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sábado, abril 14, 2012

O mundo vai acabar amanhã

Donnella Meadows (1941-2001) na sua quinta

A nossa sociedade é insustentável e, desde 2008, ingovernável

Há uns anos atrás, mais precisamente em 1990, expus numa galeria de arte em Lisboa uma espécie de alto-relevo realizado com tubos fluorescentes verdes. Os tubos representavam as silhuetas de duas cadeiras de frente uma para a outra, a uma distância de alguns metros. Ao alto e entre as mesmas lia-se uma frase: O MUNDO VAI ACABAR AMANHÃ!

O título desta alegoria é Os Dois Filósofos. A frase é simultaneamente falsa e verdadeira. Para quem morre, o mundo acaba (é o ponto de vista subjectivo), mas para quem está vivo, o mundo continua (é o ponto de vista objectivo). As cadeiras estão vazias, assinalando desta forma a natureza puramente teórica e lógica da aporia. Nenhum filósofo e todos os filósofos estão, por assim dizer, sentados alternadamente numa ou noutra das cadeiras. O conteúdo da obra será relativo, mas a sua forma, pelo contrário, tal como a proposição que exibe, é absoluta.

Vem esta divagação cultural a propósito da gigantesca crise em que estamos mergulhados em Portugal, na Grécia, em Espanha, na Itália, no Reino Unido, nos Estados Unidos, e em breve também em França, na China, na Alemanha, etc. Este colapso começou por ser financeiro, mas neste momento alastra como um fogo sem fim pela pradaria humana do planeta, ameaçando minar as suas bases económicas e os próprios regimes políticos. Tal como quando a monarquia francesa caia aos bocados, e Maria Antonieta recomendava que dessem croissants ao Povo, pois faltava o pão, também hoje assistimos incrédulos à notícia do quadril partido do rei de Espanha durante uma caçada de elefantes no Botswana — na mesma semana em que o seu reinado esteve a beira do precipício financeiro e do colapso social!

No entanto, todos ralham e ninguém tem razão, ou pelo menos toda a razão.

O endividamento mundial é simultaneamente público e privado, tem origens especulativas, mas também deriva dos populismos eleitorais, ou, pelo contrário, do esforço desesperado dos fundos de pensões, para contrariar a queda imparável dos rendimentos das poupanças por efeito da destruição suicida das taxas de juro.

Esta crise, sobre a qual já ninguém se entende, é uma consequência antecipada do que M. King Hubbert prognosticou em 1956 (o Pico do Petróleo), e  Donella Meadows e a sua equipa previram no tão célebre à época quanto esquecido depois The Limits to Growth (1972), isto é, que a exaustão dos recursos e o crescimento exponencial da economia e população mundiais se cruzariam algures entre 2030 e 2050, daí resultando, se nada fosse entretanto acautelado, o colapso da civilização industrial e pós-industrial e a vida como a conhecemos, sobretudo no Ocidente, ao longo dos últimos cem anos —numa história cuja escrita tem mais de sete milénios.

Tenho pois más notícias para todos vós. Eram conhecidas, mas a iliteracia da maioria dos humanos, incluindo economistas e políticos, impediu-nos de ouvir e ver a realidade dos factos e das projeções matemáticas. Talvez o desenho animado There's No Tomorrow, na mesma linguagem iconográfica e oral que serviu para vender os tempos modernos e o sonho americano, nos acorde a todos para a dura realidade.



Como escreveu Edward Hugh, em Portugal Gradually Shuffles Its Way Towards the Front of the Debt Queue, não conseguiremos debelar o nosso grave endividamento privado, público e externo antes de 2016 se não crescermos, pelo menos, a 3% ao ano.

(…) debt dynamics are (other things being equal) quite dependent on economic growth rates. Just how dependent can be seen from the chart below, prepared by Jürgen Michels and his team at Citi. As can be easily seen, it only needs a growth rate of one percentage point on average below the troika baseline scenario for debt to be sent uncontrollably upwards, and the more the average growth rate deviates downwards the more rapidly debt rises.

Mas esta é precisamente uma taxa de crescimento muito elevada se a colocarmos no mapa do crescimento mundial. Basta reparar como qualquer pequeníssimo sinal de retoma do crescimento nos Estados Unidos, na Europa, ou de regresso da China a taxas anuais acima dos 9%, ou ainda o mínimo sinal de instabilidade política nas zonas petrolíferas, faz disparar os preços do petróleo e a inflação para níveis pré-explosivos!

A inflação vai chegando, aliás, aos bolsos de cada um, não só pela via da subida dos preços da energia e dos bens alimentares, como sobretudo e cada vez mais por uma desvalorização silenciosa do dinheiro, bem como pela perda de rendimentos diretos e indiretos.

Estamos numa encruzilhada fatal. Mas enquanto não a reconhecermos, diminuirão também as possibilidades de evitarmos o pior :(

quarta-feira, fevereiro 22, 2012

Seguro aposta na desgraça

Afinal o que quer o PS? Portugal ou a Grécia?

PS retoma aliança com os interesses de quem vive de rendas,
nomeadamente os bancos!

Foto Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens/Arquivo

O Partido Socialista voltou a defender junto da troika um alargamento dos prazos para atingir o equilíbrio orçamental, defendendo também perante os chefes da missão que Portugal deve beneficiar das mesmas benesses dadas à Grécia no recente acordo. Público, 21 Fev 2012.

O BE e o PCP disseram hoje aos líderes da missão da troika que o programa não está a resultar, mas os chefes da missão consideraram que o programa "está no bom caminho" e que não será renegociado. Jornal de Negócios on-line, 21 Fev 2012.

O grosso da austeridade contra as pessoas e as micro empresas está feito. Não é possível esticar muito mais este violento programa de ajustamento fiscal. O seu cumprimento cabal vai, aliás, continuar a doer a muitos de nós, durante uma década ou mais, mas não à deputada do PCP que se escandalizou com o take away para os aflitos, pois essa jovem intocável come numa cantina de luxo, a da Assembleia da República, subsidiada pelo mesmo terrorismo fiscal que só aparentemente condena.

Mas falta, agora, passar à segunda fase do Memorando!

Falta a reforma estrutural do Estado, tornando-o mais seco, mas também mais responsável, competente, tecnicamente independente e respeitável. Falta descontinuar as rendas da elite de ricos incompetentes que muito contribuiu para arruinar este país. Falta estabelecer regras de concorrência na economia, e regras de concurso público universais nas relações entre o Estado e a sociedade das pessoas e das empresas. Falta estabelecer de vez a transparência, a justiça e a supervisão independente das leis e das regras e acordos. E falta, por fim, quebrar a espinha aos banqueiros e aos especuladores corruptos, assim como aos oligopólios da energia, das rodovias e da saúde.

Curiosamente, é precisamente agora, que falta tudo isto que o Memorando prevê, que o seminarista (in)Seguro vem exigir mais tempo! Mais tempo para quê? Ou para quem? Para perpetuar o anestesiado, indolente, paquidérmico e partidário Estado que temos? Para manter os monopólios? Para manter aconchegados os bancos e os rendeiros que fazem chegar o financiamento partidário, e sobretudo garantem os tachos de onde vêm e para onde vão os filhos partidários mais privilegiados da democracia degenerada que temos?

Ainda não vi o seminarista (in)Seguro do PS dizer ao país o que quer.

Só mais crescimento, é isso que o demagogo António José Seguro quer? Mas como, homem? Explique-se! Quer adiar tudo o que do Memorando da Troika ainda falta fazer: das reformas do Estado e da economia, ao fim dos privilégios desproporcionados e indecentes da burguesia parasitária e corrupta que domina o país? É isso que quer?

Que significado pode ter este lip sync do burocrata que sucedeu a Sócrates? Eu só vejo um: o medo de enfrentar a mão que alimenta boa parte dos incompetentes bonzos do PS!

O pedido deste transitório secretário-geral do PS não é mais, em suma, do que uma receita para colocar Portugal no estado miserável em que a Grécia está!

sexta-feira, outubro 28, 2011

Uma década de austeridade

O euro não sucumbiu, o dólar, sim, apodrece!

A Eurolândia ganhou a primeira grande batalha que lhe foi movida pelo par dólar-libra, mas tem pela frente uma década de austeridade, e precisa dramaticamente de maior e melhor integração económica, financeira e social, precisa de outra coesão política e de uma estratégia global comum.

Rich Mattione ©GMO LLC
(clicar para ampliar a img)
Eurozone bail-out: holes emerge in the 'grand solution’ to solve EU debt crisis
A trillion euro bail-out to save the EU’s single currency is in danger of unravelling after Germany’s central bank warned that the rescue measure was too dependent on the high-risk deals that caused the economic crisis. By Bruno Waterfield — 27 Oct 2011, The Telegraph.

