Carneiro

-- Adequar a operacionalidade do aeroporto: aumentar o "taxi-way" e instalar adequados sistemas de apoio à operação das aeronaves, como, por exemplo, o absolutamente imprescindível ILS (Instrument Landing System - Sistema de Aterragem por Intrumentos)
-- Manter a gestão do aeroporto na ANA

*Sistema aeroportuário do Algarve

-- Integrar o aeroporto de Faro e os anunciados novos aeroportos de Beja, Loulé e Portimão, num único Sistema Aeroportuário
-- Colocar a gestão deste sistema sob o cuidado da ANA

*Regiões autónomas

-- Abrir os aeroportos das ilhas à concorrência das Low Cost
-- Manter a gestão dos aeroportos na ANA
-- Assegurar o transporte aéreo entre ilhas (custos de insularidade a assumir pelo Estado)

2 - O Expresso (16-06-2007) revela que tornaram público o seu patrocínio do estudo da CIP, além do mediático comendador Joe Berardo, Carlos Barbosa, Patrício Gouveia e Alfredo de Mello. O Expresso afirma ainda que também a Lusoponte ajudou a financiar o estudo.

Estudo da CIP sobre NAL (28,3 MB). Obrigado à Alambi
.

OAM #217 16 JUN 2007

terça-feira, junho 12, 2007

Aeroportos 28

Campo de Tiro Alcochete
Novo Aeroporto de Lisboa? Campo de Tiro de Alcochete?

Quercus? Jamais!

Ou a história do amigo da onça do ambiente

O antigo ministro Campos e Cunha defendeu, esta terça-feira, a opção "Portela mais um" para construir o novo aeroporto internacional de Lisboa e alertou para a urgência de tomar uma decisão sobre este tema ainda «durante este ano». (TSF online 16:52 / 12 de Junho 07 )
Um dia depois do volte-face governamental, induzido por José Sócrates quando finalmente percebeu que a razão de Estado e a razão do Povo quando coincidem podem muito (prestando atenção aos recados de Mário Soares e ainda ao crescente desinteresse dos privados pelo embuste da Ota, de que o silêncio dos financeiros e a iniciativa da AIP eram há algum tempo óbvios sinais), ficámos a saber uma coisa extraordinária: a célebre frase atribuída a Mário Lino --"Na Margem Sul, jamais! jamais!"-- teria sido afinal proferida pelo imberbe intelectual que há anos fala e viaja em nome da Quercus, o Professor da Universidade Nova, Francisco Ferreira.

Num debate promovido pela SIC Notícias (Jornal da Noite, 12-06-2007), Francisco Ferreira, incapaz de ter um discurso minimamente honesto e articulado sobre o embuste da Ota e sobre as alternativas em cima da mesa (Portela + Montijo e, lá mais p'ra frente, se for caso disso, uma "cidade aeroportuária" em Rio Frio, Poceirão-Faias ou Alcochete), acabaria por cair nas armadilhas sabiamente estendidas por Mário Lopes e Paulino Pereira. O primeiro, perguntou candidamente ao anjo calvo da Quercus como se havia chegado à conclusão de que Rio Frio era inviável do ponto de vista ambiental... O querubim começou a balbuciar:
--foi o estudo...
--Ah! ah! --interrompeu o professor de estruturas do IST (Técnico)--: não houve nenhum "estudo"; deixe-me ler o que diz o Parecer da Comissão de Avaliação de Impacte Ambiental de 22 de Setembro de 1998:

"Existem descritores que tiveram uma abordagem deficiente, e que deveriam ter sido objecto de estudos mais adequados à fase de selecção de alternativas pelo que a CA considera que as conclusões constantes nos EPIA não são suficientes ou válidas como elemento de base para a tomada de decisão".
Ou seja,
"Os estudos de impacte ambiental elaborados antes de 1999 indicaram que tanto Rio Frio como a Ota, as únicas alternativas então comparadas, apresentavam impactes ambientais significativos, mas que estes eram piores em Rio Frio. No entanto não eram suficientemente graves para inviabilizar a construção do aeroporto nesse local mas requeriam mais medidas de minimização de impacte ambiental. Ou seja, tratava-se de um parecer e não de um veto, como realçou recentemente a ministra Elisa Ferreira, que em 1999 assinou esse parecer." (in OTA: o desastre económico. Alternativas; Mário Lopes, Maio 2007.)

