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domingo, setembro 16, 2012

Outro regime, por favor!


Não será ele, mas não os trava. Porquê?


Que se lixe a Troika, ou que se lixe esta Democracia?

Que se lixe a Troika. Queremos as nossas vidas. Manif 15 de setembro
(2012)

Portugal veio à rua: centenas de milhar de pessoas de todos os partidos, sem partido, crianças, jovens, adultos empobrecidos e ameaçados pelo desemprego, desempregados, doentes e reformados.

A manifestação, que partiu da iniciativa de uma jovem socióloga de 31 anos, Magda Alves, decorreu pacificamente, apesar de dois incidentes poderem ter degenerado numa radicalização súbita e incontrolável dos acontecimentos. Refiro-me à tentativa frustrada de imolação pelo fogo de um jovem de vinte e poucos anos, e aos empurrões junto à escadaria da Assembleia da República.

A manif não foi controlada por nenhum partido político, apesar dos oportunistas do costume terem aproveitado os microfones e as câmaras de televisão, sempre à sua disposição, para tentarem retirar alguns trunfos. Os pobres diabos do Bloco e do PCP não percebem que os portugueses sabem demasiado bem que os votos nos partidos parlamentares têm sido papeis deitados ao lixo. E não percebem que um regime que chegou ao grau de corrupção, oportunismo, populismo e incompetência em que o nosso está, não lhe resta outra alternativa que não seja uma mudança estrutural.

Precisamos de convocar UMA NOVA CONSTITUINTE, precisamos de OUTRA CONSTITUIÇÃO, e queremos UMA DEMOCRACIA INCLUSIVA, TRANSPARENTE e PARTICIPATIVA.

Isto já lá não vai com as eleições do costume, pois estas estão totalmente viciadas por dentro.

Só o ritual e a contagem de votos (com a abstenção sempre a subir) é que ainda exibe a aparência de democracia. Depois de cada festa eleitoral tudo regressa ao mesmo, ou seja, a uma democracia formal capturada pelo Bloco Central da Corrupção (PS-PSD-CDS_PP), de que nem o PCP, nem o Bloco, escapam, com a agravante de se contentarem com as migalhas do poder, que recebem em troca da legitimação diária do regime que promovem apesar da retórica e dos protestos invariavelmente vagos, oportunistas e populistas.

Também não serão manifestações anónimas que levarão Portugal para uma saída do buraco para onde foi empurrado. Estas arruadas são importantes para avaliar o estado da irritação do país, mas se não desaguarem numa mudança democrática do regime, acabarão por redundar em desânimo agravado, ou pior ainda, no seu aproveitamento oportunista e desvio para fins inconfessáveis, não só pelos partidos do costume, mas mesmo por forças que trabalham na sombra, embora com a ajuda das agências de comunicação.

Não tenho dúvidas de que esta manifestação, para lá da sua grande importância enquanto barómetro da irritação popular, está neste preciso momento a ser aproveitada pelas mesmas forças que destruíram o país. As sombras deste regime corrupto quererão neste momento aproveitar o protesto para forçar o desajeitado PM a remodelar o governo, com o único fito de afastar os responsáveis pelas pastas da saúde, da educação, e da economia, energia e transportes.

A despesa do Estado continua incontrolável. O resultado do descontrolo imparável da dívida pública será o inevitável empobrecimento da população e a destruição da classe média. Para inverter esta rampa para o suicídio social, é urgente reformar o Estado, ou seja, é preciso neutralizar imediatamente os milhares de carraças de origem partidária e financeira que sugam o suor e sangue do país, usando para tal o discurso piedoso sobre os direitos constitucionais.

Sem começar por aqui, a balbúrdia e o ruído aumentarão de volume, os oportunistas ganharão mais do que nunca, pois terão mais e mais vítimas moribundas a quem extrair o emprego, a casa, as alianças, o pão, o sono e, finalmente, a vida. Tudo é fonte de rendimento especulativo para quem já capturou a democracia e o país.

Como me recordava um amigo brasileiro este fim-de-semana, “cachorro que come ovelha, só morto se endireita.”


Esta é uma das patas do Polvo que destruiu Portugal


Manif de 15 de setembro na imprensa nacional e internacional

José Gomes Ferreira: Contra a TSU, pela austeridade
SIC-N

Portugal Hit by Protests Against Austerity Measures
The Wall Street Journal

Thousands Protest Austerity Measures in Spain and Portugal
The New York Times

Spain and Portugal see big anti-austerity rallies
BBC News Europe

Thousands Of Protesters Across Europe Demonstrate What Europe's Next Crisis Will Be
Business Insider

sábado, setembro 15, 2012

Que se lixe, vamos acordar!


TOYZE — "Em vésperas da Manif". Para O António Maria


HOJE 15 DE SETEMBRO, MANIF

Que se Lixe a Troika! Queremos as nossas Vidas!

É preciso fazer qualquer coisa de extraordinário. É preciso tomar as ruas e as praças das cidades e os nossos campos. Juntar as vozes, as mãos. Este silêncio mata-nos. O ruído do sistema mediático dominante ecoa no silêncio, reproduz o silêncio, tece redes de mentiras que nos adormecem e aniquilam o desejo. É preciso fazer qualquer coisa contra a submissão e a resignação, contra o afunilamento das ideias, contra a morte da vontade colectiva. É preciso convocar de novo as vozes, os braços e as pernas de todas e todos os que sabem que nas ruas se decide o presente e o futuro. É preciso vencer o medo que habilmente foi disseminado e, de uma vez por todas, perceber que já quase nada temos a perder e que o dia chegará de já tudo termos perdido porque nos calámos e, sós, desistimos.

— do Manifesto "Queremos as nossas vidas"

Estamos todos a ficar confusos. Ninguém parece saber o que fazer, e no entanto o mundo desaba sobre as nossas cabeças. A Troika não é o problema, mas sim o que nos trouxe até ela. Precisamos de saber quando, como e porquê Portugal chegou uma vez mais à insolvência, e só ainda não declarou bancarrota porque pedimos socorro aos credores externos.

O mundo está num grande sarilho. A América está num grande sarilho. A Europa está num grande sarilho. Portugal está num grande sarilho, e eu já não estou lá muito bem :(

Tenho que descobrir porquê!

quarta-feira, setembro 12, 2012

Um disparate chamado Gaspar

Um ministro que dissimula e fala por enigmas não serve.

Perante a declaração do FMI o gago mental das Finanças só tem um coisa a fazer: demitir-se, ou então demiti-lo!


Abebe Selassie diz que “se houver apenas austeridade”, a economia portuguesa “não vai sobreviver” e revela que a ideia de cortar o salários dos trabalhadores do privado foi do Governo e não uma exigência da troika.

Para o chefe de missão do FMI em Portugal, o aumento da contribuição dos trabalhadores é uma forma “criativa” de resolver o problema do défice e da competitividade. Quanto ao impacto no salário dos trabalhadores do sector privado, Selassie admite que a medida “tem de ser calibrada, para que o impacto sobre os pobres seja tido em conta”.

[...]

Na entrevista ao “Público”, o responsável do FMI alerta também que “se o programa for apenas austeridade, a economia não vai sobreviver”, sendo por isso que foi dado mais um ano a Portugal para o País atingir um défice abaixo dos 3%.

Jornal de Negócios, 12 Setembro 2012 | 20:23

Ministro Gaspar pede aos portugueses seis vezes mais do que precisa cortar para nova meta do défice

O Diário de Notícias fez as contas e escreve hoje que o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, só precisa de cortar 850 milhões de euros mas está a pedir seis vezes mais. De acordo com o jornal, o Governo pediu aos portugueses um esforço de redução do défice "na ordem dos 4,9 mil milhões de euros", um valor quase seis vezes superior à redução necessária combinada com a troika para cumprir a meta de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do défice no próximo ano.

Notícias ao Minuto/ Diário Notícias,  Quarta, 12 de Setembro de 2012

Ficámos hoje a saber três coisas importantes:

— o ministro das finanças apresentou medidas drásticas de austeridade destinadas a reduzir o endividamento do país, usando como justificação uma previsão do défice para este ano 1pp abaixo da estimativa mais realista e negativa que escondeu dos portugueses, cenário prontamente denunciado pelo BNP Paribas.
“As previsões do BNP Paribas apontam para que [...] o défice deste ano fique em 6% do PIB, ou seja, um ponto percentual acima da nova meta.

Mas não é só nas metas do défice que o BNP Paribas acredita que o Governo está a ser optimista. “Para 2013 vemos riscos significativos de revisão em baixa da meta para o crescimento”, diz o BNP Paribas.

Mesmo antes das novas medidas de austeridade anunciadas para 2013, o banco francês já antevia uma contracção de 1,3% no PIB português no próximo ano. Agora o BNP vai rever em baixa esta previsões, que serão certamente piores do que as estimativas do Governo.

