segunda-feira, setembro 10, 2012

Nação rica, nação pobre

Suposto Navio do Tesouro de Zheng He (1371-1433) ao lado da caravela que levou Vasco da Gama à Índia (1497)

“Nations fail economically because of extractive institutions. These institutions keep poor countries poor and prevent them from embarking on a path to economic growth” — Acemogu, Robinson.

Sessenta e quatro anos antes de Vasco da Gama ter chegado à Índia, o almirante chinês Zheng He terá realizado a última de sete viagens pelos mares da China e pelo Índico, deslocando uma numerosa armada composta por cerca de duzentos e cinquenta barcos, alguns dos quais, os chamados "Navios do Tesouro" (Bǎo Chuán), teriam nove mastros e a dimensão mítica de um campo de futebol.

Zheng He Fez sete viagens, entre 1405 e 1433, por ordem do imperador, mas depois da que decorreu entre 1430 e 1433, as mesmas foram suspensas e a armada foi sendo paulatinamente desmantelada.

Nestas viagens os chineses chegaram a Malaca, Calecute, Lasa, Áden e Mogadishu, entre outros lugares e portos. Há relatos imprecisos e hoje mitificados que afirmam ter Zheng He chegado ao Cabo das Tormentas (posteriormente baptizado Cabo da Boa Esperança), insinuando que, a ter sido assim, os chineses poderiam ter antecipado em setenta anos a descoberta da América realizada por Colombo em 1492. 

A verdade é que enquanto a progressão dos portugueses, de Ceuta, em 1415, até à Índia, em 1497, ao Brasil, em 1500, a Malaca, em 1511, a Ternate, em 1512, ao sul da China, em 1513, às costas da Austrália em 1521, à Nova Guiné, em 1526, e à ilha Tenegashima, no Japão, em 1543, foi documentada e testemunhada em cartas de navegação, livros de bordo, colocação de padrões e construção de fortalezas e portos de abrigo, e por inúmeros acordos e tratados com os povos visitados, a história marítima do Infante Dom Henrique chinês, Zheng He, é um mito nascido já neste século, vinte e nove anos depois da morte de Mao Zedong, e 600 anos depois da primeira das sete viagens de Zhen He. Ao contrário do nacionalismo que marcou a era comunista de Mao e quase toda a história da China, o novo herói, a quem as novas autoridades chinesas atribuem uma importância simbólica crescente, representa a ambição cosmopolita da nova potência emergente. 

Ao contrário da tese de Paul Kennedy em The Rise and Fall of the Great Powers: Economic Change and Military Conflict From 1500 to 2000, e do que escreve na edição desta semana do Expresso/Economia, Luís Mah e Enrique Martinez Galán —"Internacionalização não deve negar leis da física"—, os autores de Why Nations Fail — The Origins Of Power, Prosperity, And Poverty, Daron Acemoglu e James A. Robinson, não acreditam que a China pudesse ter descoberto a América, e têm uma opinião menos entusiasta sobre a sustentabilidade do novo milagre chinês. Para estes economistas, a China, enquanto assentar em formas de propriedade e de economia, e em instituições políticas, a que chamam extrativas, será incapaz de transformar o rápido crescimento das últimas duas décadas num processo sustentado e duradouro de desenvolvimento económico, político e cultural. 

Sem acesso à propriedade privada, sem garantias legais e constitucionais claramente negociadas e formalizadas, sem instituições económicas inclusivas, e verificando-se, pelo contrário, a predominância de monopólios e de posições de domínio dependentes da arbitrariedade das oligarquias e poderes instalados, a China, tal como a Rússia e boa parte dos países africanos, parte dos asiáticos e sul americanos, ou do Médio Oriente, não poderão competir a prazo com as democracias desenvolvidas do Ocidente.

A teoria de Why Nations Fail revela algumas fragilidades, como, por exemplo, a de não explicar o que leva algumas sociedades inclusivas a, por vezes, verem degradar os seus equilíbrios dinâmicos, regressando aos patamares improdutivos tipicamente impostos e reproduzidos pelas instituições extrativas

Mas não é por falta da resposta a esta questão que o livro deixa de ser, como é, uma estimulante reflexão histórica e conceptual sobre, por um lado, as origens da riqueza partilhada, competitiva e sustentável, e por outro, sobre os estigmas que continuam a tolher a maioria das nações — incapazes de sair da pobreza, do desenvolvimento desigual, da injustiça social, da opressão e da corrupção.

Porque é que a Península da Coreia, a mesma nação e a mesma gente, que uma guerra brutal, entre 1950 e 1953, dividiu ao meio, são hoje dois países tão diferentes — uma ditadura extrema e economicamente miserável, a norte, e uma potência industrial inclusiva, desenvolvida e com evidentes graus de liberdade, a sul? Ou, como foi possível ao Botswana tornar-se numa pérola de liberdade e desenvolvimento sustentável num continente onde o pós-colonialismo deu em geral lugar a réplicas de desigualdade e prepotência por vezes ainda mais trágicas que os antigos regimes coloniais? Porque é que, pergunto eu enfim, Portugal, apesar dos enormes recursos de que dispõe, e das riquezas sem fim que devorou ao longo dos séculos, não foi capaz de se transformar num pequeno país decente e economicamente sustentável? Que nos falta que não falta à Dinamarca, à Suécia, à Suíça, à Áustria, à Holanda, ao Luxemburgo, ou à República de São Marino?