-- tá a ver? foi uma decisão meramente política!
-- pois foi... (anuíu a angélica criatura.)
A entrevista assumia tonalidades patéticas sempre que o pobre alcaide de Alenquer olhava em direcção ao diminuído boss da Quercus suplicando por uma ajudinha a favor do Oeste. O debate foi-se aproximando do fim com a desmontagem brilhante e insistente das defensivas de Francisco Ferreira, desenvolvida pelo Professor do Técnico, Paulino Pereira.

O guardião envergonhado da Quercus perdeu o último dos argumentos técnicos sobre os inconvenientes ambientais da Margem Sul desta maneira: se a Ota for para a frente, dada a sua impossibilidade de expansão e a sua previsível saturação em 2030 ou 2050 (tanto faz), em 2020 ou 2040 já teremos que estar a planear outro aeroporto, pelo que teremos impactos ambientais a dobrar no mesmo aquífero! Ou não será? Em suma, a Quercus escolhera a Ota por seguidismo político e sobretudo, digo eu, para fazer o frete a um dos mais desastrosos ministros de obras públicas de que há memória: João Cravinho.

Perante a fraca reacção do adversário, Paulino Pereira lançou então um inesperado ataque contra o pseudo-ambientalismo que, sabe-se agora, foi um dos principais co-responsáveis pela calinada da Ota. Aliás, mais do que um simples ataque, o desabafo do professor do Técnico foi o autêntico cheque-mate que fechou com chave de ouro mais um capítulo da desconstrução do embuste da Ota (em palavras minhas):
-- Pois, pois, sabe, eu ontem almocei com o ministro Mário Lino, depois do debate na Assembleia da República, e ele confessou-me que quem lhe havia dito que um aeroporto na Margem Sul, "Jamais!", foi a Quercus!
O aeroporto da Ota morreu (1), felizmente. E com este óbito espera-se que tenha morrido também a visão pequenina de Portugal que, em vez de projectar o país em direcção à nova Europa, sem deixar de tirar partido da sua situação atlântica privilegiada, prefere encolher em direcção ao litoral, como se esse não fosse o caminho mais rápido para garantir o sucesso da efectiva estratégia radial de Madrid. Basta ver o que, com esta idiotia suicida, já aconteceu aos nascimentos na zona fronteiriça de Elvas-Rio Maior! A ideia de que um aeroporto obtuso na Ota, um TGV Lisboa-Porto (depois do tempo e dos milhões gastos no Alfa Pendular) e um porto de águas profundas em Peniche --espécie de novo centro de gravidade em pânico com as afinidade galegas do Norte e a paixão pelas touradas, do Sul-- salvariam Portugal da Espanha, é uma ideia completamente senil e que já nos fez a todos perder, pelo menos, cinco anos na definição da nossa estratégia de transportes, além de estuporar a famigerada Alta de Lisboa, tão necessária à expansão e modernização do aeroporto da Portela, que, com uma rápida e baratíssima deslocação de algumas companhias de Low Cost para o Montijo, permitiria, não apenas aproveitar ao máximo o potencial deste novo paradigma do transporte aéreo, como estender a própria duração da Portela até 2030 ou mesmo 2040. A crise energética e climática que aí vem previne qualquer pessoa com um mínimo de juízo contra as curvas de crescimento para lá de 2030. O paradigma do business as usual está ameaçado irremediavelmente pela revolta de Gaia. E um país aflito com as suas finanças públicas, no fim de um período de bonança e de subsídios, do que menos precisa é de pacóvios na política. O tempo dos novos-ricos acabou. É preciso trabalhar, colocar os pergaminhos de lado e muito, muito bom senso.