Jornal de Negócios, 12 Setembro 2012 | 11:18

— o ministro deixou flutuar a ideia de que o recurso à austeridade unilateral, com escandalosa e canina submissão aos bancos e ao Bloco Central da Corrupção, suas PPPs e monopólios rendeiros, teria sido uma exigência da Troika, quando não foi!

— o ministro anunciou a intenção de levar a cabo mais uma expropriação fiscal dos rendimentos do trabalho, da poupança e da propriedade, seis vezes acima das supostas necessidades de financiamento do défice previsível, sem que tenha dado alguma justificação para semelhante exibição de insensibilidade e de verdadeiro terrorismo fiscal.

A explicação dada esta tarde para a punção fiscal seria a de uma medida de precaução. Se é verdade, há que esmiuçar os argumentos. Se a prudência se deve à mentira ministerial sobre a previsão do défice para este ano, e sobre a previsão otimista da recessão em 2013, então o gago mental das Finanças e a parelha de Condes de Abranhos que dirigem este governo devem ser postos na rua. Ou seja, o presidente da república só tem que fazer uma coisa: demitir o governo e chamar o PSD a formar outro governo!

Mas há outra explicação para o terrorismo fiscal em curso:

— é que as privatizações da TAP e da ANA marcam passo, sendo que só a TAP, além de precisar em breve de 500 milhões de euros, tem um buraco escondido na ordem dos TRÊS MIL MILHÕES DE EUROS, e encomendou 12 aviões Airbus A350 no valor de outros tantos TRÊS MIL MILHÕES DE EUROS (só aqui temos a totalidade das receitas levianamente previstas das privatizações atabalhoadas em curso), sendo que o grupo BES é um dos seus mais interessados credores;

— é que os Metro de Lisboa e do Porto andaram a jogar na bolsa dos derivados e estão em risco de perder 2,5 MIL MILHÕES DE EUROS;

— é que a privatização pirata da ANA, se tiver lugar, representará uma perda anual de faturação na ordem dos 405 MILHÕES DE EUROS, a que corresponde um lucro na ordem dos 45 MILHÕES DE EUROS (números que deixarão de figurar na coluna das receitas do Estado).

Se se investigar a sério isto, começando por divulgar os contratos e anexos das PPPs, bem como as contas da ANA, talvez venhamos a constatar que as duas enfadonhas horas de comunicação do gago das finanças tentou tão só esconder mais um caso de polícia!

A queda deste governo está em curso, e quanto mais depressa corrermos com o dito, melhor!

Passos Coelho é um Sócrates laranja. É urgente despedir com justíssima causa semelhante criatura, como é urgente esmagar de vez o Bloco Central da Corrupção!


ÚLTIMA HORA

Manuela Ferreira Leite arrasa governo e desafia deputados laranja a chumbar o Orçamento! É imprescindível ver toda a entrevista à TVI (quando estiver disponível).

Manuela Ferreira Leite desafiou os deputados a travarem o Orçamento de Estado para 2013, por discordar das novas medidas de austeridade anunciadas por Pedro Passos Coelho e Vítor Gaspar.

«Em relação ao orçamento, cada um de nós, em consciência, faça aquilo que deve fazer para tentar inverter a orientação política que tem estado a ser seguida... Estou à espera de ver como vão reagir os deputados. Estou para ver se votam a favor, se votam contra, se aceitam tudo...», afirmou, em entrevista à TVI24.

MFL é uma menina bem comportada do Cavaco (que abomino!), mas creio que daria uma PM à altura do momento, ao contrário dos agentes que a Goldman Sachs colocou em Lisboa, e do produto fabricado pelo Ângelo com dinheiro do BES a que chamam primeiro ministro.

A entrevista de MFL, depois do Grito do Ipiranga dado pelo deputado da JSD, Duarte Marques, é o tiro de partida para o afundamento deste governo. De Passos de Coelho e do burro diplomado Relvas não há mais nada a esperar.


POST SCRIPTUM
13 set 2012 9:51

Classe média — por quem os sinos dobram :(
O problema mais sério de todos é que a classe média não sabe plantar batatas, e mesmo que aprendesse nalgum curso de Novas Oportunidades, não teria quintal, nem quintinha, e muito menos quinta onde deitar a semente :( O drama da classe média terá em breve proporções dantescas, pois sendo na sua maioria composta por profissionais, uma vez no desemprego eterno, cairá na miséria —na miséria, digo bem— em meia dúzia de anos, depois de espoliada de toda a poupança, dos bens que possa ter acumulado ao longo da vida, e das próprias heranças :(

Manuela Ferreira Leite — a alternativa islandesa
Manuela Ferreira Leite poderá ser, se quisermos, a nossa opção islandesa. Ou seja, se a Alemanha desistir do euro, ou a tal for forçada pelos gatunos da Goldman Sachs e Cia, a nossa opção é seguir o caminho da Islândia. Temos muitos aliados estrategicamente disponíveis fora do eixo franco-alemão: a velha Inglaterra, Marrocos, Brasil, Argentina, Venezuela, Angola, Moçambique, China, Timor, e até, quem sabe, uma futura república espanhola composta pela Espanha diminuta, Catalunha e País Basco. Entregar Portugal a um bando de banqueiros sem escrúpulos e com uma agenda de saque e domínio global, é que não. Seria pura traição! Aliás temos que nos ir preparando para identificar os traidores...

José Gomes Ferreira e Tiago Caiado Guerreiro sobre as mais recentes medidas de mais austeridade anunciadas pelo 1º Ministro. Sic Noticias 07.09.2012


UM JOKER CHAMADO PORTAS
14 set 2012 12:52

O PSD de Passos de Coelho já era!

A resposta de Paulo Portas à desorientação política completa de Passos de Coelho é a carta fora do baralho que vem deitar um balde de água fria sobre os planos atabalhoados do gago mental das finanças.

Depois do levantamento geral de rancho contra o plano Gaspar, a entrevista de ontem ao senhor primeiro ministro teve hoje uma resposta pronta do parceiro de coligação que não pode se não ser vista como um grande murro no estômago.

Nós sabemos que os nossos políticos têm barrigas e gargantas elásticas, mas ainda assim, há coisas ingeríveis ou indigestas de mais.

O CDS fora do governo, mas sem romper a coligação?

A ameaça é um bluff, mas não deixará de exercer um fortíssimo peso nas negociações internas da coligação que decorrerão desde a Quinta Revisão da Troika até à aprovação do Orçamento de Estado.

Paulo Rangel deveria avançar para a liderança do PSD, e Manuela Ferreira Leite, por sua vez, deveria substituir o empregado do BES e o burro de canudo quanto antes.

Quanto aos indecorosos regionais, Marco António e Menezes, deveriam receber de imediato ordem de marcha para... Freixo de Espada à Cinta, ou melhor ainda, para Caracas!

Precisamos de mudar o regime, de uma nova constituição, de um sistema eleitoral responsável, da reforma interna dos atuais partidos pelo sangue novo que neles já correrá neste momento, e precisamos de novos partidos e de agrupamentos cívicos independentes de governança democrática, nas cidades e nos campos — complementares do sistema representativo convencional. Como está, mantendo-se o status quo, a corrida de lémures para o abismo só poderá acelerar o passo :(


Última atualização: 14 set 201212:51

segunda-feira, setembro 10, 2012

Nação rica, nação pobre

Suposto Navio do Tesouro de Zheng He (1371-1433) ao lado da caravela que levou Vasco da Gama à Índia (1497)

“Nations fail economically because of extractive institutions. These institutions keep poor countries poor and prevent them from embarking on a path to economic growth” — Acemogu, Robinson.

Sessenta e quatro anos antes de Vasco da Gama ter chegado à Índia, o almirante chinês Zheng He terá realizado a última de sete viagens pelos mares da China e pelo Índico, deslocando uma numerosa armada composta por cerca de duzentos e cinquenta barcos, alguns dos quais, os chamados "Navios do Tesouro" (Bǎo Chuán), teriam nove mastros e a dimensão mítica de um campo de futebol.

Zheng He Fez sete viagens, entre 1405 e 1433, por ordem do imperador, mas depois da que decorreu entre 1430 e 1433, as mesmas foram suspensas e a armada foi sendo paulatinamente desmantelada.

Nestas viagens os chineses chegaram a Malaca, Calecute, Lasa, Áden e Mogadishu, entre outros lugares e portos. Há relatos imprecisos e hoje mitificados que afirmam ter Zheng He chegado ao Cabo das Tormentas (posteriormente baptizado Cabo da Boa Esperança), insinuando que, a ter sido assim, os chineses poderiam ter antecipado em setenta anos a descoberta da América realizada por Colombo em 1492. 