Apesar do nervosismo evidente do eixo que continua a unir Washington a Londres, a verdade é que a Eurolândia se safou, por enquanto, de mais um grande aperto e de mais uma ameaça de cisão. Sem ceder no essencial, a Alemanha acabou por convencer a França e os países do Sul de que a melhor maneira de atacar a crise das dívidas soberanas da União é perspectivá-la a médio-longo prazo, ou seja, repartir no imediato entre governos (i.e. pagadores de impostos), bancos e fundos de investimento, os efeitos mais nefastos e prementes do buraco negro criado pelo sobre endividamento privado e soberano e pelas bolhas especulativas do casino derivativo em que se transformou a chamada inovação financeira desenhada pelos piratas de Wall Street, e, por outro lado, convencer os mais indisciplinados de que vai ser necessário manter, como alternativa à inflação monetária suicida da América, um programa de disciplina orçamental (austeridade), aumento da produtividade e reequilíbrio da balança comercial comunitária e intra-comunitária, no mínimo, ao longo dos próximos dez anos. Só assim continuaremos a contar com a boa vontade (liquidez) e expectativa positiva da China-Japão, Rússia, produtores de petróleo e Brasil.

De acordo com os números de Rich Mattione (“Et tu, Berlusconi? The daunting (but not always insuperable) arithmetic of sovereign debt”. By Rich Mattione — October 2011 © GMO LLC) a situação europeia, no que diz respeito às dívidas soberanas, é grosso modo esta:

País Dívida Pública
Alemanha2.062.000.000.000 (83% do PIB)
França1.591.000.000.000 (82% do PIB)
Reino Unido1.353.000.000.000 (80% do PIB)
Bélgica341.000.000.000 (96% do PIB)
PIIGS3.123.000.000.000
Portugal161.000.000.000 (93% do PIB)
Irlanda148.000.000.000 (95% do PIB)
Itália1.843.000.000.000 (118% do PIB)
Grécia329.000.000.000 (145% do PIB)
Espanha642.000.000.000 (61% do PIB)

Ou seja, como já aqui se escreveu repetidamente, as dívidas públicas da Alemanha e da França juntas superam a totalidade das dívidas soberanas do PIIGS (Itália incluída!) Mais: ao contrário da Espanha, cujo problema é sobretudo uma gigantesca dívida externa, resultante da sua monumental bolha imobiliária, raros são os países da União Europeia que respeitam o Pacto de Estabilidade e Crescimento em matéria de endividamento público, cujo limite é de 60% do PIB. Nenhum dos acima citados pode, de facto, atirar a primeira pedra. A próxima grande dor de cabeça que levou a Alemanha a despachar rapidamente o caso grego chama-se, obviamente, Itália!

O apoio dos países emergentes e produtores de petróleo à Europa resulta de uma nova compreensão estratégica do mundo actual. Os Estados Unidos não poderão continuar a gastar e consumir o que gastam e consomem, sobretudo tendo em conta que produzem cada vez menos coisas palpáveis, e a própria Europa terá que rever alguns aspectos insustentáveis do modelo de consumo e bem-estar social estabelecido numa época em que era sobretudo uma potência colonial, a demografia mundial era outra e o petróleo abundava. O mundo tornou-se muito mais pequeno, muito mais povoado, envelhecendo dramaticamente nos países mais industrializados, com um número crescente de recursos ameaçados ou mesmo em vias de extinção, e onde deixou, pura e simplesmente, de haver hegemonia militar. Em caso de guerra mundial, morreremos todos, ou quase todos!

Mais do que persistirmos numa lógica de conflitos e guerras assimétrica pelos recursos que deixaram de ser abundantes, e em muitos casos se extinguem a olho nu, parece mais evidente a cada dia que passa, que ou conseguimos desenvolver um modelo de crescimento zero criativo, justo e sustentável, ou espera-nos o abismo ao virar de cada esquina de cada crise financeira, de cada guerra, de cada desastre ambiental, ou de cada incidente climático extremo.

É fundamental substituirmos a lógica suicida do prisioneiro encurralado, por uma nova lógica de cooperação competitiva.

act. 28-10-2011 23:10

domingo, outubro 23, 2011

A formiga e as cigarras europeias

A Alemanha tem razão, os bancos, não!

Sacrificar a poupança, nomeadamente de quem produz, em nome da rigidez dos direitos sociais adquiridos, de uma desmiolada cultura do consumo, e de um sistema bancário insolvente, será o caminho mais expedito para o colapso em cadeia do actual sistema capitalista. Não precisaremos de nenhum marxista para nos ajudar!

Se a cigarra triunfar, mais uma vez, sobre a formiga, em vez de uma transição pacífica para o pós-capitalismo teremos miséria e guerra nos próximos anos e décadas — OAM.

O fracasso redondo do Conselho Europeu deste fim-de-semana mantém em suspenso uma divergência fundamental entre a Alemanha, mais alguns países do norte da Europa, e a França, mais os endividados países do Sul:
  • Quem vai pagar as dívidas soberanas da Grécia, Itália, Bélgica, Alemanha, França, Reino Unido... ?
  • Quem vai pagar as dívidas externas do Luxemburgo, Suíça, Reino Unido, Noruega, Bélgica, Dinamarca, Suécia, Áustria, França…, quando o colapso da bolha de derivados financeiros atingir o zénite? 
  • Quem vai reequilibrar as deterioradas balanças de pagamentos da Espanha, Itália, França, Reino Unido, Portugal, Grécia…? 
  • Quem vai salvar os bancos sobre expostos às bolhas especulativas (imobiliária, soberana e dos mercados cambiais) da sua cada vez mais grave crise de liquidez e de um dominó de insolvências? 
O GEAB deste mês fala da falência inevitável de 10 a 20% dos bancos ocidentais! As praças financeiras de todo o mundo, entretanto, tornaram-se os alvos compreensíveis de uma indignação à escala global que apenas começou a crescer, que dificilmente será neutralizada pelas polícias, e que poderá muito bem ditar o fim do capitalismo tal qual o conhecemos nos últimos quatrocentos anos.

Há basicamente duas posições:

Uma é a posição da França e de todos os demais países europeus sobre endividados, para quem a solução passa por monetarizar as dívidas nacionais, expandindo a liquidez do euro e emprestando assim sem limite aos governos e aos bancos, com a consequente desvalorização monetária e disparo da inflação, nomeadamente por via do preço acrescido das importações e pelo estímulo artificial do consumo privado e público. Esta solução significaria, pura e simplesmente, um novo assalto à robustez comercial e industrial da Alemanha, um ataque sem precedentes à produtividade e competitividade externa desta trave mestra da União Europeia, e uma destruição inexorável da poupança europeia, onde quer que a mesma se encontre — nos países, nos negócios equilibrados, e nas pessoas produtivas e prudentes. Esta solução implicaria promover o que não pode deixar de ser considerado um crime: financiar os bancos, os especuladores profissionais e os governos populistas da Europa, à custa de quem planeou, produziu e poupou!

A outra solução, propugnada nomeadamente pela Alemanha, e agora também por Durão Barroso, passa por envolver os especuladores e os bancos na reestruturação inevitável dos países simultaneamente sobre endividados e incapazes a prazo de pagar os serviços das respectivas dívidas públicas sem colapsar económica, política e socialmente — casos da Grécia, Portugal, Bélgica e talvez mesmo de países como a Itália, a Espanha, ou a própria França. O BCE e Sarkozy aceitaram em Junho passado um haircut das expectativas de retorno especulativo das bolhas imobiliária e soberana na ordem dos 21%, mas a Alemanha exige agora maior responsabilização por parte dos especuladores privados no colapso financeiro em curso: 50 a 60%.

Acontece, porém, que este contra-ataque alemão à lógica insaciável do capital financeiro vem colocar em causa a situação já de si extremamente frágil de dezenas, se não mesmo centenas de bancos e fundos de investimento por essa Europa fora e ainda onde quer que haja sociedades financeiras e bancos atolados de obrigações soberanas europeias: Estados Unidos, China, Japão, Rússia, Abu Dhabi, Brasil, etc. A pressão sobre Angela Merkel não pode, pois, deixar de ser brutal.

Conseguirá a União Europeia sair deste dilema?

Os preços da alimentação tendem a acompanhar os preços do petróleo. Ler Gail Tverberg.

No decurso das décadas de 1950 até meados da de 1970, o fim do colonialismo e uma redistribuição mundial menos desequilibrada e menos injusta dos recursos disponíveis, sobretudo do petróleo, do gás natural, dos metais e das matérias primas alimentares, acabaria por induzir uma desindustrialização acelerada dos Estados Unidos e da Europa ocidental, com a subsequente deslocalização de sectores industriais inteiros para países com contingentes aparentemente infindáveis de trabalho barato e socialmente desprotegido. O consequente desequilíbrio resultante do aumento e encarecimento progressivo das importações, e a ameaça do abrandamento económico resultante da diminuição da actividade industrial nos países mais ricos do planeta, conduziram sucessivamente os Estados Unidos e a Europa ao desenvolvimento de uma estratégia de compensação apoiada em três pilares:
  1. a expansão do consumo interno, desenvolvendo para tal toda uma ideologia cultural apropriada (a sociedade de consumo);
  2. o crescimento do campo tecnológico e cognitivo, de que resultaria uma expansão sem precedentes nos sectores da educação, da investigação e do desenvolvimento de produtos inovadores (tecnológicos, mas também culturais);
  3. e a inovação financeira, sobretudo orientada para o desenvolvimento de estratégias de financiamento virtual de economias cujas rentabilidade e deterioração dos termos de troca com o exterior se prefiguraram desde muito cedo nos radares dos estrategas mais atentos.
Foi precisamente a aceleração contínua destes três factores que conduziu o capitalismo mundial à crise sistémica anunciada em 2005-2006, declarada em 2008, e que viria a mergulhar os Estados Unidos, a Europa e o resto do mundo na grande complicação em que agora se encontram. A bolha especulativa da China que acompanha a previsão, para 2012, do primeiro défice comercial chinês dos últimos vinte anos, mostra até que ponto estamos perante uma crise global, e até que ponto os países emergentes são incapazes de sustar o poder destruidor do buraco negro financeiro responsável por esta prolongada e profunda crise sistémica do capitalismo.