Depois de ler o livro de Daron Acemoglu e James A. Robinson, ficamos a saber muito claramente porquê!

Revolta na JSD!

Poster do XXXI Congresso do PSD publicado pela secção de V-F- Xira

JSD não tem que aturar a parelha Coelho-Relvas
Mas deve seguir ideias do Álvaro! O Gaspar é cobarde :(

JSD exige medidas de corte na despesa e sugere imposto para empresas com rendas excessivas

Lusa/ Jornal de Negócios, 10 set 2012, 08:00

    "Num comunicado enviado à agência Lusa, a organização de juventude presidida por Duarte Marques reagiu às medidas de austeridade anunciadas na sexta-feira pelo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, apresentando "um conjunto de propostas complementares que imprimam maior equidade na distribuição dos sacrifícios".

    "Exigimos ao Governo e ao nosso primeiro-ministro a tomada de medidas de corte na despesa pública que permitam conferir equidade entre os sacrifícios pedidos aos portugueses e os efectuados no emagrecimento do Estado", afirmam os jovens sociais-democratas, acrescentando que "o primeiro-ministro tem aqui a oportunidade, e a obrigação, de neste momento de especial dificuldade fazer opções claras no papel e funções do Estado".

    A JSD contesta "mais cortes na saúde e na educação" 
[Sim, mas para salvar estes bens públicos é mesmo preciso levar a cabo uma "destruição criativa" no SNS e no sistema educativo, acabando com a inércia corporativa, com a gestão danosa, com o desperdício escandaloso e com a corrupção — OAM]

, mas defende que "é tempo de optar por cortes em sectores como, por exemplo, as Forças Armadas", que totalizem uma poupança equivalente à receita resultante do aumento das contribuições dos trabalhadores para a Segurança Social

[Que tal o modelo suíço, e menos missões NATO? — OAM]

    Em primeiro lugar, a JSD propõe a "renegociação das parcerias público-privadas rodoviárias de forma determinada e irreversível com a possibilidade, no limite, de criação de um imposto extraordinário para as empresas beneficiadas por rendas excessivas nos sectores da energia, imobiliário com arrendamentos de instalações e concessões rodoviárias"

[APOIADO! Há uma regra a adoptar de imediato: nenhuma rendibilidade, nomeadamente extraída por oportunismo especulativo à conta da queda do chamado rating da República pode estar acima dos 6% (atualmente têm rentabilidades gatunas de até 17% !!!) PONTO FINAL a tais lucros excessivos, denunciados em primeira mão pela própria Troika Se refilarem, quem refilar, bancos, empresas e empresários —estilo Florentino Perez —, passam imediatamente para o limbo das empresas mal vistas pelo estado português — OAM]

    A concessão de alguns serviços administrativos, a fusão de todas as empresas públicas de transportes, a extinção e retirada de benefícios fiscais a uma parte das fundações e a eliminação de empresas públicas são outras medidas sugeridas pela JSD, que propõe ainda a construção de um Orçamento do Estado de base zero para 2015.

[APOIADO ! E como coisa que vos convenha, ponham os barões, os licenciados de Abranhos e as baronetas do vosso partido na ordem, e leiam/discutam WHY NATIONS FAIL, de Daron Acemoglu e James A. Robinson — OAM]

REVOLTA ALASTRA À MASSA CINZENTA DO PSD
“Alexandre Relvas arrasa o Governo e pede a Passos Coelho que repense as medidas anunciadas na passada sexta-feira.

Em entrevista à Rádio Renascença, o ex-dirigente do PSD condena o que chama de experimentalismo a mando da “troika”. “É inaceitável sujeitar o país ao experimentalismo social - isto é fazer experiências com a economia nacional - a mando da ‘troika’ o que se traduz num profundo desrespeito pelos portugueses. É também preocupante o impacto destas decisões em termos sociais”, alerta.”

in Negócios, 10 set 2012 09:16


Última atualização: 10 set 2012, 13:50

sexta-feira, setembro 07, 2012

Outro passo, por favor

TOYZE — "Républica" (2012). Para O António Maria
©TOYZE & OAM

Dividir para governar

O senhor dos Passos falou, falou, falou, falou, falou, e falou, para dizer isto:

  • O aumento das contribuições para a Previdência Social a pagar pelos trabalhadores dos setores público e privado passará de 11% para 18%. Ou seja, daqui em diante passaremos a receber 13 e não 14 salários por ano. Um dia virá (digo eu) em que não dará se não para 12 cheques, e com mais descontos :(
  • A diminuição das contribuições patronais para a mesma Previdência Social, passará de 23,75% para 18%, em nome da competitividade, e até da sobrevivência de muitas empresas.
  • E foi tudo!