Post scriptum (13-06-2007 12:06) - Recebi a seguinte resposta do Professor Francisco Ferreira, dirigente da Quercus:
"Mas eu nunca disse essa frase.... ;-)"
Comentário: Mas foi o que eu percebi da conversa televisiva de ontem...;
No entanto, a perplexidade permanece: se não tinha argumentos técnicos para recomendar a Ota, porque recomendou? Não acha que assuntos demasiado sérios (como toda a política de transportes de um país -- que anda num virote por causa das quimeras e ambições patéticas do ex-ministro e teimoso activista João Cravinho (e de uns galeguistas de meia-tijela)-- merecem posições mais avisadas e claras de uma ONG como a sua? Ou será q a sua ONG passou a ser uma Organização Pró Governamental (OPG)?!



Notas:
1 - Este meu optimismo deve ser moderado, nomeadamente por alguns bons avisos à navegação, como os recentemente publicados no blog Blasfémias:
Convirá não esquecer
O Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) é uma instituição de
Ciência e Tecnologia do sector do Estado, sob a tutela do Ministério das
Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que exerce a sua acção nos
múltiplos domínios da engenharia civil.

CAA às 17:30 | Muitas heresias (93)

Repito
Este recuo táctico do Governo na escolha da localização do aeroporto, cada
vez mais, parece uma manobra de diversão. Que conta com a lamentável
cumplicidade da oposição que temos.
- O LNEC não oferece garantias de imparcialidade já que depende do
ministro-do-compromisso-pessoal;
- O estudo não pode centrar-se em questões de engenharia;
- O estudo não pode limitar-se a uma comparação entre a Ota e Alcochete;
- Qualquer decisão que se queira séria e convincente tem de entrar em
linha de conta com a hipótese Portela + 1;
- Mário Lino esgotou a sua capacidade política nesta questão - o modo
destemperado como agiu ("só mudarei de opinião se houver um milagre!";
"Jamais"!; A margem sul é um deserto!") desqualificou-o definitivamente
como titular de um órgão decisor numa matéria tão relevante;
- Qualquer decisão sobre o novo aeroporto que tenha Mário Lino como
interventor está ferida de parcialidade, viciada à partida, seja qual for
o seu sentido final.

CAA às 16:50 | Muitas heresias (38)

OAM #216 13 JUN 2007

segunda-feira, junho 11, 2007

Aeroportos 27

Alcochete, Portal S. Francisco
Alcochete, Portal de São Francisco CC

Aeroporto da Ota: paz à sua alma!

De repente, o país começou a descobrir o valor da cidadania e da participação democrática na discussão da coisa pública. Os casos, curiosamente desencadeados por uma nova, atenta, crítica e responsável blogosfera, são conhecidos: a trapalhada das qualificações académicas do primeiro-ministro e o embuste da Ota. É certo, em bom rigor, que o país se movera já, com igual eficácia, mas certamente com menos argumentos e impacto pedagógico, aquando da tentativa de construir a barragem de Foz Côa (em substituição da qual o governo de José Sócrates quer agora construir, uma vez mais sem discussão pública séria, a barragem do Baixo Sabor), ou da construção da célebre central de co-incineração de resíduos perigosos. Mas o caso da imposição popular de uma discussão pública ao mais alto nível sobre o Novo Aeroporto Internacional de Lisboa é, apesar dos antecedentes, muito diferente: governo e políticos em geral foram arrastados para uma discussão efectivamente imposta pela cidadania. Pouco importa que Cavaco Silva, por experiência própria, se tenha apercebido, antes do teimoso e desautorizado Sócrates, que a composição da Ota caminhava para o abismo. O certo é que este debate democrático, que hoje teve uma enorme vitória (gostaria de saber quantas pessoas seguiram o canal Parlamento durante o debate...), marca o início de uma nova relação entre quem vota e paga impostos e os que são eleitos para governar ou ser oposição. Um aviso aos candidatos à autarquia de Lisboa. O Costa que se cuide!

Os argumentos foram ditos e repetidos até à exaustão por toda a gente que sabe ou simplesmente sabe ler e tem bom senso. Eu escrevi 27 vezes sobre o assunto! Hoje, à excepção da senhora da NAER (que desgraça! como é possível manter gente deste calibre em posições de chefia?), de dois deputados do PS atentos e obrigados, de um burocrata que fora alguém numa CCR e cujo nome não retive, e de um socratintas chamado José Manuel Palma-Oliveira (diz que tem um "PhD em Psicologia Social"), que a despropósito invocou o facto de ter sido em tempos presidente da assembleia geral da Quercus (cargo de onde foi corrido por manifesta incompatibilidade com a sua defesa da co-incineração e sobretudo com o facto de ser consultor da Scoreco, uma empresa do grupo SECIL), não havia ninguém no debate realizado a convite do presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, que defendesse a Ota. E de hoje em diante duvido que alguém mais saia a terreiro em defesa da Ota. O novo aeroporto da Ota morreu. Paz à sua alma!