O paradigma do consumismo e do consumo conspícuo chegou ao fim, nomeadamente por efeito da inflação crescente, dos limites explosivos do endividamento, e ainda por causa do crescimento demográfico que de uma forma ou doutra implica um melhor aproveitamento e redistribuição dos recursos disponíveis à escala mundial. A tecnologia, por sua vez, evoluiu para uma rede geograficamente dispersa e desnacionalizada, diminuindo progressivamente a densidade dos antigos centros de ciência e tecnologia americanos, japoneses e europeus. A inovação financeira, por fim, acaba de esbarrar nos limites materiais da deteriorada hegemonia monetária da América, renovando o debate sobre a sustentabilidade do actual sistema bancário e financeiro global, desenhado à imagem e semelhança de um modelo que parece ter dado resultados desastrosos na China imperial, e volta agora a mergulhar a Europa numa sucessão catastrófica de bolhas especulativas.

É possível que os Estados Unidos estejam a preparar uma nova moeda, ou até a retoma da indexação do dólar ao ouro, através de uma operação súbita, surpreendente e sem precedentes de decuplicação do valor da onça de ouro. Para aqui chegar teria, porém, que lançar sucessivos pacotes de Quantitative Easing e afogar praticamente o planeta em notas verdes e inflação. Num cenário desta grandeza, que faria a União Europeia?

Uma parte da União Europeia, viciada no bem-estar gratuito, no consumismo, na corrupção, e no endividamento especulativo, não quer sofrer, quer continuar a satisfazer os seus caprichos sem pagar o preço justo das coisas, exige, portanto, dinheiro grátis, que alguém pague as contas, e que se esse alguém não aparecer (e for impossível sangrar mais o indefeso contribuinte europeu), então, que não se pague e pronto! A solução protagonizada nomeadamente por Cavaco Silva é portanto esta: que o contribuinte refinancie os bancos e que estes, depois de refinanciarem os governos, as nomenclaturas e as burocracias, e depois de pagarem os dividendos aos especuladores (nomeadamente do BPN), que retomem paulatinamente as operações de crédito à economia e ao consumo. Haverá riscos elevados de cairmos numa inflação galopante, e de uma desvalorização imparável do euro? Sim, há! Mas não faz mal, diria um qualquer assessor de Belém — os alemães, os árabes, os chineses, os iranianos, os russos e os brasileiros que paguem a crise!

A Alemanha já por duas vezes viu o seu sucesso industrial e económico ser desbaratado pelo resto de uma Europa, ou decadente e com maus hábitos difíceis de perder, ou simplesmente indolente. Será que iremos assistir a um terceiro suicídio colectivo?

Juntei a este escrito uma selecção de factos, observações e opiniões que me parecem de grande oportunidade para melhor compreendermos o que está em causa. De algum modo complementam as minhas reflexões sobre a nova e perigosa disputa entre as cigarras e as formigas desta velha Europa.


REFERÊNCIAS

Esta pirâmide entrou em modo especulativo (Ponzi) a partir da decisão de descolar o USD do ouro. Os CDO, CDS, e toda a parafernália de produtos financeiros criados para segurar/especular com o endividamento exponencial, privado e público, são as causas próximas do colapso sistémico actualmente em curso — OAM.
  1.  The European Financial Crisis in One Graphic: The Dominoes of Debt   (October 24, 2011)
    “After 19 months of denial, propaganda and phony fixes, the political and finance leaders of the European Union are claiming a "comprehensive solution" will be presented by Wednesday, October 26-- or maybe by the G20 meeting on November 3, or maybe on Christmas, when Santa Claus delivers the gift global markets are demanding: a "solution" that actually pencils out and that forces monumental writeoffs of debt and thus equally monumental losses on European banks and bondholders”.

    in Charles Hugh Smith.

  2. German Parliament Slows Euro Rescue Decisions
    “Europe’s leaders had only just presented themselves to their guests as a picture of unity, amid speeches praising the outgoing president of the European Central Bank (ECB), Jean-Claude Trichet, before the sparks began flying in another part of the building. Unfortunately, the German chancellor told a group of stunned men, she would not be able to make a decision on the euro bailout fund at the European Union summit on the following Sunday, because she needed the approval of the German parliament, the Bundestag, first. But because this approval was not to be expected, Chancellor Angela Merkel, a member of the center-right Christian Democratic Union (CDU), proposed postponing the meeting of the 27 heads of state and government.

    European Council President Herman Van Rompuy protested, saying a postponement was absolutely out of the question, if only out of consideration for the other member states. “This is the last exit on the highway,” French President Nicolas Sarkozy said excitedly. “If we don’t reach a decision now, we’re dead.”

    But it was of no use. By the end of last week, it was clear that the decisions would be postponed. Grudgingly, the majority of the EU was forced to follow the Germans’ lead.”

    By Ralf Neukirch, Christian Reiermann and Christoph Schult, in Der Spiegel (23-10-2011)
     
  3. M3 has ceased to be published by the US Federal Reserve
    The world is left without any reliable data on the dollar-value.

    As announced last February 15 by Leap/E2020, yesterday March 23, 2006, the US Federal Reserve has ceased publishing M3, the most reliable indicator of the amount of USDs circulating in the world.

    The Fed has also ceased publishing a number of less important indicators (such as the amount of EuroDollars, large-denomination time deposits, and repurchase agreements) which could have been used to calculate M3 on the basis of other aggregates.

    It is important to bear in mind that the Fed continues to calculate M3 and the other indicators. It doesn’t cease to gather these data, but it no longer shares the information with US citizens and the rest of the world. To use a simple image, it is as if, on the eve of a war, the Pentagone suppressed GPS guidance, including for its own allies.

    Such measure, which has had no equivalent since 1945, when the dollar imposed itself as the global monetary reference, is a major break in the confidence contract between the US and its Allies.

    in GEAB
    (March 24, 2006)
     
  4. The Seeds of Our Destruction Were - And Still Are - Sown in the Bond Markets

    Paul Brodsky:  All the way through 2006, where a monetary aggregate called M-3 -- which was the only aggregate that included repurchase agreements, which is the process by which banks fund themselves with each other -- grew almost 12% a year. It is an enormous amount, and that basically tells you that this overnight lending among banks provided the fuel from which all of the term credit, or the 30-year mortgages ultimately, and the auto loans, and revolving consumer credit that, of course, has never paid down from whence that came. So in effect, we knew that the system became highly susceptible to any hiccup.

    And what we were looking at was an economy where, according to recent data, we have got $53 trillion dollars in dollar-denominated claims, according to the Fed. Well, I actually think it is higher than that, significantly higher than that, but let us just take their figure. On top of a $2.7 trillion dollars in actual money, or M-zero, or to put it another way, currency in circulation plus bank reserves held at the Fed.

    So the system is levered at least 20 to 1, and there is effectively 20 times more debt than money with which to repay it. And so that is a long-winded way of setting the table for where we come down in our macro views. Clearly, it has great ramifications, negative ramifications, for the currency, and given that the dollar is the world’s reserve currency, we think it has significant ramifications for the global monetary system in general.

    [...]

    I think debt is still probably marked too high on balance sheets. Certainly at banks. And so I think it is still out there; it is still lurking. It does not necessarily have to be recognized, ever, frankly, if the Fed produces enough inflation that takes them out in nominal terms. But it is still out there, and I would argue it is not only sub-prime, but as we are seeing now, it is turning into prime as well.

    [...]

    Chris Martenson:  [...] Suppose, for the moment, though, that somehow things do get away from the Fed, they find themselves following, not leading the market. It has happened to them before. It has not happened recently, but certainly, that used to be the case. So I do not know, so there are all these people who have bond funds that are levered up 20 times, 10 times, some big giant number, and all of a sudden the rumor comes through the grapevine that China has decided enough is enough and they are quietly liquidating their custody account into what ever bids they can find. Would we not find that those levered bond funds would potentially get caught in the equivalent of a long squeeze, in essence? I mean, they would have to get out there and start liquidating into this madness. Is that a possibility? Let us admit that it is a possibility; how probable it is, is another question. Do you think the Fed has, with its infinite capability, can really step in and battle that?

    Paul Brodsky:  Well, functionally, yes, they can. Because again, let us say China has three trillion in dollar reserves (just to pick a round number). Yes, the Fed could print five trillion if they wanted to. They would always have more money than bonds outstanding, number one. And they could always assume anyone else’s debt, because there is literally no limit.

    [...]

    ...if we anger them for whatever reason and they decide as retribution, and maybe it is an economic decision that they just do not want to own Treasurys any more and they decide to liquidate. I would suspect at that point, you would see a, maybe even a formal devaluation, of dollars. And we could go into that in a bit if you would like, but I would think that is the point at which you would see obviously the Fed would have to come and buy a bunch and monetize a lot of debt. But my guess is that would see something more formal. And you would go into a weekend and you would come out of the weekend with a completely different new monetary system.

