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Steve Bannon, o populista assumido que colocou Trump à frente de um império |
O tempo da democracia morreu
Todos parecem reclamar o tempo dos sabres. Não tardará :(
“The public discussion prompted by the (dis)invitation confirmed to me that only those safe from fascism and its practices are likely to think that there might be a benefit in exchanging ideas with fascists. What for such a privileged group is a matter of a potentially productive difference in opinion is, for many of us, a matter of basic survival. The essential quality of fascism (and its attendant racism) is that it kills people and destroys their lives—and it does so because it openly aims so.
[...]
It is frightening to think we could be entering the civil war mode, wherein none of the differences and disagreements can be hashed out in discussion. It is quite possible that there is no resolution to the present situation until one side is thoroughly destroyed as an ideological power and political entity. If that is the case, the inescapable struggle requires that anti-fascist forces clearly identify the enemy and commit to defeating them, whoever they are, whatever it takes.”
—in “Fascism is Not an Idea to Be Debated, It’s a Set of Actions to Fight”, By Aleksandar Hemon.
Literary Hub.
A guerra é a continuação da diferença por outros meios. Mas a democracia não é igual ao fascismo. Logo não deve agir da mesma forma, com a mesma intolerência, sob pena de negar a razão da sua existência. Tudo vai mal quando os demagogos trepam até ao poder pela escada do maniqueísmo, dividindo os povos, e os eleitores, entre bons e maus, exploradores e explorados, civilizados e selvagens, de direita e de esquerda, revolucionários e reacionários, cristãos e muçulmanos, católicos e judeus, crentes e ateus, esmagando, por este caminho de loucura e ódio, os que duvidam, os agnósticos, e quem anseia por compreender, negociar e estabelecer leis razoáveis para todos. A armadilha da barbárie foi outra vez lançada aos ingénuos e distraídos, até que seja tarde demais para emendar a mão, como um dia aconteceu à Jugoslávia. A Espanha, aqui ao lado, nunca esteve tão perto doutra guerra civil. E nós, pequenos idiotas preguiçosos do extremo ocidental da Europa, que vamos querer?
Repete-se um pouco por toda a parte a ideia de que a democracia e a liberdade não são para os fascistas, como a senhora Le Pen, ou o vivaço Steve Bannon, nem para os que gostam de touradas e de caçar pombos, faisões e lebres, nem para os machos incontinentes que marcham como pirilampos cegos em direção às raparigas, nem para os leitores do Observador. Esta lógica, porém, se não for desmontada com argumentos sérios, levar-nos-à rapidamente ao colapso da separação de poderes, à discricionaridade do poder de turno, e à guerra civil assim que o pão faltar à maioria. Sem liberdade democrática e estado de direito para as minorias, mas também para as maiorias, as perseguições tumultuárias,
politicamente corretas, que hoje vemos destruir pessoas, coletivos e consensos ideológicos, como se tivessem sido subitamente atacados pelo ébola, voltar-se-ão contra os gays e lésbicas, judeus e muçulmanos, e o que resta dos comunistas e a extrema esquerda urbana pequeno-burguesa que vive e se reproduz nos ambientes académicos. Valerá pois a pena, em mais uma curva perigosa da civilização humana, discutir filosoficamente a natureza do capitalismo e a ideia de democracia.
NOTA
Em outubro passado conheci no Porto um professor de filosofia, inglês, de origem irlandesa, chamado Jonathan Lahey Dronsfield. Deste encontro ficou um artigo que me enviou para ler: “The paradoxes of democracy: postwar american art and U.S foreign policy”. Trata-se dum ensaio, historicamente ancorado e bem argumentado, sobre o envolvimento de Washington na promoção da
arte moderna americana, no rescaldo da derrota da Alemanha de Hitler, e da subsequente substituição do império britânico pelo novo e pujante império americano. Esta primeira ação de uma estratégia de propaganda que viria a ser conhecida mais tarde como
soft power leva Dronsflied a fazer uma pergunta:
—“in what way can it be said that democracy translates across borders”?