A primeira coisa a fazer é acabar com o inútil, como se vê, Tribunal Constitucional.

Depois, talvez seja o momento de os portugueses começarem a perguntar para que servem a RTP, centenas de fundações, observatórios e serviços públicos onde ninguém chega antes das 10 da manhã, aliás para fazer coisa nenhuma, e, por fim, de onde vem o dinheiro. De onde vem a porra do dinheiro?

Quando fizerem estas perguntas, e obtiverem algumas respostas, então sim, vão começar a perceber que este regime, além de corrupto, está falido e ameaça conduzir à miséria e ao desânimo 99,9% dos que vivem nesta praia à beira-mar plantada :(

Caso alguém ainda desconheça —seguramente que o inSeguro da tríade cor-de-rosa do PS desconhece— aqui fica um esclarecimento: o Império e a Europa dos subsídios acabaram :(

Mas para caminharmos com passos certos —e não com o testa de ferro que os bancos colocaram à frente do governo (com o nosso voto ingénuo)— para uma saída realista do buraco onde caímos, vai ser preciso arrumar este regime constitucional, criando outro, com outra Constituição, simples, sensata e p'ra valer, onde fique claro que democracia, liberdade, justiça e desenvolvimento só são compagináveis se acabarmos de vez com os monopólios e com os grupos de interesses encostados ao Estado, que vivem de rendas, mal trabalham, e apostam tudo no atraso do país.

Sem instituições transparentes, responsáveis, respeitadas e inclusivas não nos resta outro caminho que a perda total da nossa soberania, precedida de uma ou duas décadas de empobrecimento crescente, balbúrdia política e um crescente atropelo das regras institucionais de uma democracia assente no Direito.

POR UMA NOVA CONSTITUINTE!
POR UMA NOVA CONSTITUIÇÃO!
POR UMA NOVA REPÚBLICA!


Post scriptum

Más notícias :(

É um artigo técnico, mas legível. E a conclusão é esta: a partir dum certo nível de endividamento (que Portugal já atingiu, graças ao Pinóquio, ao demo populismo partidário instalado e aos cleptocratas), mais dívida, ainda que de curto prazo (2-3 anos) é incapaz de fazer crescer a economia. Pior: é incapaz de travar a espiral do serviço da dívida, a menos que alguém, que não o devedor, pague o calote :(

É por estas e outras que o senhor Cavaco é um keynesiano de aldeia!

E é por esta espécie de esgotamento estrutural do nosso modelo de falso crescimento, que apenas temos uma saída, dolorosa:

— austeridade + reforma radical do regime e do Estado; o que só com uma NOVA CONSTITUIÇÃO DEMOCRATA será possível fazer.

Analyze this: The Fed is not printing enough money!

Lighthouse Investment Management, 7 set 2012

“...you can add as much debt as you want, and it still won’t give you any additional GDP.

To repeat: no amount of additional debt seems to be able to get economic growth going again.

That is a dramatic revelation. We might have reached the maximum debt-bearing capability of the economy. If true, no growth is possible unless debt-to-GDP levels fell back to sustainable levels (in order to restart the debt cycle). This could take years.

At this point, the only way to reset the debt cycle is to get rid of debt.

Ray Dalio correctly describes the three options available:

1. Austerity: this would be painful and take quite some time (the Europeans are going down this path)

2. Restructuring: requires write-downs and losses for bond investors (which are not being allowed to happen for fear of systemic risk)

3. Printing money: Inflation. Better yet: hyper-inflation. You have to destroy the value of debt fast enough before debt service costs, due to rising interest rates, drive the government into insolvency.

In the US, (1) and (2) are not happening. That leaves (3).

As shown above, the amounts needed for the Fed to be able to create inflation are much, much higher than what we have seen so far. And it is not guaranteed to work. Destroying the trust in the value of a fiat currency is a dangerous experiment with mostly adverse consequences.”

Última hora!

Privados podem afinal perder até dois salários líquidos, Função Pública perde até três (act3)

Negócios fez as contas e apurou: afinal os trabalhadores vão enfrentar um corte no salário que levam para casa que pode chegar aos 14%, ou seja, o equivalente em termos líquidos ao subsídio de férias e de Natal. Os funcionários públicos ainda ficam pior, podem perder até três. Efeitos que o primeiro-ministro omitiu na sua intervenção. Veja as simulações. A chave é o aumento da contribuição incidir sobre o salário bruto e ser retirado ao líquido

[...]

Salário mensal de 1000 euros brutos
A perda de rendimento líquido ultrapassa o equivalente a um salário líquido logo a partir dos mil euros de salário bruto, o que atinge pessoas que levam para casa, neste momento, cerca de 800 euros. Neste caso passa a receber 730 euros, mantendo-se as actuais taxas de IRS, o que corresponde a um corte de 8,8%.

Salário mensal de 2000 euros brutos já perde mais de um salário e meio
Com este salário já se perde mais do que um subsídio e meio, em termos líquidos. Quem está a receber cerca de 1400 euros (ou seja, ganha cerca de dois mil euros brutos), vai deixar de receber 10% do seu rendimento mensal o que corresponde a perder mais de um salário e meio em termos anuais.