A verdade é que enquanto a progressão dos portugueses, de Ceuta, em 1415, até à Índia, em 1497, ao Brasil, em 1500, a Malaca, em 1511, a Ternate, em 1512, ao sul da China, em 1513, às costas da Austrália em 1521, à Nova Guiné, em 1526, e à ilha Tenegashima, no Japão, em 1543, foi documentada e testemunhada em cartas de navegação, livros de bordo, colocação de padrões e construção de fortalezas e portos de abrigo, e por inúmeros acordos e tratados com os povos visitados, a história marítima do Infante Dom Henrique chinês, Zheng He, é um mito nascido já neste século, vinte e nove anos depois da morte de Mao Zedong, e 600 anos depois da primeira das sete viagens de Zhen He. Ao contrário do nacionalismo que marcou a era comunista de Mao e quase toda a história da China, o novo herói, a quem as novas autoridades chinesas atribuem uma importância simbólica crescente, representa a ambição cosmopolita da nova potência emergente. 

Ao contrário da tese de Paul Kennedy em The Rise and Fall of the Great Powers: Economic Change and Military Conflict From 1500 to 2000, e do que escreve na edição desta semana do Expresso/Economia, Luís Mah e Enrique Martinez Galán —"Internacionalização não deve negar leis da física"—, os autores de Why Nations Fail — The Origins Of Power, Prosperity, And Poverty, Daron Acemoglu e James A. Robinson, não acreditam que a China pudesse ter descoberto a América, e têm uma opinião menos entusiasta sobre a sustentabilidade do novo milagre chinês. Para estes economistas, a China, enquanto assentar em formas de propriedade e de economia, e em instituições políticas, a que chamam extrativas, será incapaz de transformar o rápido crescimento das últimas duas décadas num processo sustentado e duradouro de desenvolvimento económico, político e cultural. 

Sem acesso à propriedade privada, sem garantias legais e constitucionais claramente negociadas e formalizadas, sem instituições económicas inclusivas, e verificando-se, pelo contrário, a predominância de monopólios e de posições de domínio dependentes da arbitrariedade das oligarquias e poderes instalados, a China, tal como a Rússia e boa parte dos países africanos, parte dos asiáticos e sul americanos, ou do Médio Oriente, não poderão competir a prazo com as democracias desenvolvidas do Ocidente.

A teoria de Why Nations Fail revela algumas fragilidades, como, por exemplo, a de não explicar o que leva algumas sociedades inclusivas a, por vezes, verem degradar os seus equilíbrios dinâmicos, regressando aos patamares improdutivos tipicamente impostos e reproduzidos pelas instituições extrativas

Mas não é por falta da resposta a esta questão que o livro deixa de ser, como é, uma estimulante reflexão histórica e conceptual sobre, por um lado, as origens da riqueza partilhada, competitiva e sustentável, e por outro, sobre os estigmas que continuam a tolher a maioria das nações — incapazes de sair da pobreza, do desenvolvimento desigual, da injustiça social, da opressão e da corrupção.

Porque é que a Península da Coreia, a mesma nação e a mesma gente, que uma guerra brutal, entre 1950 e 1953, dividiu ao meio, são hoje dois países tão diferentes — uma ditadura extrema e economicamente miserável, a norte, e uma potência industrial inclusiva, desenvolvida e com evidentes graus de liberdade, a sul? Ou, como foi possível ao Botswana tornar-se numa pérola de liberdade e desenvolvimento sustentável num continente onde o pós-colonialismo deu em geral lugar a réplicas de desigualdade e prepotência por vezes ainda mais trágicas que os antigos regimes coloniais? Porque é que, pergunto eu enfim, Portugal, apesar dos enormes recursos de que dispõe, e das riquezas sem fim que devorou ao longo dos séculos, não foi capaz de se transformar num pequeno país decente e economicamente sustentável? Que nos falta que não falta à Dinamarca, à Suécia, à Suíça, à Áustria, à Holanda, ao Luxemburgo, ou à República de São Marino?

Depois de ler o livro de Daron Acemoglu e James A. Robinson, ficamos a saber muito claramente porquê!

sexta-feira, agosto 17, 2012

É o petróleo, estúpido!

O petróleo está mais caro hoje do que em 2008 :(
Gráfico: Bloomberg, in ZeroHedge

Crescer 3% ao ano é altamente improvável :(

Em 3 de julho de 2008 o petróleo de Brent custava 145,66 dólares, ou 92,76 euros. Em 16 de agosto de 2012 custava 116,90 dólares, ou 94,9835 euros. Recessão? Pois claro!

Estes dados, de que a nossa imprensa não tem dado suficiente conta, e sobre cuja origem venho alertando os meus leitores desde 2005, são tanto mais alarmantes quanto boa parte dos cenários de avaliação e investimento público (Banco de Portugal, Caixa Geral de Depósitos, PPPs rodoviárias e hospitalares, TAP, transportes públicos, autarquias, fundações e observatórios, etc.) foi sendo programada, nomeadamente durante o consulado criminoso de José Sócrates, tendo por referência do custo da energia um preço médio do barril de crude na casa dos 60-70 euros!

Não só não cresceremos a 3%, como alvitra Medina Carreira quando afirma que abaixo desta fasquia o estado social irá à falência (já foi), como nos espera uma longa e assassina depressão. 

Estou convencido que o melhor negócio que aí vem é a importação de fornos de cremação, pois o espaço nos cemitérios começa a faltar por essas aldeias e vilas fora, já para não falar em Lisboa e Porto, onde a cremação se tornou moda e necessidade de há uma década para cá. É bom não esquecer que, segundo a ONU, Portugal poderá ver a sua demografia reduzida em 3,9 milhões de almas até ao fim deste século.


E a verdadeira má notícia é esta: não vai baixar abaixo dos 60-70 euros, nunca mais!

On a euro basis, the spot price for Brent crude oil, a global benchmark, has surpassed its prior record high and set a new record high of 96.53 euros per barrel on March 13, 2012, as the currency exchange rate has declined (see chart above). The prior record of 92.76 euros per barrel was set on July 3, 2008. However, on a U.S. dollar basis, the spot price for Brent crude oil remains under the prior record high of $145.66 per barrel, which was set on July 3, 2008. On March 13, 2012, the Brent crude oil spot price was $126.30 per barrel. 
in "On a euro basis, Brent crude oil spot price surpasses prior record high",  march 28, 2012, eia
As consequências do fim da energia barata, induzida pelo esgotamento há muito previsto do petróleo fino e acessível, e o regresso de múltiplas formas de energia, velhas, novas e super-novas, todas elas caras, são inexoráveis:

  • mudança profunda do paradigma de desenvolvimento da humanidade, 
  • novas vagas de destruição do consumo e do excesso de capacidade produtiva (i.e. desemprego estrutural crescente e duradouro), 
  • depressão económica e episódios de inflação empinada,
  • racionamento de bens essenciais, 
  • empobrecimento acelerado das classes médias, nomeadamente profissionais, 
  • enfraquecimento das democracias, 
  • subida do autoritarismo fiscal, judicial, burocrático e policial, 
  • militarização cibernética de vários países, nomeadamente europeus,
  • conflitos bélicos em larga escala.

Hoje, abaixo dos 60 USD/Brent temos o colapso imediato das economias dependentes da exportação de crude, e acima dos 100 USD/Brent começa a recessão em toda a parte.

Uma das consequências da crise insuperável do modelo de crescimento e desenvolvimento assente numa energia tão poderosa e barata quando foi o petróleo, é o endividamento público e privado das nações, e o provável colapso de muitas delas. Ao contrário do que as minhas imprecações sugerem, a causa da tragédia que se desenrola diante de todos é sistémica, e só em parte pode ser agravada ou mitigada pelas abomináveis criaturas que nos governam. Esta derrocada, de que estamos a conhecer desde o despedimento de Sócrates a fase de falência anterior à bancarrota, irá desorganizar o aparelho do Estado, convocando cenários previsíveis de colapso social, seguidos de respostas que poderão, uma vez mais, assumir contornos militares. É o que sucederá quando os tribunais, as repartições de finanças e as polícias deixarem de funcionar em termos minimamente aceitáveis.

Embora sejamos impotentes para sustar a tragédia que se aproxima como um ciclone devastador, depende de nós, e só de nós próprios, unir ou dividir ainda mais a sociedade na frente que é urgente criar para resistir ao impacto global que o pico do petróleo terá em todo o mundo. Uma cidade com construções anti-sísmicas bem feitas e regulamentos rigorosos a que ninguém se pode eximir resistirá sempre melhor do que uma tribo dividida, corrupta e desorganizada.

É disto que se trata quando proponho com carácter de urgência uma Nova Constituição e uma sociedade simultaneamente mais coordenada e descentralizada.

domingo, agosto 12, 2012

O Pico da Ponte 25A

Fertagus, empresa privada de comboios liga com sucesso as duas margens da Grande Lisboa
Foto ©Andre Ferreira, Comboios.org

Com o petróleo definitivamente acima dos 100 dólares, e a caminho do patamar dos 120, e depois 150, 200..., acabou-se a festa automóvel e rodoviária. Tempo para o transporte público elétrico inteligente, sustentável e de “altas prestações”!

Os combustíveis em Portugal, de 2005 para 2011, tiveram um aumento médio de 35% para a gasolina, e de 46% para o gasóleo.

