Classes médias de todo o mundo, uni-vos!
O ano de 2011 vai ser péssimo, e em 2012 a Europa poderá colapsar
O ano de 2011 vai ser péssimo, e em 2012 a Europa poderá colapsar
Camilla Parker-Bowles e Príncipe Carlos atacados por estudantes, em Londres |
A declaração do "estado de alarma" em Espanha, o ataque ao carro onde seguiam Camilla Parker-Bowles e o Príncipe Carlos de Inglaterra, e a multiplicação em cadeia de protestos violentos em várias cidades europeias, são sinais claros de que dificilmente evitaremos o colapso económico e financeiro das economias ocidentais, em curso desde 2007, mas cujos efeitos mais catastróficos só serão sentidos no decurso dos próximos anos, e por um período de duração imprevisível.
Desejo a todos um feliz Natal, e faço votos de um próspero Ano Novo. Mas seria irresponsável se não alertasse os meus leitores para a gravidade da situação económica, financeira e política actual, que o ano de 2011 irá muito provavelmente agravar até níveis que não queremos sequer imaginar.
As medidas governamentais dos vários estados europeus, que em nome da salvação de um sistema financeiro corrupto, sobre-endividado e à beira da falência, desenham afinal aquela que poderá ser a maior expropriação fiscal simultânea dos povos europeus de que há memória, e a primeira tentativa de destruir literalmente a classe média pela via de decisões levadas a cabo por instâncias sem legitimação democrática suficiente, e sem qualquer consulta democrática às vítimas da espoliação anunciada, irão inevitavelmente esbarrar com uma resistência social, política e cultural de massas, crescente, sofisticada, e a prazo tão brutal quanto a brutalidade do saque que as nomenclaturas político-partidárias e financeiras aliadas decidiram desencadear contra os povos europeus em nome de uma globalização falida e insustentável. A alternativa não estará certamente nas velhas receitas das burocracias de esquerda instaladas, tão responsáveis quanto os partidos centristas de direita ou social-democratas, pelo estado de degradação a que chegaram as democracias ocidentais. Onde estará, então?
Antes de ver as saídas para esta verdadeira crise sistémica do Capitalismo, teremos que reconhecer os verdadeiros problemas que enfrentamos. E são, no essencial, três — dois que afectam estruturalmente o futuro da humanidade, e um que diz respeito sobretudo a uma alteração dramática da divisão internacional do trabalho.
O primeiro problema, provavelmente sem saída, é o da escassez progressiva de recursos energéticos relativamente baratos, baseados no carvão, no petróleo e no gás natural. A produção per capita de petróleo tem vindo a cair desde 1970, e a capacidade de produção mundial de petróleo barato esgotou-se, segundo a própria Agência Internacional de Energia, em 2006 (Does Peak Oil Even Matter? by David Murphy).
O segundo problema, provavelmente sem saída, é do escassez progressiva dos recursos alimentares, cuja produção para uma população mundial à beira dos sete mil milhões de almas é impossível de conseguir sem o recurso a adubos, pesticidas, máquinas e tecnologias, nomeadamente de transporte, que dependem criticamente dos combustíveis líquidos de origem petrolífera, ou do gás natural. A produção per capita de cereais, por exemplo, tem vindo a decair desde o princípio da década de 1980. A recente escassez de açúcar nas prateleiras dos supermercados, ou a subida dos preços do café, na sequência de colheitas menos generosas, para além dos movimentos especulativos que inevitavelmente desencadeiam, são sintomas claros, não apenas de uma inflação imparável, mas de verdadeiras crises de abastecimento e do espectro inevitável do racionamento que num futuro próximo afectará a distribuição dos bens de consumo essencial.
Estes dois picos produtivos, por si sós, condenam a população humana mundial a uma paragem, seguida de inversão, do crescimento exponencial de que foi capaz ao longo dos últimos 200 anos. Infelizmente, os cenários conhecidos desde 1972 a este propósito (nomeadamente, Limits to Growth) são em geral catastróficos, antevendo uma queda abrupta da população mundial no intervalo entre 2030 e 2050, certamente longe do cenário optimista das previsões da ONU, que situam a população mundial em 2050 na casa dos 9 mil milhões de seres humanos.
