quarta-feira, janeiro 18, 2023

TAP, ou regressa ao setor privado, ou morre

Chairman e CEO da TAP deixaram de ter condições para continuarem a gerir esta empresa avariada. Não passaram ambos de instrumentos do ido Pedro Nuno Santos, principal autor, com António Costa, do enorme buraco negro em que ambos transformaram o setor dos transportes em Portugal, com a TAP e a ferrovia na ponta da incompetência e leviandade.

Vale a pena ler esta carta aberta arrasadora do comandante Ângelo Felgueiras, que dirigiu o SPAC na luta mais aguda alguma vez travada na TAP.

Carta Aberta ao

Exmo. Sr. PCA da TAP Air Portugal,

Dr. Manuel Beja

Escrevo-lhe na sequência da sua mensagem de Ano Novo.

Chamo-me Ângelo Felgueiras. Para a TAP sou A Felgueiras, 18195.8.

Li e reli a sua Mensagem de Ano Novo. Tentei encontrar algum propósito. Pedi ajuda para ver se algo me escapava. Mas não fui bem sucedido. A sua mensagem aparenta ser somente uma prova de vida.

Vou tentar dar um enquadramento a esta carta.

Entrei para os quadros da empresa, como Oficial Piloto em 1988. Há 35 anos.

Fui promovido a Comandante de Avião em 1999. Há 24 anos.

Fui dirigente do SPAC durante 6 anos, 2 como Presidente.

Já fui público, já fui privado. Em ambos os casos já dei lucro e prejuízo.

Desde 1988 tive como PCA, João Lencastre; Monteiro de Lemos; Santos Martins; Ferreira Lima. Até aqui, todos de má memória, sem excepção. Não conto que saiba porquê. A julgar pelo teor das suas comunicações, aparenta não conhecer a História da TAP.

Em 1999, entrou o Dr. Norberto Pilar, também ligado a um partido, mas um Senhor com sentido de Estado e com estatuto moral e profissional, inatacáveis.

Um gestor diferenciado que preparou a TAP para um novo modelo de Governance. Passou a Chairman, e entrou o Eng. Fernando Pinto com a sua equipa.

Há uma fase antes e depois de Fernando Pinto. Hoje é fácil criticar o negócio da manutenção do Brasil, mas à época, permitiu-nos expandir muito. Quadruplicámos os voos para o Brasil. Não faço a defesa de ninguém, mas foi a primeira Administração profissional desde o 25 de Abril.

Quando saiu o Dr. Norberto Pilar, na sequência do pântano “Guterres” e entrada de Durão/Santana, passou por aqui o Eng. Cardoso e Cunha. Entrou em conflito com Fernando Pinto. Foi uma tentativa de retrocesso para a governamentalização da TAP. Os mesmos trabalhadores que apuparam Fernando Pinto à chegada, estavam dispostos a entrar em greve para que não saísse. Saiu o Eng. Cardoso Cunha. Entrou o Dr. Pinto de Barbosa de pacífica convivência com a Administração.

Depois veio a privatização com David Neeleman e Antonoaldo Neves. Confesso que não gostava do estilo. Mas gostava da confiança que transmitiam. Sabiam o que queriam, para onde iam e conseguiam levar-nos a todos no mesmo rumo.

Em 2019, na sequência de um prémio de 1,171 M€, a distribuir por 180 quadros superiores, em que o mais elevado foi de 110.000€, o recém empossado Ministro da Tutela, Pedro Nuno Santos, no seu estilo truculento, decidiu entrar em guerra com Antonoaldo, por que “agora a música é outra”.

Pessoalmente, não me pareceu bem aquela distribuição de prémios, uma vez que tínhamos dado prejuízo, mas não tem comparação com a situação actual, em que estamos nacionalizados e intervencionados, com acordos de emergência e reduções de vencimento que chegaram a 50% do vencimento bruto, mais de 60% no vencimento líquido, para os pilotos.

Em 2020, a TAP é avaliada pela LH [Lufthansa] em 1.000M€, que iria adquirir a parte dos privados. Em Março confinámos, e a aviação parou em todo o mundo.

Todas as companhias têm de receber apoios devido ao COVID. Pedro Nuno Santos, não hesitou em desbaratar todo esse património, para despedir Antonoaldo Neves por má gestão. Fê-lo em prime time e impediu que recebêssemos apoios em igualdade de circunstâncias com as nossas congéneres, levando-nos à situação em que nos encontramos.