A inflexão notória da argumentação, cada vez mais sofisticada, de Augusto Mateus, apontando claramente para uma solução na Margem Sul foi um grande progresso. Falta-lhe ainda perceber que não pode contar com os terrenos do aeroporto da Portela, nem com a privatização da ANA para o seu business plan.

A posição da Quercus (1), uma associação ambiental completamente capturada pelas delícias do poder, apesar de estar manifestamente de cócoras perante este governo (parece que é doença nascida do convívio com João Cravinho e até com Luis Nobre Guedes!), foi hipócrita e cobarde: se a Ota for de todo inviável (não sabe há muito que é?!), então que se estudem com muito cuidado outras opções, nomeadamente na margem Sul. Mas Alcochete não! No passado dia 8 à Lusa, Francisco Ferreira, vice-presidente desta associação ambientalista, avisava (julgando fazer um frete a José Sócrates) que "o campo de tiro de Alcochete está rodeado de zonas de grande importância ambiental, como a reserva natural do Estuário do Tejo". Pergunto: e os tiros não afectam?! E a suburbanização selvagem de toda a Margem Sul, desde o ciclo industrial até hoje, não afecta e continua a afectar a reserva? E um aeroporto, ou outra grande infraestrutura não pode ter precisamente a função de requalificação que a especulação imobiliária e o actual modelo de financiamento autárquico nunca terão? Algumas ONGs estão cada vez mais parecidas com alguns sindicatos, cegas, surdas e mudas para tudo o que não lhes alimenta a essência burocrática e o conforto. Tal como os sindidatos, precisam de um grande arejamento de ideias, de mecanismos transparentes de avaliação e renovação automáticos e sobretudo de muito sangue novo.

Mas o mais importante para a sanidade desta pugna democrática foi a posição anunciada, a contre-coeur, por Mário Lino: um prazo de seis meses para avaliar os cenários alternativos à Ota. É o corolário esperado do desabafo de José Sócrates no parlamento, quando disse que "Portela seria a melhor opção, mas que tecnicamente não é possível", e sobretudo da enorme pressão posta no tema pelo Presidente da República.

O Presidente da República opõe-se à Ota. Todos os partidos da oposição estão contra a Ota. A Associação Industrial Portuguesa não só está contra a Ota, como propõe em alternativa o NAL no actual campo de tiro de Alcochete. A Unihsnor Portugal, associação nacional que representa os sectores da Hotelaria, da Restauração e do Turismo no Espaço Rural, considera que o turismo nacional não precisa de uma cidade aeroportuária ou de um mega aeroporto. 114 engenheiros do Instituto Superior Técnico subscreveram um manifesto contra a Ota. A Ordem dos Engenheiros, pela voz do seu presidente, colocou sérias reservas à construção do NAL na Ota. A Associação Portuguesa de Pilotos de Linha Aérea (que agrega a totalidade dos pilotos da TAP e a esmagadora maioria dos pilotos civis) revelou claramente a sua discordância face ao processo de decisão sobre o novo aeroporto, colocando ao mesmo tempo reservas firmes à segurança aeronáutica na zona da Ota. Altas patentes militares fizeram chegar a sua voz a Cavaco Silva sobre a inevitabilidade de fechar a Base Aérea da NATO em Monte Real, caso o NAL na Ota fosse para a frente. Todos os candidatos à presidência da câmara municipal de Lisboa, à excepção de António Costa, opõem-se ao NAL na Ota, ao fecho do aeroporto da Portela e sobretudo à alienação dos respectivos terrenos e privatização da ANA para abancar o embuste da Ota.

