quinta-feira, fevereiro 07, 2019

Pedro Marques e as Berlengas

G2 approaching from Shanghai Hongqiao on the first day of 350km/h operation on Beijing-Shanghai HSR.
Photo: N509FZ

A história da bitola explicada às criancinhas

“Ferrovia 2020 tem uma taxa de execução de 40%”, diz Pedro Marques 
SAPO, Ana Sofia Franco, 06/02/2019, 13:18 
“A nova ligação ferroviária a construir entre Évora e Elvas pretende reforçar a conexão ferroviária dos portos e das zonas industriais e urbanas do sul de Portugal a Espanha e ao resto da Europa.”
Esta é uma daquelas afirmações mecanicamente reproduzida por todos os jornais, seguramente fazendo copy-paste dum despacho da Lusa que, por sua vez, foi buscar a frase ao sítio da Infraestruturas de Portugal, sem sentido, nem verdade, mas que retrata bem o pântano de propaganda em que estamos mergulhados.

A Espanha vai ter todas as suas linhas ferroviárias transfronteiriças, quer em direção a França, quer em direção a Portugal, mudadas para bitola europeia (UIC), até 2023. Sendo assim, nenhum comboio oriundo de Portugal poderá em breve cruzar a fronteira, pois o anunciado plano ferroviário do ministro Pedro Marques continua a prever apenas linhas férreas de bitola ibérica. Sabendo deste atavismo ferroviário dos sucessivos governos lusitanos, os espanhois começaram a construir portos secos em Badajoz e Salamanca. Ou seja, os comboios portugueses levam as mercadorias até à fronteira e depois haverá que fazer o respetivo transbordo para a rede ferroviária espanhola de bitola europeia.

Os estados falidos não têm, por definição, capital. Logo, devem evitar negócios cada vez mais competitivos e assentes em capital intensivo, financeiro e humano. É por isso que a CP Carga foi entregue aos italianos da MSC, que a CP irá ser privatizada mais cedo do que tarde, e que a TAP acabará por colapsar, e o governo de turno será, então, obrigado a terminar o processo de privatização que ficou a meio.

Temos um país sem capitalistas, sem bancos, e com um Estado sem capital. Logo, não é assim tão difícil saber o que fazer... E no entanto, António Costa e o seu caricato ministro das infraestruturas, curiosamente semi-demissionário e a caminho de Bruxelas (dizem), insistem em despejar centenas de milhões de euros em soluções ferroviárias sem futuro. Fazem-no, quero crer, porque ninguém até hoje lhes desmontou a doutrina Cravinho sobre o território, e também porque simplesmente desconhecem o que é uma bitola ferroviária, e para que serve!

Vamos, enfim, esclarecer este mistério que tanto confunde governantes, políticos e jornalistas.

O mérito vai inteirinho para o Professor do Técnico, Jorge Faria Paulino, uma das vozes mais autorizadas em matéria de mobilidade e transportes que, como eu, participa num dos mais animados grupos de discussão da blogosfera sobre ferrovia, aeroportos e transporte aéreo, barragens e energia.

Pedro Marques leva mercadorias, de Sines até Badajoz...

Aqui vai...
Um pequeno esclarecimento relativamente à bitola... 
1. Em meados do século 19, quando o transporte ferroviário se implantou nos países do Mundo, as duas superpotências eram a França e o Reino Unido. E eram elas que controlavam o Globo, em termos tecnológicos, militares, comerciais e económicos.