    Chris Martenson:  Okay, interesting. So where I am, what I am hearing here, is a fairly simple story then, had a very long, very protractive credit bubble, it ran up pretty hard. And the Fed has nearly infinite or probably infinite capability to just manufacture credit, or what we call "money," out of thin air. All U.S. debt is denominated in U.S. dollars in this point in time, so there is really no external forcing function. So, guess what, printing can always happen. You started all of this by saying that when you peered through this landscape, what you saw was actually a currency risk. Let us go there for a second, if we could. What do you, how would that play out, if it does not really play in a big bond market route, something has to give in this story. You are saying it is the currency; what does that play out like?

    Paul Brodsky:  I think the Fed is going to have to continue printing. They are going to go significant QE3 at some point; I do not know exactly what form it will take, but they are going to have to monetize debt. The process of doing that is, I am sure your listeners know, is when you buy debt, you print money with which to buy it. And which moves new money out, ostensibly into the system, but as we have seen, it only goes into banks as excess reserves. This process is the exact process of inflation, so if you print a dollar, you are diminishing the purchasing power of that dollar through dilution. And it is a very easy thing to understand more dollars chasing, let us say, the same amount of goods and services and assets, must drive the price level higher for those goods services and assets. And so what we see happening is, through this process of money printing, we will have rising prices that rise much faster than wage growth or income growth, and it is going to make the ability to service debt that much harder.

    [...]

    Chris Martenson: Uh-huh

    Paul Brodsky: So it looked as though we have output growth and in nominal terms, we did. However, I had to fire someone who was a consumer and so on and so forth and a taxpayer. And so the real economy actually shrunk while nominal growth grows. And so this is what has already been happening. The pressure is the fundamental economic pressures that build, through this juggling act of trying to keep all the balls in the air by printing money and giving the appearance of growth, and trying to instill confidence among consumers and among factors of production, and among manufacturers and so on and so forth. It really can’t last if there is no fundamental reason for it to continue. So in reality we think that they will print a lot of currency, the real economy will shrink. However, the good side of this whole thing, in an aggregate sense, and I am not judging the merits or whether or not it is moral or anything along those lines, but since the U.S. and Western Europe and Japan, the great majority of our populations are indebted. By printing all this money, the prices will rise and eventually even our wages will rise, but the only thing that won’t rise, is the amount we owe. And so this process of inflation reduces the burden of repaying debts. Both in the private and the public sector. While it does not reduce the debt at all but it does act as a de-leveraging. You can de-lever either by letting credit deteriorate and that has all terrible ramifications because you actually do have real contraction in the economy. Or you can print money up to meet the notional value of the debt. And those are the two ways to de-lever and I think they are clearly going to print money and that is the process of de-leveraging they are going to take. Thereby inflating the way the burden of paying the debt.

    Chris Martenson: Yeah, there is all kinds of reasons that, there is really no opposition to the idea of printing. At the political sphere, they love it. Politicians tend to get tossed out during deflationary episodes. Inflation you know, they tend to hold their jobs. So there is a job, job’s creation act for political people buried in there. And also, government cannot tax deflation. Meaning if I hold an asset like a house, and it inflates 100%, some of that is taxable, depending on the size, or any asset that inflates, that is a taxable moment. A deflating asset is not a taxable amount. So you cannot tax deflation. There is another reason why we hate deflation, because it does not perpetuate the entire model of continued growth. But you know at some point, in every credit bubble - and this has been true through all of history and Reinhart and Rogoff certainly proved that - at some point, you just hit the limit, you cannot go any further. Even leaving aside that we remove the natural resource pressure from peak oil or from other resources or that there are natural limits being hit, forget about all of that. There is always a moment when your credit bubble just cannot go any further. There are no more noses that can fog mirrors, that can take out a loan. In your estimate, you are looking at all of this, they have been pulling on the ripcord of the chain saw as hard as they can trying to get this thing started again. Have they? And if they cannot, do we not just face some sort of deflationary outcome anyway?

    Paul Brodsky: I think before we ever get to a truly deflationary outcome, meaning output contraction, shall we say. The Fed will formally devalue the currency, which will solve all these problems. They can do it tomorrow if they chose.

    Chris Martenson: Isn’t everybody trying to devalue their currency?

    Paul Brodsky: Well, they would devalue it to gulp and not against the Euro, or not against the Yen or the Renminbi. That alternating currency devaluation tag team, whack-a-mole, beggar-thy-neighbor  policy, works obviously for exporters and it works in the very near term but it really does not solve the problem which is all of these currencies are baseless and are losing their purchasing power versus the goods and services with inelastic demand properties. Such as natural resources and things of scarcity.

    Chris Martenson: Uh-huh

    Paul Brodsky: So it makes perfect sense that while they are trying to politically, through policy, devalue their currencies versus other fiat currencies. That is not a long-term solution. When I say devaluation, I mean against the currency that is scarce and that policy makers cannot manufacture because ultimately it comes down to if I have a widget that I want to exchange for money, no matter where I am in the world, the money I want in exchange, I want to know that that’s going to have. I want to have confidence in it that that is going to retain its purchasing power. And it will get to the point ultimately where the one I am going to want is something other than what you are offering. There is precedent obviously, that gold has backed money. And we happen to think that that is the end game. Ultimately, you will see probably the Fed formally devalue the dollar versus gold. After 40 years of it being untied, and that is all. This is just the pendulum swinging back we think. And they will do it at a price, a gold price, in dollar terms, that will reflect the amount of past monetary inflation that we have seen.

    Chris Martenson: Yikes

    Paul Brodsky: Or something close to that.

    Chris Martenson: That is a big number.

    Paul Brodsky: It is a big number, we think it is about little north of $10,000 currently.

    [...]

    What I am saying is, the government will want to retain control, the only way they will be able to do that, is through going back, is devaluing. As they devalued it in 1971, the irony is, they will be going back to a gold standard or a quasi gold standard. I think that the method that they will do that, you know they will print a lot of money with which to tender gold at some big number. That will be highly inflationary. And then they will probably make a market, target a gold price as today they target Fed funds and interest rate. They will target a gold price. You know we will buy your gold at $10,000 we will sell you our gold at $10,200 and if too many people tender, then they will take the price down and vice versa. And what I think that would do, that is not a gold standard by the way, that is maintaining a credit market in effect. However, what it would still place a little more pressure on lenders to watch their backs in terms of the unreserved credit that they are carrying. And it would probably, more than anything, just instill confidence.]

    in Chris Martenson, Transcript for Paul Brodsky
     
  5. The collapse of paper money & the vertical move of gold

    It is the charging of interest on money issued as loans from a central bank that is the foundation of capitalism. It should be noted that prior to capitalism, charging interest on money lending was considered immoral by Christians, Muslims and Jews alike.

    Outlawed by Islam, considered by the Catholic Church to be a sin and contrary to the Law of Moses, because of William Patterson’s combination of money and debt, money lending is now the basis of all modern economies.

    Jews, barred from all trade guilds in Medieval Europe, were allowed only two avocations in the Middle Ages, that of money lending and the selling of used clothing. It is not without irony that the once shunned practice of money lending has now catapulted Jewish bankers to their pre-eminent position of power and wealth in the world today.

    [...]

    When capitalism—institutionalized money lending in debt-based economies—became the world’s predominant economy, bankers found themselves temporarily on top. The operant word is temporarily because where credit and debt is concerned, that which goes up always comes down.

    [...]

    In 1971, capitalism began to unravel when the US was forced to suspend the convertibility of the US dollar to gold. Without gold’s constraint on the money supply, governments—especially the US—began printing and borrowing money virtually without limit. Today, that limit has been reached.

    William Patterson’s 300 year-old house of cards and credit is now collapsing as defaulting debt consumes what’s left of savings. Despite the efforts of governments to save the system that allows them to spend money they don’t have, the end of the banker’s reign is near.

    By Darryl Robert Schoon, in Goldsurvival, July 18, 2011.
É por isto que os bancos querem que os governos tapem o buraco dos derivados especulativos com a expropriação fiscal do cidadão comum — OAM.
act. 24-10-2011 01:38

terça-feira, outubro 18, 2011

China?

Um filho bastardo de Keynes viajou até Pequim, mas os resultados da sua receita revelam-se incertos e algo decepcionantes

The Last Train Home, um extraordinário doc de Lixin Fan

No momento em que a economia portuguesa colapsa diante de todos nós, e o governo hesita em atacar de frente alguns dos principais obstáculos e resistências à esperança de uma saída menos dramática, mais estruturada e mais ética da crise, vale mesmo a pena meditar um pouco sobre a China e a promessa que esta dificilmente poderá cumprir: substituir os Estados Unidos e a Alemanha no papel de locomotiva do mundo.

O filme conta a história de três dos duzentos milhões de trabalhadores migrantes responsáveis pela rápida subida da China ao pódio de terceira economia mundial, logo depois da União Europeia e dos EUA. É uma história triste e muito bela ao mesmo tempo: resume em 85mn a fuga à miséria dos campos tentada e concretizada por quase 20% da população chinesa, a ilusão do trabalho e vida na cidade, o inferno das idas à terra no único feriado anual existente, e o regresso forçado de muitos deles às aldeias de origem na sequência do colapso da economia mundial em 2008.