O lóbi da Ota, que escolheu António Costa na esperança de que ele disponibilize rapidamente os terrenos da Portela para abancar o consórcio de empreiteiros que há muito saliva pela Ota (Somague, OPCA, Mota Engil e Soares da Costa), perdeu esta guerra. Imagino que empreiteiros e bancos já estejam a fazer contas sobre o Montijo e Alcochete. Fazem bem.

Boa sorte Margem Esquerda!

PS: Para os que pensam que a Alta de Lisboa vai ser um novo pulmão verde da cidade (perdão, um bife do lombo imobiliário, como sublinhou Demétrio Alves), talvez fosse bom meditarem na desagradável azia que tal ilusão (mal aconselhada) já provocou ao senhor Stanley Ho.



Notas
1- Já depois de escrito este post, vi num noticiário televisivo da noite (11-06-2007 11:00), uma jovem da Quercus defender que ambas as soluções, Ota e Alcochete, eram "igualmente" más, e que a solução deveria começar por avaliar a opção, defendida por muitos (entre os quais me encontro), da Portela renovada e expandida + Montijo. A Quercus levou tempo a perceber que o governo já tinha mudado de posição, e que portanto a sua oportunista voz contra o deserto da Margem Sul era escusada, por fora de horas. Mas reconhecer um erro e emendar a mão é sempre um sinal de esperança. Bem-vindos ao clube dos pessimistas sobre o crescimento exponencial do tráfego aéreo mundial!



OAM #215 11 JUN 2007

quinta-feira, junho 07, 2007

Aeroportos 26

Ota: morta à nascença e insegura



Cmte. Lima Basto põe dedo na ferida do putativo aeroporto da Ota: esgotado antes de nascer! A operacionalidade aérea é reduzida, a mobilidade automóvel na zona já se encontra saturada agora, quanto mais em 2017, e a segurança aeronáutica é inferior à da Portela ou de qualquer solução na Margem Sul.

O debate promovido pelo Prós e Contras de 04-06-2007 fora desenhado para dar mais uma ajudinha à hipótese da Ota. Para tal, procurou-se discutir apenas a alternativa entre Ota e Margem Sul. A hipótese Portela+Montijo foi liminarmente censurada. Não houve ninguém a defendê-la, quando é a única solução óbvia e atempada face ao desafio lançado pelas companhias de baixo custo (Low Cost). O horizonte de 2017 é demasiado longínquo face às mutações rapidíssimas,
à escala global, no sector dos transportes aéreos (rodoviários, ferroviários e marítimo-fluviais), em grande medida por causa de dois fenómenos gravíssimos e que se avolumam rapidamente: a crise energética (esgotamento das reservas petrolíferas mundiais) e as alterações climáticas provocadas pelo aquecimento global.

O fenómeno das Low Cost foi a resposta encontrada face às pressões combinadas do crescimento mundial do tráfego aéreo, do consequente aumento das emissões de gases com efeito de estufa e da alta imparável dos preços do petróleo. Tais companhias cresceram rapidamente, sobretudo a partir de 2003 (portanto, muito depois dos estudos invocados pela estranha teimosia do actual governo PS), apostando na redução radical dos custos de contexto, nas ligações ponto-a-ponto (com recurso crescente a pequenos aeroportos remodelados) e em aviões novos, que consomen menos 30% de combustível e fazem menos ruído do que os aviões mais antigos, como os que fazem parte das frotas da TAP e da PGA.

Prevê-se que em 2012 o negócio das Low Cost "amadureça", i.e. que cresça exponencialmente até esse ano, entrando depois num período de crescimento moderado. Até lá, dezenas de companhias aéreas nacionais (de bandeira) serão forçadas a desaparecer ou a fundir-se em dois ou três consórcios de escala europeia, os quais terão, mesmo assim, que proceder a uma dramática reconversão do modelo de negócio (protegido e despesista) até agora adoptado, com a consequente alienação de sucata e despedimentos de pessoal. É neste contexto que a compra da Portugália Airlines, pelo valor de 140 milhões de euros, por uma TAP que depois o Estado pretende alienar a um dos consórcios europeus que vier a formar-se nos próximos dois ou três anos, não faz qualquer sentido e só pode configurar um negócio obscuro entre o actual governo e um dos grandes figurões da banca portuguesa, o Grupo BES.