Salário mensal de 3000 euros brutos perde 10,9%
Um salário bruto de três mil euros para um casal com dois titulares e dois dependentes verá o seu rendimento líquido mensal cortado em 10,9% - perda mensal de 210 euros por aumento da taxa social única -, o que corresponde, em termos anuais, a cortar 1,7 subsídios. A perda anual é de 2.940 euros.

A partir dos 7 mil euros brutos, desaparecem dois salários
A redução no rendimento que se leva para casa atinge os 14%, ou seja, o equivalente aos dois subsídios, de férias e de Natal, a partir de salários brutos de sete mil euros ou líquidos da ordem dos 3.900 euros.

in Jornal de negócios, 8 set 2012 | 19:13


Atualização: 9 set 2012 17:13

Triunfo inSeguro

O dilema da Alemanha: 80% do seu mercado é europeu
Foto © dapd

A panela de pressão vai rebentar, só não sei quando :(

It's Time to Ask the People What They Think

The Germany democratic system has suffered as a result of the euro crisis, but it has also made fighting the crisis harder. Now it's time to hold a referendum on European integration. Only then will Berlin have the democratic legitimacy it needs to take effective action.

in Der Spiegel, By Dirk Kurbjuweit

De momento o jogo é este: obrigar o BCE a engolir toda a dívida europeia, para impedir que o buraco negro dos derivados, em que os 5 magníficos, JP Morgan, Citi, Bank of America, Goldman Sachs e HSBC estão metidos até ao pescoço, desate de um momento para outro a sugar o sistema financeiro ocidental, começando pelos próprios citados banksters de Wall Street e da City! As causas que podem desencadear o dominó são várias e de natureza diversa: bancarrota consumada da Grécia, colapso da Espanha, ou da Itália, queda sucessiva de vários bancos europeus, ou caixas de aforro, ou incumprimentos em grandes empresas, por exemplo, dos setores energético, automóvel, ou aeronáutico.
Spain Requests Bailout On September 14

“Yesterday, when Bloomberg leaked every single detail of today’s ECB announcement, which thus means today’s conference was not a surprise at all, yet the market sure would like to make itself believe it was, we noted that everything that was leaked, and today confirmed, came from a Goldman memorandum issued hours before. Simply said everything that happens at the ECB gets its marching orders somewhere within the tentacular empire headquartered at 200 West. Which is why when it comes to the definitive summary of what “happened” today, we go to the firm that pre-ordained today’s events weeks ago. Goldman Sachs.Perhaps the most important part is this: “September 13-14: Spain to make formal request for EFSF support at the Eurogroup meeting.”

in ZeroHedge

Ou seja, a vitória de Draghi, anunciada horas antes da conferência de imprensa do BCE por uma fuga de informação promovida ostensivamente pela Goldman Sachs, e saudada esta tarde em Lisboa pelo pobre inSeguro, é uma vitória de Pirro para as cleptocracias que afundaram a América e a Europa numa espiral de prosperidade virtual.

Na realidade, a Alemanha (ler resposta do Bundesbank a Draghi) foi encurralada pelos banksters de Wall Street capitaneados pela Goldman Sachs —a qual colocou, entretanto, vários dos seus agentes na Europa: Carlos Moedas e António Borges em Lisboa, Monti em Roma, Draghi em Frankfurt, a malta toda que está na Grécia, etc.

O Quantitative Easing já deixou de funcionar nos EUA e no reino pirata de sua majestade Isabel II, pelo que resta uma última válvula de segurança na referida panela de pressão: o BCE, o euro, ou seja, a Alemanha.

Rebentar com o euro, ou pelo menos colocar a moeda única na mesma situação desesperada do USD foi o plano americano que começou a ser montado com a neutralização do sátiro Dominique Strauss-Kahn, passou pela colocação de Draghi no BCE, e Christine Lagarde no FMI (até eu fui comido por parvo!), e culminou no controlo americano, agora descarado, do BCE!

O risível inSeguro, além de bronzeado, e de já se fazer ladear, despudoradamente, do padrinho Santos nas suas aparições televisivas (certamente um sinal de esperança para a tríades!), está todo contente. Não tem nenhum assessor? Ou a criatura é mesmo assim?

Vejo cada vez menos hipóteses de evitar uma catástrofe.

A menos que a Alemanha tenha ainda duas ou três cartas democráticas na manga: o seu tribunal constitucional, a possibilidade de convocar um referendo sobre o futuro da Alemanha na União Europeia (ler este artigo do Spiegel a propósito), ou até deixar o euro aos PIIGS e refundar o marco, o que vem aí são bancos, grandes empresas, governos, corporações e burocracias, todos juntos, a empurrar os calotes para o BCE, sem mudar uma vírgula nos seus comportamentos inaceitáveis.