Na América, este regresso à terra foi-se tornando impossível à medida que as propriedades foram sendo confiscadas pelo sistema financeiro na sequência da falência de milhões de pequenos agricultores e ganadeiros descendentes das primeiras três ou quatro gerações de colonizadores europeus. A concentração fundiária nos EUA deixou os habitantes das cidades progressivamente sem retaguarda, e tornando por isso o desemprego uma verdadeira tragédia pessoal, familiar e social (algo que a lei portuguesa deverá impedir expressamente — seja no que se refere às propriedades rústicas familiares, seja no que se refere à habitação própria nas cidades).

A perda definitiva da terra não acontece ainda na China, nem sequer, por enquanto, em Portugal. Mas o problema, como comenta um analista chinês (McKinsey Quaterly, 2009) a propósito do regresso dramático dos trabalhadores desempregados às aldeias, é que o rendimento dos campos continua a representar pouco mais do que 10% daquele que se consegue nas cidades.




“Talk about being caught between a rock and a hard landing. China just reported (completely fabricated) Q3 GDP of 9.1%, which was the slowest GDP growth in the past 2 years and well below expectations of 9.3%, which has sent the Hang Seng index down to -3% on the news, and which confirmed that the Chinese economy is slowing...” — ZeroHedge.

Para a China, crescer abaixo dos 8% é estar em recessão! E a China tem vindo, de facto, a crescer muito perto deste valor desde 2008 (embora as marteladas estatísticas governamentais puxem os números para cima). A fim de atacar a dramática quebra no ritmo de crescimento e exportações desta potência emergente o governo apostou em duas medidas de compensação, uma de tipo keynesiana, e outra meramente especulativa.

A primeira foi um gigantesco programa de obras públicas: barragens, estradas e ferrovia, nomeadamente de Alta Velocidade. E a segunda foi inundar o mercado de crédito com liquidez, favorecendo nomeadamente o sobre endividamento das cidades e dos municípios em matéria de infraestruturas e construção imobiliária, e o consumo de bens duradouros por parte de uma emergente mas ainda algo desconfiada (e portanto poupada) classe média chinesa: automóveis e a parafrenália infinita de electrodomésticos e gadgets electrónicos que a China produz para todo o planeta mas deixou de exportar em tão grande quantidade.

Acontece, porém, que as estradas estão desertas, os comboios de alta velocidade andam meio vazios, e sobram casas aos milhões. Não tardaremos pois a escutar o estrondo catastrófico da gigantesca bolha com que os burocratas chineses tentaram contrariar os efeitos da recessão mundial sobre a sua economia florescente.

Esta pequena história chinesa ilustra bem o grau de interdependência dos problemas do mundo. Não vale a pena olharmos apenas para o nosso umbigo lusitano, inchados de razões, sem meditar seriamente no planeta em que vivemos temporariamente. A globalização económica e financeira tem que ser rapidamente revista em nome de um novo, humanamente decente e justo equilíbrio mundial.

POST SCRIPTUM

Nem de propósito: acabo de receber este clip do CHINA DAILY!
Trade deficit next year 'possible'

Country facing situation for first time since 1993 as export demand drops

BEIJING - China may see its first annual trade deficit for two decades next year, Wei Jianguo, former vice-minister of commerce, said.

September and October are traditionally the peak time for contracts ahead of the festive season in Europe and the United States but demand is sharply down this year, he said.

"China's export-reliant enterprises are facing their toughest time in years. The possibility of a full-year trade deficit cannot be ruled out next year," Wei, secretary-general of the China Center for International Economic Exchanges, a government think tank, told China Daily. — CHINA DAILY

act.: 18-10-2011 20:26

quarta-feira, setembro 07, 2011

Derivatives

A Besta dos Derivados Financeiros

Touro morto na arena, Pamplona. Bernat Armangue—photo/AP (versão mod. p/ PB)

Aquilo a que se chama produtos "tóxicos" são regra geral (1) contratos de derivados financeiros, complexos (porque agrupam vários produtos financeiros em pacotes embrulhados com designações que não permitem ver o que está lá dentro), e negociados por debaixo da mesa, i.e. fora da bolsa e das demais praças (como são, por exemplo, os mercados públicos das "commodities": café, petróleo, trigo, arroz, carne argentina, etc.) A esta negociação fora dos mercados "transparentes" chama-se OTC: Over The Counter, que eu traduzo Por Debaixo da Mesa, na medida em que tais contratos, embora registados no seu valor, não são negociados em praças públicas (bolsas, etc.) e escapam aos organismos de supervisão financeira.

O derivado mais antigo e simples, que não é necessariamente "tóxico", é o chamado contrato de futuros, por exemplo, um seguro de colheitas, um seguro contra naufrágios, um seguro contra falências, ou contra alterações cambiais, etc. Um contrato de promessa de compra e venda de trigo por um dado valor numa dada moeda realizado antes da colheita é um bom exemplo de um contrato de derivados (não financeiro). Estes contratos existem desde que há comércio marítimo de longa distância, mas com a exportação progressiva das actividades produtivas (extração de matérias primas, produção industrial, serviços) do Ocidente para os chamados países emergentes, a base material da economia ocidental (a começar pela sobre endividada economia dos EUA) começou a decair. O modo como os gurus de Wall Street (de que tais Big Five são a marca distintiva) reagiram a esta perda progressiva de riqueza real foi precisamente a especulação com os mercados de futuros, tornando este tipo de contratos cada vez mais elaborados, opacos e fortemente apostados em ganhar dinheiro a partir de operações de risco: por exemplo, apostando na falência de um banco, ou de um país, apostando na subida e descida das taxas de juro interbancários, ou na subida e descida das taxas de juro das Obrigações soberanas no mercado secundário das dívidas públicas, etc.

Apostar contra/a favor das  taxas de juro, ou a favor/contra as taxas de câmbio, são o principal jogo da especulação financeira mundial de há umas duas décadas para cá, muito à frente das apostas no mercado imobiliário especulativo (de que o Subprime foi o mais recente exemplo), precisamente através dos tais produtos "tóxicos" que compõem o mercado de derivados financeiros: CDO (Credit Debt Obligations), CDS (Credit Default Swaps), Options, Naked Short Selling (vendas a descoberto sem garantia de recompra), etc....

Um dos principais estímulos concertados desta monumental bolha especulativa foi o chamado Yen Carry-Trade, i.e. a especulação com a moeda japonesa, e com as suas baixíssimas taxas de juro interbancário. Porém, no momento em que a China começou a emular este estratagema, e os Estados Unidos também decidiram optar por uma política de desvalorização agressiva do dólar e de destruição das taxas de juro, colocando-as cada vez mais perto de zero, o Yen Carry-Trade entrou em colapso, e com este colapso, começou o turbilhão desse inimaginável buraco negro financeiro chamado derivados.

A partir do momento em que estes produtos se autonomizaram a ponto de serem vistos e transaccionados como fichas de um gigantesco casino, o monstro do mercado de derivados financeiros começou a crescer exponencialmente. Hoje este mercado tem um valor "nocional" —quer dizer, um potencial de exposição ou de risco— na ordem de 12x o PIB mundial, i.e. 12x63 000 000 000 000 = 756 biliões de USD (ou como dizem os americanos: $756 trillions)

Bastaria que 30% dos contratos de Derivados dessem para o torto —e estão a dar!— para que se evaporassem da Terra qualquer coisa como 226,8 biliões de dólares (68E12 USD)

É este maremoto financeiro que está em curso :(




Vale a pena ver os 6 episódios deste excelente doc.

 NOTÍCIAS DO BURACO

A exposição dos cinco principais bancos americanos (JPMorgan Chase Bank, Bank of America, Goldman Sachs Bank USA, HSBC Bank USA) ao mercado de derivados financeiros, sobretudo envolvidos na especulação cambial (82%), com Credit Default Swaps (97,28% dos contratos), equivale a 4x o PIB mundial!

O crescimento desta exposição em 2010 (12,7%), a manter-se, seria claramente exponencial — i.e. virtualmente fora de controle.

Estes Big Five estão entre as dezassete instituições financeiras recentemente processadas pelas autoridades de Washington por terem defraudado a Fannie Mae e a Freddie Mac, causa principal do colapso do Subprime em 2007-2008.

É por estas e por outras que a imprensa anglo-saxónica berra histericamente e todos os dias contra os PIIGS. Estamos mal, sim, mas porque somos o elo fraco de uma cadeia de especulação e ganância mundiais com sede, precisamente, em Wall Street, sob o comando dos piratas que dirigem os Big Five.

CITAÇÕES
The notional value of derivatives held by U.S. commercial banks increased $12.8 trillion, or 5.5%, from the fourth quarter of 2010 to $244 trillion. The notional value of derivatives is 12.7% higher than a year ago. Derivative contracts remain concentrated in interest rate products, which comprise 82% of total derivative notional values. Credit derivatives, which represent 6.1% of total derivatives notionals, increased 5.3% to $14.9 trillion — in OCC’s Quarterly Report on Bank Trading and Derivatives Activities First Quarter 2011, Comptroller of the Currency Administrator of National Banks

World GDP in US$ (Wikipedia)
Listed by:
—IMF: 62,909,274,000,000
—World Bank: 63,048,823.000.000
—CIA: 63,170,000.000.000

JP Morgan still is the biggest HOLDER of derivative contracts. It has only $1.7 trillion in total assets while holding a hot hand of $73.6 trillion in derivatives! Wow. Talk about a heavy overhang of vapid paperwork that has no reality! Goldman Sachs has a mere $84 billion in assets but this lets them toy with $44 trillion in derivatives — in Culture of Life News.