O novo paradigma do transporte aéreo, em grande parte acelerado pelos efeitos do 11 de Setembro de 2001, não se compadece com a Ota. Segundo tal paradigma precisam-se, muito rapidamente, de aeroportos ligeiros, baratos e próximos dos destinos turísticos e de negócios. Se não estiverem próximos, as ligações rodoviárias e ferroviárias entre tais aeroportos e os destinos que servem têm que ser rápidas e portanto desimpedidas de tráfegos há muito congestionados, por forma a não ultrapassar os tempos somados das esperas, facturação (check-in) e atrasos de horário médios em todos os grandes aeroportos europeus (1h30mn a 2h00mn). Qualquer NAL, i.e. novo grande aeroporto internacional de Lisboa, projectado para inaugurar em 2017, seja na margem Norte, seja na margem Sul, não é resposta ao desafio do transporte aéreo actual. E 2017, ninguém de bom senso pode neste momento prever o que será. A minha intuição é que só os ricos voarão, nos Corporate Jets ou em super-aviões do tamanho do Airbus A380 ou maiores, e que as mercadorias andarão muito mais de barco e de comboio do que actualmente. Por conseguinte, o problema que temos entre mãos para decidir é saber se vamos ou não dar resposta imediata ao desafio das Low Cost.

O economista Augusto Mateus, contratado pelo governo para imaginar uma "cidade aeroportuária" e titubear em volta da Ota, é decididamente míope. Então ele não vê que a cidade aeroportuária de Lisboa já existe?! E que pode ter 4 pistas: duas na Portela e duas mais no Montijo, sem quaisquer problemas, permitindo a sobrevivência de uma tal estrutura até, pelo menos, 2040, muito para além da duração prevista para a Ota (2028)? E que ainda estamos a tempo de reverter o desastre imobiliário da Alta de Lisboa a favor de todos os centros de excelência e de mais-valias que ele quiser para glória da Portela? Não seria mais útil aos paisanos deste país, que pagam os estudos (todos os estudos!), se este ex-ministro da economia
do PS (pelos vistos, um estudante aplicado e assíduo) olhasse para a realidade com olhos de ver, em vez de tresler ideias alheias, e dissesse o que realmente pensa sobre o putativo aeroporto da Ota?

Portela taxiway
Com o "taxi way" prolongado, o tráfego da Portela poderá aumentar para 44 movimentos/hr. Basta um pequeno investimento. - Rui Rodrigues.


Ainda sobre segurança, o Cmte. Lima Basto focou o problema do atravessamento da pista secundária (17-35), quando os aviões fazem o taxiway na sequência de uma aterragem nessa pista de recurso, o que ocorre quando há alteração dos ventos dominantes. No entanto, até este erro de concepção no desenho das pistas pode ser facilmente ultrapassado desde que se prolongue a via de taxiway que serve esta pista (como se mostra no desenho enviado por Rui Rodrigues).

"(...) Quem, como nós, voa por essa Europa fora e se apercebe do crescimento que começa, logo aqui às nossas portas com dois novos e imensos terminais em Barajas, com a decisão de um consórcio totalmente privado, em arrancar com um novo aeroporto, próximo (mas não no meio) de Madrid (Aeroporto Internacional de D. Quijote), da construção de uma nova pista em Barcelona, da abertura de Badajoz ao tráfego civil, não podemos deixar de pensar que os nossos governos têm andado a dormir, embalados pela demagogia de muitos e pelos sonhos irrealizáveis de outros. Talvez esteja na hora de acordar..."

Victor Silva Fernandes, Comandante de A310. (Link)

Estas palavras sábias, escritas em 2003 (para António Guterres decidir...) deviam ser reflectidas por todos nós. Precisamos de parar o polvo que comanda este governo de socratintas!

PS: ao contrário do que se pensa, só a imediata activação do Montijo para as Low Costs dará a necessária folga à TAP para decidir do seu futuro. Fernando Pinto, recém eleito presidente da IATA, em entrevista dada hoje (07-06-2007) à SIC Notícias, disse que desde que chegou a Portugal, há sete anos, que espera pela melhoria das condições de operacionalidade da Portela. E que 2017 está muito longe! Para bom entendedor...

OAM #213 07 JUN 2007