2. A França utilizava a bitola [distância entre carris] internacional, também chamada "bitola francesa" (1,435 a 1,50 m). O Reino Unido usava duas bitolas: uma bitola larga (1,667 a 1,70 m ), para zonas planas e de grande circulação; e uma bitola estreita (0,90 a 1,0 m), para percursos sinuosos, pouco utilizados ou de montanha. 
A França estava na Europa Continental. Quem se queria ligar a ela e permutar produtos com a sua poderosa economia, tinha de ter a bitola francesa. Por isso a leste da França (Bélgica, Holanda, Alemanha, Itália, etc) todos os países usaram a bitola francesa (aliás, politicamente, quem mandava nesses países ainda era o que restava das monarquias implantadas por Napoleão e sua família ao redividir a Europa). 
Os britânicos implantaram a bitola inglesa larga e estreita no seu país (então, Reino Unido e na Irlanda) e no seu império (Áfricas, India e outras Ásias, América do Sul e central). A bitola larga era muito mais cara do que a bitola estreita, pelo que, nos territórios que constituiam o Império Britânico, se passou a privilegiar sempre a bitola estreita ou métrica (que ainda hoje lá está...). 
Por questões de marketing e de estratégia militar, o Reino Unido procurou assustar a Espanha e a Rússia, que tinham sofrido na pele com as invasões napoleónicos, afirmando que para melhor defesa dos seus territórios, deveria haver uma descontinuidade na via férrea. Assim não seriam tão rapidamente invadidos (as tropas napoleonicas andavam em marcha a pé; com o caminho de ferro passaram a circular de comboio e assim aconteceu até à 2ª Guerra Mundial). E foi assim que a Espanha e a Rússia passaram a ter bitola larga e a bitola estreita, britânicas.

3. Mais tarde, os ingleses acharam que era uma tolice ter 2 bitolas, porque assim tinham necessidade de ter vias algaliadas em muitos locais e percursos. E acabaram com a bitola larga e a bitola estreita e passaram tudo para a bitola francesa (que assim se passou a chamar de bitola internacional). E na Inglaterra e zonas limitrofes onde a Revolução Industrial fizera do Reino Unido a maior superpotência, eles mudaram a bitola em questão de poucos anos.

4. Em Portugal, os técnicos superiores (leiam-se engenheiros) tinham formação teórica na França (École Nationale de Ponts et Chaussées, onde tudo era republicano e defensor da Revolução Francesa). Por isso, em Portugal, a primeira linha que se fez na zona de Lisboa também tinha bitola francesa (ou internacional). 
Como os espanhóis tinham enveredado pela bitola larga e a bitola estreita britânicas, Portugal teve de seguir a mesma metodologia, para não ficar uma ilha ferroviária que não se poderia ligar à Europa. 
Agora os espanhóis estão a mudar progressivamente as suas grandes linhas para bitola internacional e Portugal estará de novo em risco de se tornar numa ilha ferroviária. Em suma, pensava-se melhor em meados do século 19 em Portugal do que agora... 
Jorge Paulino Pereira

quarta-feira, fevereiro 06, 2019

César e Francisco

El papa Francisco, durante la rueda de prensa en el avión de regreso a Roma.
ALESSANDRA TARANTINO (AP)/ cropped

O meu reino não é deste mundo


El cinismo del papa Francisco 
La neutralidad del Vaticano en la crisis venezolana sirve de apoyo a Maduro
RUBÉN AMÓN
El País, 5 FEB 2019 - 15:30 CET 
No es Irán la única teocracia contemporánea que abjura del presidente Guaidó. Se resiste a reconocerlo el Vaticano, tanto por la idiosincrasia bolivariana del papa Francisco como porque su actual secretario de Estado, Pietro Parolin, fue el artífice de la reconciliación —de la comunión— entre el chavismo y la Santa Sede en los tiempos idólatras del mariscal Hugo. 
Es la razón por la que Nicolás Maduro ha pedido la mediación moral y política del sumo pontífice. Pretende involucrarlo como árbitro de una conferencia de países “neutrales” —México, Uruguay— convocada en Montevideo este jueves como salida al aislamiento del tirano venezolano.

Interessante, esta análise! É um facto que as ditaduras nunca assustaram o Vaticano. Basta lembrar a Itália de Mussolini, a Espanha de Franco, o Portugal de Salazar, e o Chile de Pinochet. Porque haveria então o Papa Francisco, que encanta o hedonista Marcelo, de se preocupar com o chavismo e o seu desastrado herdeiro, Nicolás Maduro? A Deus o que é de Deus, a César o que é de César. Foi este negócio com as autocracias que garantiu a esta, como a outras igrejas, a longevidade do atavismo religioso. Secundariamente, esta posição 'simpática' para com o ditador Maduro, até permitirá ao Vaticano fazer a mediação que o resto dos europeus já não é capaz.