O artigo analisa as contradições que acabaram por aflorar na prossecução das ações psicológicas do novo poderio americano, seja para contrariar o discurso marxista oriundo da então União Soviética comandada por um dos grandes vencedores da guerra, José Estaline, seja para demonstrar culturalmente a superioridade da democracia capitalista americana. A grande questão foi então a de saber se a
arte moderna contribuiria ou não para promover os interesses da América no mundo, isto é, saber se a
arte moderna era democrática ou, pelo contrário,
anti-democrática! Com alguns senadores Republicanos contra a
arte moderna, a promoção da supremacia cultural da democracia liberal passaria, afinal, por evitar uma discussão pública no Senado, optando-se por uma verdadeira operação encoberta: “In order to encourage openness we had to be secret” — Tom Braden (1950).
Escreve Dronsfield:
“... Tom Braden, who headed up the CIA’s first covert operation division in 1950, explained why the U.S. government felt it important to promote U.S. culture as an expression of individual freedom:
We wanted to unite all the people who were artists, who were writers, who were musicians, and all the people who follow those people, to demonstrate that the West and the United States was devoted to freedom of expression and to intellectual achievement, without any rigid barriers as to what you must paint [Braden’s emphasis], which was what was going on in the Soviet Union.”
Mais à frente:
“In a fundamental sense, then, democracy calls for the anti-democratic gesture. If we agree with Derrida, when he says of democracy that it is “the only system, the only constitutional paradigm, in which, in principle, one has or assumes the right to criticize everything publicly”, then democracy itself must be included in that which can be put into question: the idea of democracy, its concept, its history, and its name. Including the idea of the constitutional paradigm and the absolute authority of the law.
It is as if democracy is not democracy until it has opened itself to the possibility of its own negation, in favor of a transformation into another democracy, what Derrida calls a “democracy to come”. This is what Derrida means by “the double bind” of the threat to democracy being the chance for democracy, “its chance and its fragility”.
[...]
Democracy too needs representational space. After all, it is the space of the election of representatives of the people. In de-figuring that space, art can de-figure democracy. To this extent Dondero is right. However, art can also assist democracy in the chance given by the threat that it, democracy, makes possible. Art can both put democracy into question, and provide a glimpse of the democracy possible through the transformative effect of responding to that threat.”
Divirgo neste ponto da generalização de Dronsfield. Na verdade, a representação continua a ser uma das condições constitutivas do poder. E se à
arte moderna foi possível desfigurar tal representação, e até caminhar em direção à abstração, tal ficou a dever-se à própria
morte da arte tal como a descreveu Hegel, ou à extinção deste dever de obediência iconológica, se preferirmos lembrar a libertação kantiana dos deveres de representação. Na realidade, o capitalismo e o novo poder viriam a encontrar nas montras dos grandes armazéns, na ilustração litográfica e na fotografia, no cinema, na rádio, e na televisão, os meios de propaganda que a pintura e a escultura tradicionais já não podiam preencher, por falta de objetividade, e sobretudo pela sua fraca reprodutibilidade em sociedades cada vez mais laicas e urbanizadas. O paradigma descoberto por Walter Benjamin explica a irrelevância, do ponto de vista do capitalismo democrático americano, do problema da figuração versus abstração na pintura e na escultura modernas. Em suma, o
noema (Roland Barthes) dos novos meios tecnológicos de representação substituiu a necessidade da alegoria pictorial. A pintura poderia ser o que quisesse, abstração minimal, ou banda desenhada. O poder do capitalismo industrial, financeiro, comercial e democrático tornou-se imune aos artistas, ao contrário do que continuaria e ainda é o caso em todas as autocracias e despotismos pré-democráticos, onde o capitalismo quando surge assume, por assim dizer, uma deformação indelével, que não atenua, salvo se houver uma revolução democrática.
Como acabaria por escrever no comentário que enviei por email ao Jonathan,
“Representational space” needed by political power as propaganda, or ideological representation, migrated from traditional arts (philosophy, literature, painting, sculpture, and music) to photography, radio, cinema, tv, internet, that is, to information, mass communication and technological media.