Despediu Antonoaldo Neves, que era incompetente para ele, mas não é para a Ethiad, umas das melhores companhias do Mundo e que contrata livremente. Brilhante. Como se não bastasse, hipotecou a contratação de um gestor internacional competente. Quem aceita trabalhar com um patrão assim?

Entrámos na fase Ramiro Cerqueira. Sendo um homem da aviação, não tinha currículo nem experiência para o cargo. Estava à mão. Foi conjuntural, como veio a provar-se.

Também nessa época, entrou para a Administração a Eng. Alexandra Reis. Fase em que dois A330 foram convertidos em cargueiros por uma empresa não certificada. Um nunca voou com carga, o outro só há pouco tempo iniciou a operação carga. Perdemos centenas de milhar de Euros. Era Chairman Miguel Frasquilho.

Foi com essa Administração que foram negociados os acordos de emergência, em que foram negociadas reduções de vencimento e reduções de regalias e condições de trabalho. Também surgiram os RMAs com um tecto máximo de 250.000€, desde que pagas em 3 prestações ao longo de três anos. Era o que eu receberia se tivesse aceitado o meu “despedimento por mútuo acordo”.

Não sei se Alexandra Reis tem responsabilidades directas nesta negociação, mas fazia parte do CA e tinha obrigação de as conhecer.

Alexandra Reis aceitou ser “despedida por mútuo acordo”, chamemos-lhe assim, a troco de 1,5M€, mas a sua consciência social, fê-la abdicar de 1M€ e só levar 500.000€. Trabalhava na TAP desde 2017.

E, com este entorno recente, é Chairman o Dr. Manuel Beja.

Acho que tenho o direito de pedir, corrijo, exigir decência e decoro a quem dirige a “minha” empresa.

E exijo-o na qualidade de cidadão e de trabalhador, que sentiu na pele as medidas de emergência que foram adotadas, que viu a sua retribuição ser dramaticamente reduzida, percebendo agora que o sacrifício que lhe foi imposto apenas serviu para alavancar a tesouraria da TAP para processar uma fantástica compensação.

E, permita-me, essa postura e clamor esperava-o também do PCA, que deveria ter percebido que, o contexto social, e o estado actual da TAP, nomeadamente laboral, eram incompatíveis com o procedimento conhecido agora de todos.

E o PCA não podia ignorar nada do que se passou, mas, aparentemente, ignorou.

Numa empresa intervencionada pelo Estado, como pôde permitir tamanha desfaçatez?

Não tenho outra forma de lho perguntar. Como se permitiu escrever uma Mensagem de Ano Novo sem referência a nada disto? Como se estivesse tudo bem? Como se os trabalhadores da TAP não tivessem conhecimento? Nem uma explicação nem um pedido de desculpas.

Os trabalhadores da TAP, são bons, muito bons. Sobreviveram a quase tudo isto. Não sei se sobreviveremos ao seu mandato.

Fomos há pouco tempo considerados a companhia mais segura da Europa e a sexta a nível Mundial. O mérito é de todos os que desde há muitos anos dão o melhor de si e vão trabalhar, mesmo depois de o lerem.

Escrevo em meu nome pessoal e digo-lhe, é minha convicção, que esta Administração já não consegue aglutinar os trabalhadores da TAP. Sentimos que quem manda é a tutela, e aos dias de hoje já nem isso sabemos.

Tive vontade de usar outras expressões, mas como escrevo ao PCA da minha empresa, tenho o decoro que o senhor não teve quando nos dirigiu uma mensagem de Ano Novo ignorando os sucessivos escândalos na TAP, que a quase todos nos afectam.

Feliz Ano Novo,

Ângelo Felgueiras

15, de Janeiro de 2023

TAP e governo PS: quem enterra quem?

Escrevi há alguns anos que a TAP seria a coveira deste governo. Será...

