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Gasoduto do Nabucco: a resposta à chantagem de Putin |
O dossier energético e a guerra na Síria: o caso do pipeline Irão-Iraque-Síria
Por José Manuel Castro Lousada
I - Primeiro as generalidades
De
um lado temos o governo sírio, dirigido por um alauíta do partido Baath,
xiitas, sunitas moderados, cristãos, ortodoxos, curdos e drusos. Assad é
apoiado pela Rússia, Irão, Líbano, Hezbollah e palestinos. De outro
lado, a oposição síria "livre" e grupos sunitas, alguns dos quais
extremistas. EUA, Reino Unido, França, Arábia Saudita, Qatar e Turquia
apoiam de alguma forma os rebeldes, fornecendo armas e dando cobertura
política.
No Médio Oriente a política e a religião
estão interligadas. A guerra mexe com toda a região e com a temperatura
internacional. A Síria tem um governo autoritário. Não obstante, desde
há duas décadas e até ao início da revolta na rua em 2011, Assad
conseguiu manter a unidade nacional, proporcionando à população educação
e saúde gratuitas, garantindo às diferentes comunidades étnicas uma
convivência pacífica. Os cristãos não eram perseguidos, apesar de não
serem a maioria, mas na Síria não há maiorias expressivas.
Os
EUA e seus aliados são acusados de apoiar directa ou indirectamente a
Jablat Al Nusra e outras organizações jihadistas por intermédio do
Exercito Sírio Livre e de outros "moderados", para destruir a Síria
laica e independente. Invocaram que Assad é um tirano e que usou armas
químicas contra o seu povo, mas a Rússia e a imprensa internacional
mostraram armas químicas na posse da Al Nusra que, segundo alegado,
foram fornecidas pelos norte-americanos e estados do Golfo. Israel está
de atalaia.
A rebelião popular de 2011 surgiu no
quadro da Primavera Árabe. Para alguns analistas, especialmente
iranianos e russos, houve um aproveitamento das primaveras árabes para
orquestrar a queda de Assad. A revolução na rua terá sido incentivada
pelos EUA, Reino Unido, Holanda e parceiros do clube Bilderberg.
Argumentam que os operacionais da Al Nusra e organizações similares não
falam siríaco mas sim árabe e que muitos rebeldes "moderados" não são
sírios.
Em 2011 existiam dezenas de bancos na
Síria, o que indiciava um razoável nível de liberdade económica. Haverá
corrupção no governo ou em redor do governo, como em muitos outros
países. Tem-se afirmado também que o regime não permite eleições livres,
segundo um padrão ocidental. Mas qual é o país árabe onde existem
eleições livres e democráticas? A Al Zajeera e a Al Arabia têm
manipulado os media contra Assad e a comunidade internacional
diabolizou-o a partir de 2003, quando recusou apoiar a guerra contra o
Iraque. O que ainda mantém o regime são as instituições sírias, o povo e
as forças armadas. E, evidentemente, o apoio da Rússia e do Irão.
É
provável que se Assad cair a guerra civil sectária continue, numa senda
de progressiva balcanização do território, sendo o poder ocupado por
grupos islâmicos que não vão permitir a existência de outros credos.
Cristãos, curdos, drusos, xiitas e alauítas, ou seja um total de 4
milhões de sírios, aguardarão o resultado da guerra para saber se podem
continuar no país. Perspectivando soluções de governo: os sunitas são
aproximadamente 65% da população e aspiraram exercer o poder. Olhando
para o padrão da península arábica, o mais natural será o nascimento de
um novo estado islâmico sob os auspícios da Irmandade Muçulmana. No que em particular interessa aos cristãos,
a queda do regime de Damasco apressará o fim da história da Cristandade no Médio Oriente. Os maronitas do Líbano não conseguirão evitar a pressão dos islamitas sírios ou absorver a infindável chegada de refugiados.
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O chamado Gasoduto Islâmico |
II - A conexão entre a política energética e a guerra na Síria
O
que estava errado num dos países mais democráticos e multi-culturais do
Médio Oriente, a Síria, para chamar a atenção do Ocidente e concitar a
oposição dos defensores da democracia, ao ponto de serem considerados
"combatentes da liberdade" indivíduos que no Ocidente seriam tratados
como terroristas?