O terceiro problema fundamental que, somado aos dois anteriores, está na origem do actual pandemónio económico, financeiro e social, é o fim de uma era de desenvolvimento económico, tecnológico, social e cultural, cujos pressupostos históricos remontam ao início da expansão ultramarina da Europa, e que podemos situar exactamente no ano de 1415 — data da conquista da cidade de Ceuta pelas tropas portuguesas, galegas, biscainhas e inglesas, comandadas por João I de Portugal. Foi a partir de Ceuta que a Europa pós-medieval iniciou o grande ciclo da globalização, colocando-se rapidamente no topo da cadeia alimentar e na vanguarda do desenvolvimento tecnológico mundial. Sem o domínio militar dos pontos estratégicos do planeta, sem a afirmação imperial, sem a subjugação de nações e povos inteiros, sem a colonização secular de vastas regiões do planeta, e provavelmente sem o Capitalismo laico e liberal, a Europa jamais teria acumulado a riqueza suficiente que lhe permitiu libertar o tempo, as pessoas e os recursos que estiveram na origem da Revolução Industrial e da Modernidade Cultural que nos trouxe até aqui.
Acontece, porém, que as mesmíssimas dinâmicas que estiveram na origem do desenvolvimento tecnológico e da acumulação capitalista da Europa ocidental, acabaria por gerar as condições de libertação dos povos e nações subjugadas pelo Colonialismo —um processo longo, cujo desenlace acabaria por ter lugar entre a criação da OPEP, em 1960, e a formação da SCO (Shanghai Cooperation Organization) em 2001, depois das sucessivas aproximações estratégicas iniciadas pela China em 1996 (The Shanghai Five) e que culminaria na formalização de uma aliança militar estratégica em Junho de 2001, integrando numa mesma aliança China, Casaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e Uzebequistão. O número de países entretanto atraídos por esta iniciativa não cessa de aumentar: Bielorússia, Arménia, Moldávia, Ucrânia, Afeganistão, Irão, Paquistão, Índia, Mongólia, Sri Lanka, Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura, Tailândia, Brunei, Burma (Myanmar), Camboja, Laos, e Vietname. A chacina de 11 de Setembro ocorreu três meses depois da formalização do SCO. E em resposta ao misterioso ataque do misterioso Bin Laden, montou-se a grande guerra assimétrica mundial contra o terrorismo, palco e pretexto para a invasão, ocupação e saque do Iraque, e para o cerco ao Irão. Coincidências? Nos jogos de poder não há coincidências!
O resultado desta derradeira vaga bélica do Ocidente em defesa de privilégios inaceitáveis e impossíveis de manter, numa espécie de tentativa desesperada para segurar um império de areia, saldou-se, está a saldar-se, num fiasco monumental, não apenas militar e estratégico, mas sobretudo económico e financeiro! O resultado hoje evidente da aventura militar pós-colonial do Ocidente europeu e norte-americano é a bancarrota iminente dos Estados Unidos da América, do Reino Unido, e de uma série de países da União Europeia. Se o USD não fosse ainda, para mal de quem os tem, uma moeda de reserva mundial, já americanos e ingleses tinham ido ao tapete, ou tentado lançar o mundo numa guerra terminal. Assim são as mentes doentias que comandam estes impérios em ruína!
Que fazer?