ATUALIZAÇÃO

BES e BPI disparam mais de 10% e lideram ganhos na Europa

“Entre os bancos que compõem o índice do Stoxx600 para a banca europeia (que sobe 2,44%), o BES ocupa o primeiro lugar entre os que mais valorizam ao avançar mais de 10%. O banco liderado por Ricardo Salgado avança 10,11% para os 0,675 euros por acção. Segue-se o francês Natixis, que valoriza 7,49%, e o terceiro maior banco italiano, o Banca Monte dei Paschi di Siena, que dispara 7,14%.”

in Jornal de Negócios, 7 set 2012

O novo Far West chegou!

A euforia Draghi não durará mais do que umas semanas, ou no máximo dois a três meses, e tem uma explicação: os especuladores que apostaram nas rentabilidades predadoras das dívidas soberanas, nomeadamente como forma de compensar a atração fatal do buraco negro dos derivados ditos complexos (OTC), sabem desde ontem que terão uma janela de oportunidade para empurrar os títulos de dívida pública que compraram e/ou irão comprar, para a conta do Banco Central Europeu, tornando assim oficialmente o BCE co-responsável pelos efeitos catastróficos do sobre endividamento especulativo dos governos, das famílias e sobretudo dos bancos e shadow banks.

Ou seja, a ideia é empurrar de vez a Alemanha para as areias movediças e inflacionistas da criação suicida de uma chuva de euros virtuais sobre a Europa.

No entanto, tal como sucedeu no Japão ao longo dos últimos 20 anos o dinheiro não chegará às pessoas, nem sequer à economia real (i.e. das nano, micro e PMEs).

A inflação da massa monetária virtual servirá apenas para aumentar a riqueza e o poder dos 0,1% de grandes banksters e cleptocratas americanos, ingleses e de mais alguns países europeus, ao mesmo tempo que conduzirá a uma longa depressão das economias, associada à ruína sucessiva dos povos, a quem será, enfim, passada 99,9% da fatura do sobre endividamento, sob a forma de um assalto bancário e fiscal sem precedentes às suas propriedades privadas!

Resta saber até onde este caminho, não sendo a Europa o Japão, nos levará. Provavelmente, a uma incontrolável instabilidade política, social e militar :(

Apesar da euforia os bancos portugueses, ou continuam mortos (BCP) ou a não dar para a bica!


Última atualização: 7 set 2012 11:19

quinta-feira, setembro 06, 2012

Corrida portuária no Atlântico

Espanha, Arteixo, Porto Exterior da Corunha, concluído em 2012.

Portos de águas profundas, precisam-se!

Sines andou mais depressa depois do Terminal XXI ter sido entregue à Autoridade Portuária de Singapura, mas falta espevitar todo o potencial que este porto de águas profundas e a sua área de actividades complementares oferece, a tempo de evitar que algum tráfego essencial de grandes navios, nomeadamente da classe Post-Panamax e Suezmax, ou ainda da classe Mærsk E e Maersk Triple E, todos eles exigindo profundidades de acostagem acima dos 15 metros, acabe por eleger a Galiza como preferida porta de entrada na Europa, ou fugir para os portos do Mediterrâneo.

É que em Ferrol, onde se construiu o único porta-aviões que a Espanha tem, já existe desde 2005 (Acciona) um novo porto de águas profundas, o chamado Porto Exterior de Ferrol, cujas ligações à rede ferroviária espanhola foram recentemente anunciadas pela ministra galega Ana Pastor. E a Corunha deverá inaugurar ainda este ano o seu Porto Exterior, de águas profundas, situado na Punta Langosteira, na mesma localidade que alberga o quartel-general da Zara (Inditex), e que passará a processar todas as cargas sujas e perigosas que hoje colocam em risco a saúde dos habitantes da bela e sempre muito animada cidade galega.

Na realidade, o Porto de Sines tem dimensão, gestão e potencial de crescimento para continuar a ser a principal porta de entrada atlântica de mercadorias contentorizadas na Europa, mas não pode andar a dormir na forma, em compassos de espera partidários para favorecer os rendeiros, as corporações e as clientelas do costume. Se crescer como deve, e se for capaz de criar uma infraestrutura de transhipment adequada, a par de se tornar também um porto de exportação a sério (pois nenhum navio gosta de regressar a casa vazio...), então os novos portos de mar batido da Galiza, para além de servirem sobretudo a região, poderão tornar-se parte dessa frente atlântica economicamente forte de que a península ibérica precisa para ser Europa.

Até o Economist percebe estas coisas, e opina sobre o que falta fazer para tornar os portos portugueses competitivos, tendo sobretudo presente que Roterdão está praticamente saturado, e que um dia destes, quando menos esperarmos, os russos podem pregar uma partida à Alemanha, ou a estupidez americana e israelita poderão conduzir ao fecho do Canal do Suez, ou mesmo do Golfo Pérsico!

Ports in the storm
Portugal needs to privatise its ports to reap the full benefits of its location. The latest in our series on reforming Europe’s economies

The bulkiest vessels can carry 14,000 twenty-foot containers—a cargo that would require a train 85km (53 miles) long if transported by rail. The result is huge economies of scale: the cost per container on an Asia-to-Europe trip has fallen from around $1,000 to below $300, according to one study.

