O tempo trágico por vir, chegou...
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Marco Ferreri — La Grande Bouffe (1973) Na imagem: Michel Piccoli e ? |
Em 1972 Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jørgen Randers publicaram
The Limits to Growth. Um ano antes, a produção petrolífera americana atingira o seu pico e
Nixon anunciara unilateralmente o fim do Acordo de Bretton Woods. Um ano depois dar-se-ia a primeira grande crise petrolífera e a
Guerra de Yom Kippur. Neste mesmo ano a alegoria escatológica de Marco Ferreri,
La Grande Bouffe, ganhou o prémio da crítica do Festival de Cinema de Cannes. Quase quarenta anos depois, a sociedade do consumo começa francamente a desfazer-se, sem descortinarmos que outra lhe poderá suceder.
A humanidade, tal com previra Donella Meadows, pode já ter passado
para lá do limite de segurança da sua própria sustentabilidade,
restando-lhe agora esperar pelas consequências de um desastre
inevitável. Os limites de crescimento potencial do modelo económico e demográfico baseado no uso intensivo de formas de energia barata foi atingido. E nem
mesmo a China parece em condições de resistir ao que aí vem, pois já deixou de
poder exportar para as economias falidas do Ocidente o suficiente para
continuar a recuperar a ritmo galopante o seu atraso económico, tecnológico, social e
cultural face à Europa, Japão, Estados Unidos e Canadá. Uma coisa é vermos o PIB da China aproximar-se rapidamente do PIB americano, ou do da União Europeia, outra bem diferente é compararmos o PIB
per capita chinês com os correspondentes níveis de produção
per capita no Ocidente industrializado. A China não consegue, nem creio que conseguirá alguma vez, gerar internamente a
escala e a qualidade de consumos que permitam seguir o conselho algo
cínico
dado por Christine Lagarde aos políticos e homens de negócios chineses: deixem de depender tão criticamente das exportações e do investimento!
O sonho americano e o sonho europeu, assentes na ilusão de uma sociedade de consumo, prazer e bem-estar social sem limites, alimentada por energias baratas, pela exploração colonial e finalmente pelo endividamento compulsivo, acabou em pesadelo. O pesadelo da destruição sistémica do emprego, o pesadelo da insolvência e da austeridade sem fim, e o pesadelo do colapso irreversível do estado social, inicialmente criado por Bismarck, no século 19, para travar a emigração germânica para a América, onde se pagavam, e pagaram até ao fim do século 20, melhores salários do que no resto do planeta. O reajustamento acabará por se dar, só não sabemos quanto vai custar e quantas vítimas irá causar.
Em Portugal os analistas despertaram tardiamente para a gravidade destes problemas. A busca desesperada de bodes expiatórios arrancou em força depois de se perceber duas coisas simples: que uma parte da sociedade tem sido sangrada e sugada paulatinamente desde os tempos de Manuela Ferreira Leite, e de forma brutal desde que assinámos o Memorando com a Troika, mas que uma outra, composta por uma difusa e algo tenebrosa elite e excepções indecorosas, tenta descaradamente escapar às suas responsabilidades. Os casos da TAP, da RTP, da Caixa Geral de Depósitos, ou do Banco de Portugal, já para não falar das mordomias parlamentares e partidárias, são um insulto intolerável à inteligência e ao que resta da democracia!
O governo já aumentou impostos e vai continuar a aumentá-los, já reduziu benefícios fiscais e despesa pública e vai ter que continuar a reduzi-los, continua, em suma, a leiloar
Bilhetes do Tesouro. Só não imprimiu moeda, porque não pode!
Parte da liquidez que nos chega da Troika regressa à origem sob a forma de juros. Pelo caminho vão-se saldando parte das dívidas e impede-se o incumprimento (bancarrota), permitindo ao mesmo preparar devedores e credores para uma reestruturação mais ou menos próxima da dívida.
Os bancos não emprestam, e então o dinheiro foge dos bancos!
São as duas faces de uma mesma moeda: a moeda da deflação monetária. Mais cedo ou mais tarde terá que haver alguma reflação, sob pena de as economias europeias entrarem num ciclo depressivo semelhante ao do Japão: juros negativos, estagnação económica, regresso ao endividamento público para acudir à emergência social e para manter o sistema financeiro numa qualquer unidade de cuidados intensivos, desemprego endémico, crise política permanente...
A tosquia grega, ao contrário do que boa parte das Cassandras inglesas e de Wall Street previram aos quatro ventos, não fez ruir o dominó do euro. Temos, pois, um caso de estudo pela frente!
…as anticipated by LEAP/E2020, the handling of the “Greek crisis” (9) has quickly caused the disappearance of the so-called “Euro crisis” from the media headlines and market participants’ concerns. The mass hysteria maintained by the Anglo-Saxon media and the Eurosceptics during the second half of 2011 on this subject hasn’t lasted long: Euroland is increasingly asserting itself as a sustainable structure (10); once again the Euro is in vogue in the markets and for emerging countries’ central banks (11), the Eurogroup/ECB functioned effectively and private investors will have to accept a haircut of up to 70% on their Greek assets, thus confirming LEAP/E2020’s 2010 anticipation which then spoke of a 50% haircut when almost no-one imagined such a possibility without a “catastrophe” signalling the end of the Euro (12). Ultimately, markets always yield to the law of the strongest… and the fear of losing more, whatever the students of ultra-liberalism may say. GEAB Nº63.