Mas o cancro TAP tem uma origem precisa: servir de justificação à construção dum Novo Aeroporto de Lisboa. Sem engordar a TAP (a "TAP precisa de crescer" clamava o gaúcho Fernando Pinto) como justificar o NAL? Ou seja, esta crise começou no início deste século com a tentativa de fazer o NAL na Ota. Para este fim, construiu-se a A-10, a Ponte da Lezíria (12 Km), o Nó do Carregado e a Plataforma Logística de Castanheira do Ribatejo. Só não se construiu o NAL na Ota. Depois surgiu a miragem de Alcochete e a hipótese dum aeroporto complementar para as Low Cost na BA6, no Montijo. O baralho de hipóteses tornou-se entretanto alucinante, com novas soluções milagrosas, como Alverca e Santarém! É hoje evidente que um país falido, cada vez mais desigual e alienado, como aquele que o regime fabricou, não tem recursos para o Novo Aeroporto de Lisboa, estudado durante o consulado de Marcello Caetano, em 1969, e tendo-se então concluído que a melhor opção deveria nascer em Rio Frio. Mas o cancro da TAP, além da ruína da companhia, tornou-se também a causa do desastre da ferrovia portuguesa. É que sem uma decisão definitiva sobre o NAL, PSD, PS, PP e PCP boicotaram em bloco a entrada do país na nova era da ferrovia, ou seja, na era da Alta Velocidade ferroviária — única forma de competir simultaneamente com o avião e com o automóvel. Sendo a ligação Lisboa-Madrid a primeira a ter lugar (por ligar as duas capitais ibéricas e por ser a ligação com menores custos entre as que foram previstas), sem se conhecer a localização do NAL optou-se por sabotar a linha Poceirão-Caia adjudicada durante o governo Sócrates. O regime torpedeou ao longo de 20 anos a política europeia de transportes, de que a norma UIC (vulgo bitola europeia) é condição sine qua non. Em suma, o Bloco Central Alargado não só rebentou com a TAP, como atrasou por três décadas a convergência do país com o novo paradigma de transporte ferroviário europeu. Seria difícil de imaginar tamanho pesadelo quando, em 2005, comecei a escrever sobre isto!

Post a propósito do texto Administração da TAP em queda livre (Sol)

Em 2005...

Em 2005, O António Maria, com a contribuição sempre atempada do Rui Rodrigues e de outros amigos sabedores, escreveu-se o essencial sobre o aeroporto de Lisboa...

ARTIGOS DO ANTÓNIO MARIA - AEROPORTOS

2005
Aeroportos 1
O Lobby da Ota e o velho eixo Norte-Sul
2005/07/02

Em O Grande Estuário, projecto dinâmico e aberto de reflexão pública sobre Lisboa, a Grande Área Metropolitana de Lisboa e a Região de Lisboa e Vale do Tejo, continuamos a pensar que será possível manter o aeroporto da Portela, com duas extensões próximas (Montijo e Tires). Mas poderá realmente a Portela manter-se por muito mais tempo onde está? Poderiam as pistas do Montijo e de Tires, e novas obras na Portela, configurar uma solução sustentável até 2020-2030? As opiniões dividem-se... e os estudos técnicos também. Segundo Rui Rodrigues, a queda da taxa de crescimento do número de voos e de passageiros, em consequência de novas e mais rápidas ligações ferroviárias entre Lisboa e Madrid (AV e VE), afastaria, pelo menos para já, a necessidade imperiosa de equacionar a construção de uma nova infraestrutura de raiz. O argumento parece razoável, e ainda mais se lhe acrescentarmos os efeitos expectáveis de uma alta contínua do preço do petróleo (praticamente inevitável no actual quadro mundial de aproximação do chamado Peak of Oil Production). Em todo o caso, se um dia tivermos que avançar para um novo aeroporto internacional que altere radicalmente o actual estado de coisas, então a solução mais conforme com a inadiável actualização das nossas prioridades estratégicas no novo contexto europeu estará seguramente ao Sul do Tejo (Rio Frio...) e não no beco da Ota.

Aeroportos 2
Ota inviável
2005/10/13


Aeroportos 3
Otários!
2005/10/28


Aeroportos 4
A antecipação criminosa da estratégia da Ota
2005/10/30

Não há nenhum relatório sobre impactos ambientais que resista a dez minutos de contraditório. E sobretudo, Senhor Primeiro Ministro, em nenhum caso se teve ou está a ter em conta os efeitos catastróficos que a chegada iminente (2006-2025) do pico mundial da produção petrolífera --e, por conseguinte o início do declínio irreversível e insubstituível da sua exploração comercial--, irá ter na economia global, começando pela hecatombe que provocará no sector dos transportes, o qual consome, grosso modo, 2/3 do petróleo necessário à economia dos países industrializados.