Big ships will stop at only four or five destinations in Europe, raising the stakes for ports trying to win their custom, according to Neil Davidson of Drewry Shipping Consultants. To lure them, ports need deeper harbours and bigger cranes to unload the cargo. They also need to offer an attractive onward route to final customers. This can be overland using trucks, or by sea if the port offers connections with lots of smaller ships. For Portugal, this means competing to serve the cities of Seville and Malaga by lorry or train, or acting as a shipping hub by battling with rival ports in Spain and Morocco.

in Economist, Mar 24th 2012 | Sines | from the print edition

Visto o panorama, até um idiota percebe que a frente portuária da Portugaliza só terá pleno e estratégico êxito se for capaz de ligar o transhipment, não só a uma moderna e versátil navegação de cabotagem pelas costas europeias, por forma a chegar ao maior de número de portos preparados para contentores, como também a boas redes de estradas (já temos!), e à rede ferroviária de bitola europeia que, sem roturas de carga, chegue rapidamente e a preço competitivo aos quatros cantos de Ibéria e aos quatro cantos do resto da Europa!

É assim tão difícil compreender?  Quando é que os políticos aprendem a tratar do que é importante?


COMENTÁRIO

Adapto para esta publicação a observação oportuna e clarificadora de Luís Cabral da Silva:

Cabe aqui um comentário à referência feita no texto do Economist sobre a descarga completa de um porta-contentores de 14.000 TEUs (em Portugal, só possível em Sines), a qual careceria de um comboio de cerca de 90 km de comprimento para o seu transporte! Não existem comboios com tal comprimento. Na Europa, a referência são composições com um comprimento máximo de 750m, o que significaria no caso apontado pelo Economist algo como 127 comboios para um super porta-contentores. No entanto, se o transporte optasse pela via rodoviária, seriam necessários de 10.000 a 14.000 camiões, dependendo da sua capacidade e dos limites das vias rodoviárias percorridas!

Claro que só num porto terminal poderá ocorrer a descarga da totalidade de um navio das dimensões referidas, mas, no limite, teria então também que se equacionar um movimento equivalente e de sentido contrário para a sua carga, ou o negócio seria pouco menos do que ruinoso.

No caso de Sines, a acessibilidade ferroviária de que dispõe nada tem que ver com estes números, pelo que urge conferir-lhe novos acessos ferroviários "profissionais", que não poderão ignorar as redes transeuropeias já desenhadas e decididas por Bruxelas e, consequentemente, a bitola europeia.  A velha e limitada bitola ibérica não serve! Apesar de contar ainda com fortes apoios em membros do actual Governo.

ATUALIZAÇÃO
Pastor califica de “espectacular” el comportamiento de los tráficos portuarios en los últimos meses

“…Pastor se refirió a la necesidad de conectar España con Europa a través del ancho ferroviario UIC como una de las principales prioridades y al mismo tiempo, retos a alcanzar, ya que ello permitirá la conexión de los puertos y en definitiva, la intermodalidad, elemento “clave” en el modelo de eficiencia y rentabilidad que persigue el ministerio.”

in Diario del Puerto, 6 set 2012.

Última atualização: 6 set 2012 13:35

terça-feira, setembro 04, 2012

Porto-mate?

Aeroporto Sá Carneiro, Maia/Porto, é hoje um dos motores do Norte
Foto © OAM

Autarquias, népias :( RTP, népias :( ANA, népias :(

PS junta-se ao CDS "na defesa da autonomia do aeroporto do Porto"
JN
BE diz que privatização da ANA é "um assalto ao Porto e à região Norte"JN

E vão três contra a entrega da ANA a um só explorador privado. Já agora, que dizem o PCP e Rui Rio desta defesa corajosa da autonomia concorrencial do aeroporto Sá Carneiro face aos apetites castradores dos falsos privatizadores de Massamá?

Em nome do Porto e em nome dos interesses estratégicos —sim, estratégicos— do Norte: PS/Porto, CDS/Porto e BE/Porto rejeitam modelo oligarca de privatização da ANA. Até que enfim!

Só falta mesmo algum patriota vermelho e outro laranja juntarem-se ao molho e todos fazerem, como deveriam, uma barreira contra alguns desmiolados suburbanos de Lisboa ao serviço da velha aristocracia rendeira que nos afunda ciclicamente.

Já é tempo de as forças políticas, intelectuais e culturais do Norte, se sentarem em volta de uma mesa, ou melhor, encomendarem mesmo o desenho de uma mesa aos meus amigos SAMI, e a sua construção num bom fabricante de Paços de Ferreira, para aí discutirem periodicamente os interesses vitais do Porto, do Grande Porto e do Norte, que não se devem deixar espezinhar pelos ditos suburbanos disfarçados de lisboetas. Mas para tal é necessário, claro, superar a era dos Valentim e dos Menezes.

Portugal é um país dual, e deve assumir esta condição como uma agonística benéfica para a sua afirmação económica e desenvolvimento democrático. As pronúncias fazem bem ao país!