Russos e chineses acharam que poderiam avançar pelo Atlântico e pelas Américas dentro. Não podem. Mas lá que os Estados Unidos e os caniches europeus lhes deram pretexto, nomeadamente na forma hipócrita, interesseira e estúpida como lidaram com o colapso da União Sovética, e mais recentemente com a Ucrânia, ou ainda com a soberania sobre o mar do Sul da China, deram...

Agora vai ser preciso reequilibrar os dispositivos de forças, quer a leste de Berlim, quer no quintal latino-americano dos gringos. Voltamos sempre ao mesmo: a paz futura depende da realização dum Novo Tratado de Tordesilhas. Dum lado deve ficar a Euro-América, do outro a China. No meio, precisamos dum continente independente, próspero e neutral: a África.

Dito isto, a posição diplomática assumida pelo governo português é absolutamente correta. Não se defendem os interesses de Portugal, nem dos portugueses emigrados na Venezuela, apoiando um ditador alimentado com sinodólares e euros de Moscovo.

Vamos provavelmente assistir a um prolongado braço de ferro, sobretudo porque dependerá de concessões a fazer ao longo da antiga cortina de ferro, na Síria e... no Irão. Já agora, um Irão nuclear será um player decisivo no Médio Oriente, podendo mesmo afastar o espectro de Putin na região. Daí que seja tempo de os americanos e europeus darem corda aos snickers!


REFERÊNCIAS
El Papa sobre Venezuela: “Temo un derramamiento de sangre” 
DANIEL VERDÚ
El País, A bordo del avión del Papa 28 ENE 2019 - 14:23 CET 
La posición del Vaticano en el conflicto de Venezuela ha sido siempre ambigua y discreta. Su frustrado papel como mediador lo requirió en su momento. Pero ahora, en pleno ultimátum de un nutrido bloque de países a Nicolás Maduro para que convoque elecciones, millones de venezolanos y los propios mandatarios implicados —con Juan Guaidó a la cabeza de la oposición— se preguntan cuál es la opinión del Papa y la postura que adoptará la Santa Sede, con enorme influencia en la comunidad católica del país, en un conflicto que camina peligrosamente hacia la violencia. El Papa, tras varios días de silencio, pidió en el Ángelus del domingo en Panamá “una solución justa y pacífica”. Pero, ¿qué quiere decir eso? 
Los hombres de Pinochet en el Vaticano 
JUAN JOSÉ TAMAYO
El País, 2 MAR 1999 
Desde su toma de poder en Chile, tras el golpe de Estado contra el presidente Salvador Allende, el general Pinochet buscó denodadamente el apoyo del Vaticano a su dictadura militar alegando como credenciales su fe católica y su cruzada contra el marxismo, llevada a cabo en plena sintonía con Juan Pablo II, antimarxista como él. Mientras el arzobispo de Santiago de Chile, cardenal Silva Enríquez, denunciaba los atentados de Pinochet contra los derechos humanos -incluido el derecho a la vida- a través de la Vicaría de Solidaridad, el Vaticano legitimaba las actuaciones del dictador, sobre todo a través de la nunciatura.Tras los resultados adversos del plebiscito de octubre de 1988, que le obligaron a abandonar el poder, Pinochet redobló sus esfuerzos por asegurarse el aval del Vaticano, confiando en que saliera en su defensa en caso de que fuera procesado. Y la larga sombra del general se extendió hasta la curia romana, donde hoy ocupan puestos de responsabilidad de primera línea personalidades eclesiásticas afines a él.


domingo, fevereiro 03, 2019

Deem uma cana de pescar a África!

Origem

O atual modelo de ajuda humanitária a África é uma forma de colonialismo


A Europa está a envelhecer, os Estados Unidos estão a envelhecer, a China está a envelhecer, o Japão e a Rússia estão a envelhecer rapidamente. Por sua vez, a população dos Estados Unidos crescerá menos de 80 milhões até chegar aos 400 milhões de almas irrequietas em 2050. África, pelo contrário, viu a sua população passar de 140 milhões em 1900, para mil milhões em 2010. Mas já em 2050 poderão chegar aos 2,5 mil milhões de pessoas, mais do que um em cada três seres humanos do planeta!

Assim, enquanto os Estados Unidos viram multiplicar-se por quatro o número dos seus residentes entre 1900 e 2018, em África e no mesmo período a população multiplicou-se por nove!