NOTAS
  1. Esta versão simplificada não dispensa aos interessados leituras mais detalhadas sobre o fenómeno. Ler este artigo na Wikipedia.

quarta-feira, agosto 17, 2011

Stop the banksters!

A capacidade do BCE é limitada, e a da Alemanha também

Esta alegoria, realizada a partir de uma pintura de Lucian Freud, não poderia sintetizar melhor o momento actual da Eurolândia.

A taxa Tobin, isto é, uma taxa sobre as transacções em bolsa, não chega — pois boa parte do buraco negro que vem sugando para o Nada as economias mundiais tem origem em transacções clandestinas, por baixo da mesa, Over The Counter (OTC), e por esta razão a Europa terá que começar por proibir os próprios Derivados Financeiros OTC, os Credit Default Swaps (CDS), as Credit Default Obligations (CDO), o Naked Short Selling e ainda o High-Frequency Trading, antes de qualquer imposição fiscal ingénua, se quiser mesmo vencer a guerra desencadeada pelo par dólar-libra contra o euro e o resto do mundo.

Só depois de forçar decisões como estas a União Europeia poderá reconstruir o seu sistema financeiro e a sua economia. Se, pelo contrário, continuar no caminho da cumplicidade que tem entretido com a cleptocracia mundial, e persistir na cobardia política, a desintegração europeia acabará por ser a realidade insistentemente anunciada. Se tal vier a ocorrer, os criminosos de Wall Street exultarão então como nunca do meio da sua descarada e insaciável orgia.

Polite looting vs. street looting



O Max Keiser Report que publicamos com este post, além de colocar questões decisivas sobre a crise suburbana que assolou Londres, publica ainda uma importante entrevista com William K. Black, advogado e antigo regulador financeiro americano que, na década de 1980, foi responsável por ter levado à barra dos tribunais mais de mil banksters. Espero que a actual ministra da justiça, Paula Teixeira da Cruz, veja esta entrevista e depois conclua correctamente o que terá fazer depois de se ver livre do cadáver esquisito e adiado que faz de Procurador Geral da República.

terça-feira, agosto 16, 2011

Arrecadas de Viana, protegam-nos!

Ainda vai a tempo de comprar ouro e prata!


Clicar na IMG para ampliar

“Gold has gone up for 12 straight years in a stealth market. In the last ten years gold has had a compound annual growth of 20.5%.  This is an absolutely outstanding return but investors should not look at gold as an investment but as money. Gold reflects governments’ deceitful actions in totally destroying the value of paper money by printing unlimited amounts of it. With gold up 7 times since the bottom in 1999, is it too late to jump on the Goldwagon?

The answer to the above question is a categorical NO” — in Egon von Greyerz: “Too Late To Jump On The Goldwagon?” (ZeroHedge)

Eis mais um bom argumento para recomendar a compra de ouro (barras de ouro!) e prata nos próximos meses. A especulação financeira e os estados soberanos falidos só há pouco acordaram para o refúgio dos metais preciosos, e mesmo assim, mal! Ou seja, em vez de comprarem ouro, prata e platina, andam a especular com papeis de ouro, prata e platina! Ou seja, estão a criar mais uma bolha piramidal, a qual, quando rebentar, irá fazer disparar para valores sem precedentes o valor dos cordões, arrecadas, moedas e barras de ouro, prata e platina que os mais previdentes tiverem entretanto amealhado.

A compra de boas peças de filigrana portuguesa é uma excelente protecção contra a inflação camuflada (embora cada vez mais real e ameaçadora), contra a pilhagem fiscal em curso, contra a desvalorização agressiva do dinheiro (e portanto das reformas e dos fundos de pensões e saúde), e ainda contra o colapso financeiro iniciado em 2006-2007, cujo Bang 2 está prestes a ocorrer!

Arrecadas de Viana em ouro, prata dourada ou prata, são uma alternativa imbatível aos títulos de dívida pública portuguesa de longo prazo (10 anos/ Certificados do Tesouro), e mais ainda de médio prazo (5 anos/ Certificados de Aforro).

E para quem tiver 1, 10, 100 milhões de euros para investir, uma dica: aposte em força na ourivesaria portuguesa:
  • compre matéria prima! 
  • invista na protecção e qualificação da ourivesaria tradicional portuguesa, nomeadamente na arte da filigrana! 
  • promova e desenvolva um mercado global para a filigrana portuguesa!

Ao governo português, uma dica também: porque não resolve criar um Banco Público de Ouro, para além das Reservas de Ouro do Banco de Portugal? Teria dois grandes méritos: proteger o metal precioso dos seus cidadãos; e pedi-lo emprestado, em caso de força maior e só depois de aprovação em Referendo, como garantia de empréstimos externos.

A morte dos "grandes grupos"

O fim do regime não foi em 1974, vai ser em 2011!


A edificação criminosa de Obras de Arte como esta, e das anunciadas barragens da EDP, é a causa mais visível do colapso em curso. Mas a causa profunda foi o incesto entre uma burguesia palaciana inculta e uma classe partidária ávida de mordomias.
Família Mello dá património para garantir dívida do Grupo

Situação financeira do Grupo Mello está no limite. Garantias dos empréstimos estão a valer menos, família já entrou com património junto dos bancos. Grupo desvaloriza. Acções da Brisa também” — Jornal de Negócios, 16-08-2011.

Pergunta ao primeiro ministro Pedro Passos Coelho: foi para segurar os Mellos da Brisa e dos hospitais (que o contribuinte deixou de poder alimentar a Pão de Ló) que o senhor colocou o seu colega de partido e empregado da Brisa, António Nogueira Leite, na Caixa Geral de Depósitos? Não acha que é tempo de perceber que a Caixa está demasiado exposta e já não aguenta mais patifarias?

Um dia antes da notícia do Jornal de Negócios acima citada tínhamos escrito do Facebook d' O António Maria:

“As receitas têm vindo a cair a pique tanto na Ponte 25 de Abril, como nas autoestradas e SCUTS com portagem. Logo, a solução não é cobrar o que não deveria ser cobrado, mas sim parar imediatamente as PPP programadas para mais estradas e barragens inúteis, destinadas apenas a alimentar grupos económico-financeiros aventureiros e falidos. Mas atenção: não há quem corrompa se não houver corruptos, e neste caso os corruptos de serviço pertencem à nomenclatura partidária instalada.”

O Grupo Mello é um dos vários parasitas típicos da economia portuguesa, a par dos Espírito Santos, e outras sobrevivências renascidas do Antigo Regime. Ambos estão visivelmente falidos, pois têm mais dívidas que proventos numa conjuntura duradoura em que já não conseguirão sugar mais sangue fácil ao contribuinte português, nomeadamente através da corrupta nomenclatura partidária que colonizaram descaradamente, nem renovar os créditos que outrora conseguiram nos mercados financeiros. A especulação financeira joga agora contra eles!

Quanto à indigente nomenclatura partidária que temos, em breve perderá toda a confiança do eleitorado, e afundar-se-à tão redondamente quanto os bancos e famílias que serviu escondida atrás de um biombo de democracia.

Com o estouro que este Outono promete, não vejo como poderá o actual governo salvar o que quer que seja dos falidos grupos financeiros e empresariais portugueses sobre endividados. Se ao menos a Esquerda Empalhada que temos não fosse, in extremis, a sua mais inesperada e valiosa muleta!

BPNs, Mellos, Espíritos Santos, EDPs, Impresas (SICs, Expressos, Visões, etc.), Bloco Central do Betão, Berardos, Rendeiros, quem os salva?

Parece que a Esquerda Empalhada Portuguesa se tornou no mais diligente bombeiro voluntário desta turma do passado. Estes clérigos desmiolados e oportunistas (na realidade sem uma Roma que os guie) transformaram os partidos de esquerda em sindicatos, e como tal, para defender o emprego a todo o custo, acabaram por transformar-se nos melhores aliados do incesto entre quem pode e quem manda, mesmo se ambos falidos até ao tutano. Manda a gravidade geral do capitalismo que a sua renovação pressuponha a falência dos mais fracos, ou fora de tempo, para dar lugar aos mais produtivos, inovadores e até socialmente mais justos. Pois bem, os mais corruptos, os mais desorganizados, os menos competitivos, e os que mais especulam em vez de produzir, beneficiaram e gozam do apoio objectivo da Esquerda Empalhada Portuguesa, em nome, claro está, do emprego, aliás: do pleno emprego, do emprego para todos! O epílogo desta história não poderá deixar de ser uma tragédia.

E no entanto, vai acabar por ser inevitável renacionalizar a banca e alguns grupos económicos (ou parte deles), engavetando também os banksters e políticos piratas responsáveis pela bancarrota do país. Os países emergentes, se virmos bem, estão todos ancorados em empresas e instituições públicas estratégicas, ainda que, frequentemente, escondidas atrás de nuvens impenetráveis de marcas aparentemente privadas. São estas empresas (angolanas, brasileiras, chinesas, árabes, etc.) que se preparam para tomar o lugar da ignorante burguesia de São Bento. Mas será prudente, apesar da eventual importância das alianças que poderão vir a ganhar forma entre países amigos, deixar correr tal tendência sem uma reviravolta de objectivos, de estratégias e de poderes por parte das energias anímicas e seminais que há séculos garantem a independência do nosso país?

quarta-feira, agosto 10, 2011

Londres, 'Allo 'Allo!