Nem os aeroportos, nem os portos, nem os serviços de transporte urbanos e suburbanos, nem muito menos os serviços de transportes ferroviário intercidades devem ser abertos aos privados sem acautelar previamente um princípio inegociável —o da interdição de monopólios, nestes como em quaisquer outros setores da atividade económica e financeira—, e condições efetivas de concorrência e transparência nos processos de privatização.

No caso dos aeroportos a coisa parece-me simples: os terrenos e as obras foram pagas com dinheiro público e como tal devem permanecer públicos. Já a sua exploração pode, em minha opinião, ser concessionada a empresas privadas especializadas, com histórico confiável e que ganhem de forma limpa um leilão europeu, sem esquemas manhosos para entregar o negócio aos malditos Mellos e C.ª, ou aos amigos de ocasião.

Doutro modo, estaríamos a legitimar, uma vez mais, um regime inadmissível de economias e instituições assentes em oligarquias e corporações de rendeiros execráveis. Doutro modo, em vez de progredir para um país europeu democrático, livre e civilizado, estaríamos a regredir para o tipo de regimes oligárquicos, intelectual e culturalmente nulos, que ainda predominam em boa parte do planeta.


Uma empresa, Ryanair, mudou o Porto!
Foto © OAM

O Porto mudou desde que a Ryanair chegou. 

Ouve-se falar francês na Ribeira, à volta de umas lulas recheadas e de uma dúzia de garrafas de vinho verde. Ouve-se falar italiano no interior magnífico da igreja dos Clérigos. Vêem-se irlandesas saboreando lagers no imperdível Lais de Guia ao cair de uma tarde de Outono na praia de Matosinhos. Os galegos e os catalães continuam a inundar as ruas e os bares. E, mais importante ainda, empresários, jovens profissionais e estudantes usam as viagens Low Cost para fazer pela vida, como sempre fizeram ao longo dos séculos, sem precisar de autorização do Terreiro do Paço. Os emigrantes, com uma regularidade nunca vista, voam até ao Norte para pagar o IMI, saldar contas com o picheleiro, ou matar saudades à volta de umas tripas enfarinhadas com rojões e sangue cozido regadas com boa pinga.

É tudo isto que uma privatização de secretaria, sempre rodeada pelos rendeiros da corte, não pode ameaçar sequer.

O camarada Marcelo anda muito preocupado com o melindre constitucional que rodeia uma possível privatização ou concessão da RTP. Que lhe parece então este caso da ANA? Tem opinião própria sobre o assunto, ou continua nesta matéria prisioneiro de recados?


PS: dizem-me que Pedro Passos Coelho é uma invenção e uma criação de Miguel Relvas, tal como Sócrates foi uma coisa mal engendrada por Edite Estrela. Mas se é assim, a porta que serviu para o nosso Pinóquio sair de cena, também poder servir para o Jota PM que temos regressar a Massamá!


ACTUALIZAÇÃO (6 set 2012)

A defesa do aeroporto Sá Carneiro começa a blindar-se na área partidária. Bom ares que vêm do Norte ;)
Rui Rio: Governo comprometido a blindar interesses do Porto na privatização da ANA

O presidente da Câmara Municipal do Porto disse hoje que o Governo se comprometeu a introduzir cláusulas no concurso de privatização da ANA - Aeroportos de Portugal que salvaguardem os interesses específicos do aeroporto Francisco Sá Carneiro. Jornal de Negócios, 4 set 2012.

E até o Editorial do Público de hoje lança um certeira acha para a fogueira do negócio potencialmente cleptocrata e rendeiro da privatização da ANA:

"O PS-Porto juntou-se às estruturas locais do CDS/PP para vituperar o modelo de privatização da ANA apresentado pelo Governo, que não difere em substância do que os socialistas tinham proposto na era de José Sócrates; o PSD, que na era Sócrates tinha encetado uma ofensiva contra a criação de um "monopólio privado", parece ter esquecido o passado e, agora no Governo, defende o que antes tinha contestado. É em ataques e retiradas como estas que se sustenta a dúvida sobre se os partidos do arco do poder têm algum pensamento estratégico sobre o país? No processo da privatização da ANA há a reconhecer um dado que muda o cenário de fundo: a troika exige privatizações capazes de gerar receitas de 5,5 mil milhões de euros e é legítimo suspeitar que a venda da ANA em bloco é a que mais receita gera para o Estado. O problema é que, como propõe o CDS do Porto, nem sempre o que é bom para o Estado é bom para o país. Para o Norte e o Algarve o ideal seria haver uma privatização aeroporto a aeroporto, o que garantiria autonomia de gestão e capacidade de concorrência com o maior aeroporto nacional, o da Portela. Foi com base nesse pressuposto que a Associação Comercial do Porto e a Universidade Católica promoveram num estudo de viabilidade, e foi com base nesta ideia que grupos privados do Norte aceitaram um repto de Sócrates e mostraram interesse no Sá Carneiro. Tal como está, o modelo da privatização da ANA poderá levar o novo accionista a centrar as suas atenções na jóia da coroa da rede e a desinvestir nos outros aeroportos. Se assim for, o aeroporto concebido para liderar o mercado do Noroeste peninsular (que já lidera) e a estratégia que, à custa das low cost, transformou a economia local, ficará irremediavelmente condenada. Se outro mérito não tivesse, os avisos do CDS/PP do Porto têm o mérito de colocar este importante tema nacional em discussão"