Na realidade, nem todos os analistas anglo-saxónicos estão a soldo da propaganda de Wall Street e Washington. Continua a haver cabeças pensantes e que pensam bem e com honestidade sobre os problemas. Dois exemplos: a análise recente da
Bridgewater sobre alguns casos históricos de reestruturação de economias excessivamente endividadas, e sobretudo o muito estudado relatório publicado em 2011 pelo
The Boston Consulting Group:
Collateral Damage
Back to Mesopotamia?
The Looming Threat of Debt Restructuring
David Rhodes and Daniel Stelter
September 2011 (
PDF)
Primeiro, vamos ao resumo do ZeroHedge sobre a investigação da Bridgewater, da autoria de Ray Dalio —
An In-Depth Look At Deleveragings (
PDF):
Last month, the world's biggest hedge fund, Bridgewater, issued a fascinating analysis of deleveraging case studies through the history of the world, grouped by final outcome (good, bad and ugly). As Dalio's analysts note: "the differences between deleveragings depend on the amounts and paces of 1) debt reduction, 2) austerity, 3) transferring wealth from the haves to the have-nots, and 4) debt monetization. Each one of these four paths reduces debt/income ratios, but they have different effects on inflation and growth. Debt reduction (i.e., defaults and restructurings) and austerity are both deflationary and depressing while debt monetization is inflationary and stimulative. Ugly deleveragings get these out of balance while beautiful ones properly balance them. In other words, the key is in getting the mix right." Of these the most interesting one always has been that of the Weimar republic, as it certainly got the mix wrong.
[…] as BCG showed last year [2011], the global debt overhang (on a net blended basis) to reduce global Debt to GDP to a "sustainable" 180%, would require the elimination of $21 trillion in debt, one way or another, with the excess debt concentrated primarily in the US ($8.2 trillion) and the Eurozone ($6.1 trillion).
in ZeroHedge, Presenting Bridgewater's Weimar Hyperinflationary Case Study (LINK)
E agora vamos ao resumo do ZeroHedge sobre o já famoso
Back to Mesopotamia:
Boston Consulting Group confirms, the "muddle through" is dead. And now it is time to face the facts. What facts? The facts which state that between household, corporate and government debt, the developed world has $20 trillion in debt over and above the sustainable threshold by the definition of "stable" debt to GDP of 180%. The facts according to which all attempts to eliminate the excess debt have failed, and for now even the Fed's relentless pursuit of inflating our way out this insurmountable debt load have been for nothing. The facts which state that the only way to resolve the massive debt load is through a global coordinated debt restructuring (which would, among other things, push all global banks into bankruptcy) which, when all is said and done, will have to be funded by the world's financial asset holders: the middle-and upper-class, which, if BCS is right, have a ~30% one-time tax on all their assets to look forward to as the great mean reversion finally arrives and the world is set back on a viable path.
in ZeroHedge, The "Muddle Through" Has Failed: BCG Says "There May Be Only Painful Ways Out Of The Crisis" (LINK)
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Se repararmos no caso portugês, ficamos a conhecer algumas cifras aterradoras:
- Em 2009 a nossa dívida total (pública, empresarial e doméstica) já rondava os 312% do PIB
- Ou seja, para regressar aos limites de sustentabilidade teórica (180% do PIB) seria preciso, considerando os números de 2009, uma redução do nosso endividamento na ordem dos 221 mil milhões de dólares!
Em 2009 o endividamento das empresas não financeiras (139%) estava bem acima das dívidas pública (76%) e doméstica (97%). A avaliação confere, aliás, com o que vamos sabendo das escandalosas dívidas acumuladas pelas empresas do setor empresarial do Estado que se colocaram artificialmente fora do perímetro orçamental público, das PPPs e do setor imobiliário.
Sabe-se, entretanto, que medidas de austeridade que impliquem cortes orçamentais anuais acima dos 3% do PIB redundam rapidamente em agitação social. Ou seja, e no caso português, o limite da austeridade poderá andar pelos cinco mil milhões de euros anuais, ou seja, para regressar aos 180% de endividamento global teríamos que aguentar mais de quatro décadas de empobrecimento contínuo!
Como está bem de ver, é impossível, e portanto o discurso otimista de Vitor Gaspar aposta numa má notícia externa (a da própria insustentabilidade do sobre endividamento europeu e americano) para desdizer o que vem afirmando à boca cheia neste últimos dias. Portugal não poderá evitar a reestruturação, isto é o repúdio de uma parte da sua colossal dívida. Tal como na Grécia, quem tiver Bilhetes do Tesouro de Portugal será forçado, mais cedo ou mais tarde, a trocá-los por outros, valendo substancialmente menos.
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Hu Jieming, Raft of the Medusa, 2002, Photo |
Em 2002 o artista chinês Hu Jieming, de Xangai, que eu convidara a expor em Portugal, no já longínquo ano de 1999, realizou uma foto-montagem digital quase tão profética quanto o filme de Marco Ferreri. Parodiando a famosa pintura histórica de Théodore Géricault,
Le Radeau de la Méduse, Jieming anuncia o impossível sonho da sociedade de consumo chinesa. Xangai crescia então exponencialmente. Desde 2008, porém, que a China tem alimentado uma bolha imobiliária gigantesca, na expectativa de conter o alastramento dramático do seu contingente de mais de quarenta milhões de desempregados. Quando rebentar, e já começou a rebentar, o sonho americano da China esfumar-se-à, deixando atrás de si cidades abandonadas e muitos náufragos :(