Os ingleses, com o rabo a arder, já berram pelo euro.
E querem harmonização fiscal, e Eurobonds. Ena!


UK pushes for EU fiscal harmonisation

In its strongest intervention in European financial policy so far during the crisis the UK government has called for greater fiscal integration in the euro zone, and underlined its support for eurobonds to be issued — EurActiv, 08-08-2011

Há uma probabilidade razoável de a jovem classe média europeia acabar por compreender e prosseguir com outro alcance e programa as revoltas suburbanas em curso, frutos caóticos do fim anunciado do estado social europeu —que o conservador revolucionário, pai da unificação alemã, Otto von Bismarck, idealizou e começou a implementar na Alemanha em 1840: escola pública, pensões de reforma, seguros para acidentes de trabalho, assistência médica, subsídios de desemprego.

Quando a multitude perceber as verdadeiras causas do desmoronamento em curso do paradigma civilizacional do Ocidente —seja pela via do verdadeiro despertar pós-colonial, seja pela via do reconhecimento das causas culturais da crise demográfica assimétrica mundial, seja pelo levantar da máscara que tem coberto a mentira financeira em que vivemos, seja pela compreensão do alcance da mudança de paradigma energético causado pelo pico do petróleo— é muito provável que tenhamos uma grande Revolução Europeia.

Por enquanto, os Indignados são centenas de milhares de jovens aflitos, cientes e sem rumo certo, primeiro em Paris, alastrando depois por toda a França, na Tunísia e no Egipto, alastrando depois a toda bacia islâmica do Mediterrâneo, na Puerta del Sol, espalhando-e depois por quase toda a Espanha, em Telavive, com que consequências para a extrema-direita sionista que dirige o estado terrorista de Israel, em Londres, lançando novas cabeças de revolta pelo resto do reino de sua majestade pirata a rainha de Inglaterra.

As revoluções só ocorrem se houver um fim de paradigma económico-social (há); se houver uma profunda e prolongada crise económico-financeira (está no princípio...); se as classes que partilham o poder entrarem em conflito entre si (já entraram!); se houver jovens suficientes (ainda há...); e se, à corrupção dos partidos políticos convencionais, começando pela falência caricata da Esquerda empalhada, suceder uma vontade política e cultural nova, que tendo lido correctamente a origem do impasse, aponte um caminho que faça sentido para a larga maioria da população, mas em especial para as classes emergentes, sejam elas quais forem (vão acabar por nascer do interior das nanoestruturas tecnológicas e biotecnológicas da humanidade cibernética, à medida que a extensão virtual dos humanos se for fortalecendo, adquirindo a resiliência necessária e suficiente à precipitação da moral estóica que nos levará a todos para uma nova realidade cultural, não necessariamente mais miserável do que aquela que hoje temos e conhecemos.

quarta-feira, junho 15, 2011

A crise das democracias: Grécia, Espanha e Portugal

Em 1976 o marxista grego Nicos Poulantzas, escreveu A Crise das Ditaduras: Portugal, Grécia e Espanha. Hoje, se fosse vivo, teria que escrever A Crise das Democracias: Grécia, Espanha e Portugal.


LIVE STREAMING: Η Αγανάκτηση των Ελλήνων por News247

China’s central bank used its annual financial stability report to sound one of its starkest warnings yet about Europe’s debt mire, saying a series of rescue measures had helped stabilise the situation but not tackled the root causes.

The report stated: "There is a possibility that the sovereign debt crisis will spread and deteriorate." Read more: Irish Examiner (15-06-2011)

O impasse na reunião de emergência entre os ministros das finanças da zona euro, atirando para o princípio de Julho a tomada de decisão sobre a reestruturação da dívida grega, poderá conduzir este país a uma nova revolução, só que desta vez, contra a democracia degenerada e falida a que os partidos locais conduziram o regime saído da queda ditadura militar há mais de trinta e cinco anos.

Tal como em 1974-1976, poderemos voltar a assistir ao efeito Dominó que Nicos Poulantzas então analisou na perspectiva dos colapsos das mais duradouras ditaduras europeias do pós-guerra —Portugal, Grécia e Espanha. O plano de austeridade imposto pelos credores ao parlamento ateniense (onde hoje parece ter-se instalado o Campus da próxima revolução), e sem o qual não haverá mais empréstimos externos, implica o despedimento imediato de 140 mil funcionários públicos e/ou equiparados, e o corte de milhares de subvenções de que hoje vivem dezenas ou centenas de milhar de gregos. O horizonte imediato não poderia ser mais sombrio —ver este gráfico do Índice de Miséria grego.

O BCE de Jean-Claude Trichet não quer que os ricos paguem a crise (na linguagem da Esquerda), ou seja, opõe-se a que os credores privados levem uma tesourada nos juros (o já famoso haircut) a que acham ter direito integralmente — como se não houvesse uma crise financeira que ameaça destruir o euro, e uma crise social e política que pode resvalar de forma incontrolável para um dominó de revoluções populistas por toda a Europa, ou como se o negócio das dívidas soberanas não tivesse evoluído, como todas as bolhas especulativas deste Capitalismo tardio e sem futuro à vista, para taxas de juro e dividendos esperados na zona perigosa da pura agiotagem financeira! Tudo isto é verdade e sério, mas o BCE tem razão em dois pontos:
  1. se os credores da dívida soberana grega forem forçados a um desconto nos juros esperados, na ordem dos 25-30%, trocando os títulos actuais por novos títulos, com juros mais baixos e/ou prazos de maturidade mais alargados, os governos e os partidos populistas, imprudentes e irresponsáveis, mais os insaciáveis devoradores de poupança privada (pela via do saque fiscal) e do endividamento público, tomarão a generosidade por fraqueza e assumirão que o crime compensa — ou seja, quando as novas maturidades caírem, terão levado de vez a Grécia, e os países que seguirem a mesma receita demagógica, ao fundo;
  2. se houver, por parte dos credores, uma partilha solidária da despesa do endividamento orgiástico das democracias populistas que hoje abundam por essa  Europa fora, o BCE, que recebeu resmas e resmas de papel soberano como garantia das centenas de milhar de milhões de euros que já emprestou aos bancos privados (a 1%) para comprarem dívida europeia (com rendimentos esperados no mercado secundário que já atingiram, nalguns casos, os 28%!), ficará com um enorme vazio nos seus cofres, e verá a sua notação financeira cair a pique! Alguém já pensou nas consequências que uma tal depreciação do BCE poderá ter na integridade do projecto europeu?
Vários governos europeus (Áustria, Alemanha, Holanda, Finlândia, Bélgica), pelo contrário, defendem que os credores sejam parte da solução e não uma parte mais do problema. Uma tesourada nos lucros esperados pelos especuladores da bolha soberana europeia, feita a tempo, com parcimónia, poderá evitar o pior, isto é, poderá impedir o rebentamento descontrolado da bolha soberana grega, à qual se seguirá, se efectivamente explodir este mês ou em Julho, um dominó de explosões descontroladas, em Espanha, Portugal, etc. Seria preferível que este tipo de explosões muito perigosas, a terem que ocorrer, começassem nos EUA, ou no Reino Unido, e não em Atenas! Mas será realista um tal cenário, ou vamos mesmo assistir a uma matança de porcos no Sul da Europa antes da época própria?

A Reserva Federal americana canalizou 600 mil milhões de dólares para bancos europeus, canadianos e japoneses, sendo que a maior fatia foi mesmo parar à Europa!

And one wonders why suddenly German banks are so willing to take haircuts on Greek bonds: it is simply because courtesy of their US based branches which have been getting the bulk of the Fed's dollars in 1 and 0 format, they suddenly find themselves willing and ready to face the mark to market on Greek debt from par to 50 cents on the dollar. And not only Greek, but all other PIIGS, which will inevitably happen once Greece goes bankrupt, either volutnarily or otherwise. In fact, the $600 billion in cash that was repatriated to Europe will mean that European banks likely are fully covered to face the capitalization shortfall that will occur once Portugal, Ireland, Greece, Spain and possibly Italy are forced to face the inevitable Event of Default that will see their bonds marked down anywhere between 20% and 60% — in Zero Hedge.

A hipótese da tesourada ganha pois força entre os bancos recentemente confortados pelo afluxo de liquidez virtual oriundo das suas sucursais americanas —BNP Paribas, Barclays, Credit Suisse, Deutsche Bank, HSBC, UBS. Estes gigantes financeiros, e o seus aliados, esperam apenas o momento oportuno para desencadear um voo de rapina e de concentração financeira sem precedentes na zona euro; ainda por cima, com o apoio de um número crescente de governos e partidos de esquerda. Trata-se, afinal, de levar os ricos a pagar, pelo menos, uma parte da crise, em nome de um estado de bem estar social atolado de dívidas, maus hábitos e contradições irresolúveis. No entanto, uma coisa é certa: se esta opção vingar, as grandes empresas e bancos portugueses cairão paulatinamente na rede de unificação económico-financeira europeia acabada de montar.