Última atualização: 6 set 2012 1:23

segunda-feira, setembro 03, 2012

O erro de Adriano Moreira

Se não mudarmos o regime, este será mais um Mapa Cor-de-Rosa perdido :(

Adriano Moreira está profundamente errado

Adriano Moreira diz que “o país foi sempre dependente de factores externos”, tendo “pouco a pouco evoluído para um estado exíguo, com uma deficiência de relação entre objectivos e capacidades do Estado”, até chegar a uma “submissão que é traduzida por uma imagem de protectorado” — in Jornal de Negócios, 3 set 2012.

A bondade da análise de Adriano Moreira morre de um erro fatal: a total falta de curiosidade sobre o que nos leva a ser um país pobre.

Porque é que somos pobres, com tanto mar, com um património ex-colonial tão vasto, duradouro e entranhado, com uma diáspora emigrante tão numerosa e economicamente relevante, e com a situação geográfica que continua a ser tão privilegiada e estratégica hoje, como à data da fundação do reino, se países, nomeadamente europeus, sem nenhuma das nossas vantagens, são tão mais ricos: a Dinamarca, a Suécia, a Finlândia, a Áustria, a Suíça, o Luxemburgo, ou até a velhíssima República de São Marino?

Que acha que ocorreria se houvesse petróleo, gás natural e metais raros no fundo da Plataforma Marítima Portuguesa alargada?

Sabe perfeitamente o que as nossas elites fizeram da expoliação colonial, não sabe? Sabe o que Cavaco Silva, as araras parlamentares e os sindicatos fizeram às nossas pescas, não sabe? E já agora, sabe o que ocorreu em Macau depois de os portugueses saírem? Pois bem, acabou o monopólio do jogo, e a economia local disparou para mais de 21% ao ano! A solução da Árvore das Patacas morreu, e nós ou aprendemos a lição, ou morreremos com ela.

Do que nós precisamos, em primeiro lugar, é de arrumar de vez a nossa casa, começando por acabar com a mania dos monopólios, públicos, ou concedidos por um Estado secularmente corrupto, eliminando consequentemente as próprias condições genéticas que deram origem e permitem reproduzir as elites rendeiras que desde sempre apostaram no atraso cultural das populações e na repressão da liberdade empresarial e criativa.

A democracia fundada no rescaldo do golpe de estado militar que derrubou a anterior ditadura limitou-se, até agora, a instalar uma partidocracia de cariz endogâmico, apoiada nas velhas redes de caciquismo local, e financiada pelas mesmas elites de sempre, que, como é sabido, recuperaram quase todo o poder que perderam entre março e novembro de 1975, retomando depois, paulatinamente, contra o próprio texto constitucional (por isso precisa de ser inteiramente revisto), não só o que seria legitimamente seu, mas muito mais do que isso: o mesmíssimo poder de corromper estruturalmente o Estado e as suas instituições, e agora também a democracia populista que entretanto se instalou para viver, como a elite corrupta e preguiçosa que há séculos temos, das rendas ilegítimas e da expropriação fiscal crescente da larga maioria dos portugueses.

Não deixa de ser irónico que o texto do célebre memorando de capitulação orçamental do país face aos nossos credores, representados pela famigerada Troika, seja, no essencial, um libelo contra o abuso das elites e o excesso de rendas extraídas à produtividade potencial do país. Talvez por isso o documento precisasse de duas semanas para ser traduzido, apesar de ter sido a principal arena da retórica partidocrata durante essas mesmas duas semanas. Nenhum jornal teve a coragem e o bom senso de publicar e distribuir o dito Memorando, para que alguns milhares, já não digo milhões, de portugueses o pudessem ler e discutir na praça pública e quotidiana da democracia que temos.

A nossa salvação enquanto nação e estado depende largamente da concretização da União Europeia, mas depende, antes de mais e sobretudo, de nós mesmos. Depende, para já, de sabermos se teremos ou não a coragem para proceder a uma profunda alteração de regime, que a tal Revolução de Abril não logrou. A Constituição que temos é uma fraude. Uma fraude porque anuncia o impossível, uma fraude porque determina o que ninguém cumpre —a começar pelo sistema partidário e instituições constitucionalmente desenhados e instituídos—, e uma fraude ainda porque não obteve algo de tão elementar como seja libertar a sociedade e a economia das elites, antigas e novas, que vivem literalmente à custa de monopólios, rendas e privilégios corporativos, prejudicando gravemente a saúde económica e cultural do país.

A bancarrota em que voltámos a cair demonstra que o essencial não mudou, apesar de toda a retórica oportunista.

Eu recomendaria ao senador Adriano Moreira a leitura de um livro que acabo de devorar: Why Nations Fail, de Daron Acemoglu e James A. Robinson.