Duas conclusões parecem óbvias: não houve nenhum genocídio visando a raça africana, e os conhecidos genocídios regionais e locais tiveram origens sobretudo de ordem geoestratégica mascaradas com conflitos religiosos e étnicos. A outra conclusão, que deverá ajudar-nos a ver com outros olhos a segunda maior massa continental da Terra, é esta: o modelo da ajuda humanitária a África é um modelo esgotado e cada vez mais oportunista, cujo prosseguimento só poderá dificultar a emancipação e o desenvolvimento genuíno deste continente e das suas gentes.

Quanto mais tarde percebermos isto, maiores serão os efeitos negativos sobre a Europa da continuação da espoliação africana em curso.

Os projetos que americanos, europeus e asiáticos continuam a desenvolver em África são sucedâneos do colonialismo. No essencial, aportam latas de feijão e de sardinha em troca de petróleo, ouro, gás natural, diamantes, metais raros, etc., corrompendo para este efeito as elites locais, e deixando as populações sem ferramentas, nem conhecimentos imprescindíveis a um crescimento endógeno, livre e saudável. A África precisa de saneamento básico, de cidades saudáveis, de hospitais, escolas e universidades, de redes de mobilidade física e eletrónica avançadas, de planeamento familiar, e sobretudo de estados constitucionais democráticos, onde a liberdade e a responsabilidade cidadãs ganhem plena expressão nos mecanismos de decisão e representação democráticas, nas liberdades individuais e coletivas, e na prevalência das leis sobre os poderes discricionários.

Chegou, creio, o momento de oferecer a África as estratégias e os conhecimentos que melhor e mais rapidamente permitirão transformar a sua explosiva demografia em formas avançadas e atuais de desenvolvimento económico, social, e cultural. O cinismo chinês não é senão mais uma forma de expropriação destrutiva do território e da paisagem humana. O brutalismo imperial dos Estados Unidos é moralmente inaceitável. A Europa, pela sua longa história de proximidade ativa e contato com África, está em condições para promover um quadro de cooperação inteiramente diverso do modelo assistencialista, que ou mascara interesses ocultos, ou meramente satisfaz as burocracias que vivem da especulação mediática com a miséria alheia.

Deixemos de assustar os europeus com as crises de migração e de refugiados oriundas de África, e pensemos nas melhores formas de saldar a nossa própria dívida para com os povos africanos.

REFERÊNCIAS

There’s a strong chance a third of all people on earth will be African by 2100 
By Gilles Pison 
Quartz, October 11, 2017 

The population of Africa is increasing rapidly. From an estimated 140 million in 1900, it had grown to a billion by 2010. According to United Nations “medium scenario” projections, this figure will rise to 2.5 billion in 2050 and more than 4 billion in 2100. Today, one out of six people on Earth live in Africa. These same projections predict that the proportion will be one in four in 2050 and more than one in three by 2100.

World Population Growth 
Our World Data, by Max Roser and Esteban Ortiz-Ospina 

200 years ago there were less than one billion humans living on earth. Today, according to UN calculations there are over 7 billion of us.1 Recent estimates suggest that today's population size is roughly equivalent to 6.9% of the total number of people ever born.2 This is the most conspicuous fact about world population growth: for thousands of years, the population grew only slowly but in recent centuries, it has jumped dramatically. Between 1900 and 2000, the increase in world population was three times greater than during the entire previous history of humanity—an increase from 1.5 to 6.1 billion in just 100 years.

sexta-feira, fevereiro 01, 2019

Para que serve o défice zero?

Este triunvirato do Bloco Central conta agora com os votos do PCP e do Bloco

Orçamento fictício do Estado financia bancos falidos


Caixa, BCP e BPI venderam os anéis, perdão, os palácios da Baixa. Daí os lucros. Só em 2018 a Caixa alienou 300 milhões de euros em património e crédito mal parado. Quanto ao resto, a realidade é simplesmente esta: os portugueses estão a pagar em austeridade cor-de-rosa e vermelha, nomeadamente através de cativações excessivas da despesa orçamental, o financiamento do Fundo de Resolução, ao qual os bancos, por sua vez, vão buscar a massa para manterem as portas abertas e fabricarem resultados virtuais.