A posição mais suave e contemporizadora do futuro director do BCE, Mario Draghi, fará provavelmente caminho, ainda que um caminho tendencialmente favorável à teoria da tesourada, por contraposição à teoria da dívida odiosa, que começa a ganhar cada vez mais adeptos!

Por agora, ninguém sabe exactamente onde a revolução grega irá parar...

O governo supostamente socialista está praticamente demissionário e suplica uma coligação com a Direita parlamentar (ler notícia no Público). Em Portugal, o Partido Socialista lusitano terá mesmo que acelerar o passo na substituição da ainda vigente, mas completamente inútil e execrável, direcção socratina — pois a actual coligação de centro-direita poderá não ser suficiente para as encomendas. O perigo de uma restauração anti-democrática pode espreitar ao virar da esquina... antes mesmo de o frio propício à matança do porco chegar.

É cada vez mais difícil ler as folhas de chá. Mas tentarei fazê-lo nos dias e meses cada vez mais difíceis que se aproximam.

terça-feira, junho 14, 2011

Depois de Trichet

Vem aí um novo BCE!
Draghi, o italiano mais germânico que a Alemanha poderia esperar

Mario Draghi, o novo boss do BCE
Divergências entre o BCE e a UE agravam a crise da dívida
14.06.2011 - 07:32 Por Rosa Soares. Público.

Há um novo factor de pressão na crise da dívida soberana que afecta os países periféricos: a divergência de posições entre o Banco Central Europeu (BCE) e alguns Estados-membros da União Europeia (UE) em relação ao envolvimento dos credores privados no novo pacote de ajuda à Grécia.

Já tínhamos anunciado este ataque sem precedentes ao BCE.

Nos últimos sete meses 600 mil milhões de dólares voaram do FED para bancos europeus, canadianos e japoneses. O grosso da massa foi parar a estes bancos europeus: BNP Paribas, Barclays*, Credit Suisse, Deutsche Bank*, HSBC*, UBS. ‎Os que têm asterisco são os que vão tomar conta da emissão de 5mM€ que em breve virão acudir Portugal.

Acontece que o BCE está atulhado de papel soberano recebido em garantia de empréstimos concedidos a bancos privados para que estes comprassem dívida pública em copiosos montantes. Com a já inevitável reestruturação das dívidas soberanas da Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha, etc., o valor do papel soberano cairá a pique (alguns crêem que pode desvalorizar entre 20 e 60%). Logo, os bancos privados e o BCE que entraram nestas negociatas vão ter prejuízos monumentais.

Há já quem fale de duas coisas: pré-falência/aquisição de algumas dezenas de bancos europeus (na realidade, há muito falidos), e um grande enfraquecimento do próprio BCE, ou a sua metamorfose assim que Mario Draghi comece a mandar neste super-banco.

É por causa desta iminente crise do BCE que todos os ministros das finanças do euro foram hoje despachados a grande velocidade para Bruxelas!

As minhas recomendações a quem me lê são as mesmas de há 5 anos a esta parte: livrar-se das dívidas e comprar ouro, prata e quintinhas produtivas, de preferência nas periferias das cidades com mais e 100 mil habitantes. Parece que os títulos de dívida pública alemã prometem também alguma rentabilidade estável. Mas para os grandes investidores (em Portugal vão deixar de existir) vem aí uma nova vaga industrial: ferrovia, portos, eficiência energética e energias pós-carbónicas.


POST SCRIPTUM

Nouriel Roubini defende PIGS fora do euro (Financial Times, 14-06-2011).

Na minha opinião, a razão está mais na resposta que Sony Kapoor deu ao artigo que entusiasmou o Expresso, do que nos fígados que Nouriel Roubini inspeccionou. No entanto, há outra via: uma quarentena dos PIGS fora do euro (durante 2 a 4 anos). Como? Deixo a geometria aos economistas com imaginação ;)

segunda-feira, junho 13, 2011

O amigo americano

600 mil milhões de dólares voaram, nos últimos sete meses, da Reserva Federal americana para 20 instituições estrangeiras. Entre os beneficiados estão seis bancos europeus: BNP Paribas, Barclays*, Credit Suisse, Deutsche Bank*, HSBC*, UBS. Bern Bernanke tem as orelhas a arder!

Bern Bernanke, presidente da Reserva Federal americana
O mínimo que se pode dizer é que o caos financeiro está instalado! Ou seja, o que parecia ser uma guerra da moeda americana contra o euro, pode afinal ser algo muito maior e potencialmente devastador: a elite financeira ocidental, com uma perna em cada margem do Atlântico, procura controlar os danos da especulação desenfreada que criou e alimentou a partir de meados da década de 1980 com a invenção e disseminação de produtos financeiros fraudulentos, no capítulo dos chamados derivados financeiros OTC (over-the-counter). Depara-se, por outro lado, com o colapso imparável da ainda principal moeda de reserva mundial —o dólar americano—, e com a necessidade de improvisar um Plano B (nem que seja o euro!) para o caso de a sentença da ONU se concretizar:

The value of the dollar has dropped to the lowest level in history vis-à-vis other major currencies. Further rising external indebtedness of the United States following a renewed widening of the twin deficits will keep downward pressure on the dollar, and the risk of a hard landing of the world’s main reserve currency will remain high.

[...]

The risk of exchange-rate instability and a hard landing of the dollar could be reduced by having a global payments and reserve system which is less dependent on one single national currency. One way in which the system could naturally evolve would be by becoming a fully multi-currency reserve system. The present system has already more than one reserve currency, but the other currencies remain a secondary feature in a system where most reserve assets by far are held in dollars and where most of the world’s trade and financial transactions are affected in the major reserve currency. The advantage of a multireserve currency arrangement is that it would provide countries with the benefit of diversifying their foreign-exchange reserve assets — in “World Economic Situation and Prospects 2010” (PDF).

As operações de empréstimos de emergência de curto prazo (discount window) lançadas pela Reserva Federal em 2008-2009, e mais recentemente, beneficiaram surpreendentemente várias e importantes instituições estrangeiras com sucursais na América. O documento da Reserva Federal recentemente desclassificado, Discount Window FOIA, é muito elucidativo da escala gigantesca do colapso financeiro da moeda americana.

Exclusive: The Fed's $600 Billion Stealth Bailout Of Foreign Banks Continues At The Expense Of The Domestic Economy, Or Explaining Where All The QE2 Money Went

In summary, instead of doing everything in its power to stimulate reserve, and thus cash, accumulation at domestic (US) banks which would in turn encourage lending to US borrowers, the Fed has been conducting yet another stealthy foreign bank rescue operation, which rerouted $600 billion in capital from potential borrowers to insolvent foreign financial institutions in the past 7 months. QE2 was nothing more (or less) than another European bank rescue operation!

...

In fact, the $600 billion in cash that was repatriated to Europe will mean that European banks likely are fully covered to face the capitalization shortfall that will occur once Portugal, Ireland, Greece, Spain and possibly Italy are forced to face the inevitable Event of Default that will see their bonds marked down anywhere between 20% and 60%. Of course, this will also expose the ECB as an insolvent central bank, but that largely explains why Germany has been so willing to allow Mario Draghi to take the helm at an institution that will soon be left insolvent, and also explains the recent shocking animosity between Angela Merkel and Jean Claude Trichet: the German are preparing for the end of the ECB, and thanks to Ben Bernanke they are certainly capitalized well enough to handle the end of Europe's lender of first and last resort — in Tyler Durden on 06/12/2011, Zero Hedge.

A exposição temerária do sistema financeiro europeu às tropelias de Wall Street foi e é enorme, pelo que não será uma surpresa assim tão grande constatar que parte do guichet dos aflitos tivesse também servido os bancos europeus, japoneses e canadianos com assento nas praças americanas, e que parte do dinheiro virtual da Reserva Federal tivesse voado a velocidade electrónica, de Nova Iorque para Bruxelas, Paris, Londres ou Zurique. Mais intrigante, ou talvez não, é que a liquidez fictícia da Reserva Federal continue a voar para todo o lado, estando já em preparação um novo programa de Quantitative Easing — o QE3.

Para a Grécia, Portugal, Espanha, Itália, Bélgica, Irlanda, estas podem ser, no entanto, más notícias, na medida em que a oligarquia financeira europeia pode estar a preparar-se para um movimento de concentração industrial e financeira sem precedentes, precisamente através da famosa reestruturação das dívidas soberanas — que, entre nós, as ortodoxias decadentes da esquerda estalinista e trotskista vêm reclamando alegremente. Louçã pode estar a ponto de ver realizado o sonho de derrotar Ricardo Salgado. Não deixa de ser irónica esta vitória de Pirro.

A doença da moeda americana parece ser fatal. Como em todas as doenças terminais nunca podemos prever com exactidão o dia e hora do falecimento da criatura atormentada pela morte que se aproxima. Mas que o destino do moribundo dólar parece estar traçado, parece. Aos mais curiosos recomendo esta exposição de hora e meia sobre a doença genética da nota verde.


Economic Federalism - Dr. Edwin Vieira. Ph.D, J.D. from StandUpForLiberty on Vimeo.

(*) — Estes são os bancos que vão gerir a emissão de obrigações do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF), no valor de 5mM€, destinadas a angariar fundos de apoio ao resgate da dívida soberana portuguesa (Jornal de Negócios).