No mesmo período, o tráfego na Ponte 25 de Abril caiu 8,3% — 156 mil veículos/dia no ano de 2005, 155 mil em 2006, 155 mil em 2007, 153 mil em 2008, 143 mil em 2011. Esta queda deu-se já depois do sucesso verificado na travessia ferroviária proporcionada pela Fertagus, que quase duplicou entre 2000 e 2006.

Estas e outras conclusões resultam de mais um dos incisivos artigos de Rui Rodrigues sobre as alternativas inteligentes ao bordel da despesa pública excessiva e irracional que alimenta a burguesia rendeira do regime — praticamente a mesma que serviu o Salazarismo (1), embora muito mais pesada desde que corrompe o insaciável e tragicamente incompetente sistema partidário montado sobre os destroços da ditadura.
“Segundo um estudo sobre a terceira travessia rodoviária do rio Tejo, encomendado pela própria Lusoponte, no ano de 2005, a situação sobre o tráfego na Ponte 25 de Abril era a seguinte:

- Os utilizadores desperdiçavam 320 milhões de Euros, por ano, em combustíveis, para além do que ocorreria numa situação normalizada de tráfego;

- Cada utilizador gastava diariamente uma a duas horas a atravessar a Ponte, dependendo do número de acidentes, que já se aproximava da média de três por dia, o que correspondia a 160 mil horas/dia, ou a 58,4 milhões de horas/ano para o total dos utilizadores da Ponte.

- Em média e anualmente, eram lançadas na atmosfera 350 mil toneladas de dióxido de carbono (CO2) para além do que ocorreria numa situação normalizada de tráfego.

No mesmo estudo, concluía-se que na hora de ponta da manhã, no sentido Sul-Norte, a relação Volume de tráfego/Capacidade era, no ano de 2000, VT/C = 140% (1 hora de espera diária). Previa-se no referido estudo que, em 2007, VT/C = 159% (1,5 horas de esperas diárias). Em 2017, VT/C = 190% (2,3 horas de esperas diárias).

O estudo concluía que a resolução do problema passaria pela construção de uma terceira travessia rodoviária Algés-Trafaria. Estes dados estimados pela Lusoponte, em 2005, são muito interessantes e permitem avaliar com mais precisão o que mais tarde veio realmente a ocorrer.”
A prova do "erro" dos entusiastas da Terceira Travessia Rodoviária. Crise económica e Fertagus estagnam tráfegos nas duas pontes sobre o Estuário do Tejo

Entretanto…
“Em 1999, entrou em funcionamento o comboio na Ponte 25 de Abril, que permitiu criar uma nova ligação ferroviária entre as duas margens do rio Tejo, efectuando actualmente a conexão desde Setúbal (margem sul de Lisboa) até ao Areeiro (margem Norte), tendo o tráfego quase duplicado de 11,6 milhões de passageiros, no ano 2000, para 21,4 milhões em 2006 (mais 84,4%).”

“O projecto da circulação ferroviária na Ponte 25 de Abril melhorou a mobilidade entre as duas margens do Rio Tejo, criou centenas de postos de trabalho, directos e indirectos e beneficiou o ambiente por ter retirado 20 mil veículos na Ponte tendo permitido, além disso, economizar tempo e dinheiro aos 80 mil passageiros/dia deste novo meio de transporte, com uma pontualidade de 99,2%. Provavelmente, foi um dos melhores investimentos efectuados em Lisboa em termos de acessibilidades.

(…)

Se fossem comprados mais comboios, seria possível aumentar o número de passageiros de 80 mil para 120 mil, por dia. Tendo em conta que, na região de Lisboa, em média, cada viatura transporta 1,2 passageiros, o aumento de pessoas transportadas por via-férrea, na ponte, poderia diminuir o número de carros em muitos milhares. Esta opção seria muito mais barata, simples e eficaz do que construir uma nova travessia rodoviária.”

in Filas na Ponte 25 de Abril consomem 320 milhões de Euros em combustível, Rui Rodrigues, Público, 11.08.12 - 07:20

Energy Return on Energy Invested (ERoEI), in The Ultimate Pyramid.

Não se creia, porém, que o otimismo idiota sobre o futuro radioso do crescimento, alimentado nas duas últimas décadas pela especulação financeira e pelo aumento populista da massa monetária global, os quais conduziram a um endividamento exponencial das nações e, desde 2008, ao colapso do crédito nos EUA, no Japão e na Europa, nada tem que ver com a inépcia e a corrupção no nosso burgo lusitano, ou nos PIIGS. Na realidade, como neste lúcido artigo de Pater Tenebrarum se escreve:
“In the euro area, this method of overnight rate targeting has produced roughly a 130% expansion of the true money supply in the first decade of the euro’s existence – about twice the money supply expansion that occurred in the US during the ‘roaring twenties’ (Murray Rothbard notes in ‘America’s Great Depression’ that the US true money supply expanded by about 65% in the allegedly ‘non-inflationary’ boom of the 1920’s).

This expansion of money and credit is the root cause of the financial and economic crisis the euro area is in now. This point cannot be stressed often enough: the crisis has nothing to do with the ‘different state of economic development’ or the ‘different work ethic’ of the countries concerned. It is solely a result of the preceding credit expansion.”

in Pater Tenebrarum, The ‘Maturity Crunch’ (Acting Man, August 9, 2012)
O pico do petróleo, isto é, o fim do petróleo barato e de boa qualidade, que por sua vez induz o encarecimento inexorável de quase tudo — do petróleo pesado ao gás natural, passando pelo preço da água, das matérias primas e alimentares, até chegar finalmente ao preço do.... dinheiro— está na origem da iminente e catastrófica crise sistémica do Capitalismo!

É também por este motivo que as imparáveis doses de metadona financeira são cada vez menos eficazes, e o motor do crescimento afoga a cada subida do Brent, ou a cada desvalorização do dólar... e agora também do euro, frutos da expansão inflacionista da massa monetária destinada a impedir a cada vez mais provável rotura das redes de segurança social instaladas pelo Welfare State. Se estas ruírem, o colapso puro e duro de todo o sistema financeiro, económico, social e político do Ocidente será inevitável.

Os gráficos não mentem...

Bridgewater: os estímulos monetários produzem cada menos efeito no crescimento

De facto, como se lê no estudo da Bridgewater comentado pela ZeroHedge, os grandes especuladores e sobretudo os bancos têm sido protegidos da crise e até, nalguns casos, beneficiados com a mesma, mas não a economia, que parece ter entrado num lago de estagnação cujos limites estão cada vez mais longe.
The three contractions in global growth that have occurred since the financial crisis were offset by heavy blasts of fiscal and monetary stimulation by global governments and central banks. But each wave of support has also had less impact on global conditions than the previous wave. We remain concerned that the ability of those policy responses to stabilize the situation is diminishing. The third wave stabilized global growth after last summer’s dip and allowed for the bounce in global conditions and markets over the early part of this year – but its impact on global conditions was more modest than that of earlier waves of stimulation. As the third wave has ended, global growth has again rolled over.

— Bridgewater, in It's A Centrally-Planned World After All, With Ever Diminishing Returns, ZeroHedge, 08/11/2012 11:54.

Mesmo que a energia baseada na fissão dos núcleos atómicos do Tório fosse uma alternativa à energia nuclear baseada no Urânio, temos dois problemas eventualmente irreparáveis: as primeiras centrais nucleares de Tório integradas nas redes elétricas existentes nunca estariam operacionais antes de 2027-2030, e mesmo que estivessem, até lá, a probabilidade de resolver o problema da preponderância dos combustíveis líquidos no paradigma energético dominante desde 1930 parece muito baixa.

Quanto às ditas energias renováveis, além de caras e de se aproximarem rapidamente do seu pico de sustentabilidade, representam uma percentagem quase ridícula das necessidades diárias de energia à escala mundial.

Só há, assim, um caminho: reduzir os consumos! 

A eficiência energética será uma oportunidade de negócio irrecusável. Mas ainda assim, insuficiente. O mundo depois de 2015, 2020, ou no limite 2030, não passará sem racionamento de energia, o quer dizer, sem racionamento alimentar, sem uma dramática destruição do poder de compra das populações e mais do que provável destruição da classe média tal como a conhecemos ao longo do último meio século, o empobrecimento geral das populações e fome em larga escala — com o seu cortejo de pandemias e guerras.

Na pior das hipóteses haverá uma quebra súbita e brutal na curva de crescimento demográfico mundial, como previu Thomas Malthus em 1798, ao publicar An Essay on the Principle of Population. Falta saber qual será a causa eficiente de tal colapso demográfico. Uma III Guerra Mundial? Há que afirme a pés juntos que já está em marcha.