O truque é este: Centeno força o défice zero nas contas públicas, para com a massa assim poupada ir mantendo o Fundo de Resolução com dinheiro (emprestado, claro!) para alimentar os burros financeiros a Pão de Ló e ostras. Doutra maneira, o BCE e Bruxelas não deixavam...

Caixa teve lucro próximo dos 500 milhões de euros em 2018 
O Jornal Económico, 01 Fevereiro 2019, 08:37 
A Caixa Geral de Depósitos (CGD) registou, em 2018, um resultado líquido próximo dos 500 milhões de euros, o que representa uma subida de 860% face aos 51,9 milhões de euros contabilizados no ano anterior, sabe o Jornal Económico. O banco do Estado divulga esta sexta-feira os seus resultados de 2018.

PS: Como escrevi no post anterior, o grande buraco da Caixa tem uma cor dominante: a cor da rosa. Tal não significa, porém, que o PSD e o CDS não estejam no mesmo barco do grande desfalque democrático: BPN, BES, BANIF, Montepio, Caixa. Estão, e tudo teve origem no fartar vilanagem do Bloco Central da Corrupção.

Do que consigo vislumbrar, o buraco negro do La Seda —uma das causas principais do colapso na Caixa— foi resultado, ou de um risco empresarial, ou de uma fuga em frente, ou de um embuste por parte da família Matos Gil face ao descalabro que começara a afundar, desde 2006-07, o grupo têxtil de Barcelona fundado em 1925.

A família Matos Gil era representada no La Seda por Fernando Freire de Sousa (marido de Elisa Ferreira), e tinha relações com este grupo catalão, pelo menos desde 2003, através da Selenis, uma fábrica de PET sediada em Portalegre, propriedade da Imogil. O La Seda comprou, em 2003, uma parte da Selenis, por 35 milhões de euros.

Através de Manuel Pinho (Governo e BES), a gula do inner circle de Sócrates, assessorado pelos então testas de ferro na Caixa, Carlos Santos Ferreira e Armando Vara, fez o resto.

Carlos Costa não teve, parece-me, qualquer papel no descalabro da Caixa, nem em Espanha, nem em Portugal.

Se bem que Fernando Freire de Sousa se tivesse afastado do La Seda em 2008. Por algum motivo o fez..., pois doutro modo não se percebe porque abandonou a família Matos Gil no preciso momento em que José Sócrates colocava a primeira pedra da grande fábrica de PET em Sines (2008), conseguida precisamente pelos manos Manuel e João Paulo Matos Gil. O antigo representante da Imogil no La Seda deve, pois, explicações sobre o envolvimento da banca pública e de José Sócrates na construção da fábrica de PET em Sines. Por sua vez, a ida de Elisa Ferreira para o Banco de Portugal, e do seu marido, Fernando Freire de Sousa para a direção do CCDR-N, pouco tempo depois do atual governo entrar em funções, com este histórico, não podem deixar de suscitar alguma perplexidade.

quinta-feira, janeiro 31, 2019

A caixa negra de um resgate

Caixa Geral de Depósitos (CGD) (3779646223)

Propaganda não é prosperidade, nem paga dívidas


Resgate a Portugal foi o terceiro maior de sempre na história do FMI 
O Jornal Económico. Mariana Bandeira, 03 Janeiro 2019, 14:09 
O resgate financeiro do Fundo Monetário Internacional (FMI) a Portugal foi o terceiro maior da história da instituição liderada por Christine Lagarde. O ranking das maiores injeções de capital do fundo é encabeçado pela Argentina e pela Grécia.

A venda de ouro português foi uma prática sistemática desde o fim da ditadura. Foi, aliás, esta venda que financiou, em primeiro lugar, os novos direitos sociais do Portugal democrático.

Tal delapidação só parou em 2010, quando o Banco Central Europeu proibiu o governo português de mexer nas 382,5 toneladas que ainda restam das 801,5 toneladas existentes em 1974 (Wikipédia).

Estas reservas são, pois, uma espécie de colateral dos 51,7 mil milhões de euros emprestados pelo BCE e pela UE, para evitar a bancarrota do país cor-de-rosa que temos.