As opções são dramaticamente limitadas, e implicam no mínimo uma racionalização forçada à escala planetária dos recursos disponíveis. Mas será possível atingir este objectivo? Quem está disposto a prescindir de bens, facilidades e privilégios em nome de uma espécie de pobreza generalizada? Só mesmo os que já são pobres! Os demais lutarão com tudo o que tiverem à mão pelos direitos adquiridos. E se isto é verdade à escala do indivíduo, não é menos à escala dos países e alianças de países — sobretudo, e paradoxalmente, nas democracias! Ou seja, uma das fugas possíveis à tragédia dos comuns é a iminência de uma guerra global pelos recursos energéticos e naturais. E porque alguns dos actores mundiais estão efectivamente falidos, não podendo pois competir pelos ditos recursos numa base económica convencional, em caso de pressão externa insuportável, poderão deixar-se tentar e rasgar as convenções da ordem financeira mundial, renunciando ao pagamento das dívidas, seja através de uma reestruturação fraudulenta das mesmas, seja colocando os contadores electrónicos do casino mundial das finanças a zeros. A consequência duma tal atitude aventureira será inexoravelmente uma escalada bélica irreversível e a guerra.
O crescimento dos salários, e o aumento progressivo dos benefícios sociais e das regras de segurança no trabalho, ao longo de décadas, potenciaram dois fenómenos que a prazo condenariam as sociedades dos Estados Unidos e da Europa ocidental a uma espécie de fim do trabalho: a substituição do labor humano pela rotina das máquinas, e a fuga de capitais em busca de mão-de-obra barata, tornada possível e apetecível à medida que os governos foram destruindo as barreiras alfandegárias que outrora filtravam e taxavam a circulação do dinheiro e das mercadorias. A exportação literal das economias dos países ricos e poderosos da América do norte e da Europa ocidental para as regiões e países ricos em matérias primas ou trabalho baratos, ocorrida nos últimos trinta anos, em grande medida graças à abundância de petróleo barato (apesar da crise de 1973-74), conduziu a uma alteração radical da divisão mundial do trabalho, com implicações dramáticas nas balanças comerciais e de pagamentos dos principais países produtores e consumidores de bens transformados. As novas economias emergentes especializaram-se na produção de bens transaccionáveis, e as velhas economias industriais especializaram-se, por sua vez, na produção de bens virtuais e serviços, no consumo irracional e no endividamento. O desastre teria fatalmente que ocorrer um dia.
Se nada se fizer, o equilíbrio regressará pela via dos impactos catastróficos dos aumentos imparáveis dos preços da energia, dos transportes, das matérias primas, e dos bens de consumo essenciais. No entanto, para evitar um ajustamento trágico das economias dos vários cantos do planeta, é possível, e sobretudo desejável, regressar a formas razoáveis de proteccionismo das economias regionais e nacionais. Seria mais racional, justo e eficiente do que deixar a guerra financeira mundial actualmente em curso seguir o seu perigoso curso de insensibilidade e ganância.
Mas para aqui chegarmos será preciso mudar de políticas e de políticos, rapidamente. A captura dos principais governantes e políticos europeus e americanos pelas hienas do sector financeiro impede fundamentalmente a recuperação de qualquer racionalidade no sistema. A racionalidade dos mercados é uma racionalidade especulativa, incompatível com o interesse público. Nem sequer serve os interesses estratégicos dos países onde se instalam, ao contrário do que sucede nas economias emergentes, onde a direcção estratégica da economia continua a ser essencialmente política. Entregues, como estamos, a sistemas piramidais de especulação e endividamento crónico, sem produção, nem trabalho, Estados Unidos, Inglaterra e União Europeia estarão em breve num beco sem saída e à beira de revoluções sociais e políticas imprevisíveis, súbitas e com uma capacidade desconstrutiva sem paralelo. A acção monumental da Wikileaks foi provavelmente o primeiro aperitivo da imaginação revolucionária insuspeitada da classe média no momento da revolução por vir. Talvez seja isto mesmo que precisamos. Classes médias de todo mundo, uni-vos!
REFERÊNCIAS
As notícias dos últimos dias mostram duas realidades preocupantes: nem a China, nem os mercados especulativos ocidentais, compram as manhas retóricas dos governos europeus em volta da crise das dívidas soberanas. Por outro lado, Basileia informa o mundo que a fragilidade bancária da Europa e dos Estados Unidos é bem mais séria do que parece. Antes de 2019, os bancos destas regiões do planeta não estarão em posição de se recapitalizarem!