NOTAS
  1. Enquanto o IVA subiu para os 23% em muitos produtos essenciais, nomeadamente alimentares, ou ainda nas portagens das autoestradas, já nas portagens da Ponte 25A e Vasco da Gama, ambas administradas pela Mota-Engil/Lusoponte, permanecem a 6%. O motivo é óbvio: não prejudicar os lucros estimados deste escandaloso e intolerável monopólio. O génio da coisa, Joaquim Ferreira do Amaral, foi várias vezes ministro laranja neste regime, e depois administrador da Lusoponte. A empresa passou entretanto de mãos, para a Mota-Engil, comandado por outro génio deste regime e grande timoneiro do partido hoje chefiado pelo Jota Tó Zé Seguro, Jorge Coelho — "Quem se mete com o PS, leva!"

POST SCRIPTUM

Um vídeo conhecido mas oportuno  sobre o Peak Oil

quarta-feira, agosto 08, 2012

Espanha, uma bomba-relógio

Este é porventura o mapa mais terrível da Europa em 2011 :(

Cortar o rabo (Espanha) e duas orelhas (Grécia e Irlanda) à Europa, só depois de morta!

It's also interesting to see how unemployment often does not follow national borders. Northern Italy, for example, seems to have more in common with the German-speaking area of Europe than with southern Italy. Sometimes, however, the national borders make a big difference, e.g. between Spain and Portugal. The European Unemployment Map, in Flute Thoughts (2012-08-07).

Se a Alemanha deixar cair a Grécia, acender-se-à o rastilho de uma verdadeira bomba-relógio chamada Espanha. É que em cima das dívidas que não param de crescer e aparecer de onde declaradamente não existiam —por exemplo, da rica Catalunha e da flamejante Comunidade Valenciana— o explosivo nível de desemprego no país vizinho mostra que o paraíso das autonomias que o mundo conheceu nas últimas três décadas poderá, de um orçamento de estado para o outro, desaparecer. O mapa dramático do desemprego é o mapa de uma Espanha de novo dividida em duas, onde a Esquerda e a Direita continuam a expor feridas dolorosas que não cicatrizam.

Longe vá o agoiro, mas à medida que a situação piora, e não tem deixado de piorar desde 2008, a nossa apreensão, enquanto país cujo grau de aproximação económica, financeira e cultural a Espanha nunca foi tão intensa, só poderá aumentar. Alguns dos meus grandes amigos são espanhóis, da Galiza, da Extremadura, das Astúrias, de Madrid, de Sevilha, de Barcelona. Temo, com eles, o que aí vem.

Sabemos todos que as mudanças democráticas na Ibéria (como na Grécia) foram superficiais, que debaixo das novas formas institucionais democráticas, o estado autoritário das elites financeiras sem concorrência, das elites rendeiras, das burocracias familiares, das corporações empresariais, profissionais e sindicais, continuou estruturalmente intacto, apesar dos novos sistemas representativos adoptados depois das quedas das ditaduras e ditadores nos idos anos setenta. Os partidos políticos, depois de capturados pela velha cultura das encomiendas, tornaram-se os novos veículos de uma inércia institucional antiga, de onde os velhos poderes não só não foram arredados, como cresceram em poder e sofisticação.

Em Portugal, por exemplo, o espírito medieval da espoliação plasma-se ainda e escandalosamente no modo quase pueril como os corruptos governos da indigente e demo populista democracia que temos encarregam o quase monopólio que fornece energia ao país —a EDP— de cobrar impostos dissimulados e taxas através das faturas emitidas mensalmente aos seus clientes. Que a EDP seja hoje uma empresa maioritariamente controlado pelo estado chinês não preocupa nada a burguesia compradora local, quem nos governa, e muito menos os narcisos partidários que diariamente se exibem nos múltiplos canais de propaganda do regime.

Não vale pois a pena esconjurar os males históricos que persistem e que são nossos, a nossa comum menoridade institucional, isto é, a falta de verdadeiras democracias na Ibéria, com teorias da conspiração sobre a Alemanha, de quem esperamos como coisa natural, que não é, a qualidade, robustez e fiabilidade dos seus produtos. E já agora não convém esquecer que a Alemanha é a última interessada na expulsão dos PIIGS. Seria preciso que as elites corruptas, o atavismo burocrático e as corporações oportunistas destas democracias enviesadas fossem completamente imutáveis para que tamanho desastre se tornasse inexorável. Por enquanto existem forças de mudança que podem fazer a diferença.

Uma explicação clara sobre o interesse alemão na defesa do euro e da unidade europeia decorre da sua dependência do grande mercado interno comunitário. Este, a transformar-se num mercado externo, acabaria por prejudicar seriamente as exportações alemãs. Como escreve Charles Hugh Smith, “Germany [...] aligned its largest import market, Europe, with its own currency.”

Mais esta citação:

There is a terrible irony in export-dependent nations being viewed as “safe havens.” Their safe haven status pushes their currencies higher, which then crushes their export sector, which then weakens their entire economy and stability, undermining the very factors that created their safe haven status.

As long as Germany stays within the Eurozone, Japan is the primary example of this dynamic. Should Germany leave the euro and return to its own currency, it too will begin orbiting the financial black hole of declining exports driven by a strengthening currency in a global recession.

Charles Hugh Smith
While All Eyes Are on Europe, Japan Circles a Black Hole (August 7, 2012)

Os que genuinamente lutaram contra as ditaduras e desejaram a democracia na península ibérica já não têm forças suficientes para lutar. E os mais novos, que julgam viver em plena e saudável democracia, acabam de descobrir, espantados, uma realidade inesperada que mal conseguem perceber e contra a qual ainda não estão preparados para lutar. É aliás mais provável que emigrem antes de pensarem mudar os estados falhados onde afinal viveram até agora sem o saberem.

Esperam-nos a todos tempos difíceis. Mas por enquanto, repito, ainda existem algumas forças de mudança que podem fazer a diferença. Assim as saibamos reunir!


Última atualização: 8 agosto 2012 10:03

segunda-feira, julho 30, 2012

Bolha chinesa à vista

Do tigre de papel ao leão de peluche?
Foto © ?

Sombras sobre Beijing e Xangai
Factual data point after factual data point is indicating more than a little stress in the Chinese economy (and the Asian engine of growth in general). Whether it is bank loan losses escalating, shadow-banking stress, real-estate corruption, dismal retail spending, the shrinking textile industry, the artificial production in the crushingly slow metals industry , the construction industry’s contraction, or the massive ‘50%-above-demand’ channel-stuffing now occurring in the Chinese auto market, Diapason Commodity’s Sean Corrigan succinctly notes: “China bulls will not heed any of this, of course, for they are prisoners of the nested illusion that all increases in outlay represent genuine growth (cf, Occidental property bubbles) and that higher growth must imply greater profitability. They will also argue, on any uptick in the macro numbers, that the worst is not only behind us, but that it has been more than fully priced in.” Given a picture paints a thousand words, Asian trade volumes have ended their rebound and are exhausted.

“The Unbearable ‘Factual’ Lightness Of The Chinese Economy”, ZeroHedge.

Os gráficos não enganam! Bloomberg.


Salvo no desporto olímpico, parece que o Milagre Chinês está a revelar-se mais um balão cheio de ar :(

Eu estive três vezes na China desde 1999, e a verdade é que tendo eu um fraquinho pelo país (nasci em Macau, noblesse oblige), não posso deixar de constatar que as notícias que reiteradamente me chegam daquelas paragens são cada vez menos animadoras :(

Num certo sentido, o crescimento tumultuoso da China tem dois pontos em comum com as bolhas de desenvolvimento frágil ocorridas, por exemplo, na Espanha e nos Emiratos Árabes Unidos: inundações de capital barato (oriundo de exportações, de investimento especulativo e/ou de fundos comunitários) e trabalho barato  (no caso dos Emiratos, a mão-de-obra sobre-explorada e sem direitos veio/vem da Índia e sobretudo do Paquistão; no caso da Espanha, veio das antigas colónias americanas e do Magrebe; e no caso da China, veio e vem das suas províncias rurais interiores).

Como todas estas economias dependeram e dependem de exportações baratas e raramente criativas (manufacturas, serviços e matérias primas) para o Ocidente, a inversão agora verificada dos ritmos de expansão destes milagres económicos encontra-se estreitamente correlacionada com o colapso em curso das economias, do sistema financeiro e das sociedades afluentes e consumistas do Ocidente.

Se os especuladores pensavam poder deixar a América e a Europa em chamas e abrir novos paraísos de corrupção na Ásia, enganaram-se!

domingo, julho 22, 2012

Depois do colapso


Ouçam-na! 

Carlota Perez defende que uma nova Idade do Ouro pode estar ao virar da esquina. Depende de nós, de uma boa teoria económica, de revisitar a história das crises dos últimos duzentos anos, e de passar da ajuda intensiva aos bancos e ao capital (já chega!), para o lado da economia e das pessoas.




As notícias de Espanha e de Itália confirmam os cenários previstos e anunciados por vários analistas sobre o colapso financeiro e social em curso desde 2007, dos Estados Unidos à Europa. Depois da deflação, que continua, e das bolhas imobiliárias, assistimos desde finais de 2011 à formação de uma monumental bolha de dívidas soberanas, de momento e aparentemente fora de controlo.