Continuamos, ao fim de três anos de propaganda governamental e partidária responsável por uma divisão social e cultural crescente entre os portugueses, no top dos devedores mundiais:
  • quase 250 mil milhões de euros de dívida pública bruta (a líquida andará pelos 225 mM€) 
  • mais de 700 mil milhões de euros de dívida total. 
Existem mais ou menos dez milhões de contas bancárias em Portugal. Mas total do dinheiro depositado nos bancos não vai além dos 140 mil milhões de euros, ou seja, pouco mais de metade da dívida do Estado e das suas sinecuras.

Por outro lado, menos de 200 mil portugueses têm depósitos superiores a 100 mil euros.

É por estas e por outras que a recente decisão, do PS, PCP e Bloco, de forçar os bancos a comunicar ao fisco as contas com mais de 50 mil euros, se parece com a preparação para uma nova crise financeira indígena. Quando? Quando batermos outra vez à porta do FMI e do BCE, porventura na iminência de uma nova bancarrota nacional. O governo pretende, pois, saber em que bancos e contas estarão os montantes de depósitos e obrigações potencialmente sujeitos a perdas por efeito de um bail-in (resgate interno) em caso de nova crise bancária acompanhada de falência de bancos. A preocupação anunciada com fugas ao fisco não passa de uma cortina de fumo.

A crescente agitação sindical é um sinal claro de que a reversão da austeridade não aconteceu, e que o governo, aflito, se prepara para novas emergências. E você, já se preparou?

O grande buraco da Caixa tem uma cor dominante: a cor da rosa. Parece assim evidente que Geringonça rosa-e-vermelha tudo fará para esterilizar o novo inquérito e os possíveis processos judiciais que entretanto surjam à superficie. Basta investigar Joe Berardo e o que levou Elisa Ferreira (e Francisco Louçã...) para o Banco de Portugal, para que mais este esclarecedor artigo de Helena Garrido abra uma nova e mais negra Caixa de Pandora.
Se os deputados quiserem, haverá culpados na CGD 
Helena Garrido. Observador, 31/1/2019, 7:44 

Com a informação disponível neste momento já é possível concluir que o período que gerou mais perdas para a CGD foi o que vai de 2005 a 2007, quando Carlos Santos Ferreira era presidente do banco e Armando Vara e Francisco Bandeira faziam parte da sua equipa. No relatório e contas de 2016 conclui-se que 39,5% das perdas apuradas nesse ano (imparidades) vieram de financiamentos concedidos entre 2005 e 2007. 
É nesse período que se inicia o processo da Artlant com a espanhola La Seda; é nesses anos que se financia Vale do Lobo; é nesses anos que se concedem empréstimos que envolvem indirectamente a CGD na guerra pelo controlo do BCP e é nesse tempo que se dá crédito para controlar a Cimpor. Quando Carlos Santos Ferreira passa para o BCP, a administração seguinte da CGD, liderada por Fernando Faria de Oliveira e que vai até 2010, gera igualmente perdas significativas (23,6% dos 5,6 mil milhões de euros de perdas apuradas em 2016), mas já estamos perante erros por omissão, por não decidir acabar com alguns projectos.
Joana Amaral Dias: “A Caixa é um poço sem fundo” 
Jornal i, 01/02/2019 12:09 
Injetámos mais ou menos 20 mil milhões de euros na banca nos últimos dez anos; destes, seis mil milhões de euros foram para a Caixa. Recordo que, em 2012, a Caixa não fez parte do escrutínio da troika e logo nesse ano foram injetados pelo governo de Pedro Passos Coelho 1,5 mil milhões de euros sem qualquer auditoria. Agora não há imparidades no banco? Vão justificar esses 6 mil milhões como? E esta auditoria da EY é de 2000 a 2015 porque é óbvio que antes de 2000 exatamente a mesma promiscuidade se passou na Caixa Geral de Depósitos, não há dúvidas. Teve momentos melhores, teve momentos piores, talvez este momento tenha sido pior, sobretudo depois de 2005, mas isso não foi um vírus ou um bug do milénio. A Caixa sempre foi este poço sem fundo, serviu como braço forte do poder político para basicamente comprar aliados, para arquitetar uma perigosa rede clientelar que contribui para que Portugal seja campeão da corrupção.