Os problemas geopolíticos
relacionados com a produção, transporte e uso do gás natural -
eventualmente o principal combustível do século XXI - estão, talvez,
mais do que qualquer outro tema, no radar dos estrategas ocidentais. F.
William Engdahl, consultor em energia, diz que o gás natural é o
ingrediente inflamável que alimenta a corrida à energia na região. A
guerra em curso é sobre se os gasodutos que abastecerão a Europa, de
leste para oeste, seguirão do Irão e do Iraque para a costa mediterrânea
da Síria, ou se farão uma rota mais pelo norte, do Qatar e da Arábia
Saudita, através da Síria e da Turquia. Tendo percebido que o fluxo do
encalhado pipeline Nabucco (e de todo o Corredor Meridional) é
abastecido apenas por reservas do Azerbaijão, e que não pode nunca
igualar o fornecimento russo para a Europa ou impedir a construção do
South Stream, o Ocidente está com pressa em recorrer ao Golfo Pérsico. A
Síria, elo fundamental nesta cadeia, alinha com o Irão e a Rússia.
Como tal, ter-se-á decidido nas capitais ocidentais que Assad tem de
cair. A luta pela democracia é uma falsa bandeira exibida para encobrir
objectivos não declarados.
Recorde-se que a
rebelião na Síria teve início há três anos, quase ao mesmo tempo em que
era assinado em Bushehr, no sul do Irão, em 25 de Junho de 2011, um
memorando respeitante à construção de um novo gasoduto
Irão-Iraque-Síria, para ligar 1.500 km desde Asaluyeh, no campo de gás
natural de North Dome/South Pars (compartilhado pelo Qatar e pelo Irão),
a Damasco. O gasoduto percorre 225 km em território iraniano, 500 km no
iraquiano e 500-700 km em terra síria. Mais tarde, poderá prolongar-se
pelo leito do Mediterrâneo até à Grécia. A possibilidade de fornecimento
de gás liquefeito para a Europa através dos portos sírios no
Mediterrâneo também está em cima da mesa. Os investimentos montam a 10
biliões de dólares.
O projecto, conhecido por "gasoduto
islâmico", deveria entrar em operação entre 2014 e 2016. A capacidade
projectada é de 110 milhões de metros cúbicos de gás por dia (40 biliões
de m3/ano). Iraque, Síria e Líbano já assumiram que necessitam do gás
iraniano (25-30 milhões de m3/dia para o Iraque, 20-25 milhões de m3
para a Síria e 5-7 milhões de m3 para o Líbano até 2020). Uma parte será
fornecida através do sistema de transporte de gás árabe para a
Jordânia. O projecto concorreria com o Nabucco, promovido pela União
Europeia (capacidade estimada de 30 bilhões de m3 de gás/ano), que não
tem reservas suficientes. Planeou-se o trajecto do Nabucco pelo Iraque,
Azerbaijão, Turcomenistão e Turquia. Após a assinatura do memorando
sobre o Pipeline Islâmico, o director da Companhia Nacional de Gás
Iraniano (NIGC), Javad Oji, afirmou que o South Pars, com reservas de 16
triliões de m3, é uma "fonte confiável de gás e um pré-requisito para a
construção de um gasoduto com uma capacidade que o Nabucco não tem".
Cerca de 20 biliões de m3/ano seguiriam para a Europa, concorrendo com
os 30 biliões do Nabucco, mas não com os 63 biliões do South Stream
russo.
Um gasoduto do Irão seria altamente rentável
para a Síria. A Europa também beneficiaria com a construção, mas no
Ocidente há outras ideias. Os parceiros fornecedores de gás do Golfo
Pérsico não estavam satisfeitos com a concorrência, nem era suposto
estarem, nem sequer o transportador número um, a Turquia, que ficaria
fora de jogo. A "Unholy Alliance" constituída para o negócio declarou
ter por objectivo "proteger os valores democráticos" no Médio Oriente,
ao arrepio da forma como as monarquias do Golfo lidam com tais valores.