Chinese credit rating firm Dagong Global gives Ireland BBB for sovereign debt credit rating
People's Daily Online, December 06, 2010
Chinese credit rating firm Dagong Global Credit Rating assessed the sovereign credit rating of Ireland at BBB in its third sovereign or regional credit rating report released Monday.
Dagong's credit rating of Ireland is lower than that given by Moody's, Standard and Poor's and Fitch.
Mercados financeiros não dão tréguas
Jorge Nascimento Rodrigues, Sábado, 18 de Dezembro de 2010, Expresso online.
O impacto da Cimeira dos 27 em Bruxelas foi nulo. Risco de default e juros no mercado secundário continuam a subir nos países em apuros da zona euro. Várias commodities estão com disparos de preços. Café, esta semana, atingiu um valor que não se verificava há 13 anos
Ireland's credit rating slashed five notches
Guardian.co.uk, Friday 17 December
Moody's had previously rated Ireland as AA2 – the third highest level. Today's downgrade to BAA1 leaves its sovereign credit rating just three places above "junk status", and follows a similar move by fellow ratings agency Fitch last week.
Basel Would Have Left Banks With $797 Billion Capital Shortfall
By Jim Brunsden - Dec 16, 2010, Bloomberg
Basel bank regulators said rules on capital requirements would have forced financial institutions to raise 602 billion euros ($797 billion) of capital had they been in place at the end of last year.
Lenders would also have had a 2.89 trillion-euro shortfall in the funds needed to guard against a run on deposits had the planned Basel Committee on Banking Supervision’s rules been in place at the start of 2010, the panel said in a statement on its website today. The committee agreed in July to phase in the capital and liquidity rules by 2019 in a bid to mitigate their effect on banks emerging from the credit crisis.
Global systemic crisis: Second half of 2011 - Explosion of the Western public debt bubble
Global Europe Anticipation Bulletin (GEAB #50) - Dec 16, 2010.
The second half of 2011 will mark the point in time when all the world’s financial operators will finally understand that the West will not repay in full a significant portion of the loans advanced over the last two decades.
For LEAP/E2020 it is, in effect, around October 2011, due to the plunge of a large number of US cities and states into an inextricable financial situation following the end of the federal funding of their deficits, whilst Europe will face a very significant debt refinancing requirement, that this explosive situation will be fully revealed. Media escalation of the European crisis regarding sovereign debt of Euroland’s peripheral countries will have created the favourable context for such an explosion, of which the US “Muni” market incidentally has just given a foretaste in November 2010 (as our team anticipated last June in GEAB No. 46) with a mini-crash that saw all the year’s gains go up in smoke in a few days. This time this crash (including the failure of the monoline reinsurer Ambac) took place discreetly since the Anglo-Saxon media machine succeeded in focusing world attention on a further episode of the fantasy sitcom "The end of the Euro, or the financial remake of Swine fever". Yet the contemporaneous shocks in the United States and Europe make for a very disturbing set-up comparable, according to our team, to the "Bear Stearn" crash which preceded Lehman Brothers’ bankruptcy and the collapse of Wall Street in September 2008 by eight months. But the GEAB readers know very well that major crashes rarely make headlines in the media several months in advance, so false alarms are customary! — in GEAB #50, December 2010.
Market alarm as US fails to control biggest debt in history
By Liam Halligan - Dec 11, 2010
US Treasuries last week suffered their biggest two-day sell-off since the collapse of Lehman Brothers in September 2008. The borrowing costs of the government of the world’s largest economy have now risen by a quarter over the past four weeks.
(…) While the UK isn’t ensnared in monetary union, gilt yields have also spiralled 18pc since the start of November – to 3.55pc. British Government debt is officially £1.05 trillion. We are fast approaching a debt-to-GDP ratio of 100pc, compared to 30pc just a decade ago. If you add off-balance-sheet liabilities to Government estimates, including the bank bail-outs which disgracefully remain “off the books”, the UK already owes more than an entire year’s national income. In the medium-term, this is surely incompatible with a Triple AAA credit rating. — in The Telegraph.
ÚLTIMA ACTUALIZAÇÃO: 19 dez 2010 22:47