Atualizado em 02/02/2019, 16:08 WET

quarta-feira, janeiro 30, 2019

Uma ciência do medo não é ciência

Trade and Migration @ Copenhagen Consensus

Parte significativa da ciência tornou-se, infelizmente, especulativa, ideológica e corrupta. Há boa e má ciência. A má ciência, uma espécie de máquina, dependente dos impostos que a financiam, que se alimenta da propagação do medo, está a expulsar a boa ciência do mercado. Por cá, e no resto do mundo.

Mas como não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe, à litania do medo contrapõe-se paulatinamente uma espécie de novo otimismo racional. Vale a pena conhecê-lo.

Duas referências, para começar:


domingo, janeiro 27, 2019

Um novo Tratado de Tordesilhas, ou?

Federica Mogherini, chefe diplomática da União Europeia

Maduro terá que abandonar o poder em breve


A Rússia não tem força para transformar a Venezuela numa espécie de Ucrânia. E a China também não tem interesse em precipitar os acontecimentos nesta direção. O resultado de mais um braço de ferro entre o despotismo asiático e as democracias ocidentais só pode ser um: salvar ambas as faces, do Ocidente e do Oriente, levando o senhor Maduro a passar umas férias nas Caraíbas.

O modo como a crise na Venezuela evoluir (Guterres tem que abrir os olhos!) depois do reconhecimento de Juan Guaido pela maioria dos estados americanos (12 contra 3) e pela União Europeia, deixará ver de forma bem nítida a fratura em curso na famosa globalização. O recuo dos Estados Unidos e dos seus aliados na Síria depois de uma clara vitória da Rússia e do Irão da guerra civil que destruiu boa parte daquele país, será, por assim dizer, compensado com o despedimento de Maduro e a subsequente pressão contra a excessiva presença económica, militar e diplomática da Rússia e da China naquelas paragens. As negociações, que já estarão a decorrer, suponho, sobre a revisão drástica da permeabilidade do continente americano à influência chinesa, russa e indiana, ditarão a duração e os contornos mais ou menos violentos da guerra entre Maduro e Guaido.

O equilíbrio MAD nunca esteve na realidade em causa, mesmo durante a implosão da URSS. O que sim tem estado a mudar é a posição geográfica do centro de gravidade da prosperidade mundial. No século 15, por volta de 1430, a China fechar-se-ia paulatinamente ao mundo, assustada com o eterno perigo do Norte, ou por outro motivo ainda por esclarecer. O seu hoje incensado Almirante Zheng He (1371—1433 ou 1435), depois de sete viagens memoráveis (1403, 1407, 1409, 1413, 1416, 1421, 1429) pelos mares da China, Oceano Índico, até à costa ocidental de África, que poderiam ter aberto o caminho marítimo da China até à Europa, não chegou a conhecer o Infante Dom Henrique (1394—1460), vinte e três anos mais novo, o qual, em 1415, daria início a um ciclo de expedições marítimas que acabariam por nos levar à China, em 1513-1517, e ao Japão, em 1543.

Seiscentos anos depois, a China quer refazer a Rota da Seda, por mar e terra, cruzando toda a Eurásia, mas também os mares da China, o Oceano Índico, África e o Atlântico. A sua ambição é, pois, incomensurável com as pretensões algo tacanhas do que resta do império dos czares russos. Num certo sentido, podemos dizer que Putin é, de momento, o braço armado da China nesta sua acelerada fase expansionista, mas que a imensa terra russa é também uma espécie de espaço vital futuro da China.

Daqui a dificuldade de saber onde estão os meridianos do futuro Tratado de Tordesilhas que irá regular uma nova divisão ao meio do planeta humano. Há que procurá-los, pois a alternativa a uma divisão pacífica das influências pode ser mesmo a extinção da humanidade.

Existe uma teoria diferente sobre a carnificina venezuelana (1), a qual interpreta o 'golpe' contra Nicolás Maduro como uma placagem ao acesso oriental (sobretudo da China) ao petróleo venezuelano. De um ponto de vista geoestratégico, esta interpretação decorre de uma visão que, no essencial, diz isto: os impérios marítimos e coloniais que dominaram o mundo nos últimos seiscentos anos irão ceder ao poder da grande massa continental e humana que é a Eurásia. O objetivo tático para apressar esta mudança tectónica passa, segundo os teóricos desta visão, por separar a Europa ocidental da América, forçando-a a ser apenas a península ocidental cooperante de uma Eurásia centrada nos seus grandes poderes estratégicos: Alemanha, Rússia, Irão, Índia, e China.