Os
estados sunitas percepcionam o Pipeline Islâmico segundo contradições
interconfessionais, considerando-o um "gasoduto xiita do Irão xiita,
através do território do Iraque com a sua maioria xiita e para o
território do amigo xiita-alauíta Assad". Como refere F. William
Engdahl, este drama geopolítico é intensificado pelo facto de o campo de
Pars Sul se encontrar no Golfo Pérsico, directamente na fronteira entre
o Irão xiita e o Qatar sunita que, não sendo adversário para o Irão,
faz uso activo das suas ligações à presença militar dos EUA e britânica
no Golfo Pérsico. No território do Qatar está um nó do “Pentagon’s
Central Command of the U.S. Armed Forces”, o quartel-general do “Head
Command of the U.S. Air Force”, o “N.º 83 Expeditionary Air Group of the
British Air Force” e a “379th Air Expeditionary Wing of the U.S. Air
Force”. O Qatar, escreve Engdahl, tem outros planos para o Pars Sul, é
avesso a esforços conjuntos com o Irão, Síria e Iraque, e fará o
possível para impedir a construção do pipeline, incluindo armar os
"rebeldes", muitos deles sauditas, paquistaneses e líbios.
A
determinação do Qatar é ainda alimentada pela descoberta, em 2011, de
uma área de produção de gás na grande Síria, perto da fronteira com o
Líbano, não muito longe do porto mediterrâneo de Tartus, arrendado à
Rússia, e pela detecção de um importante campo de gás perto de Homs.
Segundo estimativas preliminares, tais descobertas devem aumentar
substancialmente as reservas de gás do país, que já ascendiam a 284
biliões m3. A perspectiva da exportação de gás sírio ou iraniano para a
Europa através de Tartus joga contra os interesses do emirado e dos seus
patronos ocidentais.
Segundo a Global Research, o
jornal árabe Al-Akhbar revelou informações sobre um plano aprovado pela
administração norte-americana destinado à construção de um gasoduto
Qatar-Europa, envolvendo a Turquia e Israel. A capacidade não é
mencionada, mas, considerando os recursos do Golfo Pérsico e do
Mediterrâneo oriental, poderia ultrapassar tanto a do Pipeline Islâmico
como a do Nabucco, fazendo frente ao South Stream russo. O principal
encarregado do projecto é Frederick Hoff, "responsável pelas questões de
gás no Levante" e membro do "Comité norte-americano para a crise
síria". O pipeline teria origem no Qatar, atravessaria território
saudita e jordano, contornando o Iraque xiita, até chegar à Síria. Perto
de Homs, o gasoduto ramificar-se-ia em três: para Latakia, Trípoli, no
norte do Líbano, e Turquia. Homs, onde existem reservas de
hidrocarbonetos, é o "principal entroncamento do projecto".
Nas
proximidades da cidade e do ponto-chave Al-Qusayr travam-se algumas das
batalhas mais ferozes e é o sector onde o futuro da Síria se joga: os
locais onde os rebeldes operaram com o apoio dos EUA, Qatar e Turquia,
ou seja a norte, Homs e arredores de Damasco, coincidem com a rota
prevista para o gasoduto, em direcção ao Líbano e à Turquia. Um cotejo
entre o mapa dos combates e o mapa da rota do pipeline Qatar-Europa
indicia uma ligação entre a guerra e a necessidade de controle
territorial. São três os objectivos a atingir: "quebrar o monopólio de
gás natural da Rússia na Europa; libertar a Turquia da dependência do
gás iraniano; e dar a Israel a oportunidade de exportar o seu gás para a
Europa por terra, com menos custos". Pepe Escobar, analista do Asia
Times, afirmou que o emir do Qatar fez, aparentemente, um acordo com a
Irmandade Muçulmana, apoiando a sua expansão internacional em troca de
um pacto de paz no Emirado.
A Irmandade Muçulmana na Jordânia e na Síria
alteraria abruptamente todo o mercado geopolítico mundial do gás
natural - decididamente a favor do Emirado e em detrimento da Rússia,
Síria, Irão e Iraque. Seria também um duro golpe para a China.
Entre outros objectivos,
a
guerra na Síria permitirá impulsionar o projecto do pipeline
Qatar-Europa e desmantelar o acordo celebrado entre Teerão, Bagdad e
Damasco. A implementação deste foi interrompida várias vezes devido à
acção militar, mas em Fevereiro de 2013 o Iraque mostrou
disponibilidade para assinar um acordo-quadro que permitiria a
construção do gasoduto. Pouco depois, novos grupos xiitas iraquianos
manifestaram-se em apoio de Assad. As participações no "jogo de
eliminação" sobre o Pipeline Islâmico iniciadas na Síria pelo Ocidente
continuarão a crescer. O fim do embargo da União Europeia ao armamento
dos rebeldes sírios, que segundo a BBC mereceu a oposição inicial da
maioria dos estados-membros, poderá não chegar para ajudar os rebeldes.