Os governos precisam de cada vez mais dinheiro, para pagar aos funcionários públicos, acudir ao crescente exército de desempregados e de trabalhadores precários, assegurar a manutenção do estado social, e remunerar os custos cada vez mais pesados dos serviços das suas dívidas públicas. No entanto, o dinheiro esfumou-se! As suas fontes principais têm sido, desde há pelo menos vinte anos a esta parte, a expropriação da poupança do trabalho e da indústria pela via da destruição das taxas de juro e da inflação escondida,  e o casino financeiro da globalização. Ambas, porém, secaram ou sucumbiram perante a impossibilidade objetiva de viver muito mais tempo com juros negativos, com moedas que disputam entre si o carry-trade da desvalorização competitiva, ou de poder fechar o abismo que entretanto separa a riqueza criada pelo mundo e o valor nocional do mercado altamente especulativo dos chamados derivados OTC — criado, sem rei nem roque, pelo chamado shadow banking (hedge funds, etc.)

Este buraco negro, onde produtos como os Collateralized debt obligations (CDOs), os Credit default swaps (CDS), ou os Interest rate swaps, etc., supostamente defendem as arriscadas operações de financiamento especulativo de investidores públicos e privados, ultrapassa já os 700 biliões de dólares (7x10E12 USD), ou seja, qualquer coisa como doze vezes o PIB mundial. Haverá um momento, em breve, certamente explosivo, em que os governos corruptos e demo-populistas acabarão por ter que romper o cordão umbilical que os liga às tetas bancárias e aos banksters de quem há demasiado tempo dependem e a quem há uma eternidade servem!

A especulação bolsista entrou em derrapagem, os bancos comerciais caíram rapidamente na armadilha da insolvência publicamente assistida, deixou de haver confiança, até nas transações interbancárias, em suma, o crédito morreu — excepto, durante um breve período, que ainda decorre, para os governos que, ou escrituram mais moeda a partir do nada, gerando desta forma mais dívida pública insustentável, ou, como tem vindo a suceder na União Europeia, servem-se dos bancos privados para substituir os mercados que deixaram de responder às emissões obrigacionistas, induzindo-os a comprarem eles próprios dívida pública a juros e rentabilidades cada vez mais especulativas, com dinheiro que, por sua vez, o BCE empresta aos bancos praticamente sem juros, pedindo aos ditos bancos comerciais apenas duas coisas: colaterais soberanos, que são cada vez mais débeis, ou mesmo surrealistas, e a recapitalização daqueles bancos desfalcados de reservas minimamente suficientes e confiáveis face ao ambiente imprevisível e caótico que é hoje a finança mundial.

Alguém terá em breve que dar um grande murro na mesa, ou então a insolvência dos bancos, dos governos e das pessoas conduzirá o mundo para um beco sem saída. Da última vez que tal ocorreu, refiro-me à Grande Depressão que se seguiu ao colapso bolsista de 1929, a Europa acabaria por mergulhar nos terrores e horrores do Fascismo e de uma Guerra Mundial que ainda hoje, mais de meio século depois, não deixa dormir muita gente.

Carlota Perez (sítio web) mostra a saída para mais esta grande crise do Capitalismo moderno.

Tal como Steve Keen (sítio web), acredita que há soluções para superar o inacreditável atavismo dos poderes instituídos nas falsas respostas que têm vindo a dar a esta crise sistémica. Seguindo as ideias originais destes dois autores, cito e recrio livremente algumas das suas principais propostas.

  • É preciso afastar a viciada finança dos casinos montados pelo shadow banking. Para aqui chegarmos, é necessário ter a coragem de começar por impor um custo fiscal aos ganhos de capital, com taxas comparáveis às que se impõem aos rendimentos das empresas produtivas e aos rendimentos do trabalho, e uma aplicação universal, quer dizer, à escala do próprio mercado globalizado dos mercados financeiros (uma solução, portanto, oposta ao proteccionismo e às guerras financeiras entre países).
  • É preciso desenhar e aplicar um esquema inteligente de perdão sustentado das dívidas das pessoas e das empresas produtivas, a par do refinanciamento da economia real, de quem investe e de quem trabalha.
  • É preciso estudar, desenhar e lançar uma reforma inovadora das instituições públicas e governamentais de modo a livrá-las da presente captura por parte de burocracias partidárias indesejáveis, e das máfias financeiras, adequando-as aos paradigmas de uma nova era dourada — assente na eficiência energética e uso reciclável dos recursos limitados à nossa disposição, na ecologia e numa cultura espiritual alargada, fundada no enorme potencial das novas tecnologias de representação e transporte virtual da realidade.
  • É preciso levar a cabo uma redefinição e uma reorientação estratégica da função dos estados e dos governos, tendo por objetivo um aumento radical da sua eficiência cognitiva, organizativa, energética e tecnológica.

Esperamos, no entanto, as mais fortes e destrutivas resistências da parte dos poderes instalados, sejam eles oriundos da instituição financeira, dos monopólios rendeiros, das burocracias paralisadas pelo medo, ou dos próprios partidos políticos — das esquerdas às direitas parlamentares.

As ONGs e a Blogosfera têm desempenhado um importante papel na denúncia do que é obsoleto e corrupto, mas também no anúncio das oportunidades que um novo ciclo civilizacional nascido da presente crise sistémica poderá trazer à humanidade. O seu contributo passado, presente e futuro é inestimável. No entanto, creio que o surgimento de novos partidos políticos, tecnicamente bem apetrechados e com critérios de exigência deontológica e ética de outro calibre, e sobretudo sem os vícios burocráticos que os privilégios induziram na generalidade das forças partidárias que se eternizaram de modo descaradamente imobilista nos regimes demo populistas europeus e americanos, poderá fazer toda a diferença!

sábado, julho 14, 2012

Banksters e ogres

Le Petit Poucet (o pequeno polegar), Gustave Doré (1832-1883) illustração. in Wikipedia.

Há uma lógica intrinsecamente assassina na luxúria financeira

Con menos de la mitad de la fortuna de los ricos se pagan las deudas de la Eurozona

“Economistas alemanes abogan por que los mas adinerados contribuyan a resolver la crisis de la zona del euro obligándoles a comprar deuda pública, o, como alternativa, estableciendo un impuesto temporal que grave las grandes fortunas.”

“Con menos de la mitad de la fortuna de los ricos, concretamente, con el 40% de su patrimonio, se podría pagar la totalidad de la deuda que acumulan los estados que comparten el euro.”

“La discusión en Alemania tiene su origen en las propuestas presentadas por el prestigioso Instituto Alemán de Estudios Económicos (DIW) de Berlín para que los mas adinerados contribuyan a resolver la crisis de la zona del euro, entre ellas la de la compra forzosa de deuda pública.”

in Público.es

Se 99% da população europeia está a ser progressivamente expropriada de mais de 30% da sua poupança, sob a forma de confisco fiscal, desemprego em massa, inflação dissimulada e desvalorização de ativos, não percebo porque é que este sacrifício não pode ser melhor redistribuído, abrangendo também os 1% de ricos e muito ricos desta envelhecida e decadente Europa.

Mas percebo isto: sem uma enorme pressão popular e em particular das classes médias profissionais, o confisco fiscal e o desemprego em massa prosseguirão, pois os poderes políticos-partidários, legitimados pela preguiça e por uma inacreditável ingenuidade democrática dos povos, foram na sua grande maioria capturados pela armadilha do endividamento, e as criaturas que os exercem são quase sempre mordomos e motoristas atentos e obrigados da grande cleptocracia financeira gerada pela dita "globalização".

Os banksters, que são a versão financeira pós-moderna dos míticos ogres retratados magistralmente por Gustave Doré, não deixarão a sua posição dominante se não à força de novas leis, várias condenações em tribunal, e até alguns encontrões na praça pública.

Por sua vez, as criaturas que simultaneamente exercem o poder e estão na folha de pagamentos da cleptocracia pós-moderna também não desistirão das suas posições privilegiadas enquanto não forem expostos e corridos de onde estão pela fúria democrática que, felizmente, cresce dia a dia.

Se a concentração financeira e a substituição tecnológica do trabalho vieram para ficar, então teremos que rever de alto a baixo o Contrato Social. Colocar o mundo inteiro no desemprego, obrigando-o a pagar as dívidas impostas pelas malhas da especulação montada pelos ogres da globalização é o mesmo que regressar à escravatura e ao arbítrio ilimitado e Kafkiano do poder. A pouco e pouco vamos todos percebendo que é urgente reagir e parar a luxúria insaciável e assassina dos novos ogres.

99% da população europeia corre sérios riscos de cair numa servidão pior do que a servidão da gleba, pois agora já nem um pedaço de terra temos para cultivar as couves, o feijão, o milho e as batatas!