Vale a pena, para uma melhor compreensão deste ponto de vista, ler dois artigos recentes (de que incluímos dois extratos) escritos por Pepe Escobar e por Federico Pieraccini.

“The supreme nightmare for the U.S. is in fact a truly Eurasian Beijing-Berlin- Moscow partnership.” 
“The Belt and Road Initiative (BRI) has not even begun; according to the official Beijing timetable, we’re still in the planning phase. Implementation starts next year. The horizon is 2039.” 
[...] 
“The New Silk Roads were launched by Xi Jinping five years ago, in Astana (the Silk Road Economic Belt) and Jakarta (the Maritime Silk Road). It took Washington almost half a decade to come up with a response. And that amounts to an avalanche of sanctions and tariffs. Not good enough. 
Russia for its part was forced to publicly announce a show of mesmerizing weaponry to dissuade the proverbial War Party adventurers probably for good – while heralding Moscow’s role as co-driver of a brand new game. 
Were the European peninsula of Asia to fully integrate before mid-century – via high-speed rail, fiber optics, pipelines – into the heart of massive, sprawling Eurasia, it’s game over. No wonder Exceptionalistan elites are starting to get the feeling of a silk rope drawn ever so softly, squeezing their gentle throats.” 
— in Pepe Escobar, “Back in the (Great) Game: The Revenge of Eurasian Land Powers”, Consortium News, August 2018.



“Even if the US dollar were to remain central for several years, the process of de-dollarization is irreversible.  
Right now Iran plays a vital role in how countries like India, Russia, and China are able to respond asymmetrically to the US. Russia uses military power in Syria, China seeks economic integration in the Silk Road 2.0, and India bypasses the dollar by selling oil in exchange for goods or other currency.  
India, China, and Russia use the Middle East as a stepping stone to advance energy, economic and military integration, pushing out the plans of the neocons in the region, thereby indirectly sending a signal to Israel and Saudi Arabia. On the other hand, conflicts in Syria, Iraq and Afghanistan are occasions for peacemaking, advancing the integration of dozens of countries by incorporating them into a major project that includes Eurasia, the Middle East and North Africa instead of the US and her proxy states.  
Soon there will be a breaking point, not so much militarily (as the nuclear MAD doctrine is still valid) but rather economically. Of course, the spark will come from changing the denomination in which oil is sold, namely the US dollar. This process will still take time, but it is an indispensable condition for Iran becoming a regional hegemon. China is increasingly clashing with Washington; Russia is increasingly influential in OPEC; and India may finally decide to embrace the Eurasian revolution by forming an impenetrable strategic square against Washington, which will shift the balance of global power to the East after more than 500 years of domination by the West.”
—in “Russia, China, India, and Iran: The Magic Quadrant That is Changing the World”
by Federico Pieraccini @ Strategic Culture Foundation, 25.01.2019


Post scriptum

Acabo de ler a comunicação de Georges Soros ao Forum de Davos deste ano. Pela sua clareza relativamente à China, recomendo a sua leitura e deixo aqui um extrato elucidativo.

Remarks delivered at the World Economic Forum 
Davos, Switzerland, January 24, 2019 
“China is not the only authoritarian regime in the world but it is the wealthiest, strongest and technologically most advance. This makes Xi Jinping the most dangerous opponent of open societies. That’s why it’s so important to distinguish Xi Jinping’s policies from the aspirations of the Chinese people. The social credit system, if it became operational, would give Xi total control over the people. Since Xi is the most dangerous enemy of the open society, we must pin our hopes on the Chinese people, and especially on the business community and a political elite willing to uphold the Confucian tradition.” 
—in Georges Soros
NOTAS



  1. Este relatório anual do Observatorio Venezolano de Violencia dá bem a dimensão da crise política, social e humanitária desencadeada pela ditadura de Nicolás Maduro.

Atualizado em 28/1/2018, 13:05 WET