Se as obras de terraplanagem algum dia vierem a ter início, de uma coisa deveremos desde já estar seguros: o dito Aeroporto Internacional da Ota jamais será concluído. Muito antes das datas previstas, nos cenários pró-Ota, para a sua inauguração --2017-2018--, Portugal ver-se-à na contingência de ter que redesenhar dramaticamente as suas prioridades de desenvolvimento (ou melhor dito, de sobrevivência). A brutal crise energética chegará muito mais cedo do que se prevê. E antes dela (ainda na vigência do actual governo) chegará também um mais do que provável "crash" imobiliário. Sem precisar de consultar cartas astrológicas, um número crescente de especialistas vem advertindo os governos de todo o mundo para o que se poderá passar num planeta subitamente consciente do declínio acelerado e irreversível das suas duas principais fontes energéticas: o petróleo e o gás natural. Mitigar este cenário mais do que certo exigirá avultados investimentos públicos e privados, que serão tanto maiores quanto mais próximos estivermos do colapso energético global.


Aeroportos 5
Levianamente pró-Ota
2005/11/13

O País terá que se adaptar rapidamente a uma estratégia de mitigação dos efeitos catastróficos do encarecimento exponencial das energias fósseis como o petróleo, o gás natural e o carvão. As boas ligações a Espanha e à Europa são importantes. Mas ainda mais importante, será lançarmos ao longo da presente década um verdadeiro plano de emergência energética e alimentar, e acautelarmos sem hesitações o controlo apertado das nossas águas territoriais e espaços aéreos, protegendo os respectivos recursos marítimos, monitorizando rigorosamente o tráfego civil e militar. Por estas razões, que são fortes, a opção da Ota não passa de uma imbecilidade estratégica, contra a qual esperemos que não seja necessário organizar um levantamento cívico nacional! 


Aeroportos 6
A profecia da Ota
2005/11/23

22 de Novembro de 2009. Primeira Ministra anuncia abandono definitivo do aeroporto da Ota depois de o barril de crude ultrapassar esta semana a barreira psicológica dos 150 Euros. Perante a situação catastrófica da economia mundial, a iminência de um conflito internacional de larga escala (devido ao alastramento das tensões e provocações militares que envolvem os Estados Unidos e Israel, de um lado, e o Iraque, Irão, Síria, Arábia Saudita e Iraque, do outro), as pandemias provocadas pelos virus H5N1 e HIV, a falência técnica iminente do nosso sistema de saúde e previdência social, e a queda súbita do tráfego aéreo mundial de pessoas e mercadorias, o Governo anunciou uma medida há muito esperada: o abandono definitivo do aeroporto da Ota. Resta agora saber se o Governo irá ou não responsabilizar os autores desta caríssima aventura política. Entretanto, estudos recentes consideram que os remodelados aeroportos da Portela e de Pedras Rubras, devidamente apoiados pelas pistas do Montijo, Tires e Alverca, são mais do que suficientes para atender à actual emergência mundial, permitindo a chegada e acolhimento das centenas de milhar de pessoas que de África, Brasil, Estados Unidos e China demandam o nosso País, seja para restabelecer as suas vidas, seja em trânsito para outros países europeus.


Aeroportos 7
Governo omite relatório da ANA de 1994
2005/12/01

Fazendo uma análise de divã ao debate do Prós e Contras sobre a Ota, chego à conclusão surpreendente que o actual Governo pretende apenas salvar a face relativamente ao seu compromisso eleitoral de avançar para a Ota. Na realidade, as suas decisões efectivas vão noutra direcção: dar prioridade ao TGV Madrid-Lisboa (e por conseguinte a uma nova travessia do Tejo) e dar, depois, prioridade ao TGV Porto-Lisboa (reforçando a função de Pedras Rubras como aeroporto do Noroeste Peninsular). Ora realizar estas duas ciclópicas tarefas (pois estamos a falar de um país em estado de recessão, que pode entrar mesmo em fase de estagnação prolongada ao longo dos próximos 4 anos ou mais) é já muito mais do que poderemos esperar deste e do próximo governos. No fundo, Sócrates, como opinei há algum tempo atrás, diz que sim à Ota, sabendo que a sua inviabilidade económica de facto se encarregará de afundar o propósito, para alívio de todos nós!

Carvão, petróleo e gás natural continuam a dominar o mix energético mundial

É duvidoso um cenário europeu em que as energias renováveis + biofuels tripliquem o seu peso no mix energético até 2050.