O Capitalismo, como sempre, entrou num período sujo e sangrento de destruição dos excessos de capacidade produtiva e de produção, acrescido agora de um extraordinário excesso de endividamento geral em consequência do acumular de bolhas especulativas engendradas e impostas pelos banksters de Wall Street e da City — Goldman Sachs, JP Morgan, Morgan Stanley, Bank of America, Citibank, HSBC, e alguns mais. Só que desta vez exagerou, e o tiro acabará por sair-lhe pela culatra.

O Capitalismo pensava que tinha dominado finalmente os efeitos indesejáveis da Revolução Francesa. Mas engana-se. As novas guilhotinas populares poderão surgir de um momento para o outro, em qualquer lugar, e alastrar como fogo na pradaria num dia de vento! Até agora, alguns piratas financeiros já foram de cana, nomeadamente nos Estados Unidos. Não tardaremos a saber de fuzilamentos na China a este mesmo propósito. E na Europa, a procissão popular contra o esbulho só agora começou. Temos, pelo menos, mais uma ou duas décadas de fúria cumulativa pela frente.

Seria, no entanto, conveniente fazer desta fúria um momento construtivo e de inovação civilizacional, em vez de repetirmos os erros e as litanias igualmente assassinas dos epígonos miseráveis do marxismo. Se formos por aqui, persistindo na fé que muitos temos mantido na dita Esquerda, esperam-nos apenas tempos de destruição em massa :(

Se, pelo contrário, aproveitarmos o potencial das novas redes tecnológicas e sociais,  e a cultura cosmopolita e conhecimentos técnicos acumulados ao longo dos últimos cinquenta anos, veremos que o potencial de acomodação da presente crise sistémica do Capitalismo, e sobretudo da sua superação para um patamar civilizacional mais equilibrado e sustentável, sem perder, nem a liberdade, nem a democracia, abre cenários de criatividade social a uma escala nunca vista, nem experimentada.

A globalização dos ogres pós-modernos tem que ser substituída por uma globalização verdadeiramente humana e panteísta.

quinta-feira, julho 12, 2012

O precipício

Charles Hugh Smith resume neste gráfico o fim do "sonho americano"

Paulo Portas, otimista, verberou a insaciável e demagoga "esquerda" sobre a metáfora do precipício do endividamento. Mas a verdade é que ainda não demos um passo atrás. Continuamos no ar como o coiote americano!

A classe média americana está a pedalar no vazio centrífugo da sua impagável dívida. Lembram-se do Wile E. Coyote (mais conhecido pelo Road Runner), de Friz Frelend/WB, a pedalar no ar, antes de se precipitar a grande velocidade pelo desfiladeiro abaixo nas Montanhas Rochosas? Pois foi esta a excelente metáfora encontrada por Charles Hugh Smith para ilustrar a dramática situação da classe média americana.

Nos EUA, na Europa, no Japão (pioneiro nesta desgraçada depressão) e até na China as taxas de juro de referência praticadas pelos bancos centrais não têm parado de descer, estão próximas do zero no Japão, EUA e Europa, e nalguns casos mesmo, abaixo de zero (como já sucedeu numa recente colocação de dívida alemã); os ativos-fantasma dos bancos estão a ser transformados em capital de reserva puramente virtual, ou melhor dito, fraudulento. Resultado: a dívida da classe média, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa, pois no Japão a classe média já morreu, e na China poderá vir a revelar-se um nado-morto, disparou para níveis catastróficos :(

Os gráficos do artigo de Charles Hugh Smith, The Global Economy: It's All About Increasing Leverage  (July 10, 2012), embora relativos apenas aos EEUU refletem uma situação aflitiva que não é muito diferente da existente, e que se agrava dia a dia, na Europa

“…the incomes of 90% of American households has gone nowhere for the past 40 years.”

(…)

The same reliance on leverage has occurred in China, Japan, Europe and the U.S.
The entire global economy’s “growth” was based on increasing leverage. That machine has soared off the cliff, and now the Empire’s global army of toadies is desperately attempting to mask this reality by substituting phantom assets for actual capital.

They can't do anything about lowering interest rates, though; that mechanism has already been maxed out as rates approach zero.”

O Capitalismo da abundância morreu, e morreu por duas razões:
  1. porque acabou o petróleo barato, e em geral as boas terras agrícolas, as sementes e as matérias primas a bom preço, num mundo muito desigual e que cresce, na economia, no consumo e na demografia, de forma caótica e insustentável;
  2. e porque, na luta contra a queda tendencial da taxa de exploração e consequente procura incessante de trabalho barato, o Capitalismo forçou as ricas economias americana e europeia (corrompendo para tal as respetivas nomenclaturas políticas e burocracias) a perderem as suas bases industriais, nomeadamente deslocalizando-as para as suas antigas colónias e protetorados asiáticos, latino-americanos e africanos.

Deste declínio imparável do Ocidente resultará em breve um grande conflito à escala planetária, pois não creio que as classes médias americanas e europeias se deixem pura e simplesmente liquidar pelos 0,5% de abutres contabilizados. E a razão é simples: as democracias industriais e tecnológicas, tais quais as conhecemos, foram imaginadas e desenhadas pelas e para as classes médias que somos e conhecemos, pretendendo nós, pelo menos no plano das intenções e da ideologia, que a democracia, o crescimento, a solidariedade social e a cultura fossem bens progressivamente acessíveis à esmagadora maioria das populações e das sociedades banhadas pelo "progresso" e pela "modernidade". Sem nós o mundo do conhecimento, da técnica, do consumo e do espectáculo pura e simplesmente deixará de existir. E se tal acontecer, os 0,5% que arrecadam mais de cinco ou seis milhões de dólares, libras, francos ou euros por ano esfumar-se-ão também no meio da tempestade. Alguns mesmos perderão as suas lindas cabeças pelo caminho!

A minha recomendação à classe média portuguesa continua, pois, a ser a mesma: livrem-se das dívidas que poderão não conseguir pagar daqui a uns anos, vendam o que não tem futuro (papel bolsista, casas em zonas deprimidas e afastadas dos centros urbanos com alguma vitalidade), e invistam parte das poupanças em imobiliário nos centros urbanos em crescimento demográfico (Cascais, Sintra, Setúbal, Lisboa...), sobretudo comprando boas casas a bom preço, bem situadas e servidas de transportes e serviços, que precisem de algumas obras, mas não demasiadas, e comprando ainda quintas e quintinhas com água e potencial agrícola, frutícola, florestal, a menos de 100Km das principais cidades e vias de comunicação ferroviária e rodoviária. E, já agora, comprem ouro e prata (em barra e moedas), pois o dinheiro vale cada vez menos a cada mês, semana e dia que passam :( E já agora organizem-se! Em grupos profissionais, em grupos de interesse, em tertúlias culturais, e em novos partidos, pois os que existem estão mortos, jazem e apodrecem, como ontem pudemos constatar no caricato debate da nação.

A situação é trágica, mas convém manter algum sentido de humor e criatividade no meio do naufrágio em curso...



POST SCRIPTUM
According to the conventional account, the Great American Middle Class has been eroded by rising energy costs, globalization, and the declining purchasing power of the U.S. dollar in the four decades since 1973. While these trends have certainly undermined middle-class wealth and income, there are five other less politically acceptable dynamics at work:

1—The divergence of State/private vested interests and the interests of the middle class 
2—The emergence of financialization as the key driver of profits and political power 
3—The neofeudal “colonization” of the “home market” by ascendant financial Elites 
4—The increasing burden of indirect “taxes” as productive enterprises and people involuntarily subsidize unproductive, parasitic, corrupt, but politically dominant vested interests 
5—The emergence of crony capitalism as the lowest-risk, highest-profit business model in the U.S. economy.

in “Middle Class? Here’s What’s Destroying Your Future | Why it’s harder than ever to build wealth” by Charles Hugh Smith Wednesday, July 11, 2012, 8:36 PM

Ao contrário do que possa parecer, este não é um problema só americano, mas também europeu, e porventura mundial — pelo menos onde existem classes médias. As democracias ocidentais foram literalmente capturadas por novas elites financeiras que por sua vez trazem no bolso a corja partidária que disputa e ganha eleições.

Última atualização: 12 julho 2012 21:16

domingo, junho 24, 2012

O anti Bernanke

Ben Bernanke (Foto: Manuel Balce Ceneta/AP)

Alguém que traduza isto, do inglês para português, e do calão económico para linguagem simples que qualquer autarca ou governante da Tugolândia entenda. No essencial, o que Michael J. Burry diz sobre a América vale para todos nós.


Nem pedófilos, nem piratas económicos foram até agora presos no meu país. É um péssimo sinal. Um sinal de que o Salazarismo afinal não morreu — adormeceu, mas manteve-se no essencial. Continuamos a ter um regime burocrático, paternalista e autoritário, onde o poder se reproduz biologicamente como uma confederação indolente de famílias e clientelas, apesar do partido único ter dado lugar, no mesmíssimo Palácio de São Bento, à reiteração de um estado parasitário secular, embora com mais algumas cores partidárias. O respeito pelo regime é o mesmo, mas o número de beneficiários aumentou tão desmesuradamente que abriu falência. Enquanto não desfizermos este monstro a golpes de transparência, não iremos a parte alguma.