Quanto
à civilização e à justiça, quando o lucro está em causa, os sentimentos
não contam. O que importa é não jogar a carta errada neste jogo que
cheira a sangue e a gás.
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O pipelina que liga Síria ao Qatar |
Fonte da
parte II deste texto, correspondendo à sua quase tradução integral:
The Geopolitics of Gas and the Syrian Crisis: Syrian “Opposition” Armed to Thwart Construction of Iran-Iraq-Syria Gas Pipeline
By Dmitry Minin
Global Research, September 19, 2014/ Strategic Culture Foundation 31 May 2013
NOTA (O António Maria)
Ainda a propósito dos contornos desta espécie de Cruzada pós-moderna contra países muçulmanos, cuja origam principal é, desde 1917, a decisão ocidental de controlar a principal região petrolífera do planeta, vale a pena ler este texto de Glenn Greenwald
Glenn Greenwald. ¿Cuántos países musulmanes ha bombardeado u ocupado EE.UU. desde 1980?
Barack Obama, en su conferencia de ayer posterior a la elección, anunció que pedirá una Autorización para el Uso de Fuerza Militar (AUMF, por sus siglas en inglés) del nuevo Congreso, que autorice su campaña de bombardeo en Iraq y Siria – que comenzó hace tres meses. Si uno fuera generoso, diría que pedir autorización del Congreso para una guerra que comenzó hace meses es por lo menos mejor que librar una guerra incluso después que el Congreso rechazara explícitamente su autorización, como lo hizo Obama ilegalmente en el ahora colapsado país de Libia.
Cuando Obama comenzó a bombardear objetivos dentro de Siria en noviembre, señalé que era el séptimo país con preponderancia musulmana que había sido bombardeado por EE.UU. durante su presidencia (lo que no incluía el bombardeo por Obama de la minoría musulmana en las Filipinas). También señalé previamente que esta nueva campaña de bombardeo significa que Obama se ha convertido en el cuarto Presidente consecutivo de EE.UU. que ordenó que se lanzaran bombas sobre Iraq. Considerados por sí solos, ambos hechos son sorprendentemente reveladores. La violencia es tan corriente y continua que ya apenas nos damos cuenta. Precisamente esta semana, un drone estadounidense lanzó un misil que mató a 10 personas en Yemen, y los muertos fueron rápidamente calificados de “presuntos militantes” (lo que en realidad significa solo que son “varones en edad militar”); esos asesinatos apenas merecieron ser mencionados.
Para obtener una visión total de la violencia estadounidense en el mundo, vale la pena formular una pregunta más amplia: ¿cuántos países en el mundo islámico ha bombardeado u ocupado EE.UU. desde 1980? La respuesta fue suministrada en un reciente artículo de opinión en el Washington Post del historiador militar y ex coronel del ejército de EE.UU.,
Andrew Bacevich:
“Mientras los esfuerzos de EE.UU. por “degradar y finalmente destruir” a los combatientes del Estado Islámico se extienden a Siria, la III Guerra de Iraq se ha transformado discretamente en el Campo de Batalla XIV del Gran Medio Oriente. Es decir, Siria se ha convertido en por lo menos el 14º país en el mundo islámico que fuerzas estadounidenses han invadido, ocupado o bombardeado, y en los cuales soldados estadounidenses han matado o han sido muertos. Y eso es solo desde 1980.
Enumerémoslos: Irán (1980, 1987-1988), Libia (1981, 1986, 1989, 2011), Líbano (1983), Kuwait (1991), Iraq (1991-2011, 2014-), Somalia (1992-1993, 2007-), Bosnia (1995), Arabia Saudí(1991, 1996), Afganistán (1998, 2001-), Sudán (1998), Kosovo (1999), Yemen (2000, 2002-), Pakistán (2004-) y ahora Siria. ¡Vaya!.
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Atualização: 8 nov 2014, 16:28 WET