Panorama UE ao fim de trinta anos de investimentos e subsídios massivos em 'energias verdes' e repressão dos combustíveis fósseis (segundo dados oficiais, 1990-2020):

Fósseis* = 35+24+17+12 = 84%

Renováveis** = 16% 

Se a entrada das renováveis crescer ao mesmo ritmo dos últimos trinta anos (altamente improvável), só em 2050 a sua participação no mix energético seria de 48%.

* — carvão, petróleo, gás natural, nuclear

** — biomassa, biogás, biofuels líquidos, hidroelétrica, incineração, geotérmica, eólica, solar, ondas

Em trinta anos (1990-2020) a 'energia renovável' + biofuels triplicou

1990 : 2 978,78 Petajoules

2020: 10 046,86 Petajoules

Fonte: Eurostat (Energy statistics - an overview)

Cenário 2050 

Quota das 'renováveis' + biofuels voltar a triplicar..., mantendo-se o total bruto de 2019

Renováveis + biofuels: 30 140,58 Petajoules (2050)

Energia bruta disponível: 62 846,39 Petajoules (2019)

— a propósito dum artigo no Euractiv

sábado, junho 18, 2022

As almofadas do regime

O destino Porto e Norte de Portugal nunca teve tantos turistas em abril como este ano. «É um bom presságio. A recuperação está a revelar-se rápida, tal como esperávamos”, diz Luís Pedro Martins, presidente do Turismo do Porto e Norte ao Expresso depois de ver os números do quarto mês do ano baterem 2019, até agora o melhor ano de sempre do sector—Expresso.

O regime partidário e o rotativismo eleitoral indolente que temos sobrevivem em cima de uma almofada chamada Balança do Turismo, isto é, a diferença entre o que os turistas estrangeiros deixam em Portugal e o que os turistas portugueses deixam fora do país. 

Foram 13 mil milhões de euros em 2019. Esta almofada é ainda insuflada pelos 3 mil milhões de investimentos em imobiliário no nosso país ao abrigo dos Vistos Gold. Ou seja, 16 mil milhões de euros em 2019, a que acresce ainda o superavit da emigração em 2019, de 3,1 mil milhões. Ou seja, 19,1 mil milhões de euros que entram no país, através dos saldos largamente positivos do turismo e da emigração, e do investimento imobiliário ao abrigo os Visa Gold.

Foi isto, e ainda as taxas de juro negativas e o preço médio do barril do petróleo em volta dos 56 USD (nov 2015- jan 2022), que amamentou a Geringonça, e é isto que amamenta o governo de António Costa de maioria absoluta. Ou amamentava, já que os preços da energia e a inflação vieram agora bater à porta dum país sobreendividado, gerido por ideólogos e oportunistas.

Percebe-se, assim, a indecisão sobre o buraco negro da TAP e sobre a necessidade de ampliar a capacidade aeroportuária de Lisboa e do Porto. O buraco negro da TAP está agora sob controlo de Bruxelas. Ou seja, vão mijar menos fora do penico. Resta saber quando regressará a privatização da companhia, e com quem será celebrado novo casamento. David Neeleman ainda é a minha aposta, mas para tal é preciso correr com o Costa.

PS: A alternativa bancária dos emigrantes remediados sempre foi e é a Caixa. Estes emigrantes são a maioria que, ainda hoje, trabalha e poupa para construir uma casa em Portugal, ao mesmo tempo que vai trabalhado o tempo necessário para obter uma reforma decente dos países onde dão o corpo ao manifesto. Os emigrantes mais qualificados e cosmopolitas, saídos frequentemente das classes médias, também investem no imobiliário português, mas não como opção principal. Muitos deles optaram por viver o resto das suas vidas no estrangeiro, em vários países estrangeiros até, onde frequentemente adquirem as suas casas. Em Portugal esperam herdar as casas dos pais, e visitam o país mais de uma vez por ano (coisa que a Ryanair e a Low Cost rapidamente perceberam..), para estar com a família e/ou em gozo de férias. Quando podem, e há poupança suficiente, adquirem habitações secundárias em Portugal, para uso próprio, AL, e/ou como refúgio possível para o período da reforma.


ACP/RR

domingo, junho 12, 2022

Nem Montijo, nem Alverca, nem Alcochete: Rio Frio!

Fernando Nunes da Silva: Lisboa passou a ser a terceira cidade mais cara do mundo, em paridade de poder de compra. Em contrapartida perderam-se 20 mil habitantes nos últimos 20 anos.

Lendo esta entrevista fica-se a perceber duas coisas: 

1) Lisboa está a passar por um processo de gentrificação acelerada, ou seja, será em breve mais uma cidade de negócios e de serviços global, com preços internacionais e de onde, portanto, boa parte dos portugueses e negócios locais serão expulsos. Para onde? Para uma periferia, também ela cada vez mais cara: Amadora, Loures, Sintra, Mafra, Torres Vedras, Oeiras, Cascais, Almada, Alcochete, Barreiro, Montijo, Palmela e Setúbal. Esta tendência será ainda mais visível quando o governo (este ou o próximo) acabar com a iniquidade e o saque fiscal sobre as mais-valias imobiliárias imposto, não aos fundos de investimento, mas a quem pretende simplesmente trocar de casa; 

2) o NAL (Novo Aeroporto de Lisboa) acabará por ir parar à região de Rio Frio, fazendo cair a alternativa Portela+Montijo, que continua atravancada nos jogos de bastidor entre os vários grupos de interesses envolvidos na promoção da nova infraestrutura aeroportuária. Há, entretanto, um fator novo que irá contribuir decisivamente para o fim da solução Portela+Montijo (já de si hesitante, por falta de interesse da Vinci na solução): a invasão da Ucrânia e o movimento de aceleração que parece ter tomado conta das placas geo-estratégicas mundiais. É praticamente inevitável uma deslocação do centro de gravidade da Europa para o Atlântico e para o Mediterrâneo, i.e para os continentes americano e africano. Ou seja, a necessidade de uma verdadeira cidade aeroportuária na margem esquerda do Tejo é agora evidente. E assim sendo, não se justificam soluções temporárias intermédias. A futura cidade aeroportuária e o novo aeroporto só tem uma localização possível: o triângulo formado pelas povoações de Rio Frio, Poceirão e Canha. Curiosamente, é o regresso da localização prevista pelo Marcelo (Caetano) em 1972! Façam-se os estudos, e decida-se a localização final até junho de 2023. Faça-se o projeto do aeroporto e da cidade aeroportuária, até 2025. Construa-se o NAL até 2030. A cidade aeroportuária nascerá naturalmente desde que haja um plano com cabeça tronco e membros. A Portela será a cidade alta de Lisboa. Tires servirá os voos regionais e executivos da capital.

Cheguei a considerar a solução Portela+Montijo como solução transitória para o problema da expansão da capacidade do principal aeroporto do país. Mas também penso, desde 2005, ser inviável prolongar a vida da infraestrutura aeroportuária da Portela indefinidamente. Por isso escrevi em 2018 um artigo em que defendo a recuperação da localização escolhida pelo governo de Marcelo Caetano, em 1972, para o NAL. Fazendo naturalmente os ajustamentos necessários, tendo em conta a evolução da ocupação urbana da região.

Dois posts antigos sobre este tema:

Novo Aeroporto de Lisboa... em Rio Frio (12/7/2018)

Montijo por um canudo (8/1/2019)


*


Entrevista de Fernando Nunes da Silva ao Sol (extrato)

Fernando Nunes da Silva — Acho que se devia comparar a hipótese de Alverca com um outro aeroporto na zona de Poceirão-Rio Frio. Rio Frio foi chumbado como alternativa devido a possíveis negócios imobiliários. O LNEC não foi autorizado a estudar essa localização por causa de um grande projeto imobiliário do grupo Espírito Santo. Esse projeto já não existe, portanto vale a pena estudar uma localização nessa zona. A alternativa de Alcochete não é compatível com a manutenção da Portela, porque é demasiadamente longe para haver uma operação conjunta entre os dois aeroportos. Alcochete é uma alternativa global à Portela. E pensa-se numa outra coisa, como uma cidade aeroportuária. Mas ponham-se em cima da mesa pelo menos estas hipóteses e compare-se com o Montijo, mas nunca ignorando que este nunca poderá ser o aeroporto principal e a Portela teria de aumentar o seu tráfego. O Montijo não tem as mínimas condições para ser aeroporto principal. Não é possível ter pistas com a extensão necessária para o ser. É completamente inviável, independentemente até dos impactos ambientais, estamos a falar do ponto de vista físico propriamente dito. Mas mesmo que isso fosse ultrapassável com enormes custos, em vez de termos os impactos em Lisboa, passávamos a ter em Montijo e Alcochete. Acho que isso não é admissível, é uma não solução. Agora, se quiserem comparar um grande ‘hub’ na Portela com um aeroporto secundário no Montijo com as outras hipóteses, como sejam um aeroporto principal em Alverca e um aeroporto de cidade na Portela, um único aeroporto em Alcochete ou um em Rio Frio-Poceirão com um aeroporto de voos privados e de menor dimensão na Portela, tipo aeródromo, tudo bem. Comparem-se é soluções exequíveis, tecnicamente defensáveis e com o mínimo de consistência e coerência.

domingo, fevereiro 27, 2022

A Rússia depois do martírio ucraniano

 

JOHN CUNEO — Visual metaphors for beginners.
(Not sure this is a guy who is worried about sanctions)
@johncuneo3

Depois da guerra da Ucrânia a Rússia ou será um súbdito da China ou um futuro membro da União Europeia. As ambições assassinas de Putin não têm futuro.

“Mais de 3 mil pessoas foram presas na Rússia desde o começo da ofensiva na Ucrânia, incluindo 467 neste sábado, por se manifestarem contra a guerra, informou a ONG de defesa dos direitos humanos OVD-Info.” (lista de detidos aqui)

A questão de Putin e da Rússia é simples de perceber: viram o seu império leninista-estalinista, a URSS, fundada em 1922, ruir por dentro, ao fim de 69 anos de existência (1922-1991). 

A ex-União Soviética foi, na realidade, um epifenómeno e uma página breve na existência da Rússia. Uma vez extinta, por implosão, e sem causas externas diretas, toda a conversa de Moscovo sobre zonas de influência e pergaminhos imperiais sobre os povos que se libertaram rapidamente da pata moscovita, não faz qualquer sentido. Os países que se libertaram da Rússia (e apesar das cicatrizes de meio século de corrupção, ditadura e paranóia securitária) querem naturalmente paz, democracia e prosperidade, ou seja, tudo o que a Rússia nunca soube nem sabe o que é. 

Os próprios russos que não constituem a guarda pretoriana do Kremlin, e até uma parte da elite palaciana de Putin, aspiram a pertencer a uma Europa chic e com liberdades jurídicas asseguradas. Veja-se, a título de exemplo, o caso da Barbie que recentemente publicou e apagou (por ordem do papá, claro) um hashtag contra a invasão da Ucrânia. 

A filha do porta-voz de Putin (o dandy Peskov), de nome Elizaveta Dmitrievna (@lisa_peskova), é o que se chama uma beauty russa com todos os tiques da sofisticação urbanita e mediática ocidental. A sua página no Instagram parece saída dos livros de estilo dos filmes de James Bond, ou das mais recentes hipérboles da cultura pop tardia americana e europeia. No entanto, esta pérola da elite moscovita foi também estagiária de Aymeric Chauprade, um deputado nacionalista francês do Parlamento Europeu, ex-iminência parda da presidente da Front Nationale, Marine Le Pen, e um declarado defensor da anexação da Crimeia por parte da Rússia em 2014. Este especialista em 'realismo geopolítico' foi ainda vice-presidente do efémero grupo parlamentar europeu chefiado por Nigel Farage.

Elizaveta Dmitrievna é fundadora e vice-presidente da Foundation for the Development of Russian-French Historical Initiatives, uma organização russa presidida por um ex-legionário, ex-militar e antigo assistente parlamentar de Jean-Marie Le Pen e Aymeric Chauprade, de nome Pierre Malinovsky. 

A agressão militar de Putin está a custar aos russos, a maioria dos quais vive com grandes dificuldades, 20 mil milhões de dólares por dia (ver Nota). A resposta económico-financeira que a Europa e os Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, e muitos outros países estão a dar ao perigoso assassino Vladimir Putin é importante na medida em que tolhe a capacidade da Rússia financiar uma guerra tão cara e com tamanho desgaste psicológico e social. O sangue e os traumas dos milhões de ucranianos que nesta hora sofrem, choram e rezam pelo seu país (pois muitos deles rezam) não será em vão. A sua coragem e determinação são o ponto crítico da vitória ou derrota de Putin. A oposição interna na Rússia à loucura de Putin, também. Nem que seja um post (logo apagado) da filha do porta-voz do senhorio do Kremlin.

Dmitry Peskov e Lisa Peskova
@lisa_peskova

NOTA

O PIB da Rússia é inferior ao do Benelux. O PIB per capita do Benelux é 5x maior do que o da Rússia. O território do Benelux tem 75 mil Km2, o da Rússia 17 milhões. É só fazer as contas...

A Rússia é hoje um país economicamente menor, com uma superfície desproporcionada, em boa parte despovoada de seres humanos, armado até aos dentes, e com um arsenal nuclear construído durante a Guerra Fria, que só poderá servir para acabar com a humanidade. Nunca para dar qualquer superioridade efetiva aos criminosos de Moscovo.

A Rússia tem apenas 144 milhões de habitantes, e a decrescer; o Brasil, por exemplo, tem 212 milhões, e a crescer...

A Rússia, ou se junta à Europa ocidental (que as suas elites, aliás, adoram), ou será capturada pela China, que já há alguns anos começou a ocupar aldeias russas abandonadas nas imediações das suas fronteiras.

A China é um país de mais de 1,4 mil milhões de seres humanos, mas a envelhecer rapidamente. O seu pico demográfico já terá sido atingido, prevendo-se que perderá mais de 400 milhões de almas até ao fim deste século. Por outro lado, não tem recursos suficientes para alimentar a sua população. Prospera através da sobre-exploração da sua força de trabalho e dum sistema de produção altamente competitivo, mas muito poluente, ou seja, em última instância, autofágico. Se um dia a Rússia cair na suas mãos, será a China e não a Rússia a ditar os preços do gás natural e demais matérias primas que importa da Rússia. E muito provavelmente pagará com yuans, não com dólares, nem euros...

Putin é uma espécie de urso enjaulado, perigoso e que deixou de raciocinar. Esperemos que a elite que o rodeia, apesar de tão desmiolada e corrupta, acorde a tempo.


#standwithukraine

sexta-feira, fevereiro 18, 2022

A nova emigração

Train World - Bruxelas

Portugal: 100 mil emigrantes por ano!

Estamos a assistir a uma deterioração rápida do país. Os emigrantes de baixas qualificações, oriundos na sua maioria da chamada província, muito sujeitos ainda à influência católica, ainda enviam remessas para os bancos portugueses estourarem na TAP, e construirem, apesar do assalto fiscal, uma casinha na aldeia que provavelmente não irão usar, pois a segurança social portuguesa está em queda acelerada, e os descendentes destes emigrantes jamais virão viver num país estrangeiro...pobre, provinciano, atolado em corrupção e burocracia. Os emigrantes urbanos, com o secundário, formação tecnológica profissional, ou canudos universitários debaixo do braço, normalmente arranhando o inglês, já não pensam em regressar. As suas poupanças vão para a compra de casa e carro nos sítios que os acolheram e lhes deram trabalho, vida digna, creches gratuitas e segurança social a sério (falo de vários casos que conheço na família e entre os amigos). A terrinha, enfim, só para passar uns dias por ano, no verão, para ver os pais, molhar o pé no mar, rios e albufeiras, e apanhar Sol. Isto enquanto não forem os pais a voarem regularmente para a Europa rica e civilizada, nomeadamente para cuidar dos netos bilingues ou trilingues e desemburrar os preconceitos, as ideias e as vistas. Na verdade, a nova geração da emigração deixará em breve de alimentar a pátria ingrata tomada de assalto por piratas de todas as cores e feitios. O declínio per capita das famosas remessas dos emigrantes é cada vez mais evidente. Alguns farão mesmo das heranças investimento local para gozo pessoal esporádico e rentabilização adequada, com o devido envio das rendas, desta vez, da terrinha para os destinos da emigração!

Portugal envelheceu, corrompeu-se e deixou-se corromper, faliu, em suma, está adiado por um século. Nos próximos cem anos o que resta dos lombos suculentos do país (alguns oligopólios, centros urbanos, costa atlântica e terras férteis) será vendido aos credores, aos bolsos fundos da especulação mundial, aos que melhor apetrechados de tecnologia e financiamento global buscam oportunidades produtivas, mas também aos emigrantes bem sucedidos. E este é, apesar de tudo, o melhor cenário...

PS: A percentagem de portugueses que têm casa própria (ainda que hipotecada por via de empréstimo de longa duração) é das mais altas da Europa e do mundo. Trata-se de uma forma de poupança antiga, conservadora e própria de culturas familiares ainda fortes. A maioria dos emigrantes (todos os que conheci até agora em Bruxelas) ou têm casa própria/quinta própria em Portugal, ou têm os pais, ou têm ambos! Até aqui nada de novo. O que é novo é o destino que estão a dar e tencionam dar a esses bens patrimoniais. Ou os rentabilizam, ou os vendem para mudarem de bairro em Bruxelas!