O "crescimento" de que falam Passos de Coelho e inSeguro é um embuste servido em bandeja de prata pela imprensa indigente e mendicante que temos (ver o Expresso deste fim-de-semana).

Do que ambos estão na realidade a falar, sob o pretexto de irrigar a economia e promover o crescimento, é de algo bem diferente: continuar a confiscar o país, destruindo a sua economia antiga e sobrevivente, em nome da perpetuação da partidocracia vigente e da imensa mole de funcionários públicos e equiparados que a sustenta eleitoralmente.

A nossa sorte, no meio do azar, é que a Alemanha já não pode, mesmo que quisesse (e não quer!) continuar a alimentar burros a Pão de Ló.


POST SCRIPTUM

ALAN GREENSPAN, the former chairman of the Federal Reserve, proclaimed last month that no one could have predicted the housing bubble. “Everybody missed it,” he said, “academia, the Federal Reserve, all regulators.”

But that is not how I remember it. Back in 2005 and 2006, I argued as forcefully as I could, in letters to clients of my investment firm, Scion Capital, that the mortgage market would melt down in the second half of 2007, causing substantial damage to the economy. My prediction was based on my research into the residential mortgage market and mortgage-backed securities. After studying the regulatory filings related to those securities, I waited for the lenders to offer the most risky mortgages conceivable to the least qualified buyers. I knew that would mark the beginning of the end of the housing bubble; it would mean that prices had risen — with the expansion of easy mortgage lending — as high as they could go.

Michael J. Burry in "I Saw the Crisis Coming. Why Didn’t the Fed?", April 3, 2010, The New York Times.

Ao contrário do que se possa pensar, Michael J. Burry não é mais um especulador qualquer, que faz das suas "teorias" artilharia para convencer os clientes. Em primeiro lugar, MJB fechou o seu hedge fundScion Capital—, o qual lhe rendeu em menos de oito anos (nov. 2000 a jun. 2008) mais de 400%, enquanto a Standard&Poor's, no mesmo período, apenas arrecadou 2%. Em segundo lugar, MJB aposta na especulação a longo prazo, e não nas bolhas destrutivas de curto prazo. Não é um industrial, mas um financeiro, i.e. colocar dinheiro onde lhe parece que poderá obter rendimentos razoavelmente seguros no médio e longo prazo. Finalmente, a denúncia que fez no The New York Times, em abril de 2010 —“I Saw the Crisis Coming. Why Didn’t the Fed?”—, sobre a incúria das autoridades políticas e financeiras americanas relativamente à tempestade cuja poeira era já claramente visível em 2005-2006, valeu-lhe uma perseguição policial típica das ditaduras burocráticas do Oriente.

Última atualização: 25 jun 2012 11:45

terça-feira, junho 19, 2012

Depois do crescimento



O crescimento exponencial condenado, explicado de modo magistral por Albert Bartlett

Arithmetic, Population, and Energy, by Dr. Albert A. Bartlett

 Four million views for an old codger giving a lecture about arithmetic? What's going on? You'll just have to watch to see what's so damn amazing about what he (Albert Bartlett) has to say.

I introduce this video to my students as “Perhaps the most boring video you’ll ever see, and definitely the most important.” But then again, after watching it most said that if you followed along with what the presenter (a professor emeritus of Physics at University of Colorado-Boulder) is saying, it’s quite easy to pay attention, because it is so damn compelling — in YouTube.

A mundo moderno cresceu ao longo dos últimos duzentos anos à custa de incomensuráveis esforços, indescritível sofrimento e injustiças cuja escala de horror é pura e simplesmente indesculpável. Mas o mais trágico de tudo é que o formidável desenvolvimento tecnológico e social que acompanhou a revolução moderna acaba de bater numa parede matemática implacável.

Os sinais foram evidenciados, entre outros, por M. King Hubbert, em 1956, tendo então demonstrado com fundamento bastante a aproximação do pico petrolífero. A solução que anteviu como única alternativa ao fim do petróleo e do carvão economicamente útil, para dar continuidade a uma civilização humana tecnologicamente avançada, foi a do uso generalizado da energia nuclear, como novo paradigma energético da civilização. Mais tarde, em 1972, um outro relatório, igualmente fundamentado, veio chamar a nossa atenção para a inviabilidade do nosso modelo de crescimento: The Limits to Growth, de Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jørgen Randers, and William W. Behrens III.

É possível que tecnologias muito mais seguras e avançadas de energia nuclear venham a dar resposta, pelo menos parcial, ao declínio inexorável dos combustíveis fósseis. Os principais problemas relacionados com a substituição do carvão/petróleo/gás natural por outras energias diz sobretudo respeito aos problemas de armazenagem, estabilização, portabilidade, transporte e preço das unidades de energia essenciais à vida das máquinas que nos assistem, a todo o momento e em quase tudo o que fazemos, e ainda à sua neutralidade relativamente aos demais recursos que extraímos da natureza e transformamos para nosso proveito, nomeadamente a terra arável. Nenhuma das chamadas energias alternativas, baseadas no vento, no Sol, nas ondas do mar, ou em biocombustíveis —do milho, cana de açúcar e pinhão manso, ao cultivo de algas— tem a mínima hipótese de substituir o colossal consumo de energia fóssil que tem alimentado o estilo de vida humano desde o tempo das primeiras máquinas a vapor à era do iPhone.

M. King Hubbert, gráfico sobre a era do carvão e do petróleo (1956)

A recente catástrofe nuclear de Fukushima veio atrasar em pelo menos uma década os esforços de convencer a opinião pública mundial de que existem tecnologias nucleares infinitamente mais seguras do que a dos reatores que derreteram em Chernobyl e no Japão. À medida que sincronizamos as leituras de Nuclear Energy  And The Fossil Fuels, de M. King Hubbert (1956), The Limits to Growth (1972), e Peaking of World Oil Production: Impacts, Mitigation, and Risk Management, escrito por Robert Hirsch para do US Department of Energy (2005), entre outras, o ano de 2030 aparece como o da grande implosão do modelo de crescimento que nos habituámos a ver como algo natural e eterno.

Na realidade, os avisos e os sintomas começaram a ser cada vez mais frequentes e graves desde a primeira crise petrolífera (1973), para cá. O colapso financeiro global em curso desde 2008, e do qual ninguém sabe como sair, ou mesmo se é possível sair, não é mais do que uma gigantesca crise de endividamento global com origem na insustentabilidade demográfica e energética do nosso modelo de crescimento. O buraco desta implosão equivale a mais de 12x o PIB mundial! Quem, como, quando, é que semelhante fossa abissal poderá ser tapada? Até quando este verdadeiro Fukushima financeiro fará sentir os seus efeitos letais? Até 2030? Até 2130? Até 3030? Ou até daqui a cinco mil anos — para usar a escala de Hubbert? Num lapso hilariante da presente crise, o BCE aceitou obrigações do tesouro de Portugal com maturidade prevista para 9999!


POST SCRIPTUM

Motivado por algumas perguntas sobre a veracidade do Peak Oil fiz umas contas rápidas para estimular a reflexão, tendo por horizonte a demografia humana prevista pela ONU e pelo USCB para 2100 e a compilação sobre produção petrolífera de John H. Walsh.

Produção mundial de petróleo (máx.) = 80 milhões de barris/dia = 29.200.000.000 bbl/ano

População mundial (março, 2012) = 7.000.000.000

Produção mundial de petróleo per capita = 4,171 bbl/ano

Crescimento demográfico mundial, líquido, médio e anual, até 2100 : +78 milhões de pessoas/ano

Necessidade suplementar de petróleo (mantendo-se o mix energético atual): +325.338.000 bbl/ano = +1.001.040 bbl/dia

Tendo em conta a queda da taxa de crescimento demográfico mundial, para pouco mais de 1% ao ano (1,1% em 2011), pode dizer-se que para manter os atuais níveis de consumo de petróleo per capita seria necessário aumentar a produção em aproximadamente 1 milhão de barris por dia, em cada novo ano, até 2100. Nesta hipótese teórica, supõe-se que todos os poços de petróleo continuarão a produzir sem esgotar nos próximos 89 anos, ou que novos reservatórios substituirão os que entretanto secarem. Assim, se a partir de amanhã não se produzir 81 milhões de barris por dia, e no ano que vem, 82 milhões bbl/d, e em 2014, 83 milhões de bbl/d, 89 milhões bbl/d em 2020, e assim sucessivamente, o resultado é óbvio: a produção per capita começará a decrescer, as tensões pela partilha do petróleo tenderá a aumentar, e a tudo isto não há como não chamar Peak Oil!

 Última atualização: 19 